- O Globo
Eu já entendi porque você votou em Jair
Bolsonaro em 2018, mas você ainda está disposto a votar nele outra vez?
Prezado bolsonarista,
Eu já entendi porque você votou em Jair
Bolsonaro em 2018. Foi uma mistura de revolta contra o que você chamava de
“roubalheira do PT”, com o cansaço da velha política representada por Michel
Temer, a busca por uma alternativa econômica e, em alguns casos, o fanatismo
político e religioso. Aliado a isso, a facada que o candidato recebeu a poucos
dias da eleição, e que não saiu das TVs, multiplicou por mil sua exposição até
o ponto de você achar que só havia ele para votar. Está claro e até dá para
entender o inaceitável. Mas, agora que tudo isso desabou, o que me ocupa nestes
dias é tentar compreender por que você ainda cogita votar neste homem em 2022.
Se estou
correto,
os anseios que o fizeram eleger Bolsonaro foram destruídos. A corrupção que
você odiava ganhou força. A começar pelo desmantelamento da Lava-Jato com o
apoio explícito do seu presidente. Houve também a demissão de Sergio Moro do
Ministério da Justiça porque ele se negou a demitir o diretor da Polícia
Federal e nomear um delegado amigo do chefe. Você sabe, Bolsonaro queria ter um
canal direto na PF para impedir que investigações contra seus filhos e seus
amigos prosperassem. É tão simples quanto escandaloso. Você viu.
Você deve
lembrar ainda
que Bolsonaro, sua mulher e seus filhos abasteceram suas contas privadas com
dinheiro público desviado dos salários dos servidores de gabinetes da família,
com as famosas rachadinhas. Uma delas, a do zerinho senador, está sob
investigação do Ministério Público no Rio. O mesmo zerinho que com salário de
R$ 33,7 mil brutos comprou uma mansão de R$ 6 milhões em Brasília. Se a casa
fosse financiada pelo Banco do Brasil, ele teria de dar uma entrada de R$ 1,2
milhão. O restante seria pago em 189 meses, com a primeira parcela de R$ 67,7
mil, o dobro do que ele recebe no Senado.
Na velha
política,
o colo oferecido pelo Centrão ao presidente, em troca de verbas bilionárias do orçamento
que era para ser secreto e virou o mal-afamado “tratoraço”, não deixa margem
para qualquer dúvida. O governo Bolsonaro virou abrigo para a turma que sempre
se agarrou ao poder e que esteve presente nos governos de Sarney, Collor, FHC,
Lula, Dilma e Temer. Apesar do seu voto de protesto, a velha política do toma
lá dá cá está de volta, como uma estaca fincada no coração do seu querido
presidente. E agora sem a Lava-Jato.
A alternativa econômica virou fiasco. O grande feito deste governo, a reforma da Previdência, quem resolveu foi o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia. Ainda assim, o tamanho da reforma que era para ser de R$ 1,2 trilhão caiu para R$ 800 bi por intervenção do seu presidente. De resto, Bolsonaro boicotou todos os projetos do seu Posto Ipiranga. Há um apagão no horizonte, o teto de gastos está ameaçado, a inflação se aproxima dos 10% anuais e você, caro bolsonarista renitente, vê seu dinheiro sumir cada vez mais cedo da sua carteira.