Ministro criará instrução fixando limite para patrocinador e proponente. A ideia é atacar a concentração
Robinson Borges e Rosângela Bittar | Eu & Fim de Semana/Valor Econômico
BRASÍLIA - O ministro da Cultura, Roberto Freire, vai anunciar nos próximos dias uma instrução normativa para a Lei Rouanet. Sua principal ação será fixar um limite de valor para o proponente e para o patrocinador cultural. Com essa medida, pretende atacar duas distorções bastante criticadas da lei de incentivo: a concentração e a regionalização. Um projeto não poderá ultrapassar o limite de R$ 10 milhões, salvo as exceções previstas na lei, como construção e restauração de obras. Haverá também uma barreira de valor para o patrocinador, ainda não definida. Se uma companhia quiser ultrapassar esse teto, terá de incentivar projetos em regiões que não têm tanto retorno de imagem. "Se tenho R$ 1 bilhão de renúncia fiscal, se deixo que isso fique para poucos espetáculos, gero concentração, não democratizo o acesso", diz Freire ao Valor.
A Lei Rouanet é a principal ferramenta de estímulo à cultura no Brasil, responsável por cerca de 80% dos recursos destinados ao setor. No ano passado, entretanto, houve uma redução de projetos aprovados e no valor de recursos aportados. A má fase já vinha de antes: em julho, iniciou-se a Operação Boca Livre, da Polícia Federal, que investiga desvio de recursos em projetos culturais com uso de isenção fiscal. Pouco antes, havia começado a abertura da CPI da Rouanet, que apura irregularidades na concessão de benefícios fiscais por meio da lei de incentivo.
Com a instrução, Freire pretende diminuir o passivo que a Lei Rouanet tem frente a opinião pública. "Estou querendo definir algo que corresponda à política de incentivo e, ao mesmo tempo, responda a alguma indignação por você olhar para um projeto que pede somas astronômicas. É o desperdício. Desperdício, porque o dinheiro é público", comenta.
Pernambucano, Roberto Freire, de 74 anos, foi eleito deputado federal pelo PPS, partido que presidiu. Ele já havia sido sondado pelo presidente Michel Temer para ficar responsável pela Cultura no início do governo, quando a pasta teria seu status reduzido a uma secretaria. No entanto, foi indicado oficialmente para o cargo em novembro, logo depois da ruidosa saída de Marcelo Calero. O ex-ministro da Cultura pediu demissão após afirmar que o então ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria do Governo) o teria pressionado a produzir parecer técnico para favorecer seus interesses pessoais.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão que está submetido à pasta da Cultura, havia permitido a construção de um prédio de até 13 andares numa região tombada de Salvador, mas o projeto original era de 31 andares. Geddel teria interesse no imóvel, pois seria proprietário de um dos apartamentos mais altos.
"O grave seria se os ministros tivessem continuado e se não tivéssemos referendado a decisão do Iphan. Aí você podia espantar. 'Um ministro caiu?' Ótimo! É sinal de que estamos numa democracia e que as leis são respeitadas, diferentemente de governos passados", diz.
Com um bolo total de cerca de R$ 2 bilhões, orçamento dividido com a Ancine - que fica com a maior fatia -, o Ministério da Cultura enfrenta escassez de recursos. Freire tenta convencer o governo Temer a não contingenciar os recursos do Fundo Nacional de Cultura, um instrumento para compensar a regionalização e a concentração das produções culturais. "Se houvesse um bom entendimento do governo, esse fundo não teria contingenciamento, porque não depende de arrecadação do governo. Depende de 3% da loteria", afirma "Nesse momento de crise, a discussão é saber se vai continuar." Hoje, são contingenciados R$ 280 milhões. O que chega ao ministério não ultrapassa os R$ 60 milhões.
Apesar de enaltecer as realizações da Ancine, o ministro considera a hipótese de transferir parte dos recursos da agência para a Secretaria do Audiovisual, que tem orçamento de R$ 10 milhões. "Vamos analisar", diz.
Ex-comunista, Freire afirma que permanece um homem de esquerda, mas hoje é um defensor do mercado. "Já fui do dirigismo total. Não deu certo. Porque algumas pessoas pensam: 'O mercado gera problema', mas o mercado é pluralista. Não posso, como Estado, definir quais são as obras que eu tenho que financiar", pondera.
O ministro diz que ainda não assistiu, mas pretende, a "Aquarius", filme de Kléber Mendonça Filho. O longa esteve no centro de protesto no Festival de Cannes contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o que teve apoio de parcela importante da classe artística, também refratária ao novo governo. "O diálogo com o setor foi retomado", afirma. "Pode ter lá muita gente que tenha esse histrionismo de imaginar que estamos vivendo num golpe. Num país que tem a plena liberdade, não tem preso político. Num regime democrático até a estultice política é permitida."
Leia, a seguir, trechos da entrevista: