Alessandra Duarte e Pedro Motta Gueiros
DEU EM O GLBO
Para especialistas e moradores comuns, eleitorado mostrou novo patamar de cobrança por ética na política
Vencedor da eleição no Rio por apenas 55 mil votos, o peemedebista Eduardo Paes herdará uma cidade não apenas dividida, mas com uma cobrança por ética na política muito mais forte, em grande parte por causa do desempenho do adversário, Fernando Gabeira (PV). Para moradores, cientistas políticos, urbanistas e economistas, enquanto o verde deixa como marca uma mudança na forma de fazer campanha no Rio - tendo tido praticamente a mesma votação do rival, sem a máquina estadual e o apoio de 13 partidos -, o novo prefeito terá que pagar a fatura das alianças com os partidos políticos sem fisiologismo, se quiser atender à cobrança por relações mais éticas na política cobradas pelo eleitorado .
Para o cientista político Luiz Werneck Vianna, do Iuperj, uma das dificuldades do novo prefeito será a divisão do eleitorado:
- A parte que não está dentro (do apoio a Paes) é grande, metade da cidade. Além disso, ele tem contas a pagar, e contas ruins. A conta do (Jorge) Babu (do PT, acusado de envolvimento com milícias) é ruim de pagar - disse Vianna, para quem Paes terá de ser hábil para governar com a marca deixada por Gabeira. - Gabeira teve uma campanha sem muito partido, na qual a sociedade se fez envolver.
Pela internet, por exemplo, que foi incorporada por Gabeira à gramática das campanhas eleitorais, segundo Vianna:
- Os próximos candidatos terão de levar isso em conta. Por todas essas marcas deixadas, sem dúvida Gabeira foi o vencedor. Não o vejo numa disputa para o governo estadual ou numa nova eleição para prefeito. Acho que, a partir de agora, ele aparece como um parlamentar muito influente, como estimulador de uma nova política.
Entre os aliados e a ética
O professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Mauro Osório, doutor em planejamento urbano pelo Ippur, afirma que Paes terá de lidar com a exigência por ética levantada pela campanha de Gabeira:
- O Gabeira, no primeiro turno, conseguiu catalisar o sentimento pela ética, e mostrou que isso é uma demanda forte no Rio. Nas últimas décadas, a política na cidade teve uma hegemonia clientelista, e a população mostrou-se contra isso. A votação que Gabeira teve mostrou que as máquinas têm poder menor do que se pensa, e que a opinião pública conta muito numa eleição majoritária.
Para Osório, um desafio de Paes será atender aos pedidos dos apoios dos partidos que o elegeram e ao mesmo tempo atender a essa demanda da população por ética:
- Paes vai ter de não ser fisiológico ao nomear as secretarias e se relacionar com a Câmara, que continua predominantemente clientelista. Sem falar que alterou o campo político dele para vencer: o Paes nasceu com o Cesar Maia, na centro-direita, e agora venceu num campo centro-esquerda. Se ele, e também o governador Sergio Cabral, tiverem de consolidar a aliança com o PT, não pode ser de forma fisiológica. A população do Rio terá dois anos, até a eleição de 2010, para avaliar o governo do Paes e a sua aliança com o PT.
O professor de ciência política da PUC-Rio Ricardo Ismael chama atenção para a divisão geográfica do voto com o qual Paes terá que lidar. Para Ismael, Paes agora é devedor das forças políticas que o apoiaram. Ao mesmo tempo, terá de lidar com as promessas que fez, "em cima de novos gastos, como as UPAs e o bilhete único, num ano difícil, de crise internacional".
- Ele vai ter que ter muita criatividade - completa Ismael, para quem Gabeira "deixou uma marca política": - A outra campanha fazia um vale-tudo, com panfletos que podem ter pesado para eleitores menos esclarecidos. Já Gabeira mostrou que é possível fazer campanha com as forças sociais e sem os partidos, sem ficar refém de acordos políticos tradicionais. Ele reinventou a campanha no Rio, e agora a população passa a exigir isso.
O calor da disputa deixou marcas na velha relação. Para reconquistar a parte da cidade que perdeu, Paes tem a voz das ruas para orientá-lo. Ao sair de um restaurante, ontem à tarde em Ipanema, Gabeira foi aplaudido de pé e teve o nome gritado por moradores e trabalhadores. Como era dia de feira, o candidato do PV também foi ovacionado por barraqueiros e camelôs, saídos de várias partes da cidade.
- Dizer que o Gabeira é o candidato das elites é um preconceito com o qual não concordo. Mas já que essa visão partiu do Paes, ele deveria respeitar a tal parte intelectualmente superior e adotar as propostas do Gabeira - disse a urbanista Luísa Santos, que saudou a passagem de Gabeira enquanto almoçava com amigas num restaurante japonês.
Ao seu lado, a arquiteta Evelyn Gomes apontava o transporte público como principal caminho para a integração:
- É o principal. Se o prefeito conseguir fazer um planejamento, a cidade toda ganha.
Com dois cordões de dentes de alho em torno do pescoço, o feirante Diogo Rosário não tem expectativas de transformação pela política:
- Anulei o voto duas vezes, que paga minhas contas sou eu. Mês passado meu esgoto entupiu e, se eu não botasse a mão, ainda estaria assim.
Com oito filhos e uma barraca em que vende caju, jabuticaba e limão na feira que parou para aplaudir Gabeira ontem, o camelô Flávio Bastos votou no verde mas agora faz fé em Paes.
- Se for melhor do que o Cesar Maia, está bom. Precisamos trabalhar, mas a fiscalização não deixa - disse, apontando para sua banca.
- Votei no Paes porque tive um pouquinho de medo do novo. Se ele agir em toda a cidade, acaba com essa divisão - disse Luiz Dantas, sócio de uma loja em Ipanema.
Do outro lado da rua, as amigas do escritório de arquitetura ainda vão demorar para assinar embaixo dos projetos do novo prefeito.
- Temos que fiscalizar. Não ponho minha mão no fogo por ele, mas não estou contra, porque seria ficar contra o Rio - disse Ana Paula Philipsen.
O urbanista e ex-secretário municipal de Habitação Sérgio Magalhães avalia que Paes precisa, agora, investir na valorização do subúrbio, uma das tônicas de sua campanha:
- Precisa, por exemplo, investir no projeto de transformação de trens em metrôs e na recuperação dos corredores das zonas Norte e Oeste.
Projetos que alavanquem a receita do município nesse momento de crise, como a nota fiscal eletrônica, também devem ter atenção, segundo o economista Mauro Osório:
- Os programas dos dois candidatos não eram muito diferentes. A questão será a operacionalização, que vai depender da composição do secretariado e da relação com a Câmara. A boa relação com o estado e a União não é tudo.
Paes deve mirar na classe média
Para conservar a base de apoio e recuperar o eleitorado que perdeu, Paes tem alguns compromissos a cumprir. Para o cientista político Ricardo Ismael, o prefeito eleito precisa honrar compromissos de campanha e atender a algumas demandas da classe média.
- Primeiro, terá que atender aos projetos sociais, como a saúde pública e o fim da aprovação automática. Disso, não pode fugir - disse Ismael, antes de enumerar as ações para se reaproximar do eleitorado perdido: - Além de ações para conter as favelas, a desordem urbana e do trânsito, Paes precisa ter cuidado para não lotear cargos. Com as alianças que fez, não será tarefa tão simples.
Palco de rivalidades acaloradas, ontem o Maracanã abrigava a tolerância. Depois de fazer hidroginástica, Maria de Oliveira, de 75 anos, se dirigia à aula de dança de salão no Maracanãzinho com orgulho das conquistas que teve, na vida e nas urnas. Órfã de pai e mãe desde os 10 anos, voltou a estudar aos 42 para se tornar auxiliar em enfermagem. Com 15 netos e sete bisnetos, escolheu Paes para cuidar do futuro da família:
- Acho que ele devia conversar com o Gabeira. A cidade não agüenta mais briga, quem sofre é o povo.