(Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente, no artigo “Sem medo do passado” ontem, em vários jornais do Brasil)
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso
(Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente, no artigo “Sem medo do passado” ontem, em vários jornais do Brasil)
Fernando Rodrigues:: PT, 30 anos
BRASÍLIA - O Partido dos Trabalhadores faz 30 anos neste mês. Sua história se divide entre antes e depois de chegar ao poder.
A parte positiva se concentra na colaboração petista para o amadurecimento da democracia durante as duas primeiras décadas de existência da sigla. Desde o fim da ditadura militar, só o PT soube fazer oposição -apesar dos excessos.
O poder fez mal aos petistas. Fez mais mal ainda ao equilíbrio da República. As ferramentas de cobrança de responsabilidade esvaneceram com a chegada de Lula ao Planalto. Basta lembrar o episódio do dia 11 de agosto de 2005.
Naquela data, o marqueteiro Duda Mendonça depôs na CPI do Mensalão. Confessou ter recebido R$ 10,5 milhões numa conta secreta no exterior por serviços prestados na campanha eleitoral de 2002, quando havia produzido os comerciais da campanha de Lula.
Desprovido de oposição, o Brasil assistiu a cenas patéticas na sequência. Petistas choraram no plenário da Câmara. Líderes do PSDB e do Democratas (ainda com seu nome original, PFL) ficaram em estado de catatonia, inertes.
Para saber a falta que o PT faz à oposição, imagine o leitor se a cena tivesse ocorrido no governo FHC, antecessor de Lula. O que aconteceria se em vez de Duda tivesse sido o publicitário Nizan Guanaes a confessar o delito? O PT só sossegaria quando conseguisse a condenação final e enviasse todos para uma temporada em Alcatraz.
Esses tempos não existem mais.
Todos os partidos sabem muito bem o que cada um fez no verão passado. Imobilizados pela culpabilidade mútua, associam-se numa nefanda confraria do silêncio.
A síntese dos 30 anos do PT é o documento assinado pela sigla em conjunto com PSDB e Democratas, a favor de doações eleitorais ocultas. Transparência demais é burrice, ensinou Delúbio Soares. Aos 30 anos, o PT aprendeu bem.
PT de segunda mão:: Fernando de Barros e Silva
SÃO PAULO - Há uma insatisfação reprimida com Lula no PT paulista. A exemplo do que ocorreu no processo de escolha de Dilma Rousseff, o partido foi atropelado na definição do nome que deve disputar a sucessão de José Serra. Com uma agravante: além de tripudiar sobre a legenda, o presidente ignorou as opções caseiras. Em nome do "projeto nacional", deixou de lado as flores do seu jardim para importar uma planta exótica do Ceará.
Ocorre que Ciro Gomes, o cacto agreste, muito embora made in Pindamonhangaba de nascimento, se nega a ser essa planta de estufa que Lula quis transplantar para as margens alagadas do Tietê. Sua resistência até aqui testa os limites do bonapartismo presidencial.
Como o PT, mesmo subjugado, teme Lula e fica calado, foi o próprio Ciro quem vocalizou quão artificial seria sua aventura paulista -hoje menos do que improvável. Mais ainda: Ciro distribui espinhos retóricos aos companheiros e reafirma sua disposição de concorrer à Presidência. Desafia "o mito" para não sucumbir antes da hora.
Ao PT restará fatalmente uma candidatura de segunda mão em São Paulo. Não é trivial se pensarmos que o Estado reúne 29,5 milhões de votantes, quase 22,4% do eleitorado nacional. Os tucanos ocupam o Bandeirantes há quatro mandatos e Geraldo Alckmin hoje soma 50% das intenções de voto.
Quem servirá de tapa-buraco ao PT? Fernando Haddad, pouco conhecido, teria o que ganhar projetando-se no Estado. Mas nem o senador Aloizio Mercadante nem a ex-prefeita Marta Suplicy gostariam de ver uma nova liderança sem inserção partidária surgir no seu quintal pelas mãos de Lula.
A bola da vez deve mesmo ser Mercadante, que abandonaria uma provável reeleição ao Senado em troca do doce que o chefão lhe prometer pelo sacrifício. Essa é hoje a hipótese mais difundida no PT.
Em 2006, o "Chuchu" apanhou feio do "Barba"; em 2010, terá a chance de fazer o "Bigode".
Do ''lulismo'' ao ''rousseffismo'' :: Marcelo de Paiva Abreu
Em análises recentes das mutações sofridas, desde 2002, pela estratégia política do presidente Lula, têm sido destacados contrastes entre o "petismo" pré 2002, sucedido pelo "lulismo" com tintas bonapartistas. A análise deixa de sublinhar as mudanças essenciais que sofreu o "lulismo" em sua transição para o "roussefismo".
É difícil, entretanto, concordar com o diagnóstico de que o "petismo" teria sido ejetado quando Lula concordou em assinar a Carta ao Povo Brasileiro, traindo o programa do Partido dos Trabalhadores (PT). De fato, a ocasião foi uma magnífica oportunidade para que Lula pudesse escapar a compromissos programáticos estapafúrdios, atribuindo a guinada à crise que se agravava.
É preciso não deixar de levar em conta as dificuldades que seriam enfrentadas caso tivesse sido adotada a política econômica coerente com o programa do partido. Lula, caso eleito, enfrentaria enormes turbulências e pagaria o custo político de ter arruinado a estabilização que havia herdado. O cenário de um governo Lula 2003-2006 fiel ao programa do PT é inverossímil.
Mais convincente é a interpretação de que o "petismo" foi, de fato, abandonado quando a crise do "mensalão" explicitou claramente que o PT não poderia cumprir o papel de inspirador para que os demais partidos amadurecessem suas práticas políticas. A metáfora eficaz é a da "queda de um anjo".
Com a fragilização do PT como partido coerente e sério, ganhou força o lado pragmático, turbinado por suas propensões ao protagonismo populista - já em parte explicitadas, por exemplo, pela exacerbação da diplomacia presidencial com ênfase na pirotecnia. Esse lulismo versão 1.0, que persistiu até o final de 2007, foi bastante eficaz ao combinar a exploração do prestígio do presidente - oriundo de sua espetacular trajetória de retirante-metalúrgico-presidente - com a adoção de políticas econômicas prudentes.
A partir daí tornou-se dominante a temática sucessória, gerando a transição para o lulismo versão 2.0. A inviabilização dos possíveis candidatos mais consistentes do PT - José Dirceu e Antonio Palocci - gerou a crise do "petismo". Após consideração dos custos e benefícios de uma campanha pelo terceiro mandato, o presidente Lula, em espetacular "dedazo", ungiu Dilma Rousseff como candidata.
O lulismo versão 2.0 baseou-se em mais protagonismo, culminando em escancarada campanha eleitoral com uso da máquina federal.
As demandas eleitoreiras tiveram, além disso, impacto na postura fiscal do governo, com significativo aumento de despesas. A crise econômica mundial criou condições para que se alegasse que o aumento de gastos configurava política anticíclica, embora boa parte da expansão da despesa seja irreversível. Apesar de o compromisso com a adoção de uma política monetária prudente ter sido em grande medida preservado, tornou-se evidente a fadiga do Banco Central, em fricção permanente com o restante do governo.
Caso o presidente Lula tenha sucesso em assegurar a eleição da sua sucessora, haverá, necessariamente, mudança radical no estilo, e também da substância, da ação governamental. O que seria o "roussefismo" comparado ao "lulismo"? Até mesmo por circunstâncias biográficas, a projeção externa da nova presidente seria menos proeminente do que a de Lula, implicando custos não desprezíveis de reconversão de estilo de atuação. Internamente, os custos de transição terão que ver com o grande contraste entre criador e criatura quando se trata de capacidade de articulação política e de definição estratégica.
Ao contrário de Lula, a candidata dependerá crucialmente do seu chefe da Casa Civil, presumível articulador político e acomodador de atritos na esteira da veemência presidencial. Há aí vários subcenários que vão desde Antonio Palocci até Marco Aurélio Garcia.
Os contrastes entre os prováveis estilos de atuação nesses dois casos polares são uma indicação das incertezas implícitas no "roussefismo". Palocci, emblemático do lulismo 1.0. Garcia, circunscrito ao neo-bolivarianismo durante todo o governo Lula, mais alinhado ao "petismo".
No que diz respeito a assuntos econômicos, enquanto Lula buscou preservar a ambiguidade entre diferentes correntes de seu governo em relação à política econômica, a candidata sempre se alinhou entre os que defendiam, com vigor, o aumento de gastos e o afrouxamento da política monetária. Explicitou, em diversas ocasiões, o seu banzo pelos velhos tempos, mesmo que fardados, em que havia ênfase adequada em desenvolvimento com papel proeminente do Estado. Dilma Rousseff, embora neófita no PT, está mais alinhada ao "petismo" do que o próprio Lula.
Não é surpreendente que muitos eleitores considerem pouco atraente o que se pode antever como "roussefismo". Dadas as incertezas e, pior ainda, as certezas, a busca de alternativas é compulsória. Mesmo porque há que levar em conta o ponderável argumento da alternância como incentivo para não prorrogar a hegemonia da atual coalizão política.
Alternância seria algo essencial para interromper o aparelhamento do Estado que marcou os dois mandatos de Lula. E também para reavaliar as políticas públicas adotadas desde 2003, preservando as que têm mérito distributivo e ajustando as que constituem mera extração de benesses do Estado.
Para embasar um voto consciente é essencial, no entanto, que seja rompido o silêncio do candidato da oposição. Quanto à economia, só se espera que o trailer propiciado por Sérgio Guerra não tenha sido fiel ao filme.
*Marcelo de Paiva Abreu, Ph.D. em Economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio
Fábio Wanderley Reis:: Uma geração e a política
Devendo falar sobre a conjuntura política a certa altura de 2004, dei-me conta de que dezenove anos haviam passado desde o fim, em 1985, da ditadura militar - os mesmos dezenove anos que separaram o fim do Estado Novo, em 1945, do golpe de 1964. Lembrei-me então do espanto com que, aos vinte e poucos anos, tomei consciência, no início dos anos 1960, de que a séria perturbação da ordem legal e o eventual golpe militar eram coisas efetivamente possíveis, não obstante o que surgia até pouco antes a minha percepção juvenil como o longo e cabal amadurecimento institucional da democracia brasileira. Seria preciso tomar também com reservas a sensação de que a democracia de novo conquistada estava aí para ficar?
Li outro dia um texto do cientista político Gerald Gamm, de 2009, cujo tema é a emergência súbita de instituições duradouras ("sticky", justo como as nossas lei que "pegam"), com referência especial aos Estados Unidos no tempo de uma geração que vai de 1890 a 1915. Gamm salienta, no período, a implantação de mecanismos importantes para o funcionamento do Congresso, o surgimento, com Theodore Roosevelt, da "Presidência moderna" que busca o apoio direto do povo, a estabilização do sistema bipartidário que dura até hoje... À parte o que possa haver aí de erro ou acerto quanto aos EUA, também nós estamos a uma geração do marco que 1985 representa. Nossas instituições estarão "pegando"? Terá sido este um período especial?
Em coluna de um par de semanas atrás, dei resposta positiva a indagações de implicações parecidas dirigidas aos militares e seu papel político. As mudanças dramáticas na cena mundial, do enfrentamento capitalismo-socialismo e da Guerra Fria para a globalização e o colapso do socialismo, bem como as consequências domésticas dessas mudanças, compõem-se de maneira propícia com o que há de diretamente relevante para a superação das tensões de nosso "pretorianismo" em aspectos favoráveis da psicologia coletiva nas relações entre civis e militares. Sem embargo de que, na América Latina como um todo, dados sistemáticos indiquem ser possível falar de uma síndrome "progressista" cuja inclinação é antimilitar (e que sem dúvida transparece nas disputas atuais sobre a Lei de Anistia), as disposições populares no Brasil, como vimos (e como Cláudio Couto salientava em artigo no Valor de 4 de fevereiro sobre os dados da pesquisa CNT/Sensus divulgados há pouco), são antes simpáticas aos militares - e vale a aposta de que os próprios militares venham a superar o ânimo negativo e a cultura de "sublevação".
Mas há outros aspectos salientes quanto a 1985-2010. Internamente, pondo de lado o ramerrame das composições com "o atraso", talvez fatais, e das brigas partidárias, é difícil escapar à percepção de que o período acaba marcado por lideranças especiais. Cada um exibindo suas próprias deficiências, se se quiser, o fato é que dezesseis anos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva redundam em algo extraordinário não só em confronto com nossos anos de chumbo. E temos não apenas os êxitos das políticas econômicas e sociais, culminando na elevação do status do próprio país na cena mundial: especialmente com a experiência do acesso à Presidência do líder operário de um partido de esquerda, de programa socializante e retórica radical, que chega ao fim do segundo mandato num quadro de normalidade assegurado pelo aprendizado de equilíbrio e moderação, é visível que a democracia brasileira, com um aprendizado mais geral, alcança novo patamar institucional. Ainda que seja tarefa inacabada a consolidação de partidos consistentes, mesmo se tomados como meros objetos de identificação estável por parte de eleitores cujas deficiências herdadas de nosso lastro social negativo os tornam amplamente desatentos à política.
Por certo, o panorama mundial alterado favorece de modo decisivo os desenvolvimentos positivos. Mas é importante notar que a alteração ocorrida sofre vaivéns cujo sentido não é inequívoco do ponto de vista da dinâmica e dos ajustes domésticos. Escrevendo na segunda metade dos anos 1980, Fritz Scharpf podia convidar ao reconhecimento de que o que surgia então como a derrota dos socialdemocratas em sua luta distributiva seria irreversível, e que sua hora só poderia ressurgir se e quando, depois de um período de prosperidade, a política viesse a ter de novo como foco a distribuição dos ganhos do crescimento capitalista que a economia da oferta e o "darwinismo de mercado" tornavam impossível reclamar naquele momento. Ora, temos agora, em vários países centrais, o foco da política levado "além" da distribuição dos ganhos para a reparação das perdas populares com a crise gigantesca do capitalismo e o socorro trazido pelo Estado. E o Brasil do fim do período 1985-2010 é reconhecido não só como "potência emergente" e democracia estável, mas até mesmo, com seu Estado regulador e economicamente ativo, como receita a ser estudada na busca mundial de equilíbrio econômico.
Resta uma reserva crucial. Se este é o período em que a democracia político-eleitoral veio a articular-se de forma aparentemente definitiva com a "questão social" e com inédito empenho de redistribuição, ele é também o período em que a tranquilidade de um Brasil desigual e ainda amplamente oligárquico e compartimentado veio a conviver de maneira cada vez mais intensa com a violência, como efeito da transformação socioeconômica, da enorme expansão das cidades e de seus correlatos psicologicamente mobilizadores. Oxalá o dinamismo econômico e políticas educacionais efetivas possam vir a mudar o substrato em que esse efeito se assenta, no qual a singularidade negativa contida em nosso legado escravista maciço tem prevalecido sobre o lado positivo que se pode pretender apontar nele: a promessa de convivência pluralista e solidária, com fundações socioeconômicas sólidas.
Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras
Ricardo Noblat:: Idiota imperfeito
" O Brasil é um país personalista. Interessa quem vai mandar. Vice não manda." - Alberto Carlos Almeida, analista político
A essa altura, por tudo que se sabe, é quase irresistível a tentação de chamar de corrupto o governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal. Ele foi apontado pela Polícia Federal como “chefe de uma organização criminosa” responsável pelo mensalão do DEM. Mas a polícia diz o que quer, escreve o que quer e não vai presa. No meu caso...
Nunca fui preso pelo que escrevi. Muito do que escrevi foi censurado na época da ditadura militar de 64. Quanto a ser processado, o depoente reconhece que foi mais de uma dezena de vezes. Condenado? Só uma – e por negligência do meu advogado. Paguei R$ 20 mil como forma de reparar a honra de um ex-deputado distrital de Brasília preso mais tarde por grilagem de terra.
Outro dia, Arruda distribuiu nota afirmando que me processará por que eu o acusara de oferecer R$ 4 milhões para cada deputado disposto a votar contra seu impeachment. Leu errado. Publiquei no blog que a oferta partiu do “esquema interessado” em mantê-lo no cargo. Fazem parte do “esquema” empresários de Brasília que lucraram milhões com obras superfaturadas. Acho até que Arruda não sabia...
Se cedesse à tentação de taxá-lo de corrupto seria processado na hora. Como só cabe à Justiça resolver essa parada – se quiser e quando quiser –, por ora prefiro me referir a Arruda como um idiota. Um rematado idiota. Ou melhor: um idiota imperfeito. Idiota é quem comete uma burrice por descuido ou ignorância. O imperfeito idiota comete a burrice porque se julga inteligente demais, esperto demais.
Logo depois de se eleger governador em 2006, Arruda soube que havia sido filmado recebendo dinheiro vivo durante a campanha. Quem lhe contou? Durval Barbosa, o autor do filme, responsável pelo pagamento de despesas da campanha de Arruda.
Na ocasião, Durval se desculpou: “Eu tenho de me defender...” O filme permaneceria inédito se ele ganhasse um cargo no futuro governo.
Não um cargo qualquer. Mas um com direito a foro privilegiado. Durval coleciona processos desde o governo de Joaquim Roriz, seu mentor. Quem tem foro privilegiado costuma escapar mais facilmente de condenações. Daí... Daí que Arruda nomeou Durval secretário de Relações Institucionais. E ao invés de isolá-lo em seguida, deixou-o cuidar do pagamento do mensalão. Durval passou então a filmar todo mundo.
Em setembro último, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal aceitou mais um processo contra Durval. Arruda prometera dar um jeito para que o processo fosse recusado. Sentindo-se traído, Durval abriu sua filmoteca, sacou de lá 30 vídeos e estragou para sempre a vida de Arruda. Foi a primeira idiotice cometida pelo governador: confiar em quem o chantageara antes e estocava munição para detoná-lo.
A segunda monumental idiotice: tentar se entender com o jornalista Edson Sombra, o amigo de Durval que mais o incentivou a despachar Arruda para o inferno. Sombra diz que Arruda lhe ofereceu R$ 3 milhões. Em troca, ele deveria desqualificar os vídeos dizendo que foram adulterados. Arruda alega que foi procurado por Sombra atrás de favores, e que se recusou a atendê-lo.
Ambas as versões podem conter furos – mas a de Arruda é uma peneira. O deputado Geraldo Naves (DEM) confirma que visitou Sombra a pedido de Arruda. Confirma também que entregou a Sombra um bilhete escrito por Arruda onde ele suplica a certa altura: “Quero ajuda”. Wellington Moraes, secretário de Comunicação do governo, confirma que Arruda e Sombra conversaram por telefone.
Que Arruda aja como um idiota imperfeito é problema dele. Mas que queira nos fazer de idiotas, alto lá! Primeiro o dinheiro filmado com ele era para a compra de panetones. Agora, tudo não passou de mais uma armação de Durval. Foi o sobrinho e secretário-particular de Arruda que providenciou o dinheiro entregue a Sombra. Corrupção, não, mas idiotice é crime imprescritível. Só por isso Arruda merecia estar preso
Governo sai em bloco para responder a FHC
"Não estou desmerecendo ninguém, estou dizendo que o nosso caminho é melhor". Foi assim que a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), pré-candidata do PT à Presidência, reagiu ao artigo publicado ontem no Estado em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acusa o presidente Luiz Inácio Lula de mentir quando compara os dois governos. O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e o presidente eleito do PT, José Eduardo Dutra, também partiram para o ataque a FHC. "Quem escondeu os processos do governo dele foi o Alckmin. Ele ficou envergonhado de defender o governo FHC", provocou Dutra. O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), classificou a forma como Lula compara sua gestão à de FHC – não reconhecendo méritos no governo tucano – de "desonesta".
Dilma comanda reação petista a FHC e diz que insistirá em comparações
Com Dutra e Padilha, ela responde a artigo no "Estado" em que ex-presidente acusa Lula de "enunciar inverdades"
Renato Andrade, Tânia Monteiro
O governo saiu ontem em bloco para responder as críticas feitas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à estratégia do Palácio do Planalto para tentar vencer as eleições de outubro.
Em artigo publicado ontem no Estado, Fernando Henrique afirmou que Lula, levado por "momentos de euforia", está inventando inimigos e enunciando inverdades. O ex-presidente lamentou que o sucessor tenha se deixando contaminar por "impulsos tão toscos" e mostrou disposição para entrar no embate das realizações de cada governo, polarização defendida por Lula. "Se o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa."
Para Dilma, o que o governo defende é uma comparação para a escolha de caminhos. "Essa é a forma de nós confrontarmos as possibilidades", disse a ministra, pouco antes de participar de um evento do PT, em Brasília. Fernando Henrique afirmou em seu artigo que a estratégia adotada pelos petistas seria uma tentativa de ganhar as eleições "com o retrovisor".
Dilma rebateu. "Comparar não é ficar olhando pelo retrovisor. Comparar é discutir que caminho vou seguir", disse. "Sem sombra de dúvida, houve passos no governo anterior, agora, o que estou dizendo é que o nosso caminho é melhor."
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, também defendeu a política de comparações e disse que o PT está disposto a debater com os tucanos suas propostas para o futuro. "Assim que mostrarem o que querem fazer, nós vamos comparar com aquilo que queremos fazer daqui para frente."
DADOS
O ex-presidente argumentou em seu artigo que o governo ignora dados e insiste em contar sua versão dos fatos para tentar "desconstruir o inimigo principal", os tucanos. O empréstimo feito pelo País em 2002, no FMI, foi um dos exemplos citados por Fernando Henrique de custos enfrentados pelo País por anos de "bravatas" do PT que hoje são ignoradas pelos petistas.
Dilma tentou desmontar a argumentação. "O governo pediu US$ 14 bilhões porque só tinha US$ 16 bilhões de reservas e tinha atrelado sua dívida interna ao dólar", disse. "Hoje, temos reservas de US$ 240 bilhões, essa a diferença."
Segundo a ministra, a de cisão de atrelar a dívida ao dólar acabou tendo efeitos perversos.
"Cada vez que havia uma desvalorização, a dívida das empresas, a dívida do governo se multiplicava na proporção da desvalorização", disse. "Diante de cada crise o governo quebrava, ele era parte do problema."
Para Dilma, o atual governo mudou o papel do Estado. "Na hora que a coisa ficou preta, quando acabou o crédito internacional e nenhum banco privado emprestava, foram os nossos bancos públicos que seguraram", comentou. "Não vamos comparar desta vez que o governo brasileiro foi parte da solução?"
A tentativa de colar a imagem do governo com sinais de mudanças radicais também não faz sentido, disse. "O pessoal está um pouquinho atrasado, nem em Davos a gente recebe mais essa crítica."
DUTRA
Citado no artigo de Fernando Henrique, o presidente eleito do PT, José Eduardo Dutra, disse que quem não reconheceu os feitos do governo passado foi o candidato tucano ao Planalto em 2006, o ex-governador Geraldo Alckmin. "Quem escondeu os progressos do governo dele foi o Alckmin.
Em seu artigo, Fernando Henrique lembra que Dutra, que já presidiu a Petrobrás, reconheceu que votaria contra uma eventual proposta de volta ao monopólio do petróleo, tema defendido por muitos anos pelo PT. Dutra confirmou essa posição e disse também que já elogiou outra medida tomada pelo governo FHC, hoje alvo de críticas dos próprios tucanos. "Um dos grandes motivos para o crescimento da Petrobrás foi a agilidade que ela ganhou a partir do momento em que não teve mais de cumprir a 8666 (Lei de Licitações).
Agora o TCU bombardeia esse decreto, que é do governo FHC, e a oposição fica do lado do TCU."
TRECHOS
O presidente Lula passa por momentos de euforia que o levam a inventar inimigos e enunciar inverdades. (...) Por trás dessas bravatas estão o personalismo e o fantasma da intolerância: só eu e os meus somos capazes de tanta glória. Houve quem dissesse: "O Estado sou eu." Lula dirá: "O Brasil sou eu!" Ecos de um autoritarismo mais chegado à direita.
Por que seríamos o inimigo principal? Porque podemos ganhar as eleições. Como desconstruir o inimigo? Negando o que de bom foi feito e apossando-se de tudo o que dele herdaram como se deles sempre tivesse sido. Onde está a política mais consciente e benéfica para todos? No ralo.
Na campanha haverá um mote - o governo do PSDB foi "neoliberal" - e dois alvos principais: a privatização das estatais e a suposta inação na área social. Os dados dizem outra coisa.
(Lula) Esqueceu-se de que o País pagou um custo alto por anos de "bravata" do PT e dele próprio.
É mentira dizer que o PSDB "não olhou para o social". Não apenas olhou como fez e fez muito nessa área.
Se o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa. Nada a temer.
Colaborou Leonardo Goy
Foco tem de ser biografia de candidatos, cobram tucanos
Para integrantes do PSDB, artigo de FHC expõe o diagnóstico do partido sobre conjuntura política atual
Julia Duailibi, Lucas de Abreu Maia
Na esteira das declarações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para quem "eleições não se ganham com o retrovisor", os tucanos reforçaram a estratégia de comparar a biografia da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, com a do governador de São Paulo, José Serra. Para integrantes do PSDB, o artigo de FHC, publicado ontem no Estado, expõe o diagnóstico feito pela cúpula do partido sobre a conjuntura política atual.
"A ministra tem de esquecer essa história de comparação com governo Fernando Henrique. Seu desafio é mostrar que é melhor para o País. Vamos discutir o governador Serra e a ministra Dilma. A forma como um trabalhou publicamente a vida inteira, e a outra, que não fez nada e promove um festival de ações contr a lei", disse o presidente do PSDB, Sérgio Guerra.
Na avaliação do deputado Arnaldo Madeira (SP), o artigo é "um belo resumo da posição do PSDB". "O tom da conversa é esse. Há hoje uma ideia clara de que há uma continuidade da política econômica. Os programas sociais foram mantidos e ampliados. É o que o partido vem dizendo internamente. Mas a campanha não será focada entre Fernando Henrique e Lula. Será para frente, para o que os candidatos irão fazer."
No PSDB, há, no entanto, quem questione se a crítica do ex-presidente a Lula, ao dizer que o petista tem "impulsos toscos" e "enuncia inverdades", não acaba dando munição ao governo. Para alguns tucanos, o partido cai na armadilha petista ao alimentar o bate-boca.
O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), repetiu o argumento do ex-presidente de que a atual gestão "pegou o governo complicado, mas por culpa do Lula" - uma referência ao temor no mercado financeiro de que o petista adotasse políticas econômicas mais à esquerda. O senador também chamou de "desonesta" a comparação entre o crescimento econômico do governo atual e o anterior. "Tem de olhar o crescimento comparado ao dos países vizinhos e concorrentes. Hoje, o Brasil cresce menos", disse.
Para o senador José Agripino Maia (DEM-RN), o ex-presidente "coloca verdades insofismáveis" em seu artigo. "Lula procura convencer as pessoas de coisas cujo mérito não é dele", afirmou. "Vamos dar a César o que é de César, é isso o que o Fernando Henrique está fazendo."
Ao comentar o artigo de FHC, o presidente do PSDB de Minas, deputado Nárcio Rodrigues, disse que "o governo Lula não teria feito 10% do que fez se não fossem as bases plantadas por Fernando Henrique em seus oito anos". Para Rodrigues, o discurso de comparação de Lula não fortalecerá a campanha de Dilma Rousseff. "O jogo com a Dilma é outro", disse.
Colaborou Ivana Moreira
Artigo de novembro já havia provocado polêmica
MEMÓRIA
Ala oposicionista do PMDB avisa que insistirá em reverter quadro pró-PT
Julia Duailibi e Evandro Fadel
Com a recondução do deputado Michel Temer (SP) à presidência do PMDB, e o consequente fortalecimento da tese a favor da aliança com o PT na eleição presidencial, a ala peemedebista que faz oposição ao governo federal começa a articular a reversão do quadro - hoje favorável à coligação com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.
A política de alianças tem ainda de ser referendada na convenção nacional do PMDB em junho, e é com esse tempo que os oposicionistas pretendem jogar. "A eventual disputa será na convenção. Ainda é possível mudanças", disse o ex-governador Orestes Quércia, que articula reunião com os governadores Roberto Requião (PR) e Luiz Henrique (SC) e os senadores Pedro Simon (RS) e Jarbas Vasconcelos (PE). Há oposicionistas favoráveis à candidatura própria e outros que defendem coligação com o PSDB.
"Como dizia o Tancredo Neves, voto secreto dá uma vontade de trair", disse Simon, ao comentar que a tese de candidatura própria pode ser beneficiada com votos de governistas.
"Até a convenção, Requião continua pré-candidato a presidente."
Na avaliação de setores do PMDB, diretórios da Bahia e de Minas podem ainda virar o jogo e se alinhar aos que defendem a candidatura de José Serra.
O presidente do diretório do PMDB do Paraná, Waldyr Pugliesi, um dos que assinaram a ação judicial que pretendia a suspensão da convenção de sábado que reelegeu Temer, disse que é preciso mobilizar os que querem a candidatura própria. "Aqueles que a defendem têm de trabalhar para, em junho, comparecer à convenção nacional e colocar uma ou duas pré-candidaturas para disputar."
Levantamento da ala oposicionista mostra que 24 diretórios estaduais querem a candidatura própria. Há, no entanto, ceticismo de que a proposta possa sair vitoriosa. Para o presidente eleito do PT, José Eduardo Dutra, a reeleição de Temer mostra a "representatividade" dos militantes e do grupo que defende a aliança. "É um passo a mais nesse sentido."
Contra o Plano Real, Lula sofre a segunda derrota
Até seis meses antes das eleições de 1994, Lula era o favorito absoluto a ascender ao Palácio do Planalto. A essa altura, Itamar Franco já era o presidente da República e seu ministro da Fazenda, o senador Fernando Henrique Cardoso (SP), idealizava um plano que revolucionaria a economia brasileira: o Plano Real.
A nova moeda estabilizou a economia e praticamente destruiu o maior dos fantasmas dos brasileiros, a inflação. Observando a popularidade do plano e do ministro crescerem, os petistas não tiveram dúvidas sobre que estratégia usar para tentar se manter à frente na corrida presidencial: bater no plano e em seu criador. O cenário começou a mudar. Fernando Henrique inverteu a tendência lulista e conseguiu uma vitória esmagadora (55% dos votos válidos) ainda no primeiro turno.
Hoje, petistas têm opiniões diversas sobre a estratégia do partido na disputa. “Aquilo foi um erro. Lula estava à frente nas pesquisas e se desidratou por conta de oposição feita ao Plano Real, ao que a população queria, que estava sentindo concretamente o aumento no seu poder aquisitivo. E o candidato a presidente do partido estava contra aquele programa. Ali foi, talvez, o maior equívoco que o PT teve”, diz o deputado Maurício Rands.
Para Jorge Perez, “não é que tenha havido um equívoco, o País vinha num processo de Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Verão, planos e planos cada vez mais mirabolantes”, lembra. “E era mais um plano que claramente tinha a intenção de eleger um presidente da República. Tinha todo um verniz de ser um plano como os outros. Não foi um plano como os outros, é evidente que não”.
Quatro anos depois, já tendo Brizola como vice, Lula tentou mais uma vez derrotar Fernando Henrique Cardoso na disputa presidencial. Perdeu novamente no primeiro turno.
Aécio amplia agenda contra ofensiva de Lula em Minas
Tucano inaugura obras para contrapor visita do petista
Paulo Peixoto
Agência Folha, em Belo Horizonte
O PSDB mineiro e o governador Aécio Neves vão se contrapor à ofensiva que o PT e o presidente Lula prepararam para hoje e amanhã em Minas Gerais. Os tucanos fazem questão de dividir as atenções da imprensa nesse período pré-eleitoral. Até a sede do PSDB-MG será reinaugurada.
Enquanto Lula estiver amanhã no leste mineiro inaugurando obras com a ministra Dilma Rousseff, a pré-candidata petista à Presidência, o tucano Aécio estará no norte mineiro fazendo o mesmo.
Aécio estará na companhia do seu vice, Antonio Anastasia, virtual candidato do PSDB ao governo de Minas.
Na noite de hoje, com a presença de Dilma, o PT realiza em Belo Horizonte um ato político para marcar a posse da diretoria regional da sigla e para homenagear o vice-presidente José Alencar (PRB-MG), que receberá o inédito título de "militante honorário" do partido.
No mesmo horário, também na capital mineira, o PSDB promoverá a "reinauguração da sede do partido". Vale tudo para ocupar os espaços no segundo colégio eleitoral do país.
Poucas vezes Aécio não foi recepcionar Lula em território mineiro no últimos sete anos. Isso ajudou a alimentar a expressão "Lulécio", refletida nas boas votações que Lula e Aécio tiveram nas disputas eleitorais de 2002 e 2006 no Estado.
Para evitar problemas com aliados, Aécio decidiu neste ano que não iria acompanhar Lula nas suas viagens -e ainda vai contra-atacar também com inauguração de obras.
Amanhã, Aécio e Anastasia participam de inaugurações e lançam a terceira etapa do programa Luz Para Todos em Montes Claros (428 km de BH).
Seus aliados, entretanto, dizem que essas inaugurações já estavam programadas. "Não estamos preocupados com eles, estamos fazendo o nosso papel", disse o presidente do PSDB-MG, deputado federal Narcio Rodrigues.
São muitos os pré-candidatos em Minas, mas apenas o nome de Anastasia parece certo.Entre os aliados de Lula, há quatro nomes. Os ministros Hélio Costa (PMDB) e Patrus Ananias (PT) e o ex-prefeito Fernando Pimentel (PT) não abrem mão da indicação, exceto se o candidato for Alencar.
Embora Alencar seja a nova opção dos aliados, no final de semana Patrus e Costa deram declarações sinalizando que não tiraram o pé do acelerador.
Mesmo dizendo que seria "cabo eleitoral" de Alencar, Costa disse: "Entendo que o vice, neste momento, está concorrendo ao Senado".
Patrus falou que Alencar tem prioridade, mas afirmou que ainda quer disputar prévia no PT-MG contra Pimentel.
FHC afirma que PSDB não deve ter medo e chama Dilma de "boneco"
Ex-presidente defende candidatura de Alckmin ao governo de São Paulo
Catia Seabra
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comparou a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a um boneco manipulado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Num seminário destinado a prefeitos e vereadores do PSDB, no sábado, ele recomendou que os tucanos não tenham medo da popularidade de Lula, a quem chamou de ventríloquo de Dilma.
Segundo participantes, FHC duvidou do potencial de transferência de votos de Lula para Dilma porque o eleitor "desconfia de bonecos". "Vamos mostrar que Dilma não tem as mesmas inteligência e capacidade de Lula", disse ele, segundo relato de participantes.
No seminário, FHC disse que seria um "tiro no pé" se o PSDB não lançasse a candidatura de Geraldo Alckmin ao governo de São Paulo. Por duas vezes, ele afirmou que sonhava com o nome do governador de Minas, Aécio Neves, como vice de José Serra, para a Presidência.
FHC afirmou, porém, que confia na cooperação de Aécio ainda que ele não componha a chapa. Segundo ele, Aécio terá que trabalhar muito em Minas para fazer seu sucessor.
Citando Tancredo Neves, avô de Aécio, FHC disse que ele precisa manter o poder no Estado. Por isso, trabalhará pelo partido.
Organizador do seminário, o secretário estadual Xico Graziano pediu que não se falasse sobre o dia a dia político no evento, destinado à modernização do discurso do partido. FHC foi obrigado a falar quando um dos participantes criticou o fato de o PSDB não ter candidato ao Planalto, enquanto Dilma está em campanha.
FHC reagiu, afirmando que Serra é o candidato, mas não pode se declarar enquanto governa São Paulo. Ainda segundo FHC, cabe a Serra ditar as diretrizes da sigla em campanha. Mas isso ainda não aconteceu. No evento, FHC fez uma crítica indireta a Serra e Alckmin. Disse que o PT tenta desconstruir seu mandato. "Infelizmente, nas duas campanhas do partido à Presidência, essa bandeira não foi defendida."
FHC disse ainda que seria um erro do PT tentar comparar sua gestão à de Lula porque não se faz disputa "olhando para o retrovisor". Mas apresentou números para que o partido fizesse comparações. Repetindo dados de artigo publicado ontem em "O Estado de S. Paulo" e "O Globo", FHC disse que atendeu a 5 milhões de famílias no Bolsa Escola e que o governo Lula incluiu mais 6 milhões.
Em evento ontem com a Juventude Petista, Dilma defendeu a comparação das gestões. "Se não comparar, fica difícil. Vamos discutir quem fez o quê. E quem fará o quê." O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) também rebateu FHC. "Toda vez que ele fala, o governo cresce na aprovação e a ministra, nas pesquisas."
No seminário, FHC disse ainda que o PT esconde o trabalho dos governos anteriores.
Chávez: torcida por Dilma
CARACAS. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, afirmou ontem, em seu programa semanal de rádio e TV “Alô, presidente”, que o governo dos Estados Unidos “jogará tudo” nas eleições deste ano no Brasil — o que levaria o país, segundo ele, a uma guinada à direita. Ele disse esperar que a ministrachefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, vença o pleito.
— Estamos seguros de que o império norte-americano vai jogar tudo para que ganhe a direita no Brasil — disse Chávez, para em seguida completar: — O império está tentando ter, para janeiro do outro ano (2011), um governo subordinado a seu mandato, o que seria verdadeiramente nefasto para a união dos governos da América do Sul e de nossos povos.
Chávez afirmou ainda acreditar que Lula fará seu sucessor: — Temos a esperança de que o governo de Lula, que não se subordinou aos mandatos dos Estados Unidos, siga seu curso, a seu próprio ritmo, mas sendo um governo aliado dos povos da América do Sul.
Chávez advertiu que os setores “direitistas” do continente, com o amparo e a ajuda dos Estados Unidos, suscitaram uma ofensiva política para recuperar o poder.
A encruzilhada está em Minas
Todos os caminhos para o Palácio do Planalto passam pelo segundo maior colégio eleitoral do país.
Leonel Rocha. Com Leandro Loyola
O folclore político brasileiro estabelece que os políticos de Minas Gerais são craques da dissimulação, verdadeiras esfinges, hábeis em ocultar suas intenções e dar nós nos adversários. Uma história atribuída a Tancredo Neves e José Maria Alkmin, dois mestres nessa arte, ilustra bem o que seria o modo mineiro de fazer política. Adversários nas disputas internas no PSD, partido a que pertenciam, os dois teriam se encontrado no aeroporto de Belo Horizonte, no início dos anos 60. Trataram-se com cortesia, e Tancredo perguntou para onde Alkmin viajaria. Alkmin respondeu que iria para o Rio de Janeiro. Quando os dois se separaram, Tancredo disse a um assessor o que pensava da conversa: “Se o Alkmin disse que vai para o Rio, quer que eu pense que ele vai para São Paulo. Isso significa que ele vai para o Rio mesmo”.
Um jogo com intenções ocultas e muitos despistes, como o de Tancredo e Alkmin, está sendo disputado atualmente em Minas. O governador Aécio Neves (PSDB), o vice-presidente José Alencar (PRB), o ex-presidente Itamar Franco (PPS), o ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB), o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias (PT), e o ex-prefeito Fernando Pimentel (PT) conversam com aliados e adversários, articulam e também dissimulam muito sobre suas possíveis candidaturas nas eleições deste ano (leia o quadro abaixo).
Aécio pode ser candidato a senador ou a vice na chapa de José Serra (PSDB). Se a saúde permitir, José Alencar pode tentar o Senado ou o governo do Estado. Hélio Costa lidera as pesquisas para o governo, mas pode ser candidato ao Senado ou à Vice-Presidência na chapa de Dilma Rousseff (PT). Patrus Ananias e Fernando Pimentel disputam o direito de ser candidatos do PT ao governo, mas podem ser candidatos a senador e deputado, respectivamente. E Itamar quer ser candidato ao Senado. Mas, em seu caso, nunca se sabe. Em Minas está hoje o maior nó da política brasileira, capaz de determinar os rumos da campanha presidencial.
A peça mais importante desse jogo é o neto de Tancredo, Aécio Neves. Um dos governadores mais bem avaliados do país, Aécio tem uma eleição praticamente garantida ao Senado. Há um mês, quando anunciou oficialmente que desistia de concorrer à Presidência da República, Aécio afirmou que o Senado seria seu caminho. Mas disse também que “irreversível é a morte”. Nas últimas semanas, ele tem sido pressionado pelos tucanos a aceitar a vaga de vice de Serra. A operação para convencer Aécio inclui ainda membros do Democratas, partido aliado do PSDB, e até amigos de fora da política. “Vou de joelhos a Belo Horizonte pedir para ele aceitar”, disse o deputado Raul Jungmann (PPS-PE).
Recentemente, um interlocutor expôs a Aécio um cenário político para convencê-lo de que a vaga de vice é sua melhor opção. Caso seja eleito senador, Aécio pode sonhar em ser presidente do Congresso, num eventual governo Serra, ou líder da oposição, caso Dilma vença. Pode parecer bom, mas Aécio colocaria também sua enorme popularidade em risco por causa das sucessivas crises do Legislativo. Como vice de Serra, argumentam os políticos empenhados em atraí-lo para uma chapa liderada pelo governador paulista, Aécio poderia negociar um grande naco de poder em um eventual governo dos tucanos. “Ele pode escolher ser o sujeito que fez o máximo para ajudar a eleger o Serra”, diz um interlocutor de Aécio. “Ou ser o sujeito que foi fundamental para a vitória.”
“Sem o Aécio na chapa, corremos o risco de o mineiro não votar em Serra para presidente”, afirma o deputado Humberto Souto (PPS-MG). A divulgação da pesquisa Sensus, na semana passada, que mostra uma subida da candidata do PT, a ministra Dilma Rousseff
A opção eleitoral de Aécio pode, no entanto, alterar esse acordo entre Hélio Costa e o PT. Caso Aécio seja o vice de Serra, Costa pode virar o nome do PMDB para candidato a vice na chapa da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Por trás desse plano, existe a intenção de ter um vice capaz de dividir com Aécio os votos de Minas, o segundo maior colégio eleitoral do país. Há ainda uma terceira opção para Costa: uma tentativa de reeleição para o Senado. “Se o vice-presidente José Alencar quiser ser candidato ao governo de Minas, admito concorrer a outro cargo”, diz Costa.
Como bons mineiros, todos os outros candidatos reverenciam Alencar. A comoção causada pela luta contra o câncer, aos 78 anos, e o apoio do presidente Lula tornam o vice-presidente um candidato praticamente imbatível na disputa pelo Senado e uma opção fortíssima para o governo do Estado. Tanto do lado do governo Lula como da oposição, todos os possíveis candidatos o observam e só vão decidir seus destinos depois que Alencar traçar seu caminho. “Vou trabalhar para ajudar Lula a eleger a ministra Dilma presidente da República”, disse Alencar a ÉPOCA na semana passada, poucos dias depois de uma sessão de quimioterapia.
Alencar mostra-se bem-disposto. Apesar da gravidade da doença, ele trata o problema como um incômodo e está cumprindo jornadas políticas em tempo integral. Tem recebido regularmente ministros, parlamentares e prefeitos para articulações. Na solenidade de abertura do ano legislativo no Congresso, na semana passada, Alencar foi ovacionado. Ficou de pé, deu um soco no ar como um jogador de futebol ao comemorar um gol, discursou de improviso e foi aplaudido pelas galerias lotadas de sindicalistas.
O rumo de Alencar pode afetar o destino não só de Hélio Costa, mas também dos possíveis candidatos do PT ao governo: o ministro Patrus Ananias ou o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel. Os dois protagonizam um racha profundo no PT mineiro e discordam sobre quase tudo, mas concordam em um ponto. Tanto um como outro abrem mão da candidatura ao governo estadual se essa for a opção de Alencar.
Os envolvidos no novelo mineiro observam ainda os movimentos do ex-presidente Itamar Franco. No ano passado, Itamar filiou-se ao PPS para “observar o jogo mais de perto”. Chegou a ser cogitado como candidato ao governo. Há duas semanas, no entanto, Itamar anunciou que quer ser candidato ao Senado. Ninguém garante, porém, que Itamar não possa mudar de ideia. Dias atrás, foi cotado como vice na chapa de Serra.
Desde a descoberta das minas de metais preciosos, no século XVII, Minas Gerais tem uma importância fundamental nos rumos políticos do Brasil. A inconfidência surgida em Vila Rica, hoje Ouro Preto, no final do século XVIII é um marco do processo que terminou na Independência, em 1822. Com a decadência econômica depois do fim do ciclo da mineração, a elite mineira passou a cultivar a ideia de que o Estado, por sua posição geográfica central, é a terra, por excelência, da conciliação. Foi uma forma de conservar influência política e fazer frente ao poderio crescente dos paulistas. Durante a República Velha, no início do século XX, Minas dividiu com São Paulo a condução do país.
Mais recentemente, vencer as eleições em Minas Gerais tornou-se condição imprescindível para o candidato ao Planalto que quiser ter êxito na sucessão presidencial. Desde as eleições de 1994, quem venceu em Minas foi eleito presidente (leia o quadro abaixo). Por isso, o nó em Minas é fundamental também para os candidatos à Presidência. Para Dilma, mineira que fez a carreira no Rio Grande do Sul, há mais opções, como o amigo Pimentel ou Hélio Costa. Para Serra, o engajamento de Aécio em sua campanha é crucial para ter chances de vitória nas eleições.
TRE abre guerra a milícia, tráfico e bicho na eleição
No comando das próximas eleições, o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE), Nametala Machado Jorge, já se reuniu com a Secretaria de Segurança Pública e com a Polícia Federal para mapear as áreas conflagradas no estado. O alvo é a atuação política de milicianos, traficantes e bicheiros e a formação de currais eleitorais - uma das prioridades de sua gestão, iniciada em novembro. Aos eleitores, um apelo: que digam "basta, não me venham com com milícia, bicheiros, abuso de poder econômico".
Um basta à milícia e ao tráfico
Novo presidente do TRE pretende combater influência de criminosos na política
ENTREVISTA
Nametala Machado Jorge
A atuação política de milicianos, traficantes e bicheiros será um dos principais alvos do presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE), Nametala Machado Jorge, nas eleições de outubro.
Empossado em novembro do ano passado, o desembargador concedeu sua primeira entrevista no novo cargo e adiantou ao GLOBO as decisões que pretende tomar na corrida eleitoral deste ano. De olho nos chamados currais eleitorais, já fez uma reunião com representantes da cúpula da Secretaria de Segurança Pública do estado e da Polícia Federal. Em conjunto com o setor de inteligência da secretaria, está montando um mapa com todos os pontos conflagrados do estado.
Nascido em Cambuci, no Norte Fluminense, de ascendência libanesa e católico praticante, o presidente não dará prosseguimento à campanha contra os candidatos com fichas sujas: “Não vou me insurgir contra a decisão do Supremo”.
Sobre as investigações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra os dois últimos presidentes do TRE-RJ (Roberto Wider e Alberto Motta Moraes), iniciadas após uma série de reportagens do GLOBO, Nametala diz que não pode fazer juízo de valor, mas lamenta que isso aconteça: “Uma decisão eventualmente equivocada de apenas um de seus componentes não pode comprometer o órgão”, afirma, completando com uma promessa: “Andaram falando em blindagem (de políticos).
Não sei se existiu, mas o eleitor pode estar confiante: não haverá dois pesos e duas medidas
Flávio Tabak
O GLOBO: Os currais eleitorais tiveram grande destaque nas eleições de 2008. Como o senhor vai combater esse problema e o uso da máquina pública?
NAMETALA JORGE: Quero que o resultado das urnas expresse a vontade popular. Estamos trabalhando para que haja um equilíbrio de forças entre os concorrentes e, para que isso aconteça, é preciso que todos habitem um terreno livre. Fizemos uma reunião com a cúpula da segurança e tratamos da questão da milícia, dos bicheiros e traficantes, sabendo que, desgraçadamente, há gente influente apoiada por eles, inclusive policiais. Há também parentes de traficantes com manguinhas de fora dizendo que são candidatos. Temos que primeiro mapear os pontos conflagrados. Teremos também uma reunião com o secretário estadual Regis Fichtner (Casa Civil) para tratar do apoio que o governo deve dar ao TRE e, sobretudo, estabelecer regras de comportamento. Se eles (governo) precisarem, nós temos, de forma gratuita, pessoas qualificadas para orientá-los sobre a campanha. Quero que o eleitor fluminense diga: “Basta. Não me venham com milícia, bicheiros, abuso de poder econômico, da máquina administrativa. Vou votar no fulano porque acho que ele é bom ou o menos pior”.
Com o mapa em mãos, o senhor chamaria as Forças Armadas para combater os currais, como ocorreu em 2008?
NAMETALA: O Exército não funciona (em eleições). Na Operação Guanabara (quando militares ocuparam favelas do Rio às vésperas das eleições de 2008), era tudo muito bonito, mas quem dá respaldo é a velha Polícia Militar. Se houver necessidade, traremos (o Exército), não vamos abrir mão de uma força tão importante, mas, a princípio, está descartada. O Exército fica três dias num lugar e depois aparece um vácuo. Já a polícia está lá constantemente. Se tivermos uma polícia militar atuante, com comando firme, vamos garantir nesses currais uma liberdade de discurso eleitoral. Não estou com medo, tenho certeza de que posso contar com a segurança pública do estado.
O CNJ investiga os dois últimos presidentes do TRE. Um deles, Roberto Wider, foi afastado de suas funções como desembargador no TJ do Rio por suspeitas de ter favorecido um lobista. Depois disso, como fica a imagem do TRE para os eleitores?
NAMETALA: Como juiz, só emito juízo de valor olhando as provas. Não as conheço. Lamento que isso aconteça, não é bom que haja razões para a instauração desses procedimentos. No fundo chega na gente, toca todo mundo. Os próprios parentes falam: “aquele seu colega, o fulano...”. Temos aí uma decisão do CNJ afastando até um colega de suas funções normais e também a notícia de investigação de outro colega. Vou aguardar a decisão. Qualquer fato que tenha conotação com um ex-integrante do órgão não pode afetar o órgão, que vive de suas decisões. Podemos cometer pecados, mas só os veniais, não os capitais. O eleitor pode ficar absolutamente certo de que o TRE terá uma atuação tranquila, correta e séria. Andaram falando em blindagem (de políticos). Não sei se existiu, mas o eleitor pode estar confiante: não haverá dois pesos e duas medidas. Aqui o político só será absolvido se a prova dos autos autorizar sua absolvição.
E o combate aos fichas-sujas? Mesmo com o Supremo permitindo candidaturas de pessoas com anotações criminais que não transitaram em julgado, o senhor impugnará e divulgará os nomes?
NAMETALA: O TRE está sendo rígido nessas questões, mas temos limites, que são a lei e as decisões do STF. A lei em vigor estabelece que a inelegibilidade dos fichas-sujas decorre apenas de uma sentença condenatória transitada em julgado. Enquanto não houver uma lei editada pelo Congresso, esses candidatos com passivo criminal são elegíveis. Para um leigo soa muito esquisito, mas nós, juízes, temos que entender que é assim que funciona a democracia. Não vou me insurgir contra a decisão do Supremo. As impugnações virão, e os eleitores podem vêlas no site do TRE, mas não haverá uma campanha aberta, não vou fazer aquele carimbo. Temos que contar com a consciência do eleitor porque ele (ficha-suja) não está impedido de concorrer, mas, moralmente, não deve receber o voto. O eleitor tem de ser o grande juiz dessa causa.
Como o senhor disciplinará a propaganda eleitoral irregular?
NAMETALA: Sou do interior. A compra de voto existe embora nem sempre haja prova efetiva disso. O eleitor está tão viciado que ele já pede a vantagem ao político. Um não dá, outro dá. Aquele que infringe a lei acaba eleito. Quero atuar no sentido de obstar essa prática com fiscalização e conscientização. Vou chamar os partidos políticos para uma reunião depois do carnaval, para tratar dessas questões. Temos que conscientizálos para que policiem seus filiados e, assim, tenhamos uma campanha limpa e livre de irregularidades e maus costumes.
Que mensagem o senhor daria aos políticos?
NAMETALA: Que sejam bem-vindos, desde que no campo da paz e da obediência às regras legais, porque o TRE não vai refrescar. Não importa quem seja. Se alguém pensa que o TRE poderá, em razão de circunstâncias, privilegiar um em detrimento do outro, está redondamente errado. Não venham porque será uma grande decepção para eles e uma grande alegria para nós. Não estaremos aqui fazendo caça às bruxas, mas se aparecer alguma, vamos ter que providenciá-la (a caça). Não podemos permitir que o ingresso no poder estatal seja feito a qualquer preço.
O senhor já foi procurado por algum político?
NAMETALA: Ninguém me procurou. A esta altura da minha vida, quase chegando aos 67 anos, 35 para 36 anos de magistratura, 48 de serviço público, já sei dizer sim e não. Se você começa a administrar com dois pesos e duas medidas, só porque alguém se sente muito importante, você acaba se perdendo, não cumpre a finalidade de seu cargo. Quebra os princípios de seu berço e se autodesmoraliza. Fizemos uma reunião com a cúpula da segurança e tratamos da questão da milícia, dos bicheiros e traficantes. Há gente influente apoiada por eles, inclusive policiais. Não estou com medo, tenho certeza de que posso contar com a segurança pública do estado. Não haverá dois pesos e duas medidas. O político só será absolvido se a prova dos autos autorizar sua absolvição. Se alguém pensa que o TRE poderá, em razão de circunstâncias, privilegiar um em detrimento do outro, está redondamente errado.
Luiz Carlos Bresser-Pereira:: Por que os ortodoxos erram tanto?
Porque adotam método de ciências como a matemática para justificar o "laissez-faire", origem de crises e mais crises
A grande crise de 2008 foi também a crise da teoria econômica ortodoxa ou neoclássica, dominante desde os anos 1980; foi a crise da teoria do equilíbrio geral e da macroeconomia neoclássica baseada nas expectativas racionais. Esse fracasso não foi surpreendente. Essas duas teorias ensinadas nos cursos de pós-graduação das grandes universidades têm aparência científica, porque o método hipotético-dedutivo empregado para desenvolvê-las permite o uso abusivo da matemática.
Na verdade, são castelos no ar que possuem alguma coerência lógica, mas não têm base na realidade dos sistemas econômicos reais. Além de não terem utilidade prática, essas teorias apresentam alta periculosidade. Foram essas construções matemáticas que legitimaram a principal causa da crise financeira global: a desregulação dos mercados.
A ortodoxia neoclássica é dogmática e afastada da realidade porque usa um método baseado em axiomas, em vez de generalizar a experiência do comportamento dos mercados. Embora também usando o método hipotético-dedutivo, a microeconomia neoclássica, excluído o modelo de equilíbrio geral, é muito útil porque, juntamente com a teoria dos jogos, constitui uma ciência metodológica auxiliar: a teoria econômica da decisão. Já a teoria do equilíbrio geral, a macroeconomia das expectativas racionais e os modelos de crescimento endógeno são teorias ortodoxas que nos períodos de grande desenvolvimento não orientaram a política econômica dos países em que foram formuladas.
Na Inglaterra, no século 18, foi a teoria econômica mercantilista que desempenhou esse papel; na Alemanha de Bismarck, a escola histórica; nos EUA, na primeira metade do século 20, a teoria institucionalista americana; no Japão e em todos os países que se industrializaram no século 20, a teoria estruturalista do desenvolvimento ("development economics") e a estratégia desenvolvimentista; e, finalmente, nos países ricos, nos "30 anos dourados do capitalismo" (1945-75), foi a teoria econômica keynesiana que inspirou a política econômica.
Para se legitimar, a ortodoxia busca se contrapor à política de irresponsabilidade fiscal e cambial que é tão comum em países mal governados -mas isso não a torna verdadeira. Nem justifica a tese de que era ela a única alternativa ao populismo econômico. A lenda que a envolve é que sua seriedade e severidade assegurariam estabilidade macroeconomia aos países que a aplicassem. Entretanto, as crises financeiras muito mais frequentes jogaram por terra essa tese. No caso dos países em desenvolvimento, a instabilidade resulta do apoio da ortodoxia a deficit em conta-corrente (ou seja, no populismo cambial); no caso dos países ricos, do pressuposto de mercados autorregulados e de sua deliberada desregulação. Há alguns meses, Paul Krugman perguntou:
Luiz Carlos Bresser-Pereira , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".
Luiz Gonzaga Belluzzo::Angústia na periferia europeia
As agruras dos deserdados da Europa revelam consequências do estatismo de ocasião depois de uma orgia de liberalidades
Abalroados pela crise financeira, os "periféricos" da zona do euro -Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha- vivem a angústia do default. Elos frágeis da União Europeia, os chamados Pigs usufruíram as delícias da euforia financeira dos anos 90 do século passado e do início do milênio. Todos capricharam no consumismo e alguns se esmeraram na formação de bolhas imobiliárias, tudo financiado a crédito barato por bancos domésticos e estrangeiros.
Hoje, enfrentam os temores das instituições financeiras em prover recursos para financiar os desequilíbrios fiscais -deficit e dívida pública alentados-, além de buracos no balanço de pagamentos. Pavlos Tzimas, comentarista político grego, lamentou: "As pessoas passaram a maior parte da década pensando: "Pronto, nós conseguimos, estamos ricos" e de repente lhes dizem que o país está falido".
As agruras dos deserdados da Europa revelam de forma clara as consequências do estatismo de ocasião depois de uma orgia de liberalidades financeiras privadas. Instrumentos de curto prazo de sustentação dos lucros das empresas e de proteção dos portfólios do setor bancário privado, as políticas de geração de deficit e de criação de nova dívida pública incitam, hoje, a emergência de expectativas perversas. Os senhores da finança, salvos do naufrágio, passam a se orientar por suposições acerca da evolução da "crise financeira do Estado". O fato relevante nos próximos meses será a avaliação dos detentores de riqueza, sobretudo dos controladores do crédito, acerca dos rumos da política fiscal, de endividamento público e de redução do deficit externo.
Os Pigs agarram-se, agora, às esperanças de programas drásticos de arrocho fiscal, o que inclui naturalmente uma recessão com redução de salários e do emprego no setor público e na esfera privada. Fossem poucas as desgraças, a adesão à moeda única impede a utilização da desvalorização cambial para auxiliar no ajustamento do balanço de pagamentos.
O povaréu (gregos e troianos) resiste ao arrocho. Diante da reação da populaça, os mercados consideram improvável que os desditosos governos da periferia europeia consigam corrigir a trajetória do deficit fiscal, da dívida pública e do desequilíbrio de balanço de pagamentos. Nesse clima, elevam-se os prêmios de risco e restringem-se os mercados para contratos de prazos mais longos, comprometendo a própria capacidade do Estado de emitir dívida nova e de administrar o estoque de endividamento existente.
A propósito das políticas anticíclicas e de suas consequências, Keynes dizia ao economista James Meade: "Você acentua demais a cura e muito pouco a prevenção. A flutuação de curto prazo no volume de gastos em obras públicas é uma forma grosseira de cura, provavelmente destinada ao insucesso". Para ele, o investimento autônomo do Estado e a regulação rigorosa da finança pelos bancos centrais -com o propósito de impedir (e não de reparar) as flutuações agudas da renda e do emprego- deveriam estar inscritas de forma permanente nas políticas do Estado.
Luiz Gonzaga Belluzzo , 67, é professor titular de economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).