domingo, 15 de fevereiro de 2015

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna

IHU On-Line - Há possibilidades de um novo partido que preencha o vácuo do PT? Como vê a articulação em curso a partir do Rio e de São Paulo em torno da criação de um partido similar às experiências do ‘Syriza’ da Grécia e do ‘Podemos’ da Espanha?

Luiz Werneck Vianna – Em primeiro lugar, fala-se disso (do surgimento de um partido como o Podemos no Brasil), mas não há esboço disso (da criação do partido no Brasil) nem de longe. Em segundo lugar, tanto o movimento grego como o espanhol são movimentos de jovens educados politicamente, com trajetórias políticas articuladas. A juventude brasileira não está nesse nível; ela está ainda viciada nos manuais revolucionaristas das décadas anteriores. Então não tem novidade política e intelectual nesses movimentos juvenis. Basta ver os black blocs; é um modelo exemplar disso. Uma das moedas correntes na juventude é o anarquismo, mas com o anarquismo não se faz o poder, o Podemos, não se faz o Syriza.

IHU On-Line – O anarquismo já está superado enquanto uma “possibilidade” para se chegar ao poder, ou uma reação ao poder instituído?

Luiz Werneck Vianna – O anarquismo tem lá os seus encantos poéticos, agora, para governar o mundo é preciso algo além disso. Mas voltando ao ponto, a juventude brasileira não está se educando para uma intervenção do tipo da que ocorre na Espanha e na Grécia; ela está olhando para o passado e é prisioneira de uma história que já passou, ainda vive no bovarismo. Os jovens não são modernos. Não estou vendo até agora algo que reitere a experiência espanhola e grega. Não vejo pistas e indícios disso.
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Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outros, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012). Entrevista à IHU On-Line. Olhe a entrevista completa no blog, arquivo (13/2/2015).

Crise política e econômica expõe divisão no ‘núcleo duro’ do 2º mandato de Dilma

• Apelidado de ‘G6’, grupo composto por seis ministros do PT diverge sobre a melhor estratégia para a presidente enfrentar as dificuldades com a base aliada no Congresso e os problemas na economia

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Divergências sobre como enfrentar as turbulências na política e na economia marcaram, nos últimos dias, as reuniões da presidente Dilma Rousseff com o “núcleo duro” do Palácio do Planalto. Apelidado de “G6”, o grupo é composto por seis ministros do PT que tentam, ainda sem sucesso, encontrar uma estratégia para Dilma romper o cerco político, sair das cordas e driblar o pessimismo com o governo.

O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, é o maior alvo de críticas e fogo amigo no G6, no PT e na base aliada. Em conversas reservadas, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atribui a Mercadante o fracasso da articulação política do Planalto e a rota de colisão do PT com o PMDB.

A eleição para o comando da Câmara foi um dos episódios da temporada de divisões do G6, que, além de Mercadante, abriga Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência), Pepe Vargas (Relações Institucionais), Jaques Wagner (Defesa), José Eduardo Cardozo (Justiça) e Ricardo Berzoini (Comunicações).

Enquanto Vargas, um dos responsáveis pelas negociações com o Congresso, defendia desde o início um acerto com Cunha para não isolar o PT na composição da Mesa Diretora da Câmara, Mercadante não queria acordo “prévio” com o peemedebista. O governo apostou as fichas em Arlindo Chinaglia (PT-SP) e perdeu. Para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a estratégia de confronto adotada pelo Planalto foi “um desastre”.

Logo após assumir, Cunha impôs uma derrota atrás da outra a Dilma – da criação de uma nova CPI da Petrobrás ao Orçamento impositivo, que obriga o governo a executar emendas parlamentares e reduz seu poder de barganha na relação com o Legislativo. Desafeto do Planalto, o presidente da Câmara também não dá trégua por acreditar que Mercadante esteja patrocinando a criação de novos partidos, como o PL – organizado pelo ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD) –, para enfraquecer o PMDB. Ele nega.

‘Faixa de Gaza’. Os gabinetes de Mercadante, Vargas e Rossetto estão localizados no 4.º andar do Planalto, já batizado de “faixa de Gaza” por ser uma zona de conflitos, muitas vezes abafados. Embora esteja fora do Planalto, o titular da Defesa, Jaques Wagner, também ajuda na negociação com o Congresso e entrou na linha de tiro.

Mercadante e Wagner são vistos no PT como o “plano B” para a sucessão de Dilma, em 2018, caso Lula, o candidato natural, não queira ou não possa concorrer por questões de saúde. Nos bastidores, até petistas dizem que os dois travam uma disputa velada, com luvas de pelica, pelo coração de Dilma.

“Se Lula quiser ser candidato a qualquer coisa, terá o meu apoio. Isso tudo é bobagem. Eu já cumpri minha missão e não vou concorrer a mais nada, se não houver reforma política e se as regras de financiamento de campanha não mudarem”, repete Mercadante, como mantra, sempre que é questionado sobre o seu interesse na eleição de 2018. “Não existe essa disputa”, garante Wagner.

Dilma está mais irritada com os “vazamentos” das discussões de seu grupo de conselheiros do que propriamente com as divergências entre os auxiliares, que vão da forma de tratar o PMDB e a base aliada ao tamanho do ajuste fiscal. Com amigos no movimento sindical, Rossetto, Vargas e Berzoini, por exemplo, avaliam que é possível amenizar o texto da medida provisória que endurece o acesso a benefícios trabalhistas, como o seguro-desemprego. Mercadante e Wagner acham que nem tanto. “O ajuste é um pit stop para abastecer o carro, acertar a máquina e arrancar de novo”, comparou Wagner.

No PT, o chefe da Casa Civil é apontado ironicamente como o mentor do “sequestro” de Dilma, após as denúncias de corrupção na Petrobrás. Lula disse à presidente, na quinta-feira, que a tática do silêncio está errada. “Você precisa sair do gabinete, Dilminha”, insistiu ele.

O estilo mandão de Mercadante tem se chocado com o de Rossetto, que só admite ordens da própria Dilma. Os dois já se estranharam algumas vezes e bateram boca no fim do primeiro mandato. À época, o titular da Casa Civil organizava a demissão coletiva dos ministros e pediu que Rossetto, então no Desenvolvimento Agrário, apresentasse sua carta para deixar a presidente à vontade para a troca do time. Rossetto respondeu que só obedecia a Dilma.

Pouco antes da festa dos 35 anos do PT, no dia 6, em Belo Horizonte, uma reunião do G6 escancarou outro racha: a conveniência de Dilma ir ou não àquele ato. Na véspera, o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, havia sido levado pela Polícia Federal para depor no inquérito que apura a corrupção na Petrobrás.

A notícia “vazada” dava conta de que Mercadante era contra a ida de Dilma à capital mineira porque alegava ser preciso preservar a imagem dela, impedindo que a imprensa a associasse a Vaccari, presente à festa. O ministro divulgou nota negando a informação. Depois disso, circularam rumores de que Rossetto, e não Mercadante, teria sido o autor das ponderações feitas a Dilma. Questionado, Rossetto respondeu: “Pelo amor de Deus! Não é possível uma coisa dessas!” O fogo amigo promete continuar.

Vice-presidente é o principal articulador da mudança eleitoral

• Temer conversa com lideranças de partidos a fim de garantir apoio para proposta, contestada por outras legendas

Débora Bergamasco - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), articula a discussão e aprovação do “voto distritão” com partidos da base e adversários. Para ele, a parcela do PT contrária à proposta pode ser convencida a mudar de ideia por meio de “intenso diálogo” ou então ser derrotada pela maioria do Congresso no voto.

Se vingar, a ideia mudaria o atual sistema de eleger deputados federais, que é proporcional. Com a mudança, seriam eleitos para a Câmara os candidatos mais votados em seus Estados, assim como ocorre na disputa para senadores e cargos do Executivo.

Temer já conversou com o ministro das Cidades e presidente do PSD, Gilberto Kassab, com o deputado federal Miro Teixeira (PROS-RJ), com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e com o senador José Serra (PSDB-SP). Segundo ele, todos são a favor de afinar projetos para propor o “distritão”. Também afirmou que deve conseguir o apoio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para a causa.

“Sinto que hoje há uma receptividade muito grande para realizar a reforma política e, dentro dessa reforma, o tema principal é exatamente o sistema de eleição. Há ambiente, estou sentindo”, afirmou o vice-presidente, que na edição de ontem do Estado publicou artigo defendendo o novo modelo.

Defensor da reforma política e da mudança no modo de eleger os deputados federais desde quando era membro da Câmara, Temer afirma: “O povo não entende como um sujeito que teve 300 votos chega à Câmara dos Deputados e quem teve 120 mil fica fora. Quando você explica a nova ideia, as pessoas entendem e aderem imediatamente”.

Resistência. Embora pareça simples, é um item polêmico da reforma política. Uma grande parcela do PT é resistente à proposta e propõe o “voto em lista”, que significa que cada coligação ofereceria ao eleitor uma relação com os nomes dos candidatos da aliança e caberia ao eleitor votar em uma dessas listas. Na visão de petistas, isso permitira o fortalecimento dos partidos.

Para romper essa resistência, Temer defende gastar saliva. “Acredito que depende de diálogo. À medida que haja essa compreensão popular, vai ficar mais fácil de convencer o partido.” Entretanto, caso o PT ainda se oponha à proposta, ele aposta em derrotar o aliado em votação.

“Fala-se muito na eliminação das coligações partidárias. Se adotar o voto majoritário, seus partidos não vão fazer mais coligação na proporcional, porque não há interesse. E em vez de lançar 105 candidatos, como fizemos em SP, para obter o quociente eleitoral, lançaria dez. Com isso, a pregação durante a campanha torna-se mais programática e não essa de puxador de voto”, argumenta Temer.

O vice-presidente defende mudanças também para a eleição de parlamentares regionais. “No caso dos deputados estaduais e dos vereadores em municípios com mais de 200 mil eleitores, por exemplo, eu optaria pela fórmula do distrital misto: ou seja, metade seria eleita pelo voto majoritário, sem quociente eleitoral, e a outra metade pelos distritos (subdivisões regionais dentro de um Estado ou município).”

Financiamento e modelo de voto dividem siglas

• Principais temas da reforma política opõem PT e PMDB, os maiores partidos do Congresso

João Domingos - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O movimento de reforma política que a Câmara pretende votar começa marcado pela divisão dos maiores partidos em defesa de propostas divergentes. A rigor, o financiamento público é defendido pelo PT. No PMDB, a maior resistência parte do presidente da Casa, Eduardo Cunha (RJ).

A forma do voto para a eleição de deputado marca a maior divisão. O PMDB defende o “distritão”. “É o voto do salve-se quem puder, dos que não têm nenhum compromisso ideológico”, diz o cientista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Por essa fórmula, cada Estado seria transformado em um distritão e os candidatos mais votados seriam eleitos. Hoje, nem sempre o mais votado é eleito, porque primeiro é levado em conta a soma dos votos obtidos pelo partido ou coligação. Deputados muito bem votados chegam a puxar até três outros colegas com votação inferior a candidatos de outras legendas ou alianças.

O voto em lista preordenada é defendido pelo PT, sob o argumento de que leva o eleitor a votar em propostas, e não em demandas pessoais. Críticos dizem que esse modelo reforça a burocracia partidária, porque são eleitos os nomes que a legenda indicar, sem que o eleitor escolha um candidato.

O PSDB, que apoia o voto distrital misto, crê que seus candidatos têm abrangência nacional e puxam os “votos de opinião”. Pela ideia, metade dos deputados seria eleita como hoje, em votação em todo o Estado, e metade em distritos a serem definidos.

Rivais do PMDB ganhariam mais com 'distritão'

• Partido defensor da eleição majoritária na Câmara seria menos beneficiado que o PSD de Kassab, alvo das mudanças em debate

Daniel Bramatti - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Ao bancar a proposta do “distritão” na comissão especial da reforma política, o PMDB pode acabar favorecendo mais seus rivais que a si próprio na disputa por espaço no Congresso e no governo. Se a regra tivesse valido em 2014, o principal beneficiado entre os partidos médios e grandes seria o PSD do ministro das Cidades, Gilberto Kassab.

O distritão representaria o fim das eleições proporcionais para deputado, ou seja, as vagas não mais seriam distribuídas de acordo com a votação dos partidos ou coligações. Seriam eleitos os candidatos mais votados em cada Estado.

O que soa como obviedade representaria, na prática, uma mudança profunda no atual sistema eleitoral, no qual nem sempre o candidato mais votado conquista a vaga em disputa.

Hoje, ao votar em um candidato a deputado, o eleitor, ainda que não de forma consciente, registra primeiramente seu voto para um partido ou coligação. O total de votos de cada partido ou coligação é que define a distribuição das vagas. Um dos campeões de votos pode ficar de fora da lista de vencedores se sua legenda não alcançar o quociente eleitoral, mínimo de votos cuja fórmula leva em conta não só o desempenho dos indivíduos nas urnas, mas o de seus partidos ou alianças.

O distritão eliminaria os chamados puxadores de voto, que, em função da popularidade social, ajudam os partidos a conquistar mais cadeiras com as “sobras” de seus votos - o excedente em relação ao quociente eleitoral. Também seria extinto o voto de legenda, pelo qual o eleitor escolhe apenas o partido.

Efeitos. Se o sistema tivesse sido adotado nas últimas eleições, o PMDB teria conquistado 71 vagas na Câmara, seis a mais do que de fato obteve. Isso significaria um ganho de 6% no número de deputados. Já o PSD ganharia 17% a mais de cadeiras - a bancada cresceria de 36 para 42 deputados. Os nanicos PC do B e PSOL teriam um ganho proporcional ainda maior, de 20%.

O número de vagas do PT subiria de 68 para 71, mas seria um avanço relativo: o partido, que no ano passado elegeu a maior bancada, empataria com o PMDB em número de cadeiras.

Origens. O principal patrocinador da ideia do distritão é o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP). O novo presidente da Câmara, o também peemedebista Eduardo Cunha, já deu sinais de que apoia a ideia, assim como o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da comissão especial da Câmara que vai analisar propostas para a reforma política.

Temer começou a articular apoio para o distritão depois da eleição de 2010. Na época, ele argumentou que o sistema reduziria o número de partidos com representação na Câmara a “seis ou sete”.

Os números não confirmaram a tese do vice-presidente: simulação feita pelo Estado na época mostrou que apenas dois dos 22 partidos representados na Casa perderiam integralmente suas bancadas se o distritão estivesse em vigor. Em 2014, o efeito seria similar: dos 28 partidos que elegeram deputados, somente o PTC e o PSDC perderiam todas as vagas.

No total, apenas 23 das 513 vagas na Câmara teriam ocupantes diferentes com o distritão em vigor. O baixo impacto se deve ao fato de as coligações nas eleições para deputado já reduzirem a importância dos partidos.

PMDB do Rio mede forças com Temer

• Fortalecido, diretório fluminense almeja mais influência sobre a direção nacional e articula retirar o vice-presidente do comando do partido

Ricardo Della Coletta - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - No comando do Estado e da prefeitura do Rio de Janeiro e agora fortalecido com os deputados Eduardo Cunha na presidência da Câmara e Leonardo Picciani na liderança da bancada, o PMDB fluminense passou a ser peça-chave na política nacional.

Com as conquistas recentes, o grupo almeja mais influência sobre a direção nacional do partido. Em uma articulação com o PMDB do Senado, planejam retirar da presidência da legenda o vice-presidente Michel Temer, cujo mandato interno termina em março de 2016.

A operação foi percebida no círculo próximo a Temer. Tanto que ele operou para que Picciani não vencesse a disputa ocorrida na quarta-feira. Seu candidato era Lúcio Vieira Lima (BA), que acabou derrotado por apenas um voto. O novo líder é filho de Jorge Picciani, presidente do PMDB fluminense e da Assembleia Legislativa, e teve a seu favor as máquinas do Estado e da prefeitura. O prefeito carioca, Eduardo Paes, nomeou dois secretários municipais “tampões” para que suplentes do PMDB assumissem seus mandatos e votassem em Picciani.

O deputado Sérgio Zveiter (PSD) ocupou por apenas quatro dias a Secretaria de Coordenação de Governo e abriu vaga para o peemedebista Marquinho Mendes exercer o mandato de deputado e votar no líder eleito. Alexandre Serfiotis (PSD) foi secretário Especial de Promoção e Defesa dos Animais da cidade do Rio também por quatro dias. Sua licença abriu espaço para que Celso Jacob (PMDB) participasse do pleito e garantisse outro voto a Picciani.

Além disso, os peemedebistas do Senado também mobilizaram deputados de seus Estados em favor de Picciani. Juntaram forças com o PMDB do Rio porque têm a avaliação de que o comando nacional do partido é incompatível com a vice-presidência da República. Ainda mais em um momento em que a sigla busca uma agenda própria descolada à do governo, uma atuação parlamentar independente e planeja uma candidatura presidencial em 2018.

“O PMDB do Rio defende o fortalecimento do PMDB nacional, para que possamos em 2018 ter candidato a presidente da República”, afirmou Jorge Picciani. Para o presidente do PMDB fluminense, Temer “perde consistência e prestígio” quando se preocupa em nomear para o ministério “companheiros sem voto”, como Wagner Rossi (ex-ministro da Agricultura) e Moreira Franco (ex-titular da Aviação Civil).

“Espero que o Michel corrija os seus equívocos. Se ele não fizer isso, vai ser natural a disputa interna e vamos buscar um candidato melhor para presidir o partido”, afirmou Jorge Picciani.
Procurado, Eduardo Cunha negou que exista um movimento no diretório fluminense pela saída de Temer. “Eu defendo a aliança com o Michel, não vejo espaço para alguém contestá-lo em 2016 e não aceito isso”, disse. “O Rio de Janeiro não terá a presidência do PMDB.”

No parlamento, a agenda é dos peemedebistas

• Além de impor temas como a PEC da bengala, partido aliado tenta se descolar de pautas negativas do governo

Simone Iglesias – O Globo

BRASÍLIA - Excluído do núcleo decisório do governo, o PMDB está impondo uma agenda própria no Congresso. A intenção dos peemedebistas é manter distância "regulamentar" do Palácio do Planalto - apesar de terem sido parceiros na reeleição da presidente Dilma Rousseff - e articular na Câmara e no Senado a aprovação de matérias à revelia do governo. Estão no horizonte do PMDB a reforma política que mantém o financiamento privado das campanhas, na contramão do que Dilma defendeu na campanha; o projeto de lei que freia a criação e a fusão de novos partidos, que seria usado pelo governo para enfraquecer o PMDB; a PEC da Bengala, que aumenta de 70 para 75 anos a idade para aposentadoria no STF e no STJ, e pode impedir que Dilma indique cinco ministros; e a resistência às medidas provisórias que restringem a concessão de benefícios sociais.

Senadores e deputados peemedebistas afirmam que têm autonomia para atuar e que não há pedido do vice-presidente Michel Temer para que mudem de postura.

- Esse descolamento acontece porque o governo não funciona. O PMDB da Câmara e do Senado está com a pauta da sociedade, e o governo, com a pauta negativa, da crise política e econômica - disse um dirigente do partido.

Na semana passada, dois peemedebistas do Senado, o presidente Renan Calheiros (AL) e o vice-presidente Romero Jucá (RR), uniram-se para dar mais um golpe no governo. Jucá incluiu no Orçamento deste ano a liberação de R$ 10 milhões para emendas parlamentares aos deputados e senadores novatos, que assumiram dia 1° deste mês.

O que viabiliza a autonomia do PMDB é o fato de ter a maior bancada no Senado e, na Câmara, com a eleição de Eduardo Cunha presidente, reunir a seu favor partidos descontentes da base aliada e uma parte da oposição que, juntos, dão-lhe ampla maioria. Isolado nas duas casas, o PT tem pouca margem para reagir. As emendas de deputados e senadores petistas flexibilizando as regras defendidas pelo governo para restrição a seguro-desemprego e pensão por morte deram ainda mais munição aos peemedebistas, que entenderam como uma liberação para fazer críticas às medidas.

- Decidimos manter uma distância regulamentar do governo, que menospreza o PMDB. É uma tradição do PT não aceitar parceria e não combinar o jogo, acentuada pela desconfiança que a presidente e ministros têm com relação aos peemedebistas - afirmou um senador da cúpula do partido.

Pesou no voo solo do PMDB a tentativa de Dilma de enfraquecer o aliado e de insuflar o ministro Gilberto Kassab (Cidades) a operar a fusão do PSD com outros partidos, recriando o PL. O novo partido pretendia surgir como uma força compatível à do PMDB no Congresso, reduzindo a dependência do governo do partido de Temer. A estratégia palaciana, no entanto, deu errado, porque uniu os peemedebistas em torno da aprovação de um projeto de lei que dificulta a fusão de novas legendas com outras já existentes.

Petistas de 1ª viagem

• Não bastasse a fraca articulação política, dilma terá bancada inexperiente para defendê-la

Chico de Gois e Simone Iglesias – O Globo

Novo congresso

BRASÍLIA - A falta de diálogo não é o único obstáculo do governo. Além da dificuldade do Palácio do Planalto na defesa de suas ações e projetos, a presidente Dilma Rousseff enfrenta problemas com a bancada de seu partido, o PT, que não demonstra a mesma combatividade dos tempos em que era oposição. Levantamento realizado pelo GLOBO aponta que, dos 64 deputados petistas da atual legislatura, apenas três eram deputados antes da chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, em 2002, e outros 21 - um terço da bancada - estão em primeiro mandato. A maioria dos parlamentares é totalmente desconhecida de Dilma, que nunca teve uma atuação partidária intensa no PT.

Entre os remanescentes da época em que o partido combatia o governo de Fernando Henrique Cardoso, o mais experiente é Arlindo Chinaglia (SP), que está em seu sexto mandato e já presidiu a Câmara. Henrique Fontana (RS) exerce o quinto mandato. Ele já foi líder do governo e relator de uma das propostas de reforma política. Luiz Sérgio (RJ), também no quinto mandato, foi ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) por um breve período e líder da bancada. A ex-governadora Benedita da Silva (RJ), no quarto mandato como deputada, foi senadora antes de Lula chegar à Presidência.

A maior parte da bancada petista se dedica mais às questões paroquiais e temas sociais, como Educação, reforma agrária e direitos humanos, do que ao enfrentamento político propriamente dito. Poucos têm atuação partidária em nível nacional. Entre os 21 novatos, há aqueles que chegam sem ter relação alguma com a vida partidária e do governo, caso do ex-presidente do Corinthians André Sanchez. Embora filiado ao partido desde 1981, ele não participava das reuniões do diretório, por exemplo. Na primeira reunião da bancada, na véspera da eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara, Sanchez ficou quieto num canto e era praticamente ignorado pelos companheiros.

- O momento para o governo é muito difícil. Acredito que isso obrigará nossa bancada a amadurecer rapidamente - disse um parlamentar.

A defesa do governo é feita por um número reduzido de parlamentares, como Chinaglia, Fontana, Paulo Teixeira (SP), Vicente Cândido (SP), Maria do Rosário (RS), Alessandro Molon (RJ), José Mentor (SP), Carlos Zarattini (SP), Reginaldo Lopes (MG), Zé Geraldo (PA), Vicentinho (SP) e os líderes do partido, Sibá Machado (AC), e do governo, José Guimarães (CE).

Sibá foi senador na vaga de Marina Silva - ele era seu suplente - e, em 2010, elegeu-se deputado. A atuação sempre foi discreta, mas cresceu na CPMI da Petrobras no ano passado. Ele é um dos "pit bulls", aquele tipo de parlamentar que, nas CPIs, faz de tudo para defender o governo. Afonso Florence (BA), que foi ministro de Desenvolvimento Agrário de Dilma, é outro nessa linha. O líder do PT diz que não vê problemas em ter uma bancada com tantos estreantes. Ele afirmou que o partido quer o diálogo, mas está preparado para o "bateu, levou".

- Esse medo (de ter muitos novatos) já passou. Até dezembro, não conhecíamos de perto todos os que vieram para a Câmara, mas o mais bobo chegou até aqui, não é? Apesar de estrearem na Câmara, a maioria tem experiência nos estados. Estamos preparados para defender o governo. Queremos o diálogo, mas, se não houver condições, será na base do "bateu, levou". Estaremos pintados para a guerra, embora o objetivo seja buscar sempre o diálogo - disse.

No senado, petistas críticos ao governo
No Senado, na bancada de 14 parlamentares não há ninguém que tenha vivido os tempos de oposição na Casa. Quatro só chegaram lá neste semestre: Donizete Nogueira (TO), Fátima Bezerra (RN), Paulo Rocha (PA) e Regina Sousa (PI). Rocha é considerado um quadro do PT e deverá ter uma ação mais enfática em defesa do governo. Também é considerado um bom negociador.

Dos senadores com mais de um mandato, só o líder do partido, Humberto Costa (PE), Gleisi Hoffmann (PR) e Walter Pinheiro (BA) são ponta de lança do governo. Alguns, como Marta Suplicy (SP) e Lindbergh Farias (RJ), são críticos ao governo. Os outros não têm afinidade com o microfone para defender o Palácio do Planalto.

Isolado e em minoria, partido adota tática de oposição

• Petistas passam a obstruir sessões; mesmo assim, colecionam derrotas

Fernanda Krakovics e Isabel Braga – O Globo

BRASÍLIA - O PT vive uma situação paradoxal na Câmara. Apesar de ser a maior bancada, o partido ficou em minoria porque parte de seus aliados endossou as iniciativas do novo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Assim, os petistas voltaram a atuar como nos tempos em que eram oposição. Além de atônitos, eles se mostraram destreinados para a tarefa. Nestas primeiras duas semanas, obstruíram votações, pediram respeito às minorias e levantaram a voz ao discursar na tribuna. Mesmo assim, sofreram uma série de derrotas.

Um dos momentos mais simbólicos da dificuldade do partido foi o discurso do deputado Alessandro Molon (PT-RJ), com argumentos típicos da oposição, durante obstrução do PT:

- Há que se respeitar a obstrução. Quem tem maioria coloca a maioria e vota, senhor presidente. Toda maioria é eventual. Quem se aproveita do fato de hoje ser maioria para esmagar a minoria amanhã será vítima dessa medida.

No governo Fernando Henrique (PSDB), deputados do PT como José Genoino (SP) dominavam o regimento da Câmara. Apesar da desvantagem numérica, faziam manobras para impedir ou postergar votações, dando trabalho para a maioria. Agora, com uma bancada forjada com o vento a favor, o cenário é bem diferente.

Estratégia é buscar movimentos sociais
Na sessão de 4 de fevereiro, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) não conseguiu apresentar uma questão de ordem em plenário porque, questionado pelo presidente da Câmara, não sabia citar o artigo do regimento interno para embasá-la. Depois de arriscar dois artigos, apelou:

- Traga-me o regimento, por favor, assessoria. Só um minuto, pedi questão de ordem baseada... - disse Teixeira, sem completar a frase.

Cunha perdeu a paciência:

- Deputado, quando Vossa Excelência estiver pronto para a questão de ordem, Vossa Excelência requisite a questão de ordem.

Ainda sem estratégia de ação, o PT joga nas mãos do governo a responsabilidade de recompor a relação com a base aliada na Câmara. Para Henrique Fontana (PT-RS), ex-líder do governo Dilma, o quadro adverso para o PT é passageiro:

- É muito cedo. Ficamos em minoria, mas o Parlamento vai passar por uns 30 dias de arrumação. Ele (Cunha) venceu (a votação sobre a reforma política), mas isso é como um campeonato bem longo, com umas 40 partidas, e ele ganhou a primeira - afirmou Fontana.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) disse que os ministros de siglas aliadas precisam enquadrar suas bancadas. O PCdoB, que tem o Ministério da Ciência e Tecnologia, atua com o PT na Câmara:

- Não dá para ter ministros que representam partidos e sejam nulos do ponto de vista político. Não pode ser Pôncio Pilatos, lavar as mãos - disse Silva, em referência ao comportamento de PP, PRB e PTB, que, mesmo com ministros no governo, apoiaram a eleição de Cunha.

O deputado Miro Teixeira (PROS-RJ), em seu 11º mandato, disse que nesta crise o PT lembra a forma como agia em sua origem:

- Acho que os petistas, da resistência democrática, que não se deixaram levar pelas tentações do poder e pela corrupção, estão encontrando espaço para reagir - disse ele.

Em desvantagem, o PT pretende recorrer à sociedade civil e movimentos sociais para tentar fazer valer algumas de suas posições no Congresso. No caso da reforma política, uniu-se à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a outras entidades para recolher 1,5 milhão de assinaturas e apresentar um projeto de inciativa popular, como foi o caso da Ficha Limpa.

O deputado Afonso Florence (PT-BA) disse que a bancada precisa ter uma estratégia de ação:

- O PT não irá para a oposição, mas terá que disputar posições no mérito das leis. Agora, se o deputado Eduardo Cunha quiser ter interlocução como presidente da Casa, tem que desencarnar de ser líder (do PMDB).

Trabalhadores tomam as ruas pelo país

• Obras paradas da Petrobras e economia estagnada mobilizam operários. ano será de enfrentamento

Cássia Almeida, Flávio Ilha e Roberta Scrivano – O Globo

RIO, PORTO ALEGRE e SÃO PAULO - O ano começou com os trabalhadores nas ruas, protestando contra salários atrasados, demissões em massa e corte de benefícios. Enfrentamento será a marca de 2015. A estagnação da economia que pode virar recessão, as obras paradas da Petrobras e a ameaça de racionamento de água e luz vão tornar mais difícil para o trabalhador brasileiro negociar com os patrões. E a rua será o campo de batalha.

- Vamos sentir saudades de 2014 - afirmou José Silvestre, coordenador de Relações Sindicais do Dieese, citando o ano que deve ter fechado com a economia estagnada, segundo projeções do mercado.

A mobilização dos operários ficou evidente na última semana. Centenas de trabalhadores do Comperj - que prometia transformar Itaboraí, no Leste Fluminense, no centro do dinamismo econômico da região, mas que hoje convive com o desemprego - fecharam a Ponte Rio-Niterói por duas horas na terça-feira. Eles podem responder na Justiça pelo protesto, que deu um nó no trânsito, restringiu o direito de ir e vir dos moradores da metrópole e impediu até a passagem de ambulâncias.

A milhares de quilômetros, em Rio Grande, no Rio Grande do Sul, metalúrgicos de estaleiros da região fecharam ruas e estradas, na quinta-feira, para protestar contra a redução nas encomendas.

- Estamos acumulando salários atrasados desde dezembro. A dívida está em mais de R$ 25 milhões com 2.969 trabalhadores - disse Marcos Hartung, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Montagem e Manutenção de Itaboraí (Sintramon).

- Já fizemos atos contra atrasos nos salários, contra as más condições de trabalho e da alimentação, contra as demissões. Nada resolveu. Agora, queremos salvar o polo, que disseram que iria durar 30 anos. Pelo visto, não vai chegar a dez - disse Benito Gonçalves, presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico de Rio Grande e São José do Norte, que comandou o protesto.

Cenário difícil para reajustes
A luta por salários melhores não vai cessar diante da situação do país, segundo o presidente da CUT, Vagner Freitas:

- Sempre que não há desenvolvimento do país, os patrões dizem que não há como dar aumento. Vamos para o enfrentamento. Eles não contam o lucro que acumularam. Vamos para greve, na busca de ganhos reais. A campanha salarial vai exigir mais da categoria sindical. Os trabalhadores têm que defender seus direitos. Demitiu, parou. Tirou direito, parou.

Em São Paulo, são os metalúrgicos do ABC que se mobilizam para manter os empregos e ganhos reais de renda. Já tiveram vitórias. Depois de pôr mais de dez mil na Via Anchieta, fechando-a nos dois sentidos, em meados de janeiro, conseguiram suspender as 800 demissões em fábricas da Volks e da Mercedes-Benz. A data-base da categoria é no segundo semestre, o que dá fôlego para aguardar que a economia reaja.

- O governo só tem dado notícia ruim. Não há contrapartida às medidas restritivas, como uma política industrial de incentivo. Dessa maneira, não há como o empresário recuperar sua confiança. E, se o patrão não tem confiança no futuro, vai dificultar a vida do trabalhador. O ano será difícil - afirmou Miguel Torres, presidente da Força Sindical.

No Sul, manifestações mensais
Silvestre, do Dieese, também vê um ano difícil para os trabalhadores conseguirem ganhos reais. A parcela de acordos com aumentos acima da inflação deve cair em relação a 2014, e o próprio reajuste deve diminuir. A inflação alta dificulta o cenário:

- Os dados preliminares mostram que 2014 foi melhor que 2013 para os salários. Isso não deve se repetir este ano, e esperamos aumento da taxa de desemprego.

Os protestos nas ruas mobilizaram produtores rurais, metalúrgicos e até autoridades das cidades que formam o núcleo do setor sucroalcooleiro em São Paulo, nas estradas próximas a Sertãozinho, no fim do mês passado. A Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação do Estado de São Paulo (Fetiasp) lista 15 mil demissões em 2014.

- Negociar com setor quebrado é tarefa muitíssimo complicada. O castigo nós já tivemos, que são as demissões. Agora, não vamos abrir mão do reajuste real - disse Melquíades Araújo, presidente da Fetiasp.

Só em Sertãozinho, a quase 400 km da capital, estão 8 mil desses demitidos. Antonio Vítor, presidente do sindicato da região, afirma que viu o município ruir:

- Éramos considerados a Califórnia brasileira. Hoje, somos no máximo a Etiópia. Estamos jogados às traças.

Em Rio Grande (RS), as manifestações se multiplicaram ao longo do ano passado e no início deste, com pelo menos uma paralisação por mês. Agora, o apelo é pela manutenção dos empregos. Em meados de 2013, a região chegou a reunir 24 mil operários em três estaleiros, segundo o sindicato dos metalúrgicos local. Atualmente, são menos de 7 mil. E, segundo com Gonçalves, presidente da entidade, só não há mais demissões porque as empresas não têm como pagar as rescisões.

As quatro empresas que gerenciam os estaleiros das duas cidades da região são investigadas pela Polícia Federal. O caso mais delicado é o da Engevix, que comanda o Estaleiro Rio Grande e tem contrato de US$ 6,5 bilhões para construir oito cascos de plataformas e três navios-sonda. Segundo a Petrobras, os cascos para construção das plataformas devem chegar a Rio Grande no segundo semestre ou no início de 2016. As duas plataformas poderiam empregar de 5 mil a 8 mil trabalhadores. A Engevix garante que não há parada: uma plataforma foi entregue em 2014, duas estão quase terminadas e uma terceira começa a ser construída em março.

Sobre os trabalhadores do Comperj, a Alumini, empregadora, afirmou em nota que a solução "está nas mãos da Petrobras, que rompeu o contrato unilateralmente". E disse que tem a receber da estatal R$ 1,2 bilhão em aditivos contratuais e que "vem negociando com fornecedores para manter plano de saúde e cestas básicas". A Petrobras não se pronunciou.

O que ainda vem por aí
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) já tem duas manifestações programadas para este mês e para março. No dia 24 fevereiro, CUT e Federação Única dos Petroleiros (FUP) preparam manifestação na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em defesa da Petrobras e "contra os interesses privatistas", afirmou o presidente da CUT, Vagner Freitas.

No dia 13 de março, o protesto vai para as ruas de São Paulo, unindo também movimentos sociais, contra a falta de água no estado, pela Petrobras, contra o corte de benefícios sociais promovido pelo governo federal para equilibrar as contas públicas e contra a ofensiva da direita. E as centrais sindicais ainda preparam a IX Marcha dos trabalhadores a Brasília em data ainda a ser definida.

Contra o corte de benefícios anunciado pelo governo no fim do ano passado, as centrais sindicais se uniram e protestaram na Avenida Paulista no dia 28 de janeiro.

- Não se pode fazer ajuste fiscal em cima dos direitos dos trabalhadores - afirmou Freitas. (Cássia Almeida)

Executivos de empreiteira negociam acordo de delação para reduzir pena

• Diretores começam a discutir com procuradores após fracasso de negociações com a Camargo Corrêa

• Multa bilionária e manutenção de prisões mesmo após confissão fizeram empresa se afastar de discussões

Mario Cesar Carvalho – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Depois de quase dois meses de negociação, fracassou a tentativa da Camargo Corrêa de fechar um acordo de leniência com os procuradores da Operação Lava Jato.

Pelo acordo, a empreiteira confessaria crimes em contratos com a Petrobras e pagaria multa em troca de uma punição menor para a empresa e três de seus principais executivos, que estão presos.

Com o fracasso das negociações, os executivos começaram a discutir um acordo de delação premiada no qual eles poderiam alcançar pena menor, mas a empresa não.

Três integrantes da cúpula da Camargo Corrêa estão presos na Polícia Federal de Curitiba há três meses: João Auler, presidente do conselho de administração, Dalton Avancini, presidente da construtora, e Eduardo Leite, vice-presidente da empreiteira.

Outro presidente de empreiteira, Ricardo Pessoa, da UTC, também negocia um acordo de delação premiada.

A Camargo Corrêa buscava um acordo de leniência para evitar ser declarada inidônea, o que a impediria de participar de obras públicas, e para contornar as acusações de que formou um cartel com suas concorrentes. A condenação pela prática de cartel redundaria em multas milionárias.

A Lava Jato já conta com 13 delatores, mas não há nenhum de uma empresa de grande porte. A Camargo Corrêa seria a primeira.

A negociação naufragou por duas razões principais, segundo a Folha apurou com negociadores: a empreiteira considerou que era inviável a multa exigida pelos procuradores, de R$ 1,5 bilhão, e não aceitou que seus executivos continuassem presos mesmo depois de a empresa confessar irregularidades.

O valor inicial pedido pelos procuradores era de R$ 2 bilhões, segundo a Folha apurou. A Camargo aceitaria pagar em torno de R$ 500 milhões, segundo negociadores ouvidos pela reportagem.

Um desses negociadores disse à Folha que o valor oferecido pela Camargo seria um marco histórico em acordos desse tipo no Brasil, superando o recorde recuperado até agora pela Lava Jato, os US$ 97 milhões (R$ 275 milhões) devolvidos pelo ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco.

A multa de R$ 2 bilhões ultrapassa o valor da empresa, de R$ 1,7 bilhão, segundo um representante da empreiteira ouvido pela reportagem.

A avaliação de R$ 1,7 bilhão foi feita por um banco antes da deflagração da Lava Jato. Após a operação da PF esse valor caiu, mas não há avaliações disponíveis. A empreiteira faz parte de um grupo que teve uma receita líquida de R$ 25,8 bilhões em 2013, o último dado disponível.

Na avaliação de um advogado que participou das discussões, há outras razões para o fracasso: os procuradores podem estar buscando outra empreiteira grande que aceite oferecer mais informações sobre os crimes do que a Camargo topou delatar. Ele também diz suspeitar que o governo ou representantes do PT podem ter atuado para evitar que a Camargo conte tudo o que sabe e coloque o partido em situação ainda mais delicada do que ele já está.

A Camargo Corrêa é acusada pelos procuradores da Operação Lava Jato de ter pago cerca de R$ 40 milhões em propina para conseguir grandes contratos na construção da refinaria Abreu e Lima, no valor de R$ 5,1 bilhões, e na modernização de uma unidade da Petrobras no Paraná, a refinaria Presidente Vargas, obra orçada em R$ 2,8 bilhões.

A empresa sempre negou o pagamento de suborno.

Cardozo se encontrou com advogados de empreiteiras

• No dia 5, ministro recebeu representantes da odebrecht em seu gabinete, mas nega ter tranquilizado equipe

Chico de Gois – O Globo

BRASÍLIA - O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, recebeu em audiência em seu gabinete, no último dia 5, três advogados da empreiteira Odebrecht, citada pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa na delação premiada da Operação Lava-Jato. O encontro consta da agenda oficial do ministro, divulgada no site da pasta. A página não informa que os advogados representam a construtora nem detalha a pauta do evento. Anteontem, a revista "Veja" noticiou que Cardozo encontrou Sérgio Renault, advogado da empreiteira UTC. Ao GLOBO, o ministro negou que tenha atendido Renault. Disse que os dois apenas se cumprimentaram na antessala de seu gabinete. O dono da UTC, Ricardo Pessoa, está preso e é apontado como chefe do cartel que teria se beneficiado de desvios na Petrobras.

No site do ministério, a agenda de Cardozo no dia 5 era: "Audiência com os senhores Pedro Estevam Serrano, Maurício Roberto Ferro, Dora Cavalcanti e com a participação do secretário-executivo do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira. Pauta: visita institucional". Serrano e Dora são advogados da construtora. Ferro é o vice-presidente jurídico.

A Odebrecht foi citada por Costa em sua delação premiada. Segundo o ex-diretor da Petrobras, a construtora teria lhe pagado US$ 31,5 milhões em propina de 2012 a 2013 em contas na Suíça. A empresa classificou as acusações como "calúnias".

Cardozo confirmou ao GLOBO que se reuniu com os advogados, mas não quis mencionar o nome da empresa. Ele disse que eles foram atendidos por terem feito um pedido formal de audiência. Segundo ele, a equipe apresentou duas representações contra supostas irregularidades na Lava-Jato, mas o ministro não quis detalhar o tema.

- As representações tramitam em sigilo e foram encaminhadas aos órgãos responsáveis. Foi feita uma ata da reunião - disse.

Cardozo afirmou que essa foi a única reunião que teve com advogados de empreiteiras envolvidas no escândalo. Cardozo também ressalta que, em nenhum momento, tranquilizou os advogados e classificou a informação como um "boato". A assessoria da UTC informou que o advogado Sergio Renault não representa a empresa. Mas o sócio dele Sebastião Tojal advoga para a empreiteira. Procurada, a Odebrecht não retornou até o fechamento desta edição.

"O chefe da polícia pelo telefone mandou avisar..."

Daniel Pererira e Robson Bonin - Veja

Considerado o primeiro samba a fazer sucesso no Brasil, Pelo Telefone, em sua versão mais popular, já denunciava no começo do século passado a mania de certas autoridades de fechar acordos clandestinos com os criminosos que deveriam combater. Composta por Donga e Mauro de Almeida, a canção teve como inspiração a história de um agente de segurança pública que determinou aos seus subordinados que, antes de realizar operações de repressão a jogos de azar, avisassem os contraventores. A música foi interpretada por ícones da MPB sempre com o tom zombeteiro que se tornou marca das marchas de Carnaval. Entre sorrisos, eles cantavam: "O chefe da polícia pelo telefone mandou avisar / que na Carioca tem uma roleta para se jogar". Quase 100 anos depois de ganhar as ruas, Pelo Telefone mantém-se assombrosamente atual — e o chefe da polícia continua a fazer das suas. Mais precisamente, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a quem está subordinada a Polícia Federal, responsável pela operação que desmontou o monumental esquema de corrupção que funcionava na Petrobras. A reportagem de VEJA que você lerá a seguir revela que Cardozo recebeu em seu gabinete o advogado de uma empreiteira envolvida no escândalo e um conselheiro do governo especializado em ações de bastidores no Judiciário. O tema da reunião? Oficialmente, nenhum, já que ela não existiu. Teria sido um simples e curto bate-papo entre amigos que estavam na mesma hora e no mesmo lugar por obra do acaso. Os advogados, porém, deixaram Brasília com a certeza — repassada imediatamente aos seus contratantes — de que muita coisa mudará na chamada Operação Lava-Jato depois do Carnaval, principalmente o enredo e o endereço da festa.

Feitiços e feiticeiros

• Em encontro com advogados, o ministro da Justiça tranquiliza empreiteiras ao garantir que investigações da Lava-Jato sofrerão uma reviravolta logo depois do Carnaval

Desde a morte do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, no ano passado, o PT perdeu seu grande estrategista em momentos de crise. MTB tinha uma extensa ficha de serviços de advogado de defesa prestados ao partido. Foi ele quem arquitetou as grandes jogadas de bastidores que ajudaram a adiar por quase uma década o julgamento do mensalão. Foi ele quem apagou os incêndios que resultaram nas duas saídas de Antonio Palocci do governo. Foi ele também quem acertou os ponteiros do PT com o banqueiro Daniel Dantas quando da divulgação por VEJA de um dossiê que envolvia o ex-presidente Lula com contas no exterior, elaborado pelo dono do banco Opportunity a partir de dados fornecidos pela empresa de espionagem Kroll. Chamado de God (Deus, em inglês) pelos amigos, o onipresente MTB foi convocado para coordenar a defesa das empreiteiras tão logo deflagrada a Operação Lava-Jato. Ele tinha uma meta clara: livrar seus clientes de penas pesadas na Justiça e, de quebra, o governo petista da acusação de patrocinar um novo esquema de corrupção para remunerar sua base aliada no Congresso.

Thomaz Bastos dedicava-se a convencer o Ministério Público Federal de que a roubalheira na Petrobras não passava de um cartel entre empresas — e que, como tal, deveria ser punido e superado com o pagamento de uma multa bilionária. Nada além disso. A morte tirou o criminalista cerebral da mesa de negociação. MTB deixou um vácuo. O governo perdeu sua ponte preferencial com as empreiteiras, o diálogo entre as partes foi interrompido, e as ameaças passaram a dominai-as conversas reservadas. Foi nesse clima de ebulição que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, assumiu o papel de bombeiro. Ex-deputado pelo PT e candidato há anos a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cardozo se lançou numa ofensiva para acalmar as construtoras acusadas de envolvimento no petrolão, que, conforme VEJA revelou, ameaçam implicar a presidente Dilma Rousseff e o antecessor Lula no caso se não forem socorridas. Há duas semanas, o ministro recebeu em seu gabinete, em Brasília, o advogado Sérgio Renault, defensor da UTC, que estava acompanhado do ex-deputado petista Sigmaringa Seixas.

O relato da conversa percorreu os gabinetes de Brasília e os escritórios de advocacia como um sopro de esperança para políticos e empresários acusados de se beneficiarem do dinheiro desviado da Petrobras. Não sem razão. Na reunião, que não constou da agenda oficial, Cardozo disse a Renault que a Operação Lava-Jato mudaria de rumo radicalmente, aliviando as agruras dos suspeitos de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. O ministro afirmou ainda que as investigações do caso envolveriam o nome de oposicionistas, o que, segundo a tradição da política nacional, facilitaria a costura de um acordo para que todos se safem. Depois disso, Cardozo fez algumas considerações sobre os próximos passos e, concluindo, desaconselhou a UTC a fechar um acordo de delação premiada. Era tudo o que os outros convivas queriam ouvir. Para defender a UTC, segundo documentos apreendidos pela polícia, o escritório de Renault receberá 2 milhões de reais. Além disso, se conseguir anular as provas e as delações premiadas que complicam a vida de seu cliente, embolsará mais 1,5 milhão de reais. Renault esgrime a tese de que a Lava-Jato está apinhada de irregularidades, como a coação de investigados. No encontro, Cardozo disse o mesmo ao advogado, ecoando uma análise jurídica repetida como mantra pelos líderes petistas.

Depois da reunião no ministério, representantes de UTC e Camargo Corrêa recuaram nas conversas com o Ministério Público para um acordo de delação premiada. A OAS manteve-se distante da mesa de negociação. "Na quarta-feira (um dia depois do encontro em Brasília), fomos orientados a suspender as conversas com os procuradores", confidencia um dos advogados do caso. Cardozo não operou esse milagre sozinho. "Chegou o recado de que o Lula entrará para valer no caso e assumirá a linha de frente. Isso aumentou a esperança de que o governo não deixe as empresas na mão", diz outro advogado de uma empreiteira. O ex-presidente, como se sabe, é pouco afeito à leitura. Nada que resista à urgência dos fatos. Na festa de comemoração dos 35 anos do PT, em Belo Horizonte, Lula foi fotografado lendo um artigo do juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava-Jato na primeira instância, sobre a Operação Mãos Limpas, que atacou o crime organizado na Itália. Desde a troca de comando na Petrobras, com a substituição de Maria das Graças Foster por Aldemir Bendine, Lula opera nos bastidores para que o governo ajude as empreiteiras financeiramente, a fim de impedir que quebrem ou deixem de honrar empréstimos contratados em bancos públicos e privados. Disciplinado, Bendine tem como missão costurar a renegociação dos contratos das fornecedoras da Petrobras com as instituições financeiras. Diligente, o presidente da estatal também determinou que fosse realizado um levantamento de todas as comunicações formais trocadas entre os executivos da Petrobras e o Palácio do Planalto — desde 1994.

Lula fez chegar aos empreiteiros que considerou errada a decisão da Petrobras de suspender negócios com fornecedores que estão sob investigação. Para o ex-presidente, era necessário esperar pela conclusão dos processos judiciais antes de adotar sanções. Diz um estrelado governista: "Se o Lula não agisse, estaríamos ferrados. Ele é a única liderança que pode catalisar esse processo". Desde o estouro do escândalo do petrolão, o ex-presidente repete que Dilma falha ao não se empenhar para debelar a crise. A prioridade dele é impedir que o escândalo da Petrobras siga a trilha do mensalão, que começou com um funcionário de terceiro escalão dos Correios embolsando uma propina de 3 000 reais e terminou com a antiga cúpula do PT na cadeia. Lula acredita que o petrolão pode inviabilizar a permanência do partido no poder e sua candidatura à Presidência da República em 2018. Delatores do esquema de corrupção, como o ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef, já disseram que o dinheiro desviado da Petrobras foi repassado como doação legal ao PT, financiando, inclusive, a campanha à reeleição de Dilma.

Ex-gerente da Petrobras, Pedro Barusco declarou às autoridades que o PT arrecadou, entre 2003 e 2013, de 150 milhões a 200 milhões de dólares em propinas na estatal. Esse quebra-cabeça da corrupção está sendo montado com os depoimentos de ex-servidores e operadores. A delação premiada de uma empreiteira de grande porte preencheria facilmente as lacunas que ainda restam. É aí que reside o perigo para o governo e o PT. Um perigo que tem nome e sobrenome: Ricardo Pessoa, o dono da UTC. Preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Pessoa é amigo de Lula e viu seus negócios crescerem exponencialmente no governo do petista. Em 2014, foi um generoso doador da campanha presidencial de Dilma. Depois de três meses preso, o empresário perdeu a paciência, cansou de esperar por ajuda e passou a ameaçar o governo. A mensagem é clara: se não for socorrido, narrará ao Ministério Público, em detalhes, episódios nada edificantes para a mandatária e seu antecessor. "Edinho Silva (tesoureiro da campanha à reeleição de Dilma) está preocupadíssimo. Todas as empreiteiras acusadas de esquema criminoso da Operação Lava-Jato doaram para a campanha de Dilma. Será se (sic) falarão sobre vinculações campanha x obras da Petrobras?", escreveu o empresário, quando já estava atrás das grades, num bilhete revelado por VEJA.

Ricardo Pessoa contou a amigos ter informações de sobra sobre o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, um dos principais operadores do partido dentro da Petrobras. Homem de confiança de Lula, Vaccari teria intermediado um repasse de 30 milhões de reais da UTC para campanhas em 2014, dos quais 10 milhões de reais para pagar despesas eleitorais da presidente-candidata. São essas histórias que o empresário pode contar ao Ministério Público. Descontentes com o tratamento dispensado pelo governo, familiares de Pessoa já deixaram claro que não descartam a delação premiada. Numa conversa recente, a esposa dele desabafou: "Eu vivi quarenta anos sem meu marido enquanto ele trabalhava dia e noite. Agora estou sem ele, e meu marido corre o risco de ficar sem a empresa". Antes de ser preso, Pessoa acreditava numa virada de mesa jurídica. Num manuscrito apreendido pelos investigadores da Lava-Jato, ele defendia a necessidade de atuar na imprensa, de forma a pressionar as autoridades, e no Judiciário, a fim de tirar da responsabilidade do juiz Sergio Moro os processos relacionados ao caso. A cadeia mudou o humor do empreiteiro, o que levou o ministro da Justiça a se mexer.

Procurados por VEJA, Cardozo, Renault e Sigmaringa tropeçaram nas próprias contradições ao tentar esclarecer a reunião no Ministério da Justiça, classificada por eles como um mero bate-papo entre amigos sobre assuntos banais. Cardozo disse inicialmente que não se reuniu com Renault. Depois, admitiu o encontro. A primeira reação de Sigmaringa também foi negar a audiência com Renault no gabinete do ministro, para, em seguida, recuar. Os amigos compartilham, como se vê, do mesmo problema de memória. Na versão de Cardozo, a reunião teria sido obra do acaso. Sigmaringa, um "amigo de longa data", teria ido visitá-lo. Renault, que estava em Brasília e tinha um almoço marcado com o ex-deputado, decidiu se encontrar com Sigmaringa também no ministério. Pimba! Por uma conjunção cósmica, o advogado da UTC, empresa investigada pela Polícia Federal, acabou no gabinete de José Eduardo Cardozo.

"Liguei e perguntei para o "Sig" onde poderia encontrá-lo. Ele disse que tinha uma conversa com o ministro da Justiça e perguntou se eu não queria passar lá. Pensei: passo e até dou um abraço no ministro. Conversamos como dois amigos na presença do Sig", contou o advogado. Renault e Sigmaringa são velhos conhecidos de Márcio Thomaz Bastos. O primeiro foi secretário da Reforma do Judiciário no governo Lula, quando era subordinado a MTB. O segundo sempre atuou como auxiliar de luxo de MTB em operações cruciais desenroladas no Judiciário — da nomeação de ministros para tribunais superiores ao acompanhamento de processos de interesse do governo. Sigmaringa chancelou a indicação de Teori Zavascki, de quem é amigo, para o Supremo Tribunal Federal. Em dezembro passado, Zavascki concedeu habeas corpus a Renato Duque, o ex-diretor de Serviços da Petrobras acusado por um subalterno de embolsar 40 milhões de dólares em propina. Duque chegou ao cargo na estatal pelas mãos do mensaleiro José Dirceu. Depoimentos de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef divulgados na última semana implicam o ex-chefe da Casa Civil nos enredos nada republicanos protagonizados por seu afilhado político.

O escândalo está trincando as mais sólidas alianças. Depois de ficar quase um ano preso, Dirceu procurou Lula para dizer que não aceita ser responsabilizado de novo, como ocorreu no processo do mensalão. Lula não lhe deu satisfação. Hoje, os dois grandes líderes petistas estão praticamente rompidos. Numa conversa recente, o ex-presiden-te fez questão de ressaltar que, quando o PT assumiu o poder, em 2003, quem operava firme na Petrobras não era João Vaccari, um de seus homens de confiança, mas Silvio Pereira. "E o Silvinho era de quem?", perguntou Lula. "Do nosso amigo lá", acrescentou, referindo-se a Dirceu. A conflagração dentro do PT só não é maior porque Duque foi o único peixe graúdo do petrolão a se livrar da prisão antes das festas de fim de ano. Na semana passada, a Segunda Turma do STF decidiu manter o ex-diretor Duque em liberdade. O colegiado seguiu o voto de Zavascki. Ato contínuo, os advogados dos executivos presos começaram a redigir os pedidos de soltura de seus clientes. A mudança radical nos rumos da Lava-Jato prometida no gabinete do ministro da Justiça pode estar começando.

"É absolutamente normal"

José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, diz que é seu dever receber advogados, independentemente de quem sejam clientes deles

O advogado Sérgio Renault fez uma visita ao senhor no ministério recentemente?
Não.
Na terça-feira passada, por volta da hora do almoço.
Ah, sim. Eu estava com o doutor Sigmaringa Seixas, que veio falar comigo sobre uma questão. Ele é meu amigo de anos. Ele, Sigmaringa, iria almoçar com o Sérgio. Aí eles se encontraram na minha antessala. Aí eu saí e cumprimentei o Sérgio. Mas não fiz reunião com ele. Até poderia, porque ele é meu amigo de muitos anos. Mas não foi isso. Se ele tivesse pedido uma reunião para tratar sobre qualquer assunto que dissesse respeito a algum tema da minha pasta, eu o teria recebido.

Conversaram sobre a Operação Lava-Jato?
Não. Ele iria almoçar com o Sigmaringa. O Sig estava comigo e pediu ao Sérgio que encontrasse com ele no ministério. Mas o Sérgio até poderia ter vindo conversar comigo, sem nenhum problema. Eu recebo advogados que querem falar, fazer queixas, uma série de coisas, é absolutamente normal.

O senhor acha normal os advogados o usarem, como ministro, para fazer queixa sobre um processo que está aos cuidados da Justiça?
É um dever meu recebê-los. Eu sou o chefe da Polícia Federal. Se avaliam que há algum arbítrio, alguma situação, eles representam. É muito comum, e não é só na Lava-Jato. Agora, se não tem nada a ver com representações, não cabe a mim recebê-los. Mas, se um advogado vem, me procura dizendo que há alguma ilegalidade cometida pela PF, é meu dever recebê-lo, senão eu prevarico.

O senhor fez algum comentário com advogados sobre a lista de políticos do governo e da oposição que vai ser divulgada depois do Carnaval pelo procurador-geral da República?
Não tenho nem ciência da lista, como vou fazer comentário? Há uma boataria generalizada. Existem situações que já saíram no jornal, que não sei se são verdadeiras, que mostram que tem gente do governo e da oposição.

Na semana passada, o senhor conversou com alguém sobre a Operação Lava-Jato?
Eu converso muita coisa com muita gente. Mas a delação está com a Procuradoria-Geral da República. O que eu tenho são notícias de jornal que mostram vários espectros envolvidos.

Os advogados procuraram o senhor em busca de um prognóstico?
Advogados me procuraram para fazer representações.Tenho representações sobre vazamentos, sobre outras situações que estão sob sigilo. Isso tem acontecido. Tenho dado processamento normal a essas questões.

O senhor pode dizer com que advogados tem conversado?
Não.

São sigilosas essas conversas?
Não. São públicas. Pode olhar na minha agenda. Tomo todas as cautelas.

O que o senhor conversou com Sigmaringa Seixas?
Questões estritamente pessoais.

O consultor do esquema

• Delator revela que o mensaleiro José Dirceu recebia propina e tinha um jato posto à sua disposição pelas empreiteiras envolvidas no escândalo.

Rodrigo Rangel e Alexandre Hisayasu - Veja

A parte de baixo do esquema de corrupção da Petrobras já foi integralmente desvendada. Em conluio com funcionários da estatal, um grupo que reúne as maiores empreiteiras do país superfaturava seus serviços e repassava o dinheiro desviado aos partidos aliados do governo — PT, PMDB e PP. Donos de construtoras, diretores corruptos e seus operadores estão presos e, em breve, receberão suas sentenças. A nova etapa da investigação mira a parte intermediária do esquema, os destinatários dos subornos, os alvos ensaboados que, por tradição, são quase sempre bem-sucedidos na arte de driblar a lei. Pegue-se o caso do ex-ministro José Dirceu. Ele foi condenado a sete anos e onze meses de prisão por liderar os petistas envolvidos no escândalo do mensalão, ficou preso 354 dias, ganhou o direito de cumprir o resto da pena em casa e o privilégio de continuar desfrutando os milhões de dólares e reais que faturou com suas múltiplas "consultorias".

Dirceu era o exemplo de como uma punição branda desperta a sensação de que o crime, para alguns, realmente compensa — ou, pelo menos, era. Na semana passada, a Justiça divulgou partes do depoimento prestado pelo doleiro Alberto Youssef. Se tudo o que ele disse for confirmado, o ex-ministro deverá considerar seriamente a possibilidade de, em breve, voltar à Papuda. Youssef contou que o mensaleiro era, ao lado de João Vaccari Neto, tesoureiro nacional do PT, destinatário das propinas do petrolão que cabiam ao partido. Na contabilidade do crime, de acordo com o delator, José Dirceu era o "Bob", codinome usado para identificar os repasses feitos diretamente ao ex-ministro. Bob é o mesmo apelido que Marcos Valério, o operador do mensalão, usava para se referir a Dirceu em suas conversas. Certamente uma coincidência.

Youssef também contou que o ex-ministro tinha ligação estreita com Julio Camargo, um dos intermediários da propina que era carreada dos contratos da Petrobras para o caixa dos partidos e o bolso de políticos. A proximidade entre os dois era tanta que o empresário deixava um jatinho executivo à disposição do ex-ministro. Aos investigadores, o doleiro relatou que a propina repassada a Dirceu era anotada nas planilhas que Julio Camargo fazia questão de deixar arquivadas, com o registro pormenorizado da corrupção. A parte que coube a Bob estaria contabilizada pelo empresário entre os 27 milhões de reais que foram destinados ao núcleo petista de 2005 a 2012. Youssef citou ainda o ex-ministro Antonio Palocci, coordenador da campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2010, como outro elo entre o PT e Julio Camargo.

A presença do ex-ministro no caso Petrobras já havia sido captada no radar dos investigadores devido a outra estranha coincidência: as empreiteiras envolvidas tinham a JD Assessoria e Consultoria, a empresa de Dirceu, como cliente. São contratos milionários por serviços vagos ou inexistentes. Além das empreiteiras, o rol de clientes do ex-ministro inclui cervejaria, fabricante de remédios e até consultorias — sim, o consultor Dirceu, de tão competente que era, recebia pagamentos até de outras empresas com atuação no mesmo ramo que o dele. Há casos de clientes que, em um curto espaço de tempo, transferiram 4 milhões de reais para as contas da empresa. O auge do faturamento foi no ano eleitoral de 2010. O que será que um consultor — advogado que mal exerceu a profissão, político formado sob ideais anacrônicos de Fidel Castro e condenado por corrupção — pode oferecer de tão valioso às maiores empresas brasileiras?

A resposta vem justamente de um dos contratantes, o engenheiro Gerson Almada, presidente da Engevix, uma das empreiteiras envolvidas com os desvios na Petrobras. Preso há três meses, ele disse a pessoas próximas que a empresa sempre foi obrigada a pagar propina ao ex-ministro José Dirceu. Em troca dos contratos que firmou com a Petrobras e também para garantir a influência do ex-ministro nos contratos futuros. A Engevix é uma das construtoras que figuram na lista de clientes da JD Consultoria. Almada confirmou a esses interlocutores que as "consultorias" eram uma forma de lavar o dinheiro da propina paga ao petista. Antes de Almada, Ricardo Pessoa, o dono da UTC, outra empreiteira envolvida, já havia revelado que assinara um contrato milionário com a JD Consultoria a pedido de João Vaccari, o tesoureiro do PT. Ou seja, se o caso da Engevix e o da UTC não forem exceções, as múltiplas e milionárias consultorias do ex-ministro não passam mesmo daquilo que se imagina.

O ex-ministro José Dirceu negou que sua consultoria tenha servido a operações ilegais. A amigos, ele confidenciou que tem uma carteira de aproximadamente sessenta clientes, incluindo as maiores empresas brasileiras. Afirma ter recibos, notas fiscais e documentos para comprovar que sua atividade é totalmente lícita. Em nota divulgada por sua assessoria, ele negou ter recebido propina das empresas, disse que "nunca" representou o PT em negociações com o executivo da Toyo Setal Julio Camargo e ainda acusou o doleiro Alberto Youssef de mentir no processo de delação premiada. "As declarações são mentirosas. O próprio conteúdo da delação premiada confirma que Youssef não apresenta qualquer prova nem sabe explicar qual seria a suposta participação de Dirceu", registra a nota. Sobre o uso do jato particular de Julio Camargo, Dirceu afirmou que, "depois que deixou a chefia da Casa Civil, em 2005, sempre viajou em aviões de carreira ou por empresas de táxi aéreo". O mensaleiro só não revela o mistério que leva tanto empresários renomados quanto conhecidos trapaceiros a pagar até 4 milhões de reais por um serviço invisível.

O novo velho enredo de Dilma

• O governo bota seu bloco na rua para estancar a perda de popularidade. Vai soltar um pacote anticorrupção para fingir que não tem nada a ver com o Petrolão e fazer muito barulho para esconder o estelionato eleitoral de 2014

Josie Jerônimo - IstoÉ

Se dependesse dos governantes, o espírito inebriante do Carnaval se estenderia pelo ano inteiro. O ambiente de fantasias e as multidões alegres nas ruas propiciam uma sensação de euforia que não necessariamente têm base na vida real. Mesmo as troças com personagens e pilhérias com escândalos com dinheiro público carregam a marca do bom humor, ambiente em nada parecido com as manifestações que ocuparam ruas do País nos últimos tempos. Como não é possível baixar um decreto prolongando a duração da folia para os brasileiros, a presidente Dilma Rousseff resolveu lançar mão de alguns artifícios para tentar manter o Brasil em clima de festa. A estratégia não é original. Pelo contrário, esse samba já cansou de atravessar a avenida petista. Para estancar a vertiginosa queda de popularidade, apontada pela última pesquisa Datafolha, a presidente recorre aos truques do marqueteiro João Santana, folião de destaque no carro alegórico governista. Em dias de Carnaval, é possível comparar o papel de Santana – conhecido no governo como o 40º ministro – ao de um carnavalesco. Cabe a ele criar o enredo que inebria a plateia. Na esfera política, como acontece toda vez em que se vê em apuros no meio da passarela, Dilma se escora no ex-presidente Lula, que depois de deixar o Planalto se transformou numa espécie de animador de bateria do governo.

Tanto Santana quanto Lula estiveram com a presidente no final da última semana. Deles, Dilma ouviu que ela vai ter que gastar muita sola de sandália se quiser reverter uma rejeição de 44%. A evolução é a seguinte: fazer mais política, viajar com mais fre¬quência pelo País, conceder entrevistas e anunciar medidas para sair da agenda negativa. Lula e Santana consideram "preocupante" o cenário apontado pelo Datafolha. De acordo com essa consulta, em pouco mais de um mês a avaliação positiva sobre Dilma caiu bruscamente. Metade da população a considera falsa (54%), indecisa (50%) e desonesta (47%). Em dezembro, 23% dos brasileiros avaliavam o governo como "ruim" ou "péssimo". Este índice agora subiu para 44%.

A cúpula petista atribuiu a percepção de "falsa" ao contraste entre o discurso do "Brasil das maravilhas" adotado na campanha eleitoral e a prática depois de reeleita, que trouxe medidas amargas, como o reajuste da gasolina e as alterações em benefícios sociais. "Há uma diferença entre o discurso da presidente quando ela lia o que escrevia João Santana e agora, quando lê o que escreve o ministro da Fazenda, Joaquim Levy", afirma o senador Cristovam Buarque (PDT). A avaliação de "desonesta", também segundo os assessores palacianos, guardaria relação com os recentes escândalos do Petrolão, que ainda não a atingiram diretamente, mas reforçam a sensação de impunidade, contra a qual Dilma prometera lutar durante a campanha.

Para voltar a subir no conceito do irritado júri de brasileiros, a presidente escolheu como abre-alas o anúncio de um "pacote anticorrupção". Depois do Carnaval, os brasileiros receberão uma compilação de antigos projetos de lei sobre combate aos malfeitos. Trata-se de um recurso já conhecido. Foi exatamente assim que o governo reagiu contra a revolta das ruas em junho de 2013. O pacote engloba temas bem familiares. Além de prometer punir com rigor agentes que enriquecem ilicitamente, o conjunto de propostas pretende tornar crime a prática de caixa 2, o velho ilícito utilizado como argumento pelo PT ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar escapar das penas do mensalão. O governo também prometerá agilizar o julgamento de processos de desvio de recursos públicos e acelerar investigações e processos movidos contra autoridades com foro privilegiado. No pacote ainda está prevista a criação de uma nova espécie de ação na Justiça para possibilitar o confisco de bens adquiridos de forma ilícita ou sem comprovação. Nenhuma das propostas que serão apresentadas por Dilma é inédita. Projetos idênticos ou com a mesma intenção permaneceram esquecidos nos quatro anos de seu primeiro mandato. Muitos deles de autoria até de parlamentares governistas. Mas a presidente nunca mobilizou sua base aliada na Câmara e no Senado para votar as propostas agora vendidas como inovadoras.

Outra preocupação do governo é desconstruir a característica de "indecisa" atribuída à presidente no levantamento do Datafolha. Esse traço da personalidade estaria relacionado à notória falta de habilidade política de Dilma. Neste início do ano, a presidente e seu ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, em flagrante desarmonia com o Congresso, deixaram o comando da Câmara parar nas mãos do controverso deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A falta de gingado da dupla palaciana trouxe Lula de volta para a avenida. Além de viajar pelo País, em agendas combinadas com Dilma, o ex-presidente atuará como bombeiro na tentativa de pacificar a base governista. Um de seus trunfos é a negociação da composição do segundo escalão do governo. Sem Lula, a bateria perdeu o ritmo e o cortejo desandou. Atualmente, cada ala desfila em seu próprio compasso. É assim no Congresso e na Esplanada dos Ministérios. As bancadas do PT na Câmara e no Senado quase nada fazem para defender decisões que Dilma tomou sem ouvir auxiliares e aliados. A medida provisória que muda regras do seguro-desemprego é o maior exemplo. Nenhum parlamentar, por mais leal que seja, abraçou o projeto da presidente publicamente por temer perder votos por uma proposta que desagrada aos trabalhadores. Dilma demonstra ter pouca influência até mesmo sobre os líderes do Congresso.

O projeto de criar uma alegoria para melhorar a imagem do governo passa ainda pelo esforço de reinventar a fantasia do PT, que agora se vê com mais um tesoureiro, desta vez João Vaccari Neto, envolvido num escândalo de corrupção, o Petrolão. O partido trabalha nos bastidores a fim de resgatar a imagem e viabilizar a candidatura de Lula ao Planalto em 2018. Para reforçar o resgate da imagem, o PT vai levar ao ar este mês uma web-TV. Estúdios foram montados em São Paulo e Brasília. A intenção é criar um canal em que o PT possa dar sua versão para os principais fatos políticos. Outra medida concreta será a qualificação do perfil dos dirigentes, hoje em sua maioria egressos da burocracia partidária. Livrar-se da pecha de partido pragmático, alimentada ao longo de 12 anos no governo, é outro objetivo, mas nesse caso a legenda teria de voltar a encampar suas velhas teses de esquerda. É aí que os interesses de Dilma e PT se chocam. Até se entrelaçarem novamente, como ocorre agora.

Quando venceu as eleições, Dilma deixou vazar a informação de que Lula exerceria menor influência no novo mandato. Nos bastidores, dizia-se também que a presidente não gostou de saber que João Santana se atribui imensa importância pela vitória na campanha da reeleição, versão propalada na biografia do marqueteiro recém-lançada. Pouco mais de um mês depois do início do segundo mandato, os dois estão de volta para tentar salvar a apresentação. Como se percebe, apesar dos esforços, não será fácil para o governo prolongar a animação momesca dos dias de folia. É como se Dilma procurasse pôr em prática a atmosfera ilusória cantada no samba "Sonho de um Carnaval", do compositor Chico Buarque. "Carnaval, desengano/ Deixei a dor em casa me esperando". Mas, para a tristeza do bloco do governo, a realidade impõe um outro verso da obra de Chico: "Na quarta-feira sempre desce o pano".

As maldades do Rei Momo
O Rei Momo é sempre a alegoria que abre o Carnaval. Tornou-se tradição as autoridades entregarem ao símbolo mitológico a "chave" de suas cidades, autorizando a "desordem" típica da festa. No Carnaval da República, o personagem cai bem no figurino adotado pelo novo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ele não recebeu a chave da Casa de boa vontade. Ao contrário, conquistou o posto graças a uma astuciosa articulação junto a colegas magoados com o PT e com o governo.

As primeiras semanas de trabalho de Cunha, eleito para o cargo no dia 1° de fevereiro, guardam semelhanças com a mitologia de Momo, deus sarcástico banido do Olimpo depois de tanto criar confusões. O presidente da Câmara levou a plenário e aprovou projeto que gera despesas fixas de pelo menos R$ 9,6 bilhões anuais para o governo com o pagamento de emendas parlamentares. O Orçamento Impositivo, como é conhecido esse mecanismo, é um pleito antigo de deputados e senadores, mas até a gestão Cunha se evitava levar adiante uma afronta tão forte ao governo. Ele também não se acanhou em ler o ato de criação de uma nova CPI da Petrobras, comissão que se empenhará nas investigações do esquema de propina que atingem em cheio o PT e a base governista. Cunha ainda deixou no ar a possibilidade de mobilizar o PMDB e seu bloco majoritário para disputar os postos de presidente e relator da CPI, monopolizando assim os trabalhos de apuração.

Esse foi só o início das mensagens de inauguração do carnaval legislativo. Nesse ritmo, Cunha vai ter em sua administração mais contatos com os 39 ministros do que a presidente Dilma Rousseff. A Casa aprovou na última semana a convocação de todo o primeiro escalão governista. Farão rodadas de apresentações que ocorrerão às quintas-feiras. Um calendário está sendo elaborado para definir a ordem das sabatinas. Os ministros terão que guardar espaço na agenda, pois o chamamento é compulsório. É convite para não ser deselegante logo de início, mas quem não comparecer será convocado, avisou. A medida vai afetar a vida dos parlamentares, que geralmente registram presença na manhã da quinta-feira e embarcam para seus Estados de origem. Como a comissão geral é realizada em plenário, a exposição dos ministros será transmitida pela TV Câmara e a população saberá se seu representante está ausente.

As travessuras de Momo atingiram ainda a principal bandeira do PT para se reconciliar com a sociedade. Desde o escândalo do mensalão, o partido tenta emplacar no Congresso um modelo de reforma política que privilegia alteração no método de financiamento de campanha.

O PT insiste em barrar doações de empresas privadas e alega que as eleições patrocinadas com recursos públicos podem ser mais equilibradas. Mas Cunha se apressou em montar uma comissão para analisar o modelo contemplado pela PEC 352/2013, que prevê o fim da reeleição para presidente, governadores e prefeitos, extingue o voto obrigatório e adota um sistema misto (privado e público) para o financiamento de campanhas. A bancada do PT avisou que votará contra o projeto.

As extravagâncias políticas do peemedebista permitiram, até mesmo, que ele apoiasse um cabo eleitoral do senador Aécio Neves (PSDB-MG) – adversário de Dilma nas eleições – para liderar o PMDB na Câmara. Aecista declarado, Leonardo Picciani (PMDB-RJ) comandará a bancada de 68 parlamentares em um ano em que a presidente Dilma dependerá da base para aprovar projetos imprescindíveis para o governo. Esse Momo...

O Bloco da resistência
Quando o assunto é revisão de regras trabalhistas, Dilma Rousseff canta sozinha. O corte de benefícios foi a solução encontrada pela presidente para conciliar o fraco desempenho da economia e o crescimento das despesas com seguro-desemprego, abono salarial, auxílio doença e pensão por morte. A resistência às medidas da presidente foi expressa por uma nota assinada pelo Diretório Nacional do PT.

No documento, a legenda de Dilma acusa uma espécie de estelionato eleitoral praticado na campanha de 2014, quando ela usou seu tempo de propaganda para reafirmar a manutenção da política social da administração petista. "O partido decide propor ao governo que dê continuidade ao debate com o movimento sindical e popular, no sentido de impedir que medidas necessárias de ajuste incidam sobre direitos conquistados, tal como a presidenta Dilma assegurou na campanha".

Sem o aval do partido, o clima entre os líderes da base no Congresso é de total paralisia em relação à articulação política para aprovação do pacote de cortes de benefícios, materializados nas Medidas Provisórias 664 e 665, que estão na fila de apreciação. O constrangimento é geral. Em meados de janeiro, o PT até tentou colocar panos quentes na polêmica. O ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, surgiu com argumentos de que a política de cortes do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, avalizada pela presidente, seria um "ajuste social".

A polidez durou pouco. Assim que as centrais trabalhistas colocaram os carros de som na rua para protestar, parlamentares do PT mais ligados aos movimentos sindicais aderiram ao bloco da oposição e se instalou uma confusão.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) afirma que o ajuste econômico deveria atingir as parcelas mais abastadas da sociedade e sugeriu a tributação de grandes fortunas como alternativa para ampliar receitas em vez de diminuir despesas. O deputado Vicentinho (PT-SP), ex-líder do PT, critica a nova regra que reduz o tempo de pagamento de pensão por morte para evitar que viúvos ou viúvas jovens recebam o benefício por grande parte da vida.

A bancada do PCdoB na Câmara, liderada pela deputada Jandira Feghali (RJ), também marcou posição contrária às MPs. De acordo com Jandira, o governo deveria investir em mecanismo de combate a fraudes para reduzir os custos dos benefícios e não os direitos conquistados pelos trabalhadores.

Até mesmo a Central Única dos Trabalhadores (CUT), entidade irmã do PT, partiu para o ataque contra a presidente Dilma. O presidente da CUT, Vagner Freitas, afirmou que o Planalto "meteu os pés pelas mãos" e criou uma imagem negativa para o histórico da administração petista. "O governo cometeu um equívoco estapafúrdio, uma coisa desorientada, de editar medidas provisórias sobre assuntos que nós estávamos negociando desde 2007."

Apesar do bloco da resistência cada vez aumentar mais, internamente, o presidente do partido, Rui Falcão, defende apoio ao governo. O principal argumento é que revoltas internas em um momento de fragilidade política só facilitam a vida da oposição.