sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Marco Aurélio Nogueira* -Fala joga lenha numa fogueira que horroriza e assusta

- O Estado de S. Paulo

Dado o histórico dos expoentes do bolsonarismo, não chegam a surpreender as declarações do deputado Eduardo Bolsonaro.

Mas elas são espantosas e estão causando profundo mal-estar e ruído na política nacional. “Estarrecedoras”, “irresponsáveis” e “repugnantes” foram os adjetivos mais suaves empregados pelas inúmeras pessoas (militares, parlamentares, juristas, sociedade civil) que repudiaram as declarações do deputado. O pai presidente disse que o filho estava “sonhando” e lamentou que tenha falado o que falou. Pouquíssimos o defenderam. Muitos pediram sua cassação.

Eduardo nem sequer se preocupou com a Constituição e a verdade dos fatos. Para ele, havendo manifestações de rua como as que estão a sacudir o Chile, o tratamento terá de ser policial, duro, violento. “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, vamos precisar dar uma resposta. E essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália”, afirmou.

O deputado talvez não saiba, mas a “resposta italiana” a que se refere ocorreu durante o fascismo, em 1929, quando as eleições foram substituídas por plebiscitos, nos quais o povo dizia sim ou não a uma lista de candidatos escolhida pelo Grande Conselho Fascista.

De uma só tacada, Eduardo falou de “esquerda”, “radicalização”, “inimigos internos” e “guerra assimétrica” sem se preocupar em definir do que está precisamente falando e jogou lenha numa fogueira que horroriza e assusta.

*Marco Aurélio Nogueira, professor de teoria política da Unesp

Eliane Cantanhêde - Leões, hienas e abutres

- O Estado de S.Paulo

As feras estão à solta, mas quem é mais perigoso: hienas ou leões pró-ditaduras?

Assim como o vídeo das hienas, os movimentos do presidente Jair Bolsonaro e dos seus filhos têm um objetivo: mobilizar os “leões conservadores e patriotas”, ou seja, os bolsonaristas. Não exatamente para defender a Pátria, mas para guerrear contra os inimigos, reais ou imaginários.

Bolsonaro e seu filho Carlos brincaram de empurra-empurra no caso do vídeo, retirado das redes depois de poucas horas e muitas reações. Na peça, Bolsonaro é um leão atacado por “hienas”, bichos de péssima reputação: Supremo, partidos, mídia, OAB, ONGs e até a ONU. No final, o “leão conservador e patriota”, representando os bolsonaristas de toda ordem, vem unir-se a ele contra as feras.

Há dúvidas, porém, sobre quem são as feras, principalmente depois que o líder do PSL na Câmara Eduardo Bolsonaro, ex-quase embaixador em Washington, dispensou metáforas e filmetes ridículos e ameaçou o País com a volta do AI-5, o mais demoníaco instrumento formal da ditadura militar, que permitiu fechar o Congresso, perseguir ministros do STF, censurar a imprensa, suprimir as garantias individuais.

Os dois depoimentos nebulosos do tal porteiro do condomínio de Bolsonaro no Rio serviram de carne aos leões e de munição para a guerra contra as instituições. A longa reação do presidente, de madrugada, num país longínquo, saiu da seara da legítima defesa para a do ataque à “hiena” mídia e ao governador Wilson Witzel. Mais uma vez, soou como chamamento irado aos “leões conservadores e patrióticos”.

Fernando Gabeira - Uma certa dimensão do desastre

- O Estado de S.Paulo

A mancha de óleo no Nordeste vem de um oceano castigado, em rápida degradação

O desastre no Nordeste não é apenas desconcertante pelo mistério de sua origem, a imprevisibilidade da aparição do óleo. Ele encerra, espero, um ano de grandes turbulências ambientais no Brasil.

Tivemos incêndios na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado, em importantes parques nacionais, como o da Serra do Cipó, chamado de Jardim do Brasil pelo paisagista Burle Marx. Fora do Brasil as coisas também não foram tranquilas, sobretudo com os grandes incêndios na Califórnia.

Incêndios na Amazônia, no Pantanal ou mesmo na Califórnia acontecem quase todos os anos, mas têm sido mais intensos. E em alguns lugares cai a disponibilidade de água.

Tudo indica que entramos numa era irreversível de eventos extremos. Isso num momento em que temos um governo despreparado para encarar essa dramática dimensão. E dificilmente, a julgar pela reação às manchas de óleo no Nordeste, conseguirá acompanhar o seu tempo. Bolsonaro, por exemplo, não foi ao Nordeste, não entendeu a gravidade do problema, não esboçou um gesto pessoal de solidariedade. Isso é o bê-á-bá da conduta de um presidente.

Existem vários fatores que obliteram sua visão. Um deles é entender o desastre ambiental como uma luta política. Achar um culpado à esquerda, desafiar ONGs, enfim, em vez de se preocupar com o oceano, prefere alvejar seus adversários.

Ricardo Noblat - Família que marcha unida permanece unida

- Blog do Noblat | Veja

É tudo combinado!
Quantas vezes você já não viu, escutou ou leu que o presidente Jair Bolsonaro desautorizara a fala ou o gesto do filho tal, do filho tal e do filho tal? O menos desautorizado deles é Flávio, eleito senador, parceiro de Queiroz em rachadinhas mil. É o que fala pouco.

O mais desautorizado é Carlos, o vereador, responsável pelo perfil do pai nas redes sociais e dono das senhas dele. No ritmo que vai, qualquer hora dessas Carlos será ultrapassado por Eduardo, o deputado federal, como o mais desautorizado dos filhos.

Qualquer filho se sentiria mal com tantas repreensões – os garotos Bolsonaro, não. Porque eles jogam de comum acordo com o pai, dizem o que ele quer que digam, falam o que o pai não pode ou não deve falar, aguentam o tranco, e assim o baile vai em frente.

Se levam um pito, entendem que podem ter avançado algum sinal e logo recuam. Mas até nos pitos o pai os defende e indiretamente acaba lhes dando razão. A quadrilha (no sentido de que são três filhos e um pai) toca de ouvido e persegue os mesmos objetivos.

A saber: mais poder; pau forte nos adversários e nos aspirantes a adversários; enfraquecer a democracia, herança da esquerda e de uma direita que sentia vergonha de se dizer direita; e vencer as eleições de 2022 para continuar mandando.

Há método na loucura, não duvide, embora em muitas ocasiões haja só loucura.

Ninguém liga para o general

Luiz Carlos Azedo - Mentes reacionárias

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O AI-5, nas palavras do falecido senador Ernâni do Amaral Peixoto, um político conservador, foi “a morte da política”. Nem por isso, a nostalgia de Eduardo Bolsonaro deixa de ser perigosa”

Em A Mente Naufragada, o cientista político norte-americano Mark Lilla explica que o espírito reacionário difere muito do conservador. Trata-se de invocar o passado para nele viver sem transformações, o que é muito diferente da atitude do conservador, que tem o passado e suas tradições como referência para agir no presente e construir o futuro. Partindo da análise das ideias de três pensadores do século XX — Franz Rosenzweig, Eric Voegelin e Leo Strauss —, Lilla investiga a mente reacionária e conclui que naufragou, porque olha para os destroços de um passado que lhe parece ameaçado, e luta para salvá-lo, porque não sabe conviver com as mudanças. Ironicamente, porém, isso faz do reacionarismo um fenômeno “moderno” no mundo da globalização e do multiculturalismo.

Lilla nos ajuda a entender a diferença entre o pensamento conservador, mesmo de viés autoritário, e o pensamento reacionário. E é um autor muito oportuno, porque explica o caráter ideológico do movimento que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, se propõe a organizar no Brasil no rastro da eleição de seu pai. O clã Bolsonaro flerta com a ideias propagadas pelo escritor Olavo de Carvalho, radicado nos Estados Unidos, guru da extrema direita brasileira. Há uma diferença, sutil mas relevante, entre a declaração de Eduardo Bolsonaro a favor da reedição do AI-5 em caso de mobilizações de protestos semelhantes às do Chile e a do general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), de que seria preciso estudar a forma de fazer isso. Um defendeu a volta da ditadura pura e simples; o outro, embora igualmente autoritário, sabe que os tempos mudaram e a história só se repete como tragédia ou farsa. Diante da reação negativa, o parlamentar se retratou.

José de Souza Martins* – Política dos moinhos de vento

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O economicismo do governo brasileiro, sem consideração por limites sociais, é o alicerce de uma política de injustiças. Existe uma geopolítica social da insurgência popular. Boa parte do continente começa a tremer

O presidente, desde a posse, opina belicosamente sobre a situação política de países vizinhos. Tem saudade de Pinochet e de seu fascismo no Chile: as atuais manifestações de rua estariam ocorrendo porque a ditadura militar de lá acabou. Não sabe que acabou faz tempo.

Deu palpites agressivos nos rumos da campanha eleitoral argentina, censurou o candidato de oposição. Manteve pé atrás em relação a governos de outros países. Não sabe que a Segunda Guerra Mundial terminou, que o muro de Berlim caiu, que ideologia não é só a dos outros, mas também a sua. Trava combates como Dom Quixote combatia moinhos de vento. Falta-lhe um Sancho Pança no governo.

Já que se meteu em seara alheia, onde aliás não foi chamado, o presidente vem sendo derrotado politicamente, nestes dias, em todas essas suas “frentes internacionais”. Acaba de perder a eleição na Argentina. Da diplomacia do coturno, diz que sequer vai cumprimentar Alberto Fernández, o vitorioso.

Foi derrotado pela multidão nas ruas do Chile, que protestam contra a política econômica e os retrocessos sociais de Sebastián Piñera, basicamente a mesma política que está adotando aqui, guiado pelo cérebro de quem foi servidor do regime de Pinochet.

Um reajuste no preço das passagens do metrô de Santiago do Chile colocou nas ruas 1 milhão de pessoas em manifestações contra o governo conservador do país. O protesto foi detonado pelos centavos, mas gestado aos poucos pelas medidas e inovações dos gênios da economia neoliberal. Depois de mortos, feridos e prisioneiros, o presidente chileno tentou recuar. Falou de seu apreço pelo teor do protesto popular e pediu a seus ministros que renunciem. Quer recuar para ficar.

Fernando Abrucio* - Defesa da democracia nunca foi tão importante como agora

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Temos que seguir o legado intelectual de Wanderley Guilherme: a reflexão sobre a democracia e sua defesa. Isso nunca foi tão importante como agora

Minha geração teve a sorte de ver o retorno do Brasil à democracia. Foram algumas décadas de eleições e avanços no campo dos direitos, tornando-se o período mais longo de manutenção de instituições democráticas em toda a história brasileira. Mas, desde de 2013, o sistema político entrou em crise. O pior vem agora, com a eleição do presidente Bolsonaro e a volta de discursos em prol do autoritarismo. Sombras terríveis do passado, inesperadamente, parecem rondar a nação.

Fazer esse diagnóstico é ainda mais dolorido por causa da morte do mestre Wanderley Guilherme dos Santos, o cientista político brasileiro que mais se preocupou, em profundidade e número de textos, com a questão democrática. Ele começou sua carreira escrevendo um texto premonitório. Era o ano de 1962 e a obra intitulava-se “Quem Dará o Golpe no Brasil”. Wanderley acertou em cheio: os militares tomariam o poder, mas ele também realçou, para desgosto de parte da esquerda da época, que todas as forças políticas não eram então, digamos, muito democráticas.

Wanderley Guilherme iniciava uma geração de cientistas sociais brasileiros defensores da tese de que a democracia importa em si e sem qualificativos. Antes dele, com raras exceções, os pensadores políticos tinham outras preocupações maiores, como a formação da nação ou o desenvolvimento, e para atingir tais objetivos o regime democrático não era necessariamente o caminho desejado. Talvez pudéssemos lembrar de Sérgio Buarque de Holanda e, sobretudo, de Vitor Nunes Leal como precursores da visão democrática professada por Wanderley, mas ambos ainda não tinham investigado tão a fundo de que maneira pode se construir um regime democrático.

O diferencial de Wanderley Guilherme foi, então, não só defender a democracia como um fim em si mesma, mas também procurar compreender as bases políticas que constituem o regime democrático.

Essas bases políticas não prescindem de condicionantes sociais estruturais, mas não se esgotam neles. Eis aqui mais uma novidade que Wanderley trazia ao debate brasileiro, algo que certamente se consolidou em seu doutorado nos Estados Unidos, feito em Stanford e defendido em 1969.

Humberto Saccomandi - Crescer ou dividir? A falsa dicotomia da AL

- Valor Econômico

Desigualdade é um denominador da convulsão na região

A América Latina está em convulsão. Em alguns casos literalmente, como agora no Chile e na Bolívia, ou recentemente no Equador e na Venezuela, com protestos violentos. Em outros casos, o protesto é eleitoral, político, menos violento, mas não menos evidente. A desigualdade certamente é uma das causas principais, mas a falta de crescimento é outro fator importante. Governos da região parecem se concentrar num ou noutro problema. Essa é uma falsa dicotomia.

O caso mais clamoroso é o do Chile, considerado por décadas o país mais estável da região e que há duas semanas é palco dos maiores protestos desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet. As manifestações começaram contra um aumento pequeno na tarifa do metrô de Santiago, mas logo cresceram. Não era só pelos 30 pesos.

Nesta semana, o governo do presidente Sebastián Piñera acabou cancelando dois megaeventos que deveriam ocorrer no país neste fim de ano: a cúpula da Apec (associação de países do Pacífico) e a CoP-25 (a conferência do clima da ONU), numa admissão implícita de que os protestos devem continuar.

Sim, há o efeito de o Chile ser vítima do próprio sucesso, isto é, as demandas da população chilena cresceram à medida que o país enriqueceu mais do que os vizinhos. Mas as recentes manifestações expõem uma insatisfação crescente com um modelo econômico que limita o acesso a serviços públicos essenciais, como educação e saúde. O Chile vai bem, mas muito chilenos acham que não estão se beneficiando disso.

Claudia Safatle - Infortúnio de Macri inspira reformas

- Valor Econômico

Após pacote de reformas será a vez do Imposto de Renda negativo

A área econômica do governo resolveu “radicalizar” na proposição de reformas para não cair na mesma vala do presidente Mauricio Macri, da Argentina, que não conseguiu ser reeleito e devolveu o poder aos peronistas. O governo também não quer ficar exposto a um eventual enfrentamento de manifestações de protesto que, no Chile, paralisaram o governo de Sebastián Piñera.

O argumento dos assessores oficiais, porém, é de que o Brasil já passou por movimentos de protesto em 2013 e que a eleição de Jair Bolsonaro foi uma resposta da sociedade às questões então colocadas pelos manifestantes.

Avalia-se, na equipe econômica, que Macri foi lento demais e titubeante na proposição das reformas necessárias para tirar a Argentina da crise. Hoje a situação no país vizinho é dramática: déficit público da ordem de 6% do PIB, recessão (queda de -3,1% do PIB), inflação galopante (de 55% ao ano) e cerca de 35% da população urbana está na linha da pobreza.

O acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que daria ao país vizinho acesso a cerca de US$ 57 bilhões, foi considerado pelo presidente eleito, o peronista Alberto Fernández, como “impossível” de cumprir”.

Aqui o governo preparou um pacote de grande porte, com quatro emendas à Constituição (PECs), que derrubam tabus e revolucionam a política fiscal.

O próximo passo, segundo fontes oficiais, será de mudanças radicais também na área social. Pretende-se criar um programa de renda mínima mediante o Imposto de Renda negativo que daria uma nova cara ao Bolsa Família.

Dora Kramer - Circuito de insultos

- Revista Veja

Educação e comedimento estão em baixa na escala de valor social

Transformadas em instrumentos de chantagem e mera pressão, as comissões parlamentares de inquérito perderam a relevância de outrora. Isso, muito em virtude do papel ativo da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal na investigação de malfeitorias pú¬blico-¬privadas. Baixou-lhes o facho também a falta de moral dos congressistas para atirar a primeira pedra na direção de quem quer que seja.

Uma CPI recente, no entanto, ensaia retomar lugar de destaque no noticiário. Por razões tortas, diga-se. Mista, composta de senadores e deputados, a comissão parlamentar criada com o alegado intuito de destrinchar o universo das notícias falsas divulgadas para difamar e desmoralizar poderia prestar bom serviço ao tema se contribuísse para reduzir o elogio à ignorância vigente no Brasil. Segundo pesquisa do Instituto Ipsos, somos o país onde há o maior número (62%) de pessoas que acreditam nas tais fake news. Só aqui para uma turma de difamadores contar com assento no palácio de governo, o chamado gabinete do ódio.

Nada sugere, contudo, que haverá contribuição positiva para reduzir o tamanho e o alcance da chaga, ao contrário: a julgar pelo elenco de convocados e pelos pronunciamentos já antecipados por seus autores, essa CPMI promete ser uma grande lavanderia de roupa suja, bem ao gosto destes tempos em que a educação e o comedimento andam em baixa na escala de valores da sociedade.

O moderado virou vilão. É chamado de “isentão” em tom de ofensa pessoal

Bernardo Mello Franco - Um jogo combinado

- O Globo

A cada provocação, a família Bolsonaro testa a resistência da democracia brasileira. O jogo entre pai e filhos pode parecer confuso, mas é combinado

A família Bolsonaro tem método. Enquanto o pai insufla seguidores contra as instituições, os filhos fazem ameaças explícitas à democracia.

Ontem o deputado Eduardo Bolsonaro sugeriu a edição de um “novo AI-5”. Apontado como o futuro chefe do clã, ele já havia ameaçado enviar “um soldado e um cabo” para fechar o Supremo.

O AI-5 original foi editado pela ditadura militar em 1968. Suspendeu direitos individuais, instituiu a censura prévia e autorizou o presidente a fechar o Congresso. O ato deu sinal verde para a tortura e a morte de opositores. Significou o endurecimento do regime, cultuado até hoje pelo inquilino do Planalto.

Na época, os militares alegavam que era preciso combater “processos subversivos” e “fatores perturbadores da ordem”. A Guerra Fria acabou, mas Bolsonaro busca o mesmo pretexto ao estimular teorias conspiratórias e insinuar que “inimigos internos” não o deixam governar.

Na entrevista a Leda Nagle, que já apresentou um programa chamado “Sem Censura”, Eduardo alegou o risco de uma radicalização de esquerda. Mas quem radicaliza no país é a extrema direita, que chegou ao poder pelas urnas sob a liderança do capitão.

Rogério Furquim Werneck - Tensões em jogo

- O Globo | O Estado de S. Paulo

É preciso resistir à tentação de afrouxar o teto de gastos para aliviar o incômodo do aperto fiscal progressivo

Nos próximos meses, a condução da política econômica estará submetida a crescente pressão política, de dentro e de fora do governo. Há dois pontos de tensão em que o risco de fadiga deve ser monitorado com atenção: a impaciência com a demora de uma recuperação mais vigorosa da economia e o desgaste decorrente do aperto fiscal progressivo, que vem estreitando de forma muito rápida o espaço para despesas discricionárias no Orçamento.

Para não ter de submeter as convicções do presidente a um teste de esforço mais exigente do que a prudência recomendaria, o Ministério da Economia terá de se desdobrar para tentar aliviar, na medida do possível, as tensões provenientes desses dois pontos. O que estará em jogo é a sustentabilidade política do programa econômico em curso.

Dos dois pontos de tensão, o de alívio menos problemático parece ser o que decorre da impaciência com a demora de uma recuperação mais vigorosa da economia. Mesmo com toda a desestabilização política que tem emanado no Planalto, alguma aceleração do crescimento da economia parece estar a caminho.

Bem mais difícil será aliviar o desgaste imposto pelo aperto fiscal progressivo que, em decorrência do teto de gastos e da expansão ainda descontrolada de despesas obrigatórias, vem exigindo contração cada vez mais drástica de gastos discricionários. O desafio, claro, é conseguir viabilizar tal alívio sem comprometer o esforço de ajuste fiscal que hoje se faz necessário.

Míriam Leitão - Resistir na ciência e na universidade

- O Globo

Governo ataca as universidades sem conhecê-las e persegue cientistas quando não gosta do resultado das pesquisas

Noventa e cinco por cento das pesquisas são feitas nas universidades e mesmo assim 18 mil bolsas da Capes e do CNPQ foram perdidas e as universidades são atacadas pelo governo, lembra o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel. A cientista Mônica Lopes-Ferreira, punida por ter divulgado uma pesquisa mostrando que não há dose segura de agrotóxico, disse que a ciência pede respeito. Entrevistei os dois sobre esse tenso momento do país, em que as universidades públicas e a pesquisa científica são alvos de ataque constante.

Mas a sociedade resiste. A Unicamp fez um movimento que mobilizou oito mil pessoas no campus, para a leitura de uma moção de defesa da ciência e da universidade, que uniu alunos de graduação, pós-graduação, professores, funcionários e a reitoria:

— Foi algo inédito em 53 anos. A primeira vez que isso ocorreu, mas a ideia era mostrar para a sociedade a importância da educação pública, da ciência e da tecnologia.

Uma prova da produtividade da universidade é que o faturamento anual das “empresas filhas da Unicamp” chega a R$ 7,9 bilhões, segundo divulgação recente na Agência de Inovação da Unicamp. São empresas fundadas por ex-alunos. A universidade transformou a região num polo de startups em diversas áreas. São 815 empresas que juntas criaram 35 mil empregos diretos.

Hélio Schwartsman - Vale 'secar' a economia?

- Folha de S. Paulo

Em condições normais, todo brasileiro deveria torcer pelo crescimento da economia

O futuro é contingente, mas o fator que, isoladamente, mais contribui para determinar o resultado de uma eleição é o desempenho econômico. Isso significa que um crescimento robusto ampliaria a chance de Jair Bolsonaro ser reeleito em 2022, enquanto uma trajetória mais vacilante multiplicaria a probabilidade de ele cair fora. A pergunta que proponho ao leitor que zela pelo avanço civilizacional é se devemos torcer por uma recuperação forte ou por algo mais titubeante.

Em condições normais, todo brasileiro que não seja um sádico deveria torcer para que a economia do país cresça sempre o máximo possível, independentemente de qual seja o governo. Ainda que a distribuição da prosperidade não seja equânime, ela acaba em algum grau beneficiando a todos. Há algo no governo Bolsonaro que justifique suspender o axioma de torcer a favor e nos autorize a desejar um desempenho econômico claudicante?

Vinicius Torres Freire: Bolsonaros, a normalização da ditadura

- Folha de S. Paulo

Presidente, filhocracia e militância tentam criar ambiente propício ao autoritarismo

Congresso e Justiça serão capazes de conter as tentações autoritárias de Jair Bolsonaro, como já o fizeram no caso das decretações ilegais do presidente e das injúrias antidemocráticas, a mais recente delas contra o Supremo.

É a opinião otimista dos adeptos da tese de que “as instituições estão funcionando”. Seja lá o que esse juízo signifique, é uma opinião que tem de lidar com o fato de que o país passou a discutir a hipótese de uma ditadura, sugestão do líder do partido do governo na Câmara, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Apregoar violência contra direitos civis e, agora, políticos torna-se conversa corrente no Brasil, assunto promovido pelo presidente, seus filhos e seus ideólogos, além de reverberado pela militância. Junta-se à pregação da política plebiscitária (na conversa do AI-5, Eduardo também sugeriu “consultas populares” para mudar a lei). Soma-se à adoração do líder, “mito”, que vai “quebrar o sistema”, “nós contra eles”, nem o “isentão” escapa. É um ideário que deseja descartar partidos, saltar a mediação institucional e manipular órgãos de controle, da polícia ao fisco.

Antes aberração e extravagância marginal, as ideias autoritárias do bolsonarismo começam a fazer parte do ambiente e, pela reincidência, tendem à normalização.

Nos últimos dias, a familiocracia e seus ideólogos chamaram de hienas boa parte da sociedade civil organizada e também o Supremo. Bolsonaro pai se desculpou, mas apenas porque não viu que o vídeo do insulto incluía o STF.

Reinaldo Azevedo - Sem mordomo, prendam o porteiro!

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro está ensinando como Dilma deveria ter se comportado no petróleo

Desde a terça (29) à noite, quando o Jornal Nacional levou ao ar a reportagem sobre o surgimento do nome do presidente Jair Bolsonaro na investigação do caso Marielle Franco, ao momento em que escrevo esta coluna, experimento um desconforto que poderia ser estético. Algumas sinapses que se fazem por conta própria na minha cachola disparam o alarme: "Como está, a narrativa não faz sentido".

Mas isso não é romance. Chamo a atenção para fios soltos, peças ausentes e comportamentos heterodoxos. E estou certo de que o Ministério Público do Rio é o detentor desses arcanos.

A Globo tem de se perguntar se não caiu numa armadilha, num "entrapment" jornalístico, que serviu para Bolsonaro posar de vítima e herói. Na lógica política, isso descarta Wilson Witzel como fonte da matéria —embora eu nunca especule a respeito.

Digamos que o porteiro tenha se enganado ou recorrido à má-fé em seus depoimentos. Como explicar, no entanto, o registro em livro da entrada do carro, com a placa e o destino: casa 58, justamente a de Bolsonaro?

Bruno Boghossian – A procura de uma crise

- Folha de S. Paulo

Saídas autoritárias são tratadas com naturalidade para testar limite da democracia

Num pedido meio esfarrapado de desculpas, Eduardo Bolsonaro disse que não existe "qualquer possibilidade" de edição de um novo AI-5, como ele mesmo havia sugerido numa entrevista. "Esse não é o ponto que nós vivemos hoje", afirmou.

É preciso ter boa vontade de sobra para crer que o filho do presidente cometeu um lapso. Eduardo disse com todas as letras que, se o governo for ameaçado pela esquerda, pode repetir a medida da ditadura militar que fechou o Congresso e abriu caminho para prisões e torturas.

Antes de se retratar, ele publicou um vídeo para defender o AI-5 e reforçar a tese conspiratória de que as manifestações do Chile são financiadas por regimes socialistas. Divulgou também uma gravação em que o pai exalta um torturador e acrescentou: "Não tenhais medo!".

Eduardo não está só. Sua bravata é um produto da essência do bolsonarismo, em que medidas de exceção são tratadas como cartas na manga.

Ruy Castro*: Treinando para fugir

- Folha de S. Paulo

Se o seu AI-5 não vier e a Constituição continuar valendo, Eduardo Bolsonaro talvez precise mesmo sair correndo

Na terça da semana passada (22), Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho do presidente, saiu correndo pelo Congresso, fugindo dos repórteres que queriam entrevistá-lo. Eduardo Bolsonaro acabara de se entronizar como líder do PSL na Câmara, o que, para os jornalistas, justificava uma entrevista. Sem explicação, valeu-se de seu preparo físico, arrancou em disparada e fez comer poeira os que, perplexos, tentaram segui-lo.

Na corrida em que bateu o recorde de velocidade nos três anexos da Câmara, Eduardo Bolsonaro abalroou vários incautos que cometeram o erro de estar no seu caminho e voou por uma escada rolante, saltando de cinco em cinco degraus. Seu segurança, tentando acompanhá-lo, deixou cair o celular e, na obrigação de recuperar o aparelho, ficou vários focinhos atrás do patrão. E o pobre cinegrafista do Congresso em Foco tinha não só de correr além de suas forças como tentar manter a câmera minimamente sem tremer —o que, claro, não conseguiu. O vídeo, disponível na internet, lembra os filmes do antigo Cinema Novo.

Eduardo sugere ‘novo AI-5’, é repreendido e se desculpa

Defesa de ditadura provoca críticas do Congresso e de Bolsonaro

Daniel Gullino e Gustavo Maia | O Globo

BRASÍLIA - Ao defender um “novo AI-5’’, com fechamento do regime como resposta a uma eventual “radicalização de esquerda”, o deputado Eduardo Bolsonaro (SP), líder do PSL, provocou uma onda de críticas e repreensões dos presidentes da Câmara e do Senado, de um ministro do STF, de líderes de 16 partidos, de entidades da sociedade civil e de seu pai, o presidente Jair Bolsonaro. No fim do dia, Eduardo se desculpou. Um grupo de seis partidos entrou com representação criminal contra ele no Supremo.

Uma declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) defendendo uma nova edição do AI-5 — o ato que marcou o início da fase mais dura do regime militar — como resposta a uma eventual “radicalização” da esquerda provocou forte reação no meio político ontem. Um ministro do Supremo Tribunal Federal, os presidentes da Câmara e do Senado, ao menos 16 partidos, redes sociais, entidades civis e até o pai de Eduardo, o presidente da República, Jair Bolsonaro, criticaram as frases.

Mesmo depois de iniciada a reação, Eduardo ainda publicou um vídeo em suas redes sociais com o voto de Jair Bolsonaro na votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, quando o então deputado homenageou o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou torturas no regime militar. Só após a intensificação das reações, no fim do dia, o deputado recuou de sua declaração inicial e se desculpou com quem tenha se ofendido.

Ao canal na internet da jornalista Leda Nagle, Eduardo atribuiu a recente onda de manifestações em países da América do Sul a movimentações da esquerda.

Falando da possibilidade de ocorrerem protestosno Brasil, ele disseque uma resposta necessária poderia ser um novo AI-5. Editado em 13 de dezembro de 1968 pelo governo do general Costa e Silva, o Ato Institucional Número 5 foi a medida que abriu sinal para a repressão mais dura na ditadura militar.

Maia fala em punição por apologia à ditadura; para Alcolumbre, é 'afronta'

Já Davi Alcolumbre, presidente do Senado, divulgou nota em que chama fala de "absurdo" e uma "inadmissível afronta à Constituição

Renato Onofre, Camila Turtelli e Daniel Weterman | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Em resposta às declarações do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a apologia à ditadura é passível de punição. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) classificou a fala do filho do presidente como um "absurdo" e uma "inadmissível afronta à Constituição".

Além dos presidentes das duas casas legislativas, partidos políticos também criticaram as falas e pediram punição para o filho do presidente Jair Bolsonaro.

Maia disse que as declarações do filho do presidente de um “novo AI-5” se a esquerda radicalizar são “repugnantes” e “têm de ser repelidas como toda a indignação possível pelas instituições brasileiras”.

“Manifestações como a do senhor Eduardo Bolsonaro são repugnantes, do ponto de vista democrático, e têm de ser repelidas como toda a indignação possível pelas instituições brasileiras. A apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras. Ninguém está imune a isso. O Brasil jamais regressará aos anos de chumbo”, diz Maia em nota divulgada nesta quinta-feira, 31.

De acordo com o presidente da Câmara, uma “nação só é forte quando suas instituições são fortes”. “O Brasil é um Estado Democrático de Direito e retornou à normalidade institucional desde 15 de março de 1985, quando a ditadura militar foi encerrada com a posse de um governo civil”, disse.

Maia lembrou que Eduardo Bolsonaro “jurou respeitar a Constituição de 1988”. “Foi essa Constituição, a mais longeva Carta Magna brasileira, que fez o país reencontrar sua normalidade institucional e democrática. A Carta de 88 abomina, criminaliza e tem instrumentos para punir quaisquer grupos ou cidadãos que atentem contra seus princípios - e atos institucionais atentam contra os princípios e os fundamentos de nossa Constituição”.

Davi Alcolumbre, que assinou a nota lembrando que é presidente do Congresso Nacional, divulgou nota afirmando que "é lamentável que um agente político, eleito com o voto popular, instrumento fundamental do Estado democrático de Direito, possa insinuar contra a ferramenta que lhe outorgou o próprio mandato". "Mais do que isso: é um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática. E é inadmissível esse afronta à Constituição", afirmou.

Maia e Alcolumbre repudiam manifestações de Eduardo Bolsonaro

Presidente da Câmara diz que 'apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição'; presidente do Congresso vê afronta 'inadmissível'

Danielle Brant, Daniel Carvalho , Thais Arbex e Thiago Resende – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou nesta quinta-feira (31) que manifestações como as do líder do PSL na Casa, Eduardo Bolsonaro (SP), em defesa de um novo AI-5 são “repugnantes” e devem ser “repelidas com toda a indignação” pelas instituições brasileiras.

O presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), reforçou as críticas e afirmou que considera um "absurdo" que um agente político como Eduardo, "fruto do sistema democrático", faça algum tipo de incitação antidemocrática. "E é inadmissível esse afronta à Constituição", disse.

Em nota, Maia fez fortes críticas às declarações feitas por Eduardo em entrevista à jornalista Leda Nagle, publicada nesta quinta no canal dela no YouTube.

Na conversa, o filho do presidente Jair Bolsonaro disse que, se a “esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada".

Leia a nota de Maia na íntegra

“Uma Nação só é forte quando suas instituições são fortes.

O Brasil é um Estado Democrático de Direito e retornou à normalidade institucional desde 15 de março de 1985, quando a ditadura militar foi encerrada com a posse de um governo civil.
Eduardo Bolsonaro, que exerce o mandato de deputado federal para o qual foi eleito pelo povo de São Paulo, ao tomar posse jurou respeitar a Constituição de 1988.

Foi essa Constituição, a mais longeva Carta Magna brasileira, que fez o país reencontrar sua normalidade institucional e democrática. A Carta de 88 abomina, criminaliza e tem instrumentos para punir quaisquer grupos ou cidadãos que atentem contra seus princípios - e atos institucionais atentam contra os princípios e os fundamentos de nossa Constituição.

O Brasil é uma democracia.

Manifestações como a do senhor Eduardo Bolsonaro são repugnantes, do ponto de vista democrático, e têm de ser repelidas como toda a indignação possível pelas instituições brasileiras.
A apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras. Ninguém está imune a isso. O Brasil jamais regressará aos anos de chumbo.”

Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados

Leia também a íntegra da nota de Davi Alcolumbre

Como presidente do Congresso Nacional da República Federativa do Brasil, honro a Constituição Federal do meu país, à qual prestei juramento, e ciente da minha responsabilidade, trabalho diariamente pelo fortalecimento das instituições, convicto de que o respeito e a harmonia entre os poderes é o alicerce da democracia, que é intocável sob o ponto de vista civilizatório.

É lamentável que um agente político, eleito com o voto popular, instrumento fundamental do Estado democrático de Direito, possa insinuar contra a ferramenta que lhe outorgou o próprio mandato.
Mais do que isso: é um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática. E é inadmissível essa afronta à Constituição.

Não há espaço para que se fale em retrocesso autoritário. O fortalecimento das instituições é a prova irrefutável de que o Brasil é, hoje, uma democracia forte e que exige respeito.

Davi Alcolumbre
Presidente do Congresso Nacional

Leia a íntegra nota do PSDB

"Parece que não restam mais dúvidas sobre as intenções autoritárias de quem não suporta viver em uma sociedade livre. 

Preferem a coerção ao livre debate de ideias. 

Escolhem a intolerância ao diálogo.

Ameaçar a democracia é jogar o Brasil novamente nas trevas. 

O PSDB nasceu na luta pela volta da democracia no Brasil condena de maneira veemente as declarações do filho do presidente da República.

Bruno Araújo - Presidente Nacional do PSDB"

Cidadania repudia declaração de Eduardo Bolsonaro sobre “novo AI-5”

Em nota pública (veja abaixo), o presidente do Cidadania, Roberto Freire, e os líderes do partido na Câmara dos Deputados e Senado Federal, Daniel Coelho (PE) e Eliziane Gama (MA), respectivamente, repudiaram a declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre um novo Ato Institucional nº 5 caso haja uma radicalização da esquerda no Brasil.

A declaração do filho do presidente Jair Bolsonaro foi dada em entrevista à jornalista Leda Nagle em um canal do Youtube nesta quinta-feira (31).

“É preciso avisar aos admiradores de regimes ditatoriais que em solo brasileiro não encontrarão ressonância de suas estapafúrdias pregações, pois estão submetidos ao guarda-chuva da Carta Magna que reúne pilares da nossa democracia”, diz a nota.

O AI-5 foi um decreto emitido durante o governo do presidente Artur da Costa e Silva e considerado com marco que inaugurou o período mais sombrio da ditadura militar (1964-1985) no País.

O ato autorizava o presidente da República a decretar o recesso do Congresso Nacional, das assembleias legislativas e das câmaras de vereadores, cassar mandatos de parlamentares e suspender direitos políticos dos cidadãos.

“Nota Pública
O Cidadania vem a público repudiar com veemência a ignóbil declaração do deputado Eduardo Bolsonaro.

Suscitar o Ato Institucional número 5 demonstra desprezo, desconhecimento e ignorância sobre o que é o Brasil do século 21.

O abjeto AI-5 aprofundou a restrição das liberdades individuais, instaurou a censura prévia e cassou mandatos de deputados que não se curvaram ao governo de plantão. O país de hoje tem uma constituição cidadã, além de instituições em pleno funcionamento.

Ameaças como a do deputado federal Eduardo Bolsonaro partem de uma mente antidemocrática, incapaz de conviver com liberdade e democracia. Qualquer radicalização que, eventualmente, o país vier a sofrer, não haverá outro remédio que não o uso da Constituição de 1988 para saná-la.

O próprio presidente da República que está aí é fruto da consolidada democracia brasileira. Foi eleito pelo voto direto e livre. E por último, é preciso avisar aos admiradores de regimes ditatoriais que em solo brasileiro não encontrarão ressonância de suas estapafúrdias pregações, pois estão submetidos ao guarda-chuva da Carta Magna que reúne pilares da nossa democracia.

Brasília, 31 de outubro de 2019

Daniel Coelho (PE) – líder do Cidadania na Câmara dos Deputados
Eliziane Gama (MA) – líder do Cidadania no Senado
Roberto Freire – presidente nacional do Cidadania”

Nos bastidores, generais da ativa reprovam declarações

Para militares do Alto Comando, falas alimentam radicalismos e tumultuam o cotidiano das Forças Armadas

Vinicius Sassine | O Globo

BRASÍLIA - Ao defender um “novo AI-5”, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSLSP) alimenta um radicalismo, incita um clima de convulsão social, atrapalha tentativas de melhorias no país e pode tumultuar a atuação cotidiana dos militares. Esta é a leitura de generais do Alto Comando do Exército ouvidos pelo GLOBO em condição de anonimato.

Esses generais dizem que o filho do presidente Jair Bolsonaro, líder do PSL na Câmara, deve ser responsabilizado por “falar o que quer”. A defesa do Ato Institucional número 5 não representa a posição atual dos militares, segundo generais da cúpula do Exército. O comentário feito por um filho do presidente, com poder dentro do Congresso, não muda essa constatação, de acordo com esses oficiais.

O AI-5 foi editado na noite de 13 de dezembro de 1968, no governo do general Costa e Silva, e deu início à fase mais sombria da ditadura, com o fechamento do Congresso, censura, torturas e assassinatos de opositores políticos. O ato foi revogado há 41 anos, em outubro de 1978, em meio à abertura promovida pelo governo do general Ernesto Geisel.

Com a ampliação das apostas de membros do governo e dos filhos do presidente Bolsonaro em radicalismos, a cúpula do Exército vem tentando se afastar de uma associação à família. A missão é mais difícil diante do forte engajamento de generais da ativa e da reserva na eleição do presidente e na composição inicial do governo. Até agora, porém, vem prevalecendo no Planalto a ala ideológica e alguns militares lotados no Palácio já se alinharam a ela.

No Alto Comando do Exército, generais dizem que, por fim, o que sobressaiu foi o gesto de Bolsonaro horas depois de a declaração do filho vir à tona. O presidente desautorizou Eduardo, afirmando que “quem quer que fale de AI-5 está sonhando”. Os militares dizem estar associados à fala do pai, e não à do filho.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

O merecido repúdio a Eduardo Bolsonaro – Editorial

A defesa do AI-5, depois de falar em fechar o STF, indica que deputado não tem noção do seu papel

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) não aprendeu a lição. Antes da posse do pai como presidente da República, o filho 03, em evento aberto ao público, deu sua fórmula para o fechamento do Supremo Tribunal Federal: “um soldado e um cabo”. O pai tratou a gafe, digamos, como um escorregão juvenil.

Já a ameaça inaceitável que o deputado, filho do presidente, fez da volta do AI-5, em entrevista à jornalista Leda Nagle, não deve ser encarada como mais um deslize imaturo.

O deputado acenou com a impensável reedição do AI-5 como reação a movimentos de esquerda que radicalizariam na esteira da volta de Cristina Kirchner ao poder na Argentina, como vice de Alberto Fernández, e no vácuo das manifestações violentas no Chile.

Na visão persecutória de Eduardo Bolsonaro, o Brasil retornaria ao final dos anos 60, “quando sequestravam aeronaves, quando se executavam e sequestravam grandes autoridades, cônsules, embaixadores, (executavam-se) policiais, militares”. Um delírio, diante da solidez das instituições democráticas brasileiras.

Falta, no mínimo, um conhecimento básico de História, para este Bolsonaro entender a diferença, para melhor, entre o Brasil de dezembro de 1968, quando o AI-5 foi editado pela ditadura militar, e o de hoje, da democracia. O risco é a overdose de ideologia afetar a capacidade de compreensão.

Devido à reação que provocou ao se referir de forma mais do que inadequada ao STF, Eduardo já deveria saber que o respeito a essas instituições precisa ser absoluto, portanto, não podem ser afrontadas, principalmente por homens públicos. O próprio clamor contra o que disse sobre o STF deveria alertá-lo que entrara em terreno minado.

A liberdade de expressão é garantida pela Constituição, e os parlamentares têm imunidades. Mas não estão livres da execração pública, nem de enfrentar desdobramentos regimentais de suas atitudes.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - O rio

Música | Esses Blocos / Romero Amorim - Aurora de amor