domingo, 14 de março de 2010

Reflexão do dia - Marco Aurélio Nogueira

"O abolicionista Nabuco tem muito que dizer sobre as questões e os dilemas com que nos debatemos hoje"
(Marco Aurélio Nogueira, em entrevista, ontem, em Prosa & Verso / O Globo)

Credenciais ao candidato::Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Serra defende Estado ativo, sociedade influente e retomada de valores ético

Sinceridade, serenidade, crítica sem agressão, propostas no lugar de promessas são as linhas gerais da campanha presidencial do governador de São Paulo, José Serra, que já estão delineadas e farão parte do discurso dele no ato oficial de lançamento da candidatura, previsto para o fim da primeira semana de abril em Brasília.

As datas mais prováveis são sexta-feira, 9, ou sábado, 10 de abril, dias considerados mais eficazes em termos de aproveitamento nos meios eletrônicos.

A decisão de não fazer o ato no início da semana é porque logo depois do feriado da Semana Santa os convidados poderiam ter dificuldades de estar em Brasília.

Definida a agenda, a hora agora é de Serra preparar a transição administrativa do governo de São Paulo e pensar na melhor forma de se apresentar ao eleitorado com um esboço de seu programa de governo, onde o conceito de "Estado ativo" é o fio condutor.

Questões políticas ficam para depois. A organização das coligações estaduais será feita em abril e maio, mas a definição do candidato a vice-presidente pode só ocorrer perto da realização da convenção do partido, em junho.

Por enquanto, Serra não quer falar - e gostaria muito que o partido também não falasse - da questão Aécio Neves. No entendimento dele, a pressão é contraproducente.

Tanto para o êxito da formação da chapa tal como os tucanos consideram o ideal, quanto para a candidatura presidencial, pois fica a impressão de que a vitória depende do vice.

A matriz do discurso de Serra, e consequentemente de seu programa, no lançamento da candidatura é o pronunciamento feito na posse como governador de São Paulo, há três anos.

Na ocasião, José Serra disse que iria governar o estado "voltado para o Brasil".

Foram palavras nitidamente referidas no projeto futuro de voltar a se candidatar a presidente da República e que será retomado agora, no momento da concretização do plano.

José Serra apresenta-se como defensor do "ativismo governamental", que define como um meio-termo entre "o poderoso Estado Nacional Desenvolvimentista do passado" e o "Estado da pasmaceira, avesso à produção".

Até porque "aquele Estado ficou no passado, mas a questão nacional e a questão do desenvolvimento continuam no presente".

"O objetivo de materializar as condições de uma plena cidadania exige políticas nacionais, exige ativismo governamental na procura do desenvolvimento e da maior igualdade social."

Assistência social? Na visão de Serra, tais políticas são "justas e necessárias", desde que o Estado se empenhe em promover o desenvolvimento para não transformar os pobres em uma "clientela cativa do assistencialismo".

E o que falta para aumentar a capacidade produtiva e o emprego? Na opinião do candidato, capital há.

O que não existe são oportunidades lucrativas de investimentos, "espantadas pela pior combinação de juros e câmbio do mundo, em meio a uma carga tributária sufocante".

Serra prega a "necessidade de uma prática transformadora na política brasileira", começando pelo repúdio ao "mote fatalista e reacionário de que a desonestidade é inerente à vida pública, que o poder necessariamente corrompe o homem. Não é assim, alguns homens corrompem o poder".

Essa transformação implica o controle firme do Estado por ele próprio, "funcionando como um todo coerente sob o ponto de vista moral, da eficiência e das metas" sem aceitar a banalização do mal na política.

Um instrumento indispensável é o controle do Estado "por uma sociedade atuante, capaz de se defender dos abusos e de influir nas ações públicas".

Sobre o papel da oposição Serra falava na perspectiva de opositor ao governo federal, mas mantém, como pretendente a presidente, a validade do conceito: "À oposição cabe, óbvio, se opor. A governabilidade é tarefa de quem obteve das urnas o mandato para governar. Quem é altivo na derrota não se sujeita. Quem é humilde na vitória não exige sujeição".

Defesa nacional:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Apresentado aos parlamentares em setembro do ano passado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, o projeto de lei complementar que altera o arcabouço jurídico do sistema de defesa nacional foi aprovado seis meses depois na Câmara por um grande acordo interpartidário na semana passada, sem que se desse muita atenção às mudanças fundamentais que ele introduz, e ao significado que tem essa nova estrutura para as negociações de compra de material bélico com o compromisso de transferência de tecnologia, inclusive a compra dos novos caças, cuja licitação está para ser resolvida, não por acaso, nos próximos dias.

Aprovado por larguíssima maioria, o projeto é um exemplo de como governo e oposição podem cooperar em questões de Estado, para o bem da democracia e do país, define o deputado Raul Jungman, membro da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa da Câmara, que considera esta a maior mudança em talvez um século, na estrutura da Defesa e das Forças Armadas.

Transformando em realidade a atuação do Ministério da Defesa sob comando civil, um dos artigos da lei determina, por exemplo, que o ministro, que antes era ouvido quando da nomeação dos comandantes militares das três forças, agora os indique ao presidente para sua efetivação.

Já o artigo 7º define que compete ao ministro da pasta indicar a lista de promoção de cada uma das Armas, no tocante aos seus oficiais superiores, inclusive generais.

Antes, isso se dava mediante reunião conjunta entre o presidente, ministro e comandantes militares.

Em outro artigo, extingue-se o Estado-Maior da Defesa e em seu lugar é instituído o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.

Este será chefiado por um oficial general no topo da carreira (quatro estrelas), que terá o mesmo status dos demais comandantes, será assessorado pelos chefes dos estados-maiores das três Armas, além de incorporar secretarias estratégicas, antes paralelas.

Todo esse aparato responderá diretamente ao ministro da Defesa. A centralização das decisões de compra de material bélico em uma secretaria do Ministério da Defesa é considerada pelos especialistas medida inovadora, de longo alcance e impacto, superando dois problemas crônicos: a competição das Forças entre si por mais e melhores materiais e equipamentos com exclusividade, e a incompatibilidade entre artefatos, máquinas e tecnologias.

A medida torna mais efetiva a operação conjunta das três Forças, imperativo decisivo da guerra moderna, segundo os especialistas.

A centralização das decisões de compra será de capital importância na redução dos custos, pelo ganho de escala, a redução de estoques e eliminação de supérfluos.

Um objetivo estratégico dessa unificação é incentivar a indústria bélica nacional, atendendo assim a um dos imperativos da estratégia nacional de defesa recentemente aprovada pelo Ministério da Defesa.

Outro ponto fundamental da nova lei é a extensão das prerrogativas de patrulha, revista e prisão em flagrante à Marinha, no mar e águas interiores e à Força Aérea no espaço aéreo, já consignadas ao Exército nas fronteiras, na ausência ou impossibilidade de contar com a Polícia Judiciária.

A medida representa um avanço na luta contra o crime organizado no combate ao tráfico de drogas, armas, crimes ambientais e transfronteiriços, e dá segurança jurídica para a atuação das Forças Armadas em tempos de paz.

A dualidade de foro, civil ou militar, no caso de delitos praticados por integrantes das Forças Armadas quando em missão decorrente de suas atribuições subsidiárias, como a garantia de lei e da ordem e segurança de eventos como Olimpíadas ou eleições, geravam fortes resistências na corporação.

Esses crimes e delitos passam agora a ser competência exclusiva da Justiça Militar, exceto aqueles tipificados como dolosos contra a vida.

A nova lei estabelece também a responsabilidade conjunta do Executivo e do Legislativo pela defesa nacional.

Como define bem o deputado Jungman, na tradição histórica do nosso hiperpresidencialismo, o Executivo detinha o quase monopólio das iniciativas e decisões na área da defesa.

Tal realidade gerou um alheamento do Parlamento que tinha reduzidas responsabilidades sobre o tema e nenhum interesse direto, pois Defesa não dá votos ou cargos.

Esse distanciamento, ressalta Raul Jungman, se transformava em uma ameaça, pois a proclamada projeção internacional do Brasil e suas aspirações à governança global irão requerer pesadas e crescentes responsabilidades na área de segurança em escala regional e, posteriormente, global.

O assunto defesa nacional passará a ser mais e mais responsabilidade de Estado, e não apenas de governo, como até o presente.

O Executivo, destaca Jungman, é a expressão de uma maioria eventual, já o Congresso Nacional representa a toda a Nação.

Com o objetivo de tornar a política de defesa nacional uma política de Estado e não apenas de governo, Jungman propôs ao ministro Nelson Jobim, com o apoio de líderes de todos os partidos, que a estratégia de defesa nacional, atualizada de quatro em quatro anos, fosse enviada, debatida e aprovada pelo Congresso.

E também que o Executivo enviasse ao Parlamento, periodicamente, o Livro Branco da Defesa Nacional, espécie de anuário contendo as principais disposições, composição, organização e condições de preparo e emprego das Forças Armadas.

Essas duas medidas, além de nos equiparar, no plano normativo e institucional, às principais democracias do mundo, representam um avanço extraordinário em termos de transparência e democracia.

Externamente, é um recado explícito aos nossos vizinhos e amigos, sobre as disposições pacíficas do Brasil relacionadas à sua defesa.

Ô Coisinha tão bonitinha do pai - Beth Carvalho

Amanhã, 25 anos:: Rubens Ricupero

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Alegra pensar que a cara do Brasil novo que se apresentou tenha sido o rosto inteligente e arguto, o sorriso de Tancredo

Não vou falar da dor, da perplexidade, da sensação de orfandade daqueles dias. Mergulhado na releitura do "Diário de Bordo" que escrevi durante a viagem do dr. Tancredo antes da frustrada posse, prefiro, como Álvaro Moreyra, evocar as lembranças que ele nos deixou sob o título de "As amargas, não".

Quem percorrer o "Diário" há de ver como, até falando da morte, Tancredo nunca se separava da graça e da leveza de espírito. Quando se tentava enxertar algum compromisso novo nos programas carregados que ele devia cumprir na correria por tantos países, tentávamos, os acompanhantes sem fôlego, convencê-lo a recusar. Diante do argumento de que era preciso descansar, ele sorria e dizia: "Para descansar, teremos toda a eternidade".

Em Buenos Aires, última etapa do cansativo périplo pelo mundo, um dos visitantes que recebeu no hotel comentou, referindo-se à longa viagem: "Larga gira, presidente". Pensando que era alusão à sua comprida vida política, Tancredo comentou: "É, terei o mais longo necrológio do Brasil".

Na hora não percebi, só mais tarde me dando conta de que foi constante, embora inconsciente, a presença da Indesejada das Gentes, insinuando-se em armadilhas verbais como essas. Sempre, porém, o vento glacial se via amenizado pelo humor malicioso que formava parte essencial de personalidade austera, mas amante de "causos".

O "Diário" vem acompanhado de muita bagagem: artigos de Celso Lafer, deSérgio Danese, que me auxiliou na viagem, conferências de imprensa,alguns improvisos, um posfácio do governador José Serra. Mas contém,sobretudo, uma evocação do avô pela neta Andréa, que é dos mais belostextos de saudade e carinho familiar que li, repassado de pungentenostalgia e misteriosa antecipação do luto, pois foi escrito epublicado antes da morte.

Tanto Andréa quanto Celso realçam o humor raro e fino de Tancredo,expressão da sabedoria com que administrava os desafios. Em Washington,as autoridades americanas, temerosas de que o final da era Pinochet, naépoca ainda incerto, pudesse favorecer os comunistas, propunham que seisolasse a esquerda na luta pela democracia. Com a experiência de quemacabava de viver um quarto de século de infindável ditadura, opresidente eleito comentou: "O que precisamos é dividir os militares,não a oposição; esta se dividirá de acordo com tendências naturais umavez restabelecida a democracia".

Tempos atrás, em entrevista à TV, o neto Aécio, então meu quase adolescente companheiro de voo e de hospedagem, narrava haver perguntado ao avô, depois da estrondosa eleição no Colégio Eleitoral, como ele tencionava lidar com a maioria, quase unanimidade daquele apoio. A resposta foi: "Apoio é como capital, pretendo começar a gastá-lo para fazer o que tem de ser feito".

Foi esse o homem que começamos a perder 25 anos atrás amanhã, o dia que deveria ter sido o da sua posse, da "vida toda que podia ter sido e que não foi". Alegra pensar que, depois daquela longa noite, a cara do Brasil novo que se apresentou ao papa João Paulo 2º, a Mitterand, ao rei da Espanha, a Reagan, a Alfonsín tenha sido o rosto inteligente e arguto, o sorriso bem-humorado de Tancredo de Almeida Neves, a quem, com dona Risoleta, dedicamos este livro os companheiros retardatários que ainda não chegaram como eles à terceira margem do rio.

Rubens Ricupero, 73, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

Tancredo buscou garantir transição para a democracia:: Aécio Neves

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Há 24 anos, ex-presidente iniciava luta pela vida no Hospital de Base de Brasília; no ano de seu centenário, é lembrado como construtor de pontes para aproximar as pessoas

Há exatos 25 anos, em um 14 de março como hoje, iniciava-se, no Hospital de Base de Brasília, o rosário de sacrifícios do ex-presidente Tancredo Neves, que culminaria com a sua morte em 21 de abril.

Foi como se aquela noite se fechasse sobre nós, densa e escura, com seus duros presságios.

Estávamos, todos, preparados para a alegria. Em Brasília, não havia festas somente nas casas confortáveis da beira do Lago e nos apartamentos do Plano Piloto. Em Taguatinga e Ceilândia, nas casas pobres e honradas dos trabalhadores, festejava-se o fim da ditadura, do estado policial e repressor.

Era a última noite sob o regime autoritário. Na recepção oferecida no Itamaraty, personalidades do País se confundiam com delegações de dezenas de países, que traziam os seus cumprimentos ao novo presidente.

Ninguém sabia, mas, naquele momento, o triunfo e a tragédia marcaram encontro na vida do mesmo homem. Da sua eleição, em janeiro, até o momento final, Tancredo se dedicou intensamente à grande tarefa da consolidação da transição. Ao contrário do que se supõe ainda hoje, ela não se concluíra com a vitória das oposições no Colégio Eleitoral do Congresso Nacional.

Desde a memorável campanha das diretas, na qual Tancredo se jogou de corpo e alma, ele carregava consigo, intimamente, a percepção sobre os riscos institucionais daquela hora.

Conhecia os limites da nossa elite política. Sabia que o País não podia perder a oportunidade de vencer o regime autoritário, ainda que fosse pelas suas próprias armas, no caso, o colégio eleitoral.

Vencida a batalha, ele iniciou outra exaustiva jornada para garantir a travessia, que, entendia, só se consumaria de fato, só se tornaria definitiva, com a posse. Só a posse daria ao novo governo os instrumentos políticos e jurídicos necessários para a sua própria consolidação.

Trabalhava dia e noite. Era incansável. Conversava. Ouvia. Tentava identificar resistências à construção do processo de redemocratização e corria a desarmá-las. E elas surgiam de várias formas: de pleitos regionais às pequenas vaidades pessoais não atendidas; de resistências ideológicas, aos grandes interesses organizados contrariados.

Era paciente, mas a complexidade das negociações muitas vezes o exauria, embora mantivesse sempre o bom humor, que cativava tantas pessoas e desarmava os espíritos.

Nesse ínterim, viajou pelo exterior em busca do imprescindível e estratégico apoio internacional das grandes democracias do mundo à incipiente democracia brasileira.

Recebia informações privilegiadas da área militar e sabia dimensionar o tamanho da insatisfação de setores diversos atrelados ao antigo regime, prontos para se reaglutinar a qualquer tempo. Bastaria uma motivação consistente.

Por isso trabalhava, articulava, conversava tanto.

A celebração do centenário de Tancredo e a visita aos valores que o tornaram um dos mais importantes líderes brasileiros da segunda metade do século XX nos trazem de volta reflexões acerca das grandes tarefas que nos foram legadas pelos homens e mulheres que devolveram o País à plena democracia, tantas delas ainda hoje inconclusas.

Uma parece ser mais central e atual que nunca: o desafio da conciliação política, que o acompanhou durante todo o longo percurso que fez pela história.

Como disse recentemente em pronunciamento no Congresso Nacional, conciliar, para ele, era construir caminhos. Sabia, como poucos, separar as circunstâncias do fundamental.

Era um autêntico construtor de pontes. Pontes que aproximavam as pessoas. Pontes que faziam o País ser mais inteiro.

Se tivesse ficado entre nós, acredito que elegeria a austeridade como diretriz central do seu governo, combatendo o descontrole dos gastos, o enriquecimento ilícito e o esbanjamento dos recursos públicos, enfermidades que até hoje mancham a vida pública brasileira.

Teria se contraposto à dramática desproporção entre os gigantescos encargos tributários no Brasil e o seu frágil retorno em serviços públicos de qualidade, que ainda é realidade incontestável no País.

A sua formação liberal e municipalista teria determinado profunda e histórica revisão das relações federativas, entre a União, os Estados e os municípios, em nome da justiça, da eficiência e da equidade.

Do ponto de vista histórico, temos um longo caminho a percorrer até que possamos ousar dizer que resgatamos a imensa dívida social que temos para com o nosso povo.

Tem nos faltado, no Brasil de hoje, o desprendimento e a generosidade que nos aglutinaram no passado. Tem nos faltado recuperar o sentido mais amplo da conciliação para que pudéssemos então convergir em torno das grandes causas nacionais.

No esgarçamento tantas vezes inútil da luta política, deixamos de enxergar e compreender que o País é muito maior do que as eventuais diferenças que tantas vezes nos distanciam.

Na história, não há apenas o que perdemos no passado ou nossas esperanças compartilhadas sobre o futuro.

Na história, o tempo é sempre.

E sempre tempo de construir o Brasil que queremos e sonhamos.

Governador de Minas Gerais e neto de Tancredo Neves

Entrevista: O encontro de Nabuco com a política – Marco Aurélio Nogueira

DEU NO BLOG POSSIBILIDADEAS DA POLÍTICA

Devo ao jornalista Miguel Conde, do Caderno Prosa & Verso, de O Globo, a excelente entrevista publicada na edição de 13/03/2010 do jornal. Vou reproduzi-la abaixo, na expectativa de que isso ajude a fazê-la circular.

A entrevista, concedida por e-mail, foi feita tendo por base a segunda edição do meu livro sobre Nabuco: O Encontro de Joaquim Nabuco com a política: as desventuras do liberalismo, Ed. Paz e Terra, que acaba de chegar às livrarias.

“Apresentado originalmente como tese de doutorado na USP e publicado pela primeira vez em 1984, o livro de Marco Aurélio Nogueira é um marco nos estudos sobre a atuação política de Joaquim Nabuco e a configuração do liberalismo na sociedade brasileira. No livro, publicado agora em nova edição com um prefácio escrito por Cristovam Buarque, Nogueira mostra como o liberalismo é adaptado pelas elites políticas brasileiras para acomodar-se ao sistema escravista do país, e assinala a originalidade do abolicionismo de Nabuco dentro desse contexto.

O Globo: Em que contexto e por que motivos o senhor decidiu estudar a relação de Nabuco com a política de seu tempo?

Marco Aurélio Nogueira: O estudo foi feito na primeira metade dos anos 1980, e desde então nunca mais deixei de me interessar pelo tema. Naquela época, era importante saber de que modo os liberais brasileiros participariam das lutas democráticas que se anunciavam no país, em oposição à ditadura. E um recuo no tempo mostrava-se sugestivo para compreender a questão em termos mais amplos. Por sua vez, Nabuco era um personagem ainda não muito abordado pela pesquisa universitária, ainda que já gozasse de justa fama como intelectual e tribuno liberal. Valia a pena (como continua valendo ainda hoje) procurar compreendê-lo criticamente, vendo seus limites, suas virtudes, suas contradições – coisa que só poderia ser feita se se privilegiasse a relação dele com o seu tempo e as suas circunstâncias. Havia também a campanha abolicionista – feita por ele e vários outros –, que foi um momento marcante na história brasileira, seja pelo que conteve de impulso reformador no plano social, seja pelo papel que desempenhou em nossa revolução burguesa, quer dizer, no processo que preparou o país para o capitalismo industrial do século XX. Talvez tenha sido o movimento que mais longe levou a promessa democrática e republicana de uma sociedade integrada por iguais cidadãos. Fracassou, ou não cumpriu todas as suas promessas, mas deixou uma marca no país. Era importante ver em que medida a luta pela redemocratização dos anos 1980 deitava raízes em outros momentos “épicos” da política brasileira.

Há uma constância das posições políticas de Joaquim Nabuco durante sua atuação pública? Como defini-las?

Nogueira: Nabuco foi liberal radical no abolicionismo. Pôs-se na “vanguarda da revolução burguesa” que se anunciava naqueles anos, como digo no livro. Mas ele era monarquista e, com a atenuação drástica das promessas da abolição e depois com a implantação da República, foi projetado para a margem da vida política. Talvez não tenha sabido lidar bem com isso, ele que se acostumara a ocupar o primeiro plano; recolhe-se e hiberna por uma década, período em que revê algumas de suas opções e reformula seu liberalismo. Torna-se mais conservador e é com essa bagagem que volta à diplomacia, no final do século. Há uma sinuosidade evidente em sua trajetória, uma oscilação entre um liberalismo mais social, radical, e um liberalismo mais conservador. Mas não há dois ou mais Nabucos. O personagem manteve-se apoiado em eixos doutrinários consistentes, que lhe deram unidade e personalidade própria. Suas posições políticas acompanharam a sinuosidade da sociedade, tentaram traduzi-la, refletiram a preocupação de interferir nela, direcioná-la. Tanto que, após a abolição, Nabuco procurará fazer da política externa (o pan-americanismo) a sua principal trava de sustentação. Foi como se percebesse que o processo de construção do Estado, que passara pela reforma social, necessitava também de um reposicionamento do país na arena internacional. A personalidade multifacetada de Nabuco jamais esteve solta no ar, arrastada pelas circunstâncias históricas ou por seus dilemas pessoais. Ela refletiu por certo tais dilemas e circunstâncias, mas esteve animada por um mesmo tipo de relação com o mundo e por uma mesma concepção ideal, que deram unidade e articulação à sua biografia. Existiu sempre um mesmo e único personagem, portador de um liberalismo suficientemente elástico para acompanhar as mudanças históricas sem perder coerência. Se houve radicalismo na primeira fase e conservadorismo na última, isso se deveu ao próprio padrão do liberalismo brasileiro, aos ritmos do processo social e aos desafios que se impuseram aos intelectuais e políticos do país.

Qual foi o significado, para Nabuco, da proclamação da República em 1889?

Nogueira: A República foi um jato de água fria em Nabuco. Ele acreditou até o fim que a abolição dos escravos carrearia largo apoio popular para a Monarquia. Não percebeu que os escravos estavam impossibilitados de agir para sustentar regimes, e que aqueles que podiam fazer isso eram precisamente os proprietários de escravos, que apoiaram a República para se “vingar” da Monarquia. Além disso, a Monarquia chegou exaurida a 1889, sem agilidade para acompanhar as mudanças sociais. Foi engolida pela dinâmica da vida, e Nabuco não conseguiu compreender direito isso. Ele, no entanto, percebia com clareza que a República não poderia neutralizar o germe da fragmentação que atacava a sociedade, espalhada por um território muito grande e sem muitos pontos de coordenação e articulação. O novo regime, na verdade, para ele, seguiria o exemplo das demais repúblicas latino-americanas: acabaria por se oligarquizar. A história da Primeira República brasileira, de resto, não desmente isso, como sabemos.

De que maneira a figura de Joaquim Nabuco permite estudar o modo como se configurou o liberalismo no Brasil?

Nogueira: O abolicionista Nabuco tem muito que dizer sobre as questões e os dilemas com que nos debatemos hoje, em nossa República consolidada, antes de tudo sobre o modo como temos praticado a reforma social, e buscado construir uma sociedade que inclua de fato todos os seus integrantes. Ele foi abolicionista sem deixar de ser liberal, o que demonstra que liberais coerentes podem abraçar a questão social, ou ao menos não se omitirem perante ela. Terá sido Nabuco uma exceção, um liberal atípico, ovelha negra de uma família ideológica inteira que flutuou sobre as questões mais candentes da constituição da nacionalidade ou que as considerou exclusivamente en passant, sem o devido empenho e a necessária radicalidade? Ou sua própria sinuosidade reflete à perfeição as oscilações do liberalismo? O modo como Nabuco abordou a questão social de seu tempo e buscou teorizá-la projetou-o para além do liberalismo, que sempre foi seu berço e sua estrutura mental. Fez de Nabuco um liberal social, ave rara neste universo tipicamente concentrado na defesa do indivíduo abstrato, de liberdades e direitos concebidos como atributos naturais a-históricos, portanto imprecisamente estabelecidos. Não deixaria de ser liberal, seria somente um liberal diferente, à frente de sua época e de seus companheiros de fé. Um personagem que tenderia a ser tratado como livre-atirador, um outsider, um estranho em sua própria cotterie. No panteão dos grandes liberais brasileiros, Nabuco não figura com o destaque merecido, a não ser de modo bobamente apologético ou à custa de operações seletivas discutíveis, como a que elege sua trajetória posterior à abolição, seu monarquismo ou mesmo suas convicções pan-americanistas tardias como expressando o “verdadeiro” veio liberal de sua personalidade.

O que há de mais peculiar no liberalismo à brasileira?

Nogueira: Creio que é seu caráter espasmódico, ora sensível à agenda social, ora alheio a ela, uma corrente de idéias e valores inquestionavelmente decisiva na história nacional mas que não teve como desempenhar, entre nós, o mesmo papel revolucionário – forjador de um Estado aberto para a democracia e de uma comunidade composta por homens e mulheres iguais, livres e fraternos – que o projetou como verdadeiro esteio cultural da humanidade moderna. Nosso liberalismo, deste ponto de vista, é desventurado.

O senhor concorda com a noção de Roberto Schwarz de que no Brasil da época de Nabuco o liberalismo era uma "ideia fora do lugar"?

Nogueira: A expressão de Schwarz está consagrada, mas ainda comporta contínuas discussões. Não há, a rigor, ideias “fora de lugar”, e não creio que Schwarz tenha querido dizer isso com sua metáfora. O que há são ideias que, elaboradas num patamar específico da histórica universal (como o liberalismo), são obrigadas a sofrer ajustes e adaptações para continuar dialogando com os contextos particulares em que se busca adotá-las. O liberalismo teve de conviver com a escravidão no Brasil, fato que agredia um de seus principais preceitos. Como foi possível isso? Sacrificando parte da coerência da doutrina, que de certo modo terminou por ficar falseada. Poder-se-ia dizer que os liberais fingiram não ver aquilo que contradizia suas convicções ou que racionalizaram tais contradições, redefinindo seu peso relativo.

Essa configuração particular do liberalismo se mantém importante para pensarmos a política atual? De que maneira?

Nogueira: Mantém-se importantíssima, talvez até mais do que antes. A política brasileira atual não poderá prescindir dos liberais, mas não avançará se os liberais não ganharem vigor e coerência doutrinária. Se simplesmente continuar se reproduzindo o liberalismo espasmódico que tem prevalecido na história – ora impetuoso e reformista, ora indiferente e antidemocrático, em alguns momentos traduzido como liberalismo político, em outros aprisionado pelo laissez-faire –, a política como um todo sairá perdendo.

Fernando Henrique abre o ciclo de conferências sobre o centenário de morte de Joaquim Nabuco na ABL

O Presidente da Academia Brasileira de Letras Marcos Vilaça tem a honra de convidar para a abertura do Ciclo de Conferências do Ano Cultural Joaquim Nabuco, com palestra do Professor Fernando Henrique Cardoso, sobre o tema "Democracia e memória em Joaquim Nabuco".

A palestra, que também tem a coordenação do Presidente da ABL, acontecerá excepcionalmente no dia 18 de março, quinta-feira, às 17h30min, no Teatro R. Magalhães Jr.

O Ciclo de Conferências do Centenário de Morte de Nabuco contará com a presença de Roberto Cavalcanti de Albuquerque, no dia 30/3, falando sobre "Nabuco e o Recife"; de Rubens Ricupero, no dia 6/4, falando sobre "A diplomacia de Joaquim Nabuco e as questões de fronteiras"; e, encerrando a primeira fase do ciclo, teremos o Acadêmico Alfredo Bosi, no dia 13/4, falando sobre "Joaquim Nabuco memorialista".

O evento tem entrada franca, mediante inscrição prévia no Portal da ABL. Serão emitidos certificados de frequência ao final do ciclo, que será transmitido ao vivo pelo Portal da Academia e tem o patrocínio da Petrobrás.

Serra corre contra o tempo para entregar obras

DEU EM O GLOBO

Pré-candidato acelera cronograma de eventos, mas Linha 4 do Metrô não deve ficar pronta antes do dia 2 de abril

Tatiana Farah

SÃO PAULO. O governador José Serra (PSDB-SP) está numa corrida contra o tempo. Enquanto seu partido o pressiona para lançar a pré-candidatura à Presidência o mais rapidamente possível, sua agenda é tomada por inaugurações e lançamentos de projetos, que devem ser feitos até o prazo da desincompatibilização do cargo, em 2 de abril.

O tucano ainda esbarra em contratempos. Um deles é a Linha 4 do Metrô: a previsão era inaugurar quatro estações, mas só duas devem ficar prontas.

Para o presidente da Comissão de Obras da Assembleia Legislativa, o deputado petista Simão Pedro, a pressa causa prejuízo para o estado.

É um prejuízo social grande e também financeiro, para o qual ainda não há cálculo.

Desde o ano passado há um apressamento no cronograma de obras. Tudo deve ser feito até março, como se o governo não continuasse a existir em abril queixa-se o petista.

A Linha 4 é a mesma que foi palco de uma tragédia em 2007, com o desabamento das obras da estação de Pinheiros e a morte de sete pessoas.

Naquela ocasião, o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) apontava para erro devido ao apressamento do cronograma.

O que nos deixa indignados é que os mesmos erros do governo Alckmin estão sendo cometidos agora diz Simão.

O governo nega estar correndo para inaugurar as obras, como o Trecho Sul do Rodoanel.

Nele, três vigas de um viaduto despencaram sobre carros em novembro do ano passado, sem vítimas fatais. O laudo do IPT apontou falhas na construção. O trecho tem 61 quilômetros e 132 pontes e viadutos, com custo da ordem de R$ 4,86 bilhões.

Colaborou: Flávio Freire

'Serra não tem piscado. Obras são prioridade'

DEU EM O GLOBO

Governador quer inaugurar o máximo que puder até dia 31

Tatiana Farah e Flávio Freire

SÃO PAULO. O Rodoanel e a Linha 4 do Metrô são as prioridades de inauguração do governador.

O secretário de Trabalho do governo e um dos homens mais ligados a Serra, Guilherme Afif Domingos (DEM), admite que ele está em ritmo apressado: O Serra não tem nem piscado porque essas obras são prioridades do governo dele.

Questionada sobre estar com o pé no acelerador, a Dersa (Desenvolvimento Rodoviário de São Paulo) afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não há pressão do governador.

Porém, revelou que o prazo final do contrato é abril de 2010, mas que a intenção é concluir até o final deste mês: A Dersa trabalha com a previsão de conclusão das obras até o final de março de 2010, informou a empresa.

Já a Linha 4 do metrô acabou tendo mais um aditamento de prazo, em janeiro deste ano. O site do governo apontava que o trecho 1, que compreende as estações entre a região da Faria Lima e da Paulista, seria inaugurado até o final de março. Mas só poderão ficar prontas as próprias Faria Lima e Paulista, ficando para o final do ano as estações Oscar Freire e Fradique Coutinho. Segundo o Metrô, desde 2003, quando foi iniciada a obra, já foram feitos aditivos que somam R$ 199 milhões.

Nova Marginal será inaugurada sem os viadutos Outra obra que o governador deve usar como um de seus símbolos é a Nova Marginal.

De outubro a fevereiro, foram entregues 13,7 quilômetros de faixas da marginal; e o governador quer inaugurar a obra em março, mas ficarão faltando os viadutos. Já no Rodoanel, falta o acesso à cidade de Mauá, no ABC Paulista. O Rodoanel é uma obra que começou no primeiro governo tucano, com o falecido governador Mario Covas.

Serra também tem inaugurado Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs), que fazem parte do programa de saneamento Onda Limpa. As estações estariam sem a ligação de rede das casas. Um exemplo é a ETE de Mongaguá, no litoral. A ETE, já inaugurada, custou R$ 38,3 milhões. A parte mais cara do projeto, no entanto, ainda não foi feita: custarão R$ 112,8 milhões os 189,8 quilômetros de redes coletoras e as 23,7 mil ligações domiciliares.

A agenda de inaugurações do governador foi comentada, indireta e ironicamente, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que disse que havia quem estivesse inaugurando até maquete.

A ironia fazia referência ao evento no qual Serra anunciou a construção da ponte que ligará Santos ao Guarujá. O governador usou uma maquete, e a obra não foi ainda licitada.

Depois do mal-estar causado pela frase, o presidente Lula afirmou, na sexta-feira, que não sabia que o governador havia usado uma maquete e que fez a referência ao tema porque faz parte da política brasileira.

De silêncios e civilização:: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Se Lula fosse presidente em 1939, teria justificado Hitler. Em 1937 Hitler aprovou uma lei que tornava legal prender pessoas por serem judias. Ou seja, se é mesmo para respeitar, como disse Lula, "a Justiça e o governo cubano", ter-se-ia que respeitar também a Justiça e o governo alemão da época.

A observação é de Marcelo Bigal, brasileiro de 40 anos, neuropsiquiatra residente na Pensilvânia, onde é diretor-global de Assuntos Científicos da Merck.

Não se trata de um representante da "direita", essa palavrinha que a esquerda debiloide saca do coldre nas infinitas vezes em que não tem um só argumento para rebater críticas a seus ídolos e prefere, por isso, tentar desqualificar o crítico. Foi militante do PT, sim, senhor, mas saiu desiludido com o que chama de "pallocismo" em sua terra, Ribeirão Preto.

Seu argumento é nítido: "Um presidente não expressa apenas seu pensamento ou joga para a plateia. Ele representa os princípios do povo que o elegeu". No pressuposto de que a maioria dos brasileiros valoriza direitos humanos e a democracia, não há como silenciar em relação a Cuba ou a qualquer outro país que viole tais valores.

Não cabe, portanto, a fuga ensaiada por Marco Aurélio Garcia ao dizer que, às vezes, "a melhor forma de ajudar é não tomar partido". Pode-se, de fato, não tomar partido entre correntes políticas ou entre governos em confronto, mas, entre a civilização e a barbárie, qualquer omissão equivale a tomar o partido da barbárie.

Nem é tão complicado assim: Hillary Clinton, a secretária norte-americana de Estado, disse que a iniciativa israelense de construir novas residências em áreas palestinas "é um sinal profundamente negativo sobre a abordagem de Israel para as relações bilaterais". Tomou partido ou apenas disse o que deveria dizer?

Curiosa psicologia :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Não foi a primeira nem será a última vez que Lula coloca sua imensa popularidade a favor de más ideias e de péssimos atos, numa mistura curiosa e intrigante entre política e psicologia.

Ele disputou cinco eleições e se tornou não só presidente, mas um mito dentro e fora do Brasil: cruzou o país num pau de arara quando criança, não teve educação formal, resistiu à ditadura como sindicalista e se dedica a um país mais justo e a um mundo melhor. Mas defendendo o que sempre condenou? Justificando ditadores que prendem e matam por rotas bandeiras de 40, 50 anos atrás?

O que, afinal, Lula quer conquistar externamente ao desqualificar os manifestantes iranianos (sujeitos a execução sumária) como torcida de time perdedor? Confraternizar alegremente com Fidel justo no dia da morte de um dissidente em greve de fome? Comparar os que resistem à ditadura cubana a criminosos comuns brasileiros?

Não está claro também o que pretende legar internamente ao: trocar risos e abraços com Collor, depois de participar de sua tritura moral; defender o prefeito que bancou jatinho com dinheiro público para ir com mulher, sogra e amigos a Paris no Carnaval; mergulhar de cabeça para salvar Sarney; dizer que "imagens não falam por si" quando elas falavam tudo sobre a crise do DF.

Grandes líderes são amados no seu momento e nas suas circunstâncias, mas não necessariamente sob a perspectiva histórica, despida de calor e de propaganda. Lula parece inebriado com o personagem Lula, que pode falar, fazer e decidir pelo país como lhe vem à telha, com seu coquetel de valores, com o que julga "certo" e "errado".

Mas líderes não são personagens que possam ser reescritos e devem ter profunda noção de responsabilidade, para não embaralhar o "certo" e o"errado" e, assim, a percepção dos liderados e do mundo sobre o país numa área sensível: a dos princípios.

Serra vai se lançar candidato defendendo "Estado ativo"

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Governador já definiu as diretrizes do discurso, que vão incluir conceitos como o de "sociedade influente"

O discurso do governador José Serra (PSDB) para sua campanha à Presidência terá como fio condutor o conceito de "Estado ativo", controlado por uma sociedade capaz de influenciar as decisões públicas.

Essa diretriz fará parte do pronunciamento dele no ato oficial de lançamento da candidatura, previsto para o fim da primeira semana de abril, em Brasília. A exemplo do que fez há três anos, quando tomou posse no governo de São Paulo,

Serra defenderá o que chama de "ativismo governamental" como estratégia para se obter, ao mesmo tempo, desenvolvimento e igualdade social. Além disso, ele pretende enfatizar que a política não é necessariamente uma atividade desonesta.

Salve o Iuperj :: João Guilherme Vargas Netto *

O Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ) está em dificuldades financeiras. Ao longo dos anos esta instituição vinculada à Universidade Cândido Mendes firmou-se como um dos centros brasileiros de excelência em estudos de ciências sociais. São numerosos os intelectuais que, abrigados no Iuperj, deram contribuições significativas para a compreensão da realidade brasileira com uma visão nacional-democrática peculiar do Rio de Janeiro (contrariamente à visão liberal-uspiana ou estatal-campineira, por exemplo).

Um dos mais atualizados estudiosos do movimento sindical, Adalberto Moreira Cardoso, produziu grande parte de sua obra no Iuperj; não posso deixar de citar Wanderley Guilherme dos Santos e Luiz Werneck Vianna, amigos do movimento sindical. Se o Iuperj enfrenta dificuldades merece ser ajudado.

E a maneira que encontro de engrossar a corrente dos que querem ajudar, maneira singela mas sincera, é alardear a importância de um dos últimos trabalhos do Iuperj, realizado apesar da crise.Refiro-me ao Relatório Final elaborado pelo Centro de Estudos de Direito e Sociedade (CEDES) do Instituto sobre "A Constitucionalização da Legislação do Trabalho no Brasil: uma análise da produção normativa entre 1988 e 2008", coordenado por L. Werneck Vianna, Marcelo Bauman Burgos e Paula Salles, publicado em janeiro de 2010.

O estudo foi resultado de um convênio entre o Instituto de Advogados Brasileiros (IAB) e os Cedes e é a mais exaustiva "pesquisa empírica sobre a produção normativa na área do direito do trabalho, especialmente no sentido de se formular uma compreensão do atual estado das artes da legislação trabalhista no Brasil a partir da Constituição de 1988", tendo sido gerado um banco de dados e de informações úteis sobre o tema.

O Relatório é imprescindível para quem estuda o movimento sindical e suas relações institucionais.

* Consultor Sindical de diversas entidades de trabalhadores em São Paulo

o bruxo e o rabugento


Para Lula, "falsos democratas" fazem editoriais

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Da Sucursal de Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou um discurso na noite de quinta-feira para criticar editoriais feitos por quem ele chamou de "falsos democratas".

"De vez em quando é bom ler [editoriais] para a gente ver o comportamento de alguns falsos democratas, que dizem que são democratas, mas que agem querendo que o editorial fosse a única voz pensante no mundo", disse, na 2ª Conferência Nacional de Comunicação.

Na quinta a Folha publicou o editorial "Passou do Limite" que considerou "escandalosa" a declaração de Lula que equiparou presos políticos a comuns ao comentar a greve de fome de um ativista cubano. O "Estado de S. Paulo" publicou no mesmo dia o editorial "A ditadura justificada" sobre o assunto.

Lula citou editoriais da década de 50: "Peguem alguns editoriais de 1953, quando se pensou em criar a Petrobras. O que eles falavam? Que o Brasil não precisava fazer prospecção de petróleo, que aqui não tinha petróleo."

No mesmo discurso, afirmou que o governo resolveu cortar gastos com publicidade nas TVs e que isso despertou "curiosidade". Segundo o presidente, recursos pagaram "apenas a mídia técnica, ou seja, "você vai ganhar pelo que você vale e não pelo que você pensa que vale"".

E concluiu: "Neste país, eles não estavam acostumados a ter um presidente que não precisa almoçar com eles, jantar com eles para governar."

Chopin Waltz Op.64 No.1 "Minute Waltz", Daniel Barenboim

O PIB de cientistas e engenheiros:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Anos de bom crescimento à frente podem minguar devido à baixa produtividade e à falta de cérebros e inovação técnica

O NÚMERO mais comemorado do PIB do trimestre final de 2009 foi o da veloz recuperação do investimento. Isto é, das despesas em fábricas,máquinas, instalações etc. Ainda assim, ano contra ano, 2009 ante 2008,a taxa de investimento caiu quase 10%.

Aparte da renda nacional destinada ao investimento, ao aumento da capacidade produtiva, desceu a 16,7%. Ou seja, praticamente a média medíocre de 1995 a 2006, quando então a economia brasileira começou acrescer mais rápido e com melhor qualidade, investindo mais. No trimestre da explosão da crise, o terceiro de 2008, a taxa de investimento chegara a 20%.

Se perguntarmos a alguns economistas desprevenidos, sem planilhas de estimativas à mão, é possível que, na média, eles digam que o Brasil precisa investir pelo menos 25% do seu produto a fim de crescer a quase 5%, sem inflação e/ou deficit externo excessivo.

Mas sabemos que uma determinada taxa de investimento pode permitir uma gama de taxas de crescimento do PIB, sem efeitos colaterais. O número dependerá de contextos e, provavelmente, da qualidade do investimento, sua dispersão por diversos setores da economia. Incertezas não faltam.

O que faz falta mesmo é discussão sobre como incrementar a qualidade do investimento, sobre a criação de novos setores na economia brasileira, sobre a velocidade do aumento de produtividade. O mercadismo dirá que, mais ou menos livre, o capital encontrará o seu uso eficiente. É?

É verdade que no Brasil o capital costuma ser cerceado pelo Estado (e com gosto, aliás). Mas é certo também que o capital desembestado é capaz de descalabros como os da crise de 2007-2009. Enfim, o setor privado, mais ou menos livre, jamais inventou sozinho um grande negócio, um novo setor, no Brasil. Irmão siamês dessa desambição nacional é o descaso com assuntos como a formação de cientistas e engenheiros. Não diplomamos engenheiros nem para atender a demanda de um par de anos de crescimento, quanto mais para ter massa crítica bastante para inovar. Outra questão relegada é a criação de empresas inovadoras. Há capital para elas? Incentivos? Técnicos bastantes?

Em quase cada discurso dos ditadores chineses há uma menção a metas de formação de cientistas e engenheiros. Aqui, a discussão sobre universidade trata de invasão de reitoria, de polícia, eleição de burocratas, cotas, laboratórios com goteiras ou sem luz. Ou sobre quando tal ou qual faculdade horrível, segundo as notas desses provões, será fechada.

A resposta é "nunca", e é de resto irrelevante. Importante é saber quando abriremos mais escolas excepcionais. Alguém aí se ocupa de saber quem será o ministro da Ciência? Em São Paulo, a fricção entre agroindústria e universidades razoáveis faz com que uma ou outra tese de doutoramento acabe por se tornar o capital inicial de novas empresas. Ou ajudam a expandir negócios de algumas outras, em especial no caso da cana e do álcool. No resto, de grande, há quase só casos históricos: Petrobras, Embraer, Embrapa.

Difícil enxergar tais problemas. Nosso longo histórico de ignorância e anti-intelectualismo, além do vício maníaco do debate apenas macroeconômico, nos antolhou.

País partido:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O Brasil está diante de um conflito federativo por falta de liderança do presidente Lula e falta de reação firme do governador Sérgio Cabral. Agora estão todos contra o Rio e Espírito Santo, numa luta numericamente desigual. Quando Cabral se revoltou contra a emenda Ibsen Pinheiro, Lula disse que ele ficasse quieto, porque tudo se resolveria. Tudo se agravou.

Agora a emenda Ibsen que determina que os royalties do petróleo têm que ser de todos os estados e municípios foi aprovada na Câmara com grande apoio da bancada governista. Sinal de que não usou a incontestável liderança que tem sobre seu partido e sua base para impedir um fato que machuca a Federação, jogando estados contra estados.

O governador do Rio fiou-se no seu aliado, em vez de trabalhar usando a melhor das armas: os argumentos.

O Rio tem bons argumentos e pode fazer boa proposta.

Não precisa ser um ente passivo à espera de uma salvação sebastianista.

Rio e Espírito Santo têm em suas águas territoriais o petróleo que o Brasil extrai: 85% dele estão em águas do Rio, como os minérios estão em Minas e Carajás, no Pará.

Cada estado tem sua riqueza. Há uma diferença que desfavorece o Rio e o Espírito Santo: do petróleo o estado produtor não pode cobrar ICMS. Isso faz com que a atividade petrolífera acabe levando impostos para os cofres de todos os estados. Todos os outros produtos têm ICMS na origem, só petróleo tem o imposto no destino. Isso tira uma receita dos estados produtores e leva impostos valiosos para os cofres de quem consome o produto que sai do Rio.

Os royalties e a participação especial foram pensados para cobrir essa diferença de tratamento. Parte grande dos royalties vão para o governo federal que o redistribui em investimentos e transferências para todos os estados da federação.

Não é que o petróleo só beneficia o Rio.

Beneficia a todos através da União e seus repasses.

O vice-presidente José Alencar, que é mineiro, como eu, diz que aceita que os royalties do minério de ferro sejam incluídos no mesmo sistema federal novo a ser criado para o petróleo. Na verdade, Minas quer uma revisão do sistema de cobrança de impostos porque acha que sobre minério pesa imposto menor do que sobre petróleo. E que a exploração em terra deixa muito mais danos ambientais.

Que se analise os dados e argumentos mineiros, mas que não se use Minas para criar mais uma pressão sobre o Rio. É da natureza e da geografia de Minas unir, e não dividir o país.

Tem razão quem argumenta que a repartição tributária entre os municípios cria situação de grande injustiça.

Municípios limítrofes têm desigualdades inaceitáveis: uns ficam com grande receita, outros, sem nada na mesma área. Tem razão quem pede maior transparência no uso desses recursos pelos municípios.

Os desatinos dos países produtores já nos ensinaram que o petróleo é uma riqueza temporária que traz prejuízos permanentes; é uma abundância que divide e cria conflitos; é uma dádiva que pode virar maldição. A ciência nos ensinou, mais recentemente, o custo dos combustíveis fósseis para os destinos do planeta.

Com isso em mente, é preciso que a arrecadação dos impostos tenha aplicações certas para determinadas áreas: que se aplique na criação de um futuro de prosperidade mais permanente, proteção contra os danos ambientais provocados pelos combustíveis fósseis, promoção de menos desigualdade.

Isso se faz com mais transparência e prestação de contas no uso dos recursos pelos estados e municípios produtores, e não com mais um golpe de federalizar o que é do estado, e não com mais concentração de receita na voraz União.

O novo modelo do pré-sal já vai tirar dos estados produtores a participação especial.

Os bilhões de barris de petróleo que serão destinados à Petrobras, ou os outros que serão explorados por outras companhias no novo sistema de partilha, não recolherão um centavo de participação especial ao Rio ou Espírito Santo, ou São Paulo ou Sergipe. Já é uma perda grande imposta pelas mudanças no modelo de exploração criado por meia dúzia de cabeças de poucos neurônios no gabinete presidencial, e enfiadas goela abaixo do país pelo rolo compressor da base governista.

O presidente Lula tem liderança sobre essa base.

Quando quer.

Em ano eleitoral, o governo criou uma guerra federativa em que oferece a 24 estados o eldorado de tirar recursos de outros dois. O resultado da disputa já está numericamente determinado de antemão. O ambiente se presta aos sofismas e manipulações demagógicas, do tipo a riqueza é do Brasil, e não do Rio. Isso atiça a sanha de oportunistas de outros partidos.

O político, há longo tempo sem mandato e bandeira, Orestes Quércia, já disse que mobilizará os municípios para forçar a aprovação da emenda.

O presidente Lula foi ambíguo durante toda a discussão.

Agora, seu líder na Câmara disse que o presidente vetará. É de se duvidar, mas se vetar, a mesma maioria, que ele comanda apenas quando quer, pode derrubar o veto. Restará ao Rio e Espírito Santo uma desgastante briga judicial.

Uma federação se constrói com equilíbrio, com a sensação de que cada estado tem a ganhar com a união de todos. A Federação brasileira já tem imperfeições demais, concentração tributária excessiva, desigualdades.

Não é sensato que um governante crie, por razões eleitoreiras, uma fratura desta magnitude, em que a maioria imporá a dois estados a força da superioridade numérica. No fim, restará, em frangalhos, o princípio de que não se rasga contratos. O pior será a cicatriz na Federação.

O QUE PENSA A MÍDIA

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Inaugurando o PAC

Doleiro liga Vaccari a mensalão

DEU EM O GLOBO

Um doleiro ouvido pela Procuradoria Geral da República na investigação do mensalão acusou o atual tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, de arrecadar dinheiro para o esquema.

Vaccari arrecadava para mensalão, diz revista

Doleiro beneficiado por delação premiada teria acusado tesoureiro petista de abastecer caixa dois do partido

SÃO PAULO e BRASÍLIA. Uma testemunha ouvida pela Procuradoria Geral da República nas investigações do mensalão do PT citou, como envolvido no esquema, o tesoureiro do partido, João Vaccari Neto. A informação consta de reportagem publicada na última edição da revista Veja. Vaccari é alvo de investigação do Ministério Público sobre supostos desvios de recursos na Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), da qual é presidente licenciado.

Segundo a reportagem, o doleiro Lúcio Funaro, envolvido no mensalão, disse que Vaccari, à época diretor da Bancoop, intermediava operações entre fundos de pensão de estatais (como Previ, do Banco do Brasil, e Petros, da Petrobras) e bancos privados, dos quais cobrava comissões.

Isso serviria para alimentar o mensalão revelado em 2005 esquema pelo qual o PT utilizaria recursos de caixa 2 para pagar propina a deputados da base aliada. Os recursos arrecadados o pedágio cobrado por Vaccari variava de 6% a 15% do valor dos aportes dos fundos nos bancos, segundo Funaro abasteciam o caixa dois do PT.

Para livrar-se de acusações de fraudes, Funaro teria feito, em 2005, acordo de delação premiada com a procuradoria. Segundo a revista, ele contou ter se encontrado na Bancoop com Vaccari e o ex-deputado Valdemar Costa Neto, réu do mensalão.

Vaccari diz que objetivo das denúncias é atingir PT Segundo o doleiro, Vaccari agia em parceria com o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, sob o comando do chefe da Casa Civil, José Dirceu.

Em nota ontem, Vaccari, que tem se recusado a falar das investigações sobre a Bancoop, nega as acusações feitas por Funaro e acusa a revista Veja de usá-lo para atingir o PT. Segundo ele, a acusação de Funaro não tem a mínima consistência, tanto que o Ministério Público não tomou qualquer medida contra ele a partir dos seus depoimentos, tomados em 2005.

Passados cinco anos, nunca fui chamado para prestar esclarecimentos ao Ministério Público federal. Nem mesmo fui informado da existência ou do teor desse depoimento. O MP não propôs ação contra mim, nenhuma denúncia foi apresentada diz Vaccari na nota divulgada pela Executiva do PT.

Ontem o jornal Folha de S.Paulo publicou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestará depoimento no processo do mensalão do PT dizendo que foi alertado sobre a existência do esquema antes de ele vir à tona. Lula já havia dito publicamente que o aviso foi dado e que pediu providências a Aldo Rebelo (PCdoB-SP), então ministro de Relações Institucionais, e Arlindo Chinaglia (PT-SP), que era líder do governo na Câmara em 2005. Nos bastidores do Supremo, a avaliação é que não haverá nenhuma mudança no curso do processo se Lula realmente der esse depoimento, porque as providências supostamente pedidas foram tomadas: o STF abriu inquérito para apurar o esquema, conforme pedido feito pelo Ministério Público Federal, o órgão com poderes para isso.

A oposição quer aguardar a oficialização do depoimento de Lula, mas adianta que ele pode trazer uma revelação grave.

Se o presidente confirmar aquilo que negou antes, será inexplicável e comprometedor insistiu o presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE).

A casa caiu

DEU NA REVISTA VEJA

O Ministério Público quebra sigilo da Bancoop e descobre que dirigentes da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo lesaram milhares de associados, para montar um esquema de desvio de dinheiro que abasteceu a campanha de Lula em 2002 e encheu os bolsos de dirigentes do PT. Eles sacaram ao menos 31 milhões de reais na boca do caixa

Laura Diniz

Depois de quase três anos de investigação, o Ministério Público de São Paulo finalmente conseguiu pôr as mãos na caixa-preta que promete desvendar um dos mais espantosos esquemas de desvio de dinheiro perpetrados pelo núcleo duro do Partido dos Trabalhadores: o esquema Bancoop. Desde 2005, a sigla para Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo virou um pesadelo para milhares de associados. Criada com a promessa de entregar imóveis 40% mais baratos que os de mercado, ela deixou, no lugar dos apartamentos, um rastro de escombros. Pelo menos 400 famílias movem processos contra a cooperativa, alegando que, mesmo tendo quitado o valor integral dos imóveis, não só deixaram de recebê-los como passaram a ver as prestações se multiplicar a ponto de levá-las à ruína (veja depoimentos abaixo). Agora, começa-se a entender por quê.

Na semana passada, chegaram às mãos do promotor José Carlos Blat mais de 8 000 páginas de registros de transações bancárias realizadas pela Bancoop entre 2001 e 2008. O que elas revelam é que, nas mãos de dirigentes petistas, a cooperativa se transformou num manancial de dinheiro destinado a encher os bolsos de seus diretores e a abastecer campanhas eleitorais do partido. "A Bancoop é hoje uma organização criminosa cuja função principal é captar recursos para o caixa dois do PT e que ajudou a financiar inclusive a campanha de Lula à Presidência em 2002." Na sexta-feira, o promotor pediu à Justiça o bloqueio das contas da Bancoop e a quebra de sigilo bancário daquele que ele considera ser o principal responsável pelo esquema de desvio de dinheiro da cooperativa, seu ex-diretor financeiro e ex-presidente João Vaccari Neto. Vaccari acaba de ser nomeado o novo tesoureiro do PT e, como tal, deve cuidar das finanças da campanha eleitoral de Dilma Rousseff à Presidência.

Um dos dados mais estarrecedores que emergem dos extratos bancários analisados pelo MP é o milionário volume de saques em dinheiro feitos por meio de cheques emitidos pela Bancoop para ela mesma ou para seu banco: 31 milhões de reais só na pequena amostragem analisada. O uso de cheques como esses é uma estratégia comum nos casos em que não se quer revelar o destino do dinheiro. Até agora, o MP conseguiu esquadrinhar um terço das ordens de pagamento do lote de trinta volumes recebidos. Metade desses documentos obedecia ao padrão destinado a permitir saques anônimos. Já outros cheques encontrados, totalizando 10 milhões de reais e compreendidos no período de 2003 a 2005, tiveram destino bem explícito: o bolso de quatro dirigentes da cooperativa, o ex-presidente Luiz Eduardo Malheiro e os ex-diretores Alessandro Robson Bernardino, Marcelo Rinaldo e Tomas Edson Botelho Fraga – os três primeiros mortos em um acidente de carro em 2004 em Petrolina (PE). Eles eram donos da Germany Empreiteira, cujo único cliente conhecido era a própria Bancoop. Segundo o engenheiro Ricardo Luiz do Carmo, que foi responsável por todas as construções da cooperativa, as notas emitidas pela Germany para a Bancoop eram superfaturadas em 20%. A favor da empreiteira, no entanto, pode-se dizer que ela ao menos existia de fato. De acordo com a mesma testemunha, não era o caso da empresa de "consultoria contábil" Mizu, por exemplo, pertencente aos mesmos dirigentes da Bancoop e em cuja contabilidade o MP encontrou, até o momento, seis saídas de dinheiro referentes ao ano de 2002 com a rubrica "doação PT", no valor total de 43 200 reais. Até setembro do ano passado, a lei não autorizava cooperativas a fazer doações eleitorais.

Outro frequente agraciado com cheques da Bancoop tornou-se nacionalmente conhecido na esteira de um dos últimos escândalos que envolveram o partido. Freud "Aloprado" Godoy – ex-segurança das campanhas do presidente Lula, homem "da cozinha" do PT e um dos pivôs do caso da compra do falso dossiê contra tucanos na campanha de 2006 – recebeu, por meio da empresa que dirigia até o ano passado, onze cheques totalizando 1,5 milhão de reais, datados entre 2005 e 2006. Nesse período, a Caso Sistemas de Segurança, nome da sua empresa, funcionava no número 89 da Rua Alberto Frediani, em Santana do Parnaíba, segundo registro da Junta Comercial. Vizinhos dizem que, além da placa com o nome da firma, nada indicava que houvesse qualquer atividade por lá. O único funcionário visível da Caso era um rapaz que vinha semanalmente recolher as correspondências num carro popular azul. Hoje, a Caso se transferiu para uma casa no município de Santo André, na região do ABC.

Depoimentos colhidos pelo MP ao longo dos últimos dois anos já atestavam que o dinheiro da Bancoop havia servido para abastecer a campanha petista de 2002 que levou Lula à Presidência da República (veja o quadro). VEJA ouviu uma das testemunhas, Andy Roberto, que trabalhou como segurança da Bancoop e de Luiz Malheiro entre 2001 e 2005. Em depoimento ao MP, Roberto afirmou que Malheiro, o ex-presidente morto da Bancoop, entregava envelopes de dinheiro diretamente a Vaccari, então presidente do Sindicato dos Bancários e indicado como o responsável pelo recolhimento da caixinha de campanha de Lula. Em entrevista a VEJA, Roberto não repetiu a afirmação categoricamente, mas disse estar convicto de que isso ocorria e relatou como, mesmo depois da eleição de Lula, entre 2003 e 2004, quantias semanais de dinheiro continuaram saindo de uma agência Bradesco do Viaduto do Chá, centro de São Paulo, supostamente para o Sindicato dos Bancários, então presidido por Vaccari. "A gente ia no banco e buscava pacotes, duas pessoas escoltando uma terceira." Os pacotes, afirmou, eram entregues à secretária de Luiz Malheiro, que os entregava ao chefe. "Quando essas operações aconteciam, com certeza, em algum horário daquele dia, o Malheiro ia até o Sindicato dos Bancários. Ou, então, se encontrava com o Vaccari em algum lugar."

Os depoimentos colhidos pelo MP indicam que o esquema de desvio de dinheiro da Bancoop obedeceu a uma trajetória que já se tornou um clássico petista. Começou para abastecer campanhas eleitorais do partido e acabou servindo para atender a interesses particulares de petistas. Entre os cheques em poder do MP, por exemplo, está um em que a empresa Mizu, de "consultoria contábil", doa 7 000 reais a um certo Centro Espírita Redenção, em 2003. Muitas vezes, dirigentes da Bancoop nem se preocuparam em usar as empresas "prestadoras de serviços" que montaram com o objetivo de sugar a coo-perativa para esconder sua ganância. O MP encontrou quatro cheques da Bancoop, totalizando 35 000 reais, para uma ONG de Luiz Malheiro em São Vicente dedicada a deficientes auditivos – curiosamente, o mesmo endereço do centro espírita. Os cheques foram emitidos entre novembro de 2003 e março de 2005.

Tanta lambança, aliada a uma gestão ruinosa, fez com que a Bancoop mergulhasse num estado de pré-liquidação. Em 2004, com Lula já eleito, Luiz Malheiro foi pedir ao "chefe" Berzoini, então ministro do Trabalho, "ajuda" para reerguer a cooperativa. Quem relatou o episódio ao MP foi seu irmão, Hélio Malheiro. Em 2008, dizendo-se sob ameaça de morte, Hélio Malheiro ingressou no Programa de Proteção à Testemunhas da secretaria estadual de justiça de São Paulo, no qual se encontra até hoje. Em dezembro de 2004, depois que Luiz Malheiro já havia morrido, a "ajuda" chegou à Bancoop. Com apoio de Berzoini e corretagem da Planner (investigada pela CPI dos Correios sob a acusação de ter causado um prejuízo de 4 milhões de reais ao fundo de pensão da Serpro), a cooperativa associou-se a um Fundo de Investimentos em Direito Creditórios (FIDC), entidade que negocia recebíveis, e captou 43 milhões de reais no mercado – 85% dos papéis foram adquiridos por fundos de pensão de estatais controlados por petistas ligados ao grupo de Berzoini e Vaccari. O investimento resultou na abertura de um inquérito pela Polícia Federal por suspeita de que os fundos de pensão teriam sido prejudicados para favorecer a Bancoop.

João Vaccari Neto é do tipo que se orgulha de ser chamado de "um petista histórico", o que, no jargão do partido, significa, entre outras coisas, que ganhou boa parte da vida dirigindo entidades de classe e do partido. Aos 19 anos, começou a trabalhar como escriturário do Banespa. Ficou lá apenas dois anos. Depois disso, entrou no sindicato de sua categoria e nunca mais pegou no pesado. Participou de três diretorias da Central Única dos Trabalhadores (CUT), foi secretário de relações internacionais da entidade e presidiu o Dieese. Atuou sempre como braço de apoio de Berzoini, a quem sucedeu na presidência do Sindicato dos Bancários de São Paulo em 1998. Apesar de não ter a projeção política do amigo, Vaccari conquistou a amizade de Lula, coisa que Berzoini jamais conseguiu obter. Vaccari, como mostra agora a investigação do MP, tem mais em comum com seu antecessor, Delúbio Soares, do que a barba grisalha. E, como Freud Godoy, está mergulhado até os últimos e ralos fios de cabelo no escândalo dos aloprados (veja o quadro abaixo).

Há duas semanas, um juiz de primeira instância contrariou de-cisão do Tribunal Superior Eleitoral e determinou a cassação do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, por suposto recebimento ilegal de doação de campanha. A sentença, que colocou em risco a segurança jurídica, foi suspensa. Na semana passada, o TSE divulgou as regras que vão orientar as eleições deste ano. São medidas moralizadoras, que incluem a obrigatoriedade da divulgação de quaisquer processos ou acusações criminais que pesem sobre o candidato e que dificultam manobras de doadores que tenham por finalidade esconder a origem do dinheiro. Tudo isso mostra quanto o país está interessado em aprimorar seu sistema de financiamento eleitoral e proteger-se dos efeitos tão deletérios como conhecidos que sua distorção pode causar. Ao indicar pessoalmente alguém com o prontuário de João Vaccari para tomar conta das finanças do PT e da campanha eleitoral de Dilma Rousseff, o presidente Lula sinaliza que, ao contrário do resto do Brasil, não está nem um pouco empenhado em colaborar na faxina.

Uma pergunta que continua no ar

Quem deu o dinheiro para o dossiê dos aloprados? Entre os envolvidos, Vaccari era o único sentado numa montanha de reais

João Vaccari Neto e Freud Godoy, envolvidos agora no esquema Bancoop, já atuaram juntos em passado recente. Pelo menos é o que sugere o registro dos telefonemas trocados pela dupla às vésperas do estouro do escândalo dos "aloprados" – como ficaram conhecidos os petistas apontados pela Polícia Federal como integrantes da quadrilha que tentou comprar um dossiê supostamente comprometedor para tucanos durante a campanha presidencial de 2006. No caso de Vaccari, então presidente da Bancoop, os vestígios de participação no caso guardam cheiro de tinta fresca. Foi para ele que Hamilton Lacerda – na ocasião coordenador de comunicação da campanha do senador Aloizio Mercadante – telefonou uma hora antes de fazer a entrega de parte do 1,7 milhão de reais que seria usado para comprar o dossiê.

O episódio teve início quando a família de Luiz Antônio Vedoin, chefe da máfia dos sanguessugas, ofereceu a petistas documentos que supostamente comprometeriam tucanos. Deles, faria parte uma entrevista em que os Vedoin acusariam o candidato do PSDB, José Serra, de envolvimento na máfia que distribuía dinheiro a políticos em troca de emendas ao Orçamento para compras de ambulância. Ricardo Berzoini, então presidente do PT, foi acusado de ter dado a autorização para a compra do dossiê. Valdebran Padilha da Silva, filiado ao PT do Mato Grosso, e Gedimar Pereira Passos, advogado e ex-policial federal, seriam os encarregados de pagar os Vedoin com o dinheiro levado por Hamilton Lacerda. Valdebran e Gedimar foram presos pela PF num hotel Íbis, em São Paulo, depois de terem recebido o dinheiro de Lacerda e antes de entregá-lo aos Vedoin. Jorge Lorenzetti, churrasqueiro do presidente Lula, e Oswaldo Bargas, ex-secretário de Berzoini no Ministério do Trabalho, também estiveram envolvidos no episódio. Eles tentaram negociar com a revista Época uma entrevista em que os Vedoin fariam falsas acusações de corrupção contra Serra. A entrevista acabou sendo publicada pela revista Istoé.

Nas investigações que se seguiram à prisão de Valdebran e Gedimar, a PF identificou uma intensa troca de telefonemas entre os envolvidos, incluindo diversas ligações de Berzoini para a empresa Caso Sistemas de Segurança, hoje em nome da mulher de Freud Godoy. Godoy seria o contato de Gedimar no alto escalão do PT. Quanto a Vaccari, bem, até onde se sabe, era o único dos aloprados que estava sentado sobre uma montanha de dinheiro, a Bancoop. O fato de Hamilton Lacerda ter ligado para ele logo depois de ter cumprido a sua missão faz fervilhar a imaginação dos que até hoje se perguntam: de onde, afinal, veio o dinheiro dos aloprados?

O pedágio do PT

DEU NA REVISTA VEJA

Além de desviar dinheiro da Bancoop, o tesoureiro do partido arrecadava dinheiro para o caixa do mensalão cobrando propina

Alexandre Oltramari e Diego Escosteguy

O novo tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, é uma peça mais fundamental do que parece nos esquemas de arrecadação financeira do partido. Investigado pelo promotor José Carlos Blat por suspeita de estelionato, apropriação indébita, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha no caso dos desvios da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), Vaccari é também personagem, ainda oculto, do maior e mais escandaloso caso de corrupção da história recente do Brasil: o mensalão - o milionário esquema de desvio de dinheiro público usado para abastecer campanhas eleitorais do PT e corromper parlamentares no Congresso. O mensalão produziu quarenta réus ora em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Entre eles não está Vaccari. Ele parecia bagrinho no esquema. Pelo que se descobriu agora, é um peixão. Em 2003, enquanto cuidava das finanças da Bancoop, João Vaccari acumulava a função de administrador informal da relação entre o PT e os fundos de pensão das empresas estatais, bancos e corretoras. Ele tocava o negócio de uma maneira bem peculiar: cobrando propina. Propina que podia ser de 6%, de 10% ou até de 15%, dependendo do cliente e do tamanho do negócio. Uma investigação sigilosa da Procuradoria-Geral da República revela, porém, que 12% era o número mágico para o tesoureiro - o porcentual do pedágio que ele fixava como comissão para quem estivesse interessado em se associar ao partido para saquear os cofres públicos.

A revelação do elo de João Vaccari com o escândalo que produziu um terremoto no governo federal está em uma série de depoimentos prestados pelo corretor Lúcio Bolonha Funaro, considerado um dos maiores especialistas em cometer fraudes financeiras do país. Em 2005, na iminência de ser denunciado como um dos réus do processo do mensalão, Funaro fez um acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República. Em troca de perdão judicial para seus crimes, o corretor entregou aos investigadores nomes, valores, datas e documentos bancários que incriminam, em especial, o deputado paulista Valdemar Costa Neto, do PR, réu no STF por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Em um dos depoimentos, ao qual VEJA teve acesso, Lúcio Funaro também forneceu detalhes inéditos e devastadores da maneira como os petistas canalizavam dinheiro para o caixa clandestino do PT. Apresentou, inclusive, o nome do que pode vir a ser o 41º réu do processo que apura o mensalão - o tesoureiro João Vaccari Neto. "Ele (Vaccari) cobra 12% de comissão para o partido", disse o corretor em um relato gravado pelos procuradores.

Em cinco depoimentos ao Ministério Público Federal que se seguiram, Funaro forneceu outras informações comprometedoras sobre o trabalho do tesoureiro encarregado de cuidar das finanças do PT:

Entre 2003 e 2004, no auge do mensalão, João Vaccari Neto era o responsável pelo recolhimento de propina entre interessados em fazer negócios com os fundos de pensão de empresas estatais no mercado financeiro.

O tesoureiro concentrava suas ações e direcionava os investimentos de cinco fundos - Previ (Banco do Brasil), Funcef (Caixa Econômica), Nucleos (Nuclebrás), Petros (Petrobras) e Eletros (Eletrobrás) -, cujos patrimônios, somados, chegam a 190 bilhões de reais.

A propina que ele cobrava variava entre 6% e 15%, dependendo do tipo de investimento, do valor do negócio e do prazo.

O dinheiro da propina era carreado para o caixa clandestino do PT, usado para financiar as campanhas do partido e subornar parlamentares.

João Vaccari agia em parceria com o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares e sob o comando do ex-ministro José Dirceu, réu no STF sob a acusação de chefiar o bando dos quarenta.

Lúcio Funaro contou aos investigadores o que viu, ouviu e como participou. Os destinos de ambos, Funaro e Vaccari, se cruzaram nas trilhas subterrâneas do mensalão. Eram os últimos meses de 2004, tempos prósperos para as negociatas da turma petista liderada por José Dirceu e Delúbio Soares. As agências de publicidade de Marcos Valério, o outro ponta de lança do esquema, recebiam milhões de estatais e ministérios - e o BMG e o Rural, os bancos que financiavam a compra do Congresso, faturavam fortunas com os fundos de pensão controlados por tarefeiros do PT. Naquele momento, Funaro mantinha uma relação lucrativa com Valdemar Costa Neto. Na campanha de 2002, o corretor emprestara ao deputado 3 milhões de reais, em dinheiro vivo. Pela lógica que preside o sistema político brasileiro, Valdemar passou a dever-lhe 3 milhões de favores. O deputado, segundo o relato do corretor, foi cobrar esses favores do PT. É a partir daí que começa a funcionar a engrenagem clandestina de fabricação de dinheiro. O deputado detinha os contatos políticos; o corretor, a tecnologia financeira para viabilizar grandes negociatas. Combinação perfeita, mas que, para funcionar, carecia de um sinal verde de quem tinha o comando da máquina. Valdemar procurou, então, Delúbio Soares, lembrou-lhe a ajuda que ele dera à campanha de Lula e pediu, digamos, oportunidades. De acordo com o relato do corretor, Delúbio indicou João Vaccari para abrir-lhe algumas portas.

Para marcar a primeira conversa com Vaccari, Funaro ligou para o celular do sindicalista. O encontro, com a presença do deputado Costa Neto, deu-se na sede da Bancoop em São Paulo, na Rua Líbero Badaró. Na conversa, Vaccari contou que cabia a ele intermediar operações junto aos maiores fundos de pensão - desde que o interessado pagasse um "porcentual para o partido (PT)", taxa que variava entre 6% e 15%, dependendo do tipo de negócio, dos valores envolvidos e do prazo. E foi didático: Funaro e Valdemar deveriam conseguir um parceiro e uma proposta de investimento. Em seguida, ele se encarregaria de determinar qual fundo de pensão se encaixaria na operação desejada. O tesoureiro adiantou que seria mais fácil obter negociatas na Petros ou na Funcef. Referindo-se a Delúbio sempre como "professor", Vaccari explicou que o PT havia dividido o comando das operações dos fundos de pensão. O petista Marcelo Sereno, à época assessor da Presidência da República, cuidava dos fundos pequenos. Ele, Vaccari, cuidava dos grandes. O porcentual cobrado pelo partido, entre 6% e 15%, variava de acordo com o tipo do negócio. Para investimentos em títulos de bancos, os chamados CDBs, nicho em que o corretor estava interessado, a "comissão" seria de 12%. Funaro registrou a proposta na memória, despediu-se de Vaccari e foi embora acompanhado de Costa Neto.

Donos de uma fortuna equivalente à dos Emirados Árabes, os fundos de pensão de estatais são alvo da cobiça dos políticos desonestos graças à facilidade com que operadores astutos, como Funaro, conseguem desviar grandes somas dando às operações uma falsa aparência de prejuízos naturais impostos por quem se arrisca no mercado financeiro. A CPI dos Correios, que investigou o mensalão em 2006, demonstrou isso de maneira cabal. Com a ajuda de técnicos, a comissão constatou que os fundos foram saqueados em operações fraudulentas que beneficiavam as mesmas pessoas que abasteciam o mensalão. Funaro chegou a insinuar a participação de João Vaccari no esquema em depoimento à CPI, em março de 2006. Disse que Vaccari era operador do PT em fundos de pensão, mas que, por ter sabido disso por meio de boatos no mercado financeiro, não poderia se estender sobre o assunto. Sabe-se, agora, que, na ocasião, ele contou apenas uma minúscula parte da história.

A história completa já havia começado a ser narrada sete meses antes a um grupo de procuradores da República do Paraná. Em agosto de 2005, emparedado pelo Ministério Público Federal por causa de remessas ilegais de 2 milhões de dólares ao exterior, Funaro propôs delatar o esquema petista em troca de perdão judicial. "Vou dar a vocês o cara do Zé Dirceu. O Marcelo Sereno faz operação conta-gotas que enche a caixa-d"água todo dia para financiar operações diárias. Mas esse outro aqui, ó, o nome dele nunca saiu em lugar nenhum. Ele faz as coisas mais volumosas", disse Funaro, enquanto escrevia o nome "Vaccari", em uma folha branca, no alto de um organograma. Um dos procuradores quis saber como o PT desviava dinheiro dos fundos. "Tiram dinheiro muito fácil. Rural, BMG, Santos... Tirando os bancos grandes, quase todos têm negócio com ele", disse. O corretor explicou aos investigadores que se cobrava propina sobre todo e qualquer investimento. "Sempre que um fundo compra CDBs de um banco, tem de pagar comissão a eles (PT)", explicou. "Vou dar provas documentais. Ligo para ele (Vaccari) e vocês gravam. Depois, é só ver se o fundo de pensão comprou ou não os CDBs do banco."

O depoimento de Funaro foi enviado a Brasília em dezembro de 2005, e o STF aceitou transformá-lo formalmente em réu colaborador da Justiça. Parte das informações passadas foi usada para fundamentar a denúncia do mensalão. A outra parte, que inclui o relato sobre Vaccari, ainda é guardada sob sigilo. VEJA não conseguiu descobrir se Funaro efetivamente gravou conversas com o tesoureiro petista, mas sua ajuda em relação aos fundos foi decisiva. Entre 2003 e 2004, os três bancos citados pelo corretor - BMG, Rural e Santos - receberam 600 milhões de reais dos fundos de pensão controlados pelo PT. Apenas os cinco fundos sob a influência do tesoureiro aplicaram 182 milhões de reais em títulos do Rural e do BMG, os principais financiadores do mensalão, em 2004. É um volume 600% maior que o do ano anterior e 1 650% maior que o de 2002, antes de o PT chegar ao governo. As investigações da polícia revelaram que os dois bancos "emprestaram" 55 milhões de reais ao PT. É o equivalente a 14,1% do que receberam em investimentos - portanto, dentro da margem de propina que Funaro acusa o partido de cobrar (entre 6% e 15%). Mas, para os petistas, isso deve ser somente uma coincidência...

Desde que começou a negociar a delação premiada com a Justiça, Funaro prestou quatro depoimentos sigilosos em Brasília. O segredo em torno desses depoimentos é tamanho que Funaro guarda cópia deles num cofre no Uruguai. "Se algo acontecer comigo, esse material virá a público e a República cairá", ele disse a amigos. Hoje, aos 35 anos, Funaro, formado em economia e considerado até por seus desafetos um gênio do mundo financeiro, é um dos mais ricos e ladinos investidores do país. Sabe, talvez como ninguém no Brasil, tirar proveito das brechas na bolsa de valores para ganhar dinheiro em operações tão incompreensíveis quanto lucrativas. O corretor relatou ao Ministério Público que teve um segundo encontro com Vaccari, sempre seguindo orientação do "professor Delúbio", no qual discutiu um possível negócio com a Funcef, mas não forneceu mais detalhes nem admitiu se as tratativas deram certo.

VEJA checou os extratos telefônicos de Delúbio remetidos à CPI dos Correios e descobriu catorze ligações feitas pelo "professor" a Vaccari no mesmo período em que se davam as negociações entre Funaro e o guardião dos fundos de pensão. O que o então tesoureiro do PT tinha tanto a conversar com o dirigente da cooperativa? É possível que Funaro tenha mentido sobre os encontros com Vaccari? Em tese, sim. Pode haver motivos desconhecidos para isso. Trata-se, contudo, de uma hipótese remotíssima. Quando fez essas confissões aos procuradores, Vaccari parecia ser um personagem menor do submundo petista. "Os procuradores só queriam saber do Valdemar, e isso já lhes dava trabalho suficiente", revelou Funaro a amigos, no ano passado. As investigações que se seguiram demonstraram que Funaro dizia a verdade. Seus depoimentos, portanto, ganharam em credibilidade. Foram aceitos pela criteriosa Procuradoria-Geral da República como provas fundamentais para incriminar a quadrilha do mensalão. Muitos tentaram, inclusive o lobista Marcos Valério, mas apenas Funaro virou réu-colaborador nesse caso. Isso significa que ele apresentou provas documentais do que disse, não mentiu aos procuradores e, sobretudo, continua à disposição do STF para ajudar nas investigações. Em contrapartida, receberá uma pena mais branda no fim do processo - ou será inocentado.

Durante a semana, Vaccari empenhou-se em declarar que, no caso Bancoop, ele e outros dirigentes da cooperativa são inocentes e que culpados são seus acusadores e suas vítimas. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o tesoureiro do PT disse que o MP agiu "para sacanear" e que os 31 milhões de reais sacados na boca do caixa pela Bancoop teriam sido "movimentações interbancárias". Os documentos resultantes da quebra do sigilo bancário da entidade mostram coisa diferente. Entre os cheques emitidos pela Bancoop para ela mesma ou para seu banco, o Bradesco, "a imensa maioria", segundo o MP, continha o código "SQ21" - que quer dizer saque. Algumas vezes aparecia a própria palavra escrita no verso (veja reproduções). Se, a partir daí, o dinheiro sacado foi colocado em uma mala, usado para fazer pagamentos, ou depositado em outras contas, não se sabe. A maioria dos cheques nominais ao banco (que também permitem movimentação na boca do caixa) não continha informações suficientes para permitir a reconstituição do seu percurso, afirma o promotor Blat. "De toda forma, fica evidente que se tratou de uma manobra para dificultar ou evitar o rastreamento do dinheiro", diz ele.

Na tentativa de inocentar-se, o tesoureiro do PT distribuiu culpas. Segundo ele, os problemas de caixa da cooperativa se deveram ao comportamento de cooperados que sabiam que os preços iniciais dos imóveis eram "estimados" e "não quiseram pagar" a diferença depois que foram constatados "erros de cálculo" nas estimativas. Ele só omitiu que, em muitos casos, os "erros de cálculo" chegaram a valores correspondentes a 50% do preço inicial do apartamento. Negar evidências e omitir fraudes. Essa é a lei da selva na política. Até quando?

Cheques à moda petista

VEJA obteve imagens de cheques que mostram a suspeitíssima movimentação bancária da Bancoop. O primeiro, no valor de 50 000 reais, além de exibir a palavra "saque" no verso, traz o código SQ21, que tem o mesmo significado (saque) e se repete na maioria dos cheques emitidos pela Bancoop para ela mesma. O segundo destina-se à empresa Caso Sistemas de Segurança, do "aloprado" Freud Godoy, e pertence a uma série que até agora já soma 1,5 milhão de reais. O terceiro mostra repasse da Germany para o PT, em ano de eleição. A Germany, empresa de ex-dirigentes da Bancoop, tinha como único cliente a própria cooperativa

Empreitadas-fantasma

Um empreiteiro de 46 anos que prestou serviços à Bancoop por dez anos repetiu à repórter Laura Diniz as acusações que passou oficialmente ao promotor do caso Bancoop. O empreiteiro conta como emitiu notas frias a pedido dos diretores da cooperativa, e ouviu que o dinheiro desviado seria destinado às campanhas de Lula à Presidência, em 2002, e de Marta Suplicy à prefeitura de São Paulo, em 2004

Qual foi a primeira vez que a Bancoop pediu notas frias ao senhor?

Quando o Lula era candidato a presidente. O Ricardo (o engenheiro Ricardo Luiz do Carmo, responsável pelas construções da Bancoop) dizia que eram para a campanha. Nunca me forçaram a nada, mas, se você não fizesse isso, se queimava. A primeira nota fria que dei foi de 2 000 reais por um serviço que não fiz em um prédio no Jabaquara. A Bancoop precisava assinar a nota para liberar o pagamento. Quando era fria, liberavam de um dia para o outro. Notas normais demoravam de dez a quinze dias para sair.

Quantas notas frias o senhor deu?

Entre 2001 e 2004, dei 15 000 reais em notas frias à Bancoop. Isso, só eu. Em 2004, havia pelo menos uns 150 empreiteiros trabalhando para a cooperativa. Eles diziam com todas as letras que o dinheiro era para as campanhas do Lula e da Marta e ainda pediam para votar no Lula. Falavam que se ele ganhasse teríamos serviço para a vida inteira. Até disse aos meus empregados para votar nele.

O que o senhor sabe sobre a Germany?

Sei que eles ganharam muito dinheiro. Um dia, ouvi o Luiz Malheiro, o Alessandro Bernardino e o Marcelo Rinaldi (donos da Germany e dirigentes da Bancoop) festejando porque o lucro do mês era de 500 000 reais. Eles estavam bebendo uísque e comemorando num dia à tarde, na sede da Bancoop.

Mais vítimas da Bancoop

"SE EU PAGAR MAIS, NÃO COMO"

"Eu e meu marido já colocamos todas as nossas economias no apartamento que compramos da Bancoop, mas as cobranças adicionais nunca param de chegar. Já gastamos 90 000 reais, eles querem mais 40 000. Paramos de pagar. Se pagar, não como. Eu me sinto revoltada e humilhada. Tenho muito medo de perder tudo."

Tânia Santos Rosa, 38 anos, ex-bancária

"TENHO 68 ANOS E MORO DE FAVOR"

"Comprei um apartamento em São Paulo, paguei os 78 000 do contrato, mas só ergueram duas das três torres prometidas. A minha parou no meio. Eles queriam mais 30 000 reais, mas eu não tinha mais de onde tirar dinheiro. Queria jogar uma bomba na Bancoop. Hoje, ainda moro de favor na casa da minha sogra, para escapar do aluguel."Clóvis Pardo, 68 anos, aposentado

"VOU RECLAMAR PARA O LULA?"

"Comprei um apartamento da Bancoop em 2001 e ele nunca saiu do chão. Quitei tudo, os 65 000 reais, mas não tenho esperança de ver o prédio de pé. Queria o dinheiro de volta, mas acho que ele já foi todo gasto em campanhas do PT. Não tenho mais um centavo na poupança e ainda moro de aluguel. O que eu posso fazer? Reclamar para o Lula?"Alda Cabral Ramos, 58 anos, representante comercial