E-mails sugerem participação de partido em irregularidades do Minha Casa; CGU investiga
Grabriela Valente, Junia Gama
BRASÍLIA - Uma troca de e-mails levanta indícios sobre as conexões políticas da RCA Assessoria, representante de consultoria no centro de um esquema com empresas de fachada para repassar dinheiro público, fiscalizar e até fazer as obras do programa Minha Casa Minha Vida (MCVM). Em uma das correspondências eletrônicas, o advogado Antônio Carvalho, irmão e sócio da ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, fala de números do faturamento da RCA em 2010 e diz que o assunto foi objeto de discussão em "reunião do partido". Ele não especifica a qual legenda se refere. Daniel Nolasco, um dos sócios da RCA, é filiado ao PCdoB e foi diretor da área de habitação no Ministério das Cidades, pasta que cuida do MCVM.
O e-mail diz que, na reunião "do partido", foram tratados os valores negociados pela RCA, em contratos em que ela representava o banco Schahin. A conta precisava ser feita para se chegar a um valor do faturamento total da empresa. O número era fundamental para que um acordo fosse fechado para a saída de um dos sócios, Ivo Lopes Borges. Ele era testa de ferro do irmão Fernando Lopes Borges, que se desentendeu com os demais sócios e recorreu à Justiça paulista alegando ter direito a parte do dinheiro movimentado pela RCA.
O e-mail enviado a Carlos Luna, um dos sócios da RCA, anexado ao processo que corre na Justiça, indica que o acordo era negociado por Antônio Carvalho. Na época, ele era sócio do escritório de advocacia Trajano & Silva, fundado por sua irmã e advogados ligados ao PT. Antônio questiona as cifras apresentadas para um possível acordo. Diz que os valores são baixos e que queria uma auditoria nas contas da empresa.
Erenice receberia R$ 12 milhões
"Não tenham dúvida que o sócio Ivo será imediatamente retirado. Quanto ao passado, devo dizer que esse número é de fato desprovido de qualquer parâmetro. No entanto, tenho que dizer que em reunião com Daniel e membros do partido, onde foi sugerido uma auditoria, o Daniel disse não haver hipótese de isso acontecer. Então você há de concordar que fica difícil de se mensurar um número", diz o advogado no e-mail.
Ao GLOBO, Antônio disse que não se lembra dessa correspondência e apenas ajudou o amigo Fernando Borges na tentativa de acordo, sem ter mais nada a ver com o assunto. Afirmou que não sabe a qual partido se referia no e-mail. Lembra que a legenda de Fernando e Daniel Nolasco era o PCdoB.
- Não sei, meu bem, até porque o partido deles é o PCdoB. Não tenho contato com o PCdoB. Não tenho contato com partido algum - disse Antônio. - Esse assunto, salvo engano, foi em 2010. Estamos em 2013. Já me desliguei do escritório antigo há mais de três anos. Não me recordo. Não sei de nada.
Na ação que move contra a RCA, Fernando, o sócio oculto da empresa, conta, sem apresentar provas, que Erenice ficaria com R$ 200 do dinheiro de cada casa do MCMV fiscalizada pela RCA. Esse esquema renderia R$ 12 milhões para ela, segundo o denunciante.
- Essa lógica não tem pé nem cabeça, e eu gostaria muito que você me mostrasse isso nos autos. Isso não está nos autos. E ainda que exista essa denúncia, ela é completamente fantasiosa. Não tenho absolutamente nada a ver com isso, a não ser ajudar o Fernando a tentar resolver o assunto dele - contou o irmão de Erenice. - Já fui mais amigo dele. Faz tempo que a gente não se vê.
"Nunca teve depósito da RCA"
Márcio Silva, ex-sócio do escritório Trajano & Silva, disse que foi procurador por Fernando Borges para que o representasse na ação sobre a disputa societária. Afirmou que não pôde atuar no caso por ser especialista em direito eleitoral. Ontem, afirmou desconhecer se o serviço foi feito por Antônio Carvalho. E também negou o repasse de dinheiro relatado por Fernando.
- Nunca participei desse tipo de conversa. Quem cuidou da contabilidade do escritório fui eu por muito tempo. Nunca teve depósito de RCA no mesmo escritório. Necessariamente, teria de passar por mim. Eu emitia as notas fiscais. Nunca teve nenhum tipo de repasse e nem de contratação da RCA - garantiu Márcio Silva.
A Controladoria-Geral da União (CGU) deve começar hoje uma auditoria para apurar supostas irregularidades no Minha Casa Minha Vida, conforme denúncia publicada domingo pelo GLOBO. A investigação foi acertada numa reunião ontem entre os ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, e o secretário-executivo da controladoria, Carlos Higino. A CGU também abrirá uma sindicância com o Ministério das Cidades para apurar se há envolvimento de servidores da instituição nas supostas fraudes.
A CGU deve centrar a investigação em procedimentos e contratos do Minha Casa Minha Vida destinado a moradores de cidades com até 50 mil habitantes, a chamada modalidade pública. Um dos focos da apuração é a RCA, empresa formada por ex-servidores do Ministério das Cidades. Donos da empresa teriam criado empresas de fachada para controlar parte da distribuição do financiamento e dos contratos do programa.
No Senado, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) apresentou requerimento na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) para que o ministro Aguinaldo Ribeiro preste esclarecimentos sobre os fatos. Já o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) quer que o Tribunal de Contas da União (TCU) faça uma auditoria sobre o caso.
- O noticiário de fim de semana trouxe o registro de um vício, que é a utilização do sonho da casa própria, por parte de pessoas inescrupulosas, algumas das quais aninhadas, hoje, ou ainda recentemente aninhadas no governo, para ganhar dinheiro ilicitamente. É um esquema ao mesmo tempo audacioso e grosseiro - acusou Aloysio.
O líder do DEM, José Agripino (RN), sugeriu que o Ministério Público investigue o esquema.
Base governista defende minha casa
Senadores da base governista defenderam o Minha Casa Minha Vida. O líder do governo no Congresso, José Pimentel (PT-CE), afirmou ter ficado "apreensivo" com a denúncia e disse que é preciso responsabilizar os autores da fraude. Mas, segundo o senador, o desenho do programa é "bem feito" e deve ser mantido:
- Fiquei muito apreensivo, até porque precisamos mudar profundamente a cultura empreendedora do Brasil. Temos uma denúncia. Temos de separar essa situação, ir a fundo para responsabilizar as pessoas que fizeram e, com isso, dar continuidade a esse projeto Minha Casa Minha Vida. O desenho é bem feito, tanto é que os vários analistas, independentemente de posição ideológica ou política, disseram e dizem que é um bom desenho. Mas, infelizmente, onde há a atuação humana, há algumas mentes que querem levar vantagem, e o nosso papel é contribuir para que esses espaços deixem de existir. Comungo com a necessidade de separar aqueles que querem ganho fácil daqueles empreendedores que, efetivamente, querem cumprir com o seu papel de empresários, de empreendedores que contribuem para a economia brasileira.
Fonte: O Globo