“O conformismo, que sempre esteve em seu elemento na social-democracia, não condiciona apenas suas táticas políticas, mas também suas ideias econômicas. E uma das causas do seu colapso posterior. Nada foi mais corruptor para a classe operária alemã que a opinião de que ela nadava com a corrente. O desenvolvimento técnico era visto como o declive da corrente, na qual ela supunha estar nadando. Daí só havia um passo para crer que o trabalho industrial, que aparecia sob os traços do progresso técnico, representava uma grande conquista política. A antiga moral protestante do trabalho, secularizada, festejava uma ressurreição na classe trabalhadora alemã. O Programa de Gotha já continha elementos dessa confusão. Nele, o trabalho é definido como "a fonte de toda riqueza e de toda civilização". Pressentindo o pior, Marx replicou que o homem que não possui outra propriedade que a sua força de trabalho está condenado a ser "o escravo de outros homens, que se tornaram... proprietários". Apesar disso, a confusão continuou a propagar-se, e pouco depois Josef Dietzgen anunciava: "O trabalho é o Redentor dos tempos modernos... No aperfeiçoamento... do trabalho reside a riqueza, que agora pode realizar o que não foi realizado por nenhum salvador". Esse conceito de trabalho, típico do marxismo vulgar, não examina a questão de como seus produtos podem beneficiar trabalhadores que deles não dispõem. Seu interesse se dirige apenas aos progressos na dominação da natureza, e não aos retrocessos na organização da sociedade. Já estão visíveis, nessa concepção, os traços tecnocráticos que mais tarde vão aflorar no fascismo.
Entre eles, figura uma concepção da natureza que contrasta sinistramente com as utopias socialistas anteriores a março de 1848. O trabalho, como agora compreendido, visa uma exploração da natureza, comparada, com ingênua complacência, à exploração do proletariado. Ao lado dessa concepção positivista, as fantasias de um Fourier, tão ridicularizadas, revelam-se surpreendentemente razoáveis. Segundo Fourier, o trabalho social bem organizado teria entre seus efeitos que quatro luas iluminariam a noite, que o gelo se retiraria dos polos, que a água marinha deixaria de ser salgada e que os animais predatórios entrariam a serviço do homem. Essas fantasias ilustram um tipo de trabalho que, longe de explorar a natureza, libera as criações que dormem, como virtualidades, em seu ventre. Ao conceito corrompido de trabalho corresponde o conceito complementar de uma natureza, que segundo Dietzgen, "está ali, grátis"."
*Walter Benjamin (julho 1892-setetembro 1940), ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo judeu alemão. Associado à Escola de Frankfurt e à Teoria Crítica. Obras Escolhidas, volume 1, p. 222. Editora Brasiliense, 3ª Edição, São Paulo,1987.,