Há quem chame isso de volta à normalidade. Apesar da sensação real de que matamos saudades, tenho dúvidas sobre se de fato estamos diante de algum tipo de retorno. Tendo mais a compreender esse momento como saída de um beco enlameado, pantanoso e como entrada numa avenida desconhecida. À medida em que, ao caminhar por ela, o país finque os pés no chão, poderá avaliar a qualidade do piso, sua textura em cada trecho, percebendo a firmeza e o alcance de cada passo. Enquanto vencedores podem arriscar saltos para desfrutar bônus da vitória, a realidade aconselha, a quem ganhou e a quem perdeu as eleições, pisar devagarinho, pois a nova avenida não é reta nem está toda pavimentada. Para os componentes do que se autodesignou “frente ampla”, os desafios são manter em dia os músculos e articulações dos pés e prestar atenção a curvas sinuosas, túneis e elevados, que modulam a velocidade.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
domingo, 13 de novembro de 2022
Paulo Fábio Dantas Neto* - Frente, transição, futuro governo e a política: Lula segura as rédeas
Merval Pereira - Equilíbrio social
O Globo
Investimento social é importante, mas é
preciso equilíbrio fiscal
Mesmo que Bolsonaro tivesse vencido a
eleição, seria inevitável essa negociação com o Congresso para a PEC que
permite extrapolar o teto de gastos, porque as promessas dos dois candidatos
tinham pesos semelhantes.
Aumento real do salário mínimo; manutenção
em caráter permanente do auxílio emergencial de R$ 600, seja no Auxílio Brasil
de Bolsonaro, seja no Bolsa Família de Lula, vitorioso.
Não há dúvida de que o país vive uma crise
social intensa, e nem mesmo a boa notícia de que houve em 2020 a maior queda da
pobreza dos últimos tempos serve de consolo, pois os dados da PNAD contínua já
mostram o retorno do índice a níveis extremamente baixos apenas porque o
governo Bolsonaro suspendeu o auxílio emergencial por um período alegando o fim
da pandemia.
O investimento social é fundamental, o presidente eleito tem razão em prioriza-lo, mas erra ao contrapo-lo ao equilíbrio fiscal. Investimentos para obras públicas, que Lula pretende realizar imediatamente, uma espécie de New Deal tupiniquim, dentro das possibilidades reduzidas que temos, trazem empregos e sustentação aos mais necessitados.
Míriam Leitão - Nada de novo em todos os fronts
O Globo
Governo que nem tomou posse teve que
enfrentar tremores fortes do mercado e notas inoportunas das Forças Armadas na
mesma semana
O velho governo já morreu, o novo não
começou ainda, mas já tem que enfrentar o desgaste dos seus primeiros erros e a
cobrança por heranças velhas. Na semana houve tremores no mercado financeiro,
um sinal de sectarismo dado pelo PT na disputa do BID e notas inoportunas das
Forças Armadas. O presidente Lula acertou muito nesse início. Talvez o maior
acerto tenha sido mostrar o quanto lhe dói a dor alheia. O Brasil precisava
disso. Quatro anos de um governante sem empatia feria nossos valores humanos. O
choro de Lula pela fome redime um país no qual o presidente não chorou por 700
mil mortos.
Toda realidade tem vários ângulos. No mesmo discurso em que chorou, Lula produziu ruídos no mercado financeiro. Isso lembra que a economia não comporta improvisos. Cotações caem e sobem. São menos importantes do que o sinal que veio de outra frente. O país está de novo às voltas com a incapacidade de as Forças Armadas entenderem qual é o seu papel constitucional. Houve três notas militares em três dias e todas elas fora do tom.
Bernardo Mello Franco – De volta ao mundo
O Globo
Lula usará viagem ao Egito para anunciar
guinada na política externa
Jair Bolsonaro boicotou o combate ao
aquecimento global, abraçou o negacionismo na pandemia e isolou o Brasil nos
fóruns internacionais. É fácil entender por que o mundo respirou aliviado com
sua derrota nas urnas.
A torcida contra o capitão produziu um raro
consenso entre Estados Unidos e China. Os líderes de Rússia e Ucrânia, em
guerra desde o início do ano, também se uniram para saudar o presidente eleito.
Na noite da vitória, Lula afirmou que “o Brasil está de volta”. O discurso será
posto em prática a partir de amanhã, quando ele embarca para participar da
COP27 no Egito.
A viagem deve marcar uma guinada na política externa brasileira antes mesmo da posse do novo governo. Bolsonaro se notabilizou como um inimigo da causa ambiental. Nunca foi às conferências da ONU sobre mudanças climáticas e ainda sabotou a edição de 2019, que deveria ter ocorrido em Salvador.
Elio Gaspari - O fim de um ciclo de militares na política
O Globo
As tentativas de instrumentalização dos
quartéis fracassaram
Na quarta-feira, o ministro da Defesa,
Paulo Sérgio Nogueira, divulgou o relatório técnico da fiscalização do sistema
eletrônico de votação pelas Forças Armadas. Nele concluiu-se que nos resultados
do primeiro turno em 442 seções eleitorais sorteadas aleatoriamente, bem como
nos de 501 seções do segundo turno, “não se verificou divergências entre os
quantitativos registrados no Boletim de Urna afixado na seção eleitoral e os
quantitativos de votos constantes no respectivo boletim disponibilizado no site
do TSE”. Nesse dia, o presidente eleito Lula circulava por Brasília dispondo-se
a recuperar “a harmonia entre os Poderes”.
Fechava-se assim um ciclo de tentativas de
instrumentalização dos militares na vida política nacional. Ele foi aberto em
abril de 2018 com o infeliz tuíte do comandante do Exército, general Eduardo
Villas Boas, às vésperas do julgamento de um habeas corpus em benefício de
Lula.
Nesses quatro anos, um presidente que dizia dispor do “meu Exército” tentou instrumentalizar as Forças Armadas no atacado. Não conseguiu. No varejo, conseguiu alguma coisa e militarizou de forma desastrada o Ministério da Saúde no pico da pandemia.
Dorrit Harazim - Clube dos ex
O Globo
Bolsonaro terá dificuldade até para
circular em inúmeras regiões planetárias sem ser recebido com protestos
A partir do meio-dia de 1º de janeiro de
2023, o Palácio da Alvorada terá novo locatário. Jair
Bolsonaro, derrotado pelo resultado das urnas dois domingos atrás,
não será o primeiro nem o último chefe da nação brasileira a fugir da cerimônia
de entrega da faixa presidencial. Faixa essa, por sinal, difícil de ser
acomodada com elegância em qualquer peito — o simbólico ornamento de seda verde
e amarela ou parece curto ou dá a impressão de sobrar nas ancas do portador.
Mesmo assim, o ritual faz bem à nação. Fortalece o sentimento de normalidade
democrática.
Bolsonaro passará a fazer parte de uma confraria a que ninguém se junta por vontade própria: a de ex. A recepção nesse eclético grupo de desalojados pela força ou pelo voto não costuma ser caridosa com os recém-chegados.
Luiz Carlos Azedo - O legado de Mitterand e o dilema de Lula
Correio Braziliense
François-Maurice-Marie Mitterrand (1916-1996) nasceu em Jarnac e estudou direito e letras na Universidade de Paris. Durante a II Guerra Mundial, foi integrante da Resistência Francesa, movimento de oposição ao nazismo. Deputado de 1946 a 1958, no ano seguinte elegeu-se senador. Em 1965, como candidato único dos partidos de esquerda, obteve 44,8% dos votos no segundo turno das eleições presidenciais, vencida por Charles de Gaulle. Secretário do Partido Socialista desde 1971, disputou novamente a Presidência em 1974 e foi derrotado por Valéry Giscard d'Estaing. Entretanto, o derrotou nas eleições de 1981 e se tornou primeiro socialista a chegar à Presidência da França.
Mitterrand entusiasmou os eleitores oferecendo a possibilidade de rompimento com o capitalismo. Destacou-se por tomar medidas estatizantes e fazer reformas sociais, mas, em consequência da crise econômica mundial, não conseguiu reduzir o desemprego e controlar a alta dos preços. O mercado reagiu fortemente a sua política e descobriu-se, então, que o poderoso Estado nacional francês já não controlava a economia. Para evitar a fuga de capitais, Mitterand foi obrigado a recuar, combater a inflação e priorizar a integração com a Comunidade Econômica Europeia, que daria origem à União Europeia, sua grande bandeira na política externa.
Bruno Boghossian – O manifesto político dos quartéis
Folha de S. Paulo
Ação política dos militares levou golpistas
para portas dos quartéis
Dias depois da derrota na eleição, Jair
Bolsonaro se dirigiu a seus apoiadores, defendeu
o direito de manifestações golpistas e se queixou de excessos
atribuídos a outras autoridades. Dias depois da derrota na eleição, os
comandantes militares se dirigiram a seus apoiadores, defenderam o direito de
manifestações golpistas e se queixaram de excessos atribuídos a outras
autoridades.
Nunca foi necessário distinguir a ação política de Bolsonaro daquela praticada pela cúpula das Forças Armadas nos últimos anos. Seja por respeito ao princípio da hierarquia, por convergência doutrinária ou simplesmente pela identificação de interesses comuns, todos falaram a mesma língua nesse tempo.
Muniz Sodré* - Surtar em línguas
Folha de S. Paulo
Atual movimentação extremista torna limites
entre energia viva e inorgânica imprecisos
Patéticos ou penosos: incerta é a escolha
da caracterização para os eventos tabajaras posteriores à eleição presidencial.
Haverá outros adjetivos, como grave ou equivalentes, pensando-se nos bloqueios,
na súcia empresarial ou no motim rodoviário. Inequívoco é o diagnóstico de um golpismo bronco, por mais que
tramado e financiado. Tecnicamente, teleguiado por plataformas digitais.
Até agora se supunha que o livre arbítrio qualificasse o relacionamento com a internet. Isso é até possível, quando se consideram a amplitude e a heterogeneidade das possibilidades oferecidas pela comunicação eletrônica. Mas os eventos pós-eleitorais parecem dar margem à estranha hipótese de que as redes digitais organizadas em plataformas e aplicativos tenham adquirido autonomia suficiente para movimentar automaticamente uma enorme parcela dos usuários. Heterodireção é um nome adequado para esse fenômeno: sem o comando direto de um centro, o indivíduo é teledirigido por um sistema de comunicação autonomizado.
Vinicius Torres Freire - Você pode ser o 'mercado'
Folha de S. Paulo
Dinheiro grosso faz lobby político, mas
mercados financeiros tratam de outra coisa
Havia na França um
programa de sátira chamado "Les Guignols de l’Info" (Marionetes da
Notícia), uma paródia de jornal de TV que avacalhava políticos e
"famosos", jornalistas inclusive. Eram bonecos de borracha,
caricaturas realistas, lembrança distante de Honoré Daumier (1808-1879).
Nos anos 1990, marionetes falavam de
economia e perguntavam, sussurrando: "e o mercado?". Então aparecia
"O Mercado": um boneco de Rambo,
Sylvester Stallone de
peito nu e uma metralhadora em cada mão, ameaçando dar tiro em todo mundo (era
também a caricatura do capitalista americano malvado).
No Brasil, "O Mercado" é um abantesma, aparição terrível, ou uma fantasmagoria, uma imagem do mal, que tem realidade própria, mas informe. Nesta semana, o fantasma foi xingado pela esquerda por atirar em Lula, que deu precedência à "dívida social" sobre a dívida do governo (que está, claro, na mão de muito participante dos mercados, talvez da leitora inclusive).
Janio de Freitas – As vozes do mercadinho
Folha de S. Paulo
Lula não foi eleito para servir à camadinha
especulativa
Ah, que horror! Lula
disse que prioritário é acabar com a fome, não a contenção
de gasto social, o tal teto de gastos! A Bolsa caiu! Reação imediata do
mercado (nome de guerra dos que não produzem, não se incluem na infraestrutura
econômica, e ganham no jogo financeiro das Bolsas). E tome de manchetes em
primeiras páginas e comentaristas do "mau passo" com que "Lula
já começou". Todos sempre reforçando a exigência reiterada pelo mercado:
"Lula tem
que indicar logo o novo ministro da Economia".
Tem que? Ainda falta ao mercado a informação de que Lula foi eleito para presidir um país de mais de 215 milhões de habitantes, não para servir à camadinha especulativa. A decisão eleitoral completa neste domingo duas semanas, apenas. Nas quais o mercado se fez de inquieto porque este é um método eficaz para acionar o sobe-desce lucrativo da especulação financeira. E de quebra dizer quem manda, para ver no que isso dá. Nenhuma empresa séria depende da urgência de um nome de ministro.
Eliane Cantanhêde – Lula e Brasil, de volta à cena
O Estado de S. Paulo
Brasil recupera imagem e protagonismo
ambiental, jogados no lixo nos últimos 4 anos
A ida do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva à COP-27, nesta semana, tem
vários objetivos estratégicos, num mar de simbologia. Lula volta por cima ao
cenário internacional, depois de dois mandatos e da prisão, e o Brasil recupera
o protagonismo na preservação ambiental e sua imagem no mundo, jogados no lixo
nos últimos quatro anos. Volta a brilhar, deixa de ser pária internacional.
Já no discurso da vitória, Lula deixou claras suas prioridades, como desenvolvimento, miséria e fome, questão climática, desmatamento zero e povos indígenas, questões não apenas desprezadas, mas ativamente atacadas na era Jair Bolsonaro – que nem sequer se dignou a ir à COP-26.
José Roberto Mendonça de Barros* - Brincando com fogo
O Estado de S. Paulo
Próximo governo já tem desafios no campo socioeconômico para resolver
“Qualquer que seja o resultado da eleição,
o novo governo terá de enfrentar rapidamente dois grandes desafios no campo
econômico:
- Como reorganizar o Orçamento de 2023
depois da farra fiscal eleitoral? Sem essa resposta, o câmbio não se
estabilizará e será muito mais difícil reduzir a inflação e os juros.
- Como construir uma regra fiscal crível e
uma agenda de ações que possibilitem a volta de um crescimento sustentado.”
Foi assim que meu artigo publicado no dia da eleição descrevia os desafios da nova equipe. Mostrando a dificuldade dessas questões, tivemos já nesta semana muita confusão a propósito do Orçamento de 2023.
Rolf Kuntz* - Lula, o cercadinho e o mundo prosaico
O Estado de S. Paulo
O presidente eleito andou falando como se
pudesse ignorar o mercado, os limites das contas públicas e a maior
vulnerabilidade dos pobres aos males da inflação.
Lula prometeu governar para todos, mas poderá governar para ninguém, ou só para os especuladores, se confundir governo com gastança e irresponsabilidade fiscal. Não é preciso desarrumar as contas públicas, nem provocar inflação, para aumentar a atividade, expandir o emprego e reduzir a pobreza. Mas a confusão foi indisfarçável em suas primeiras declarações sobre economia. O presidente eleito falou como se estivesse diante de um cercadinho, discursando para um público simplório, uniformizado e disposto a aplaudir uma fala simplista e cheia de boas intenções. As ações despencaram, o dólar subiu e o presidente eleito fez cara de espanto. Quem poderia imaginar um mercado tão sensível? Mas espantoso, mesmo, foi o escorregão de um político habilidoso e experiente, ao se manifestar como se estivesse diante de uma torcida com camisas vermelhas decoradas com o número 13.
Pedro S. Malan* - Definindo agora contornos do futuro
O Estado de S. Paulo
Dívida, tributação, gasto público,
eficiência e equidade terão de estar no centro do debate público sobre
crescimento pelos cruciais anos à frente.
Qualquer governo tem suas cotas de acertos
e desacertos. O de Lula não será exceção. O discurso eleitoral eloquente
permite-se proferir certezas e promessas de solução para problemas de todo
tipo. No entanto, vencidas as eleições, ele deve dar lugar ao pragmatismo
responsável a que estão obrigados aqueles que, no exercício do governo, têm de
lidar com recursos escassos, conflitos de interesse e com as incertezas, riscos
e consequências das decisões a tomar.
Quarenta anos atrás, a convite de uma Espanha recém-democratizada, Norberto Bobbio escreveu sobre as transformações da democracia, analisando promessas não cumpridas e contrastes entre a democracia ideal e a democracia real: “Daquelas promessas (...) algumas não podiam ser objetivamente cumpridas e eram desde o início ilusões; outras eram, mais que promessas, esperanças mal respondidas; e outras, por fim, acabaram por se chocar com obstáculos imprevistos. Todas são situações a partir das quais não se pode falar precisamente de ‘degeneração’ da democracia, mas sim de (...) inevitável contaminação da teoria quando forçada a submeter-se às exigências da prática”.
Entrevista | Felipe Salto: ‘Teto de gastos pode ser trocado por limite de dívida’
Secretário da Fazenda de São Paulo afirma ter enviado proposta a Persio e Alckmin e diz que foi sondado para integrar governo Lula
Alexa Salomão / Folha de S. Paulo
O economista Felipe Salto, secretário de Fazenda e
Planejamento do Estado de São Paulo, está redigindo uma proposta de
reforma da regra fiscal para substituir o teto de gastos. Uma minuta já foi
enviada ao vice-presidente eleito Geraldo Alckmin e ao economista Persio Arida, que integra o grupo de transição
da economia.
"Persio disse que iria ler com atenção, que a
transição estava apenas no começo e que queria conversar. Para não parecer que
estamos colocando carroça na frente dos cavalos, preciso dizer que a proposta é
um exercício intelectual que fazemos há anos", afirmou. "Agora, com
outros economistas e gente do direito financeiro, estamos tentando bolar algo
razoável para não perder mais uma oportunidade de fazer mudanças que vão além do apagar
incêndios."
Segundo Salto, o teto já não existe, depois de o ministro da Economia, Paulo Guedes, aprovar sucessivas licenças para gastar acima do teto nos anos de 2020, 2021 e 2022.
Cristovam Buarque* - Apoio ao Lula no Quarto Turno
Blog do Noblat / Metrópoles
Não se trata mais de ser anti Bolsonaro,
mas de ser a favor de um Brasil melhor e mais belo, rico, justo e sustentável
Lula chegou ao segundo turno contra a Direita e o Centro, bolsonaristas e terceira via. Com apoio mais amplo, venceu o segundo turno por diferença mínima. Teria perdido se apenas 1% dos eleitores mudassem o voto. Além de Bolsonaro receber quase 50% dos votos, seus partidários ganharam força no parlamento e em governos estaduais. O Brasil elegeu Lula graças a uma frente ampla de democratas-progressistas que tem o mesmo tamanho da frente ampla de bolsonaristas e seus aliados conservadores. Por pouco não houve o temido Terceiro Turno do golpe, mas o Brasil está em um Quarto Turno por ideias para o futuro.
Sérgio C. Buarque* - O Brasil está de volta
Revista Será?
A democracia venceu e saiu fortalecida das eleições. Mas o futuro do Brasil ainda é muito incerto. A grande incerteza sobre o futuro do governo Lula reside na economia. Como ele vai administrar as suas promessas eleitorais e as enormes demandas sociais num delicado quadro fiscal e grave rigidez das finanças públicas. Se já existe uma inércia de crescimento das despesas primárias, a tentação de gastos públicos vai rondar o Palácio do Planalto nos próximos anos. E já começa com mais uma quebra do Teto de Gastos para viabilizar as muitas promessas de campanha, concentradas na transferência de renda para a população pobre. Será apenas mais uma licença para furar o teto como forma de garantir a manutenção dos 600 reais do Auxílio Brasil, ou o abandono de qualquer âncora fiscal que controle e modere o impulso gastador dos governos? Lula pode ter respondido à pergunta no seu discurso, no velho estilo lulista, na inauguração da Comissão de Transição: a âncora fiscal soy yo.
O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões
A necessária reconstrução do Estado
O Estado de S. Paulo
O aparelhamento bolsonarista compromete o desempenho estatal, razão pela qual será necessário recuperar os órgãos contaminados para que sirvam ao País, e não a uma ideologia
Dentre as várias tarefas que caberão ao
governo que acaba de ser eleito, a reconstrução do Estado está entre as que
exigirão trabalho e esforço coletivo. O legado de destruição de Jair Bolsonaro
é amplo. Se o presidente falhou em fincar as bases de sua agenda reacionária na
sociedade de forma permanente, foi graças à sua inaptidão como liderança, bem
como à resiliência de instituições como o Congresso e o Judiciário em conter
alguns de seus arroubos. É inegável, porém, que Bolsonaro foi mais bem-sucedido
em deturpar e minar por dentro a atuação de várias das estruturas do Executivo
– o aparelhamento da Polícia Rodoviária Federal (PRF) é só o exemplo mais
recente. No intervalo de um dia, a PRF substituiu um inédito ativismo para
fiscalizar a chegada de ônibus transportando eleitores no Nordeste, reduto de
Lula da Silva, pela total inoperância em liberar rodovias tomadas por turbas
antidemocráticas depois da eleição.
Para chegar a esse resultado, Bolsonaro nem precisou convencer a maioria do funcionalismo público a compactuar com seus devaneios. Bastou colocar aliados no comando dessas instituições ou deixá-las à míngua. Há tantos exemplos que é difícil apontar qual foi o órgão mais afetado, mas o cenário de desmonte é generalizado na Receita Federal, no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e na Fundação Nacional do Índio (Funai), entre muitos outros órgãos.