• Ônibus com parlamentares foi atacado em Caracas, e comitiva teve de voltar
Maria Lima, enviada especial / com Cristiane Jungblut e Simone Iglesias – O Globo
Missão Barrada
• Sem conseguir avançar, ônibus volta ao aeroporto e encontra terminal fechado; Itamaraty cobra esclarecimentos
CARACAS — Depois de muita expectativa, a missão com senadores brasileiros chegou a Caracas, mas enfrentou adversidades e não conseguiu chegar à prisão onde estão políticos de oposição presos. A comitiva contou ter passado por momentos de pânico logo depois de desembarcar, e decidiu voltar ao país no início da noite, embarcando antes das 20h. O episódio motivou forte repúdio por parte do presidente da casa, Renan Calheiros, e fez o Itamaraty reconhecer que o bloqueio constituiu "hostilidades" contra os senadores.
De volta ao Brasil, Aécio avisou que irá cobrar nesta sexta-feira uma dura resposta da presidente Dilma Rousseff à Venezuela, e ameaçou bloquear todas as votações daqui para a frente.
— O que aconteceu aqui hoje ficou acima das piores expectativas. Uma missão oficial do Senado foi duramente agredida e o governo brasileiro nada fez para nos defender. Do ponto de vista político cumprimos nossa missão. Aos olhos do mundo, ficou clara a escalada autoritária e antidemocrática do governo venezuelano — protestou Aécio.
Na Venezuela, já em um ônibus, a cerca de um quilômetro do aeroporto, o veículo ficou parado no trânsito e um grupo de cerca de 50 manifestantes começou a bater na lataria e gritar. Diante da hostilidade, o ônibus retornou ao aeroporto e encontrou o terminal fechado.
— Fora, fora. Chávez não morreu, se multiplicou – gritavam os manifestantes diante do ônibus. Três batedores acompanham a comitiva, mas nada fizeram segundo os brasileiros. No veículo estavam os senadores e as mulheres dos políticos.
"Não conseguimos sair do aeroporto. Sitiaram o nosso ônibus, bateram, tentaram quebrá-lo", declarou no Twitter o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO).
No Twitter, o senador Aloysio Nunes explicou que houve um acidente, e por isso o trânsito ficou parado. Depois de ficarem sem conseguir avançar por cerca de 30 minutos, a comitiva decidiu voltar ao aeroporto. Os senadores também afirmaram que o terminal aeroviário chegou a ser fechado.
— Está claríssimo que nos colocaram numa arapuca. Liberaram o pouco do avião mas trancaram o aeroporto — disse o senador Agripino Maia.
Em nota, a liderança nacional do PSDB classificou como "gravíssimas as agressões sofridas" e exigiu manifestação de repúdio "imediata e contundente" por parte do Itamaraty. Mais tarde, Aloysio declarou: "Impedidos de cumprir missão na Venezuela, senadores, decidimos voltar ao Brasil.". Aécio confirmou a saída.
Em um tweet, o líder opositor Henrique Capriles considerou "uma vergonha mandar trancar a via onde passava a delegação".
Em coletiva, Aécio criticou o governo Dilma por não ser severo com os abusos no país.
— Quando se fala em democracia, e quando se fala em liberdade, em direitos humanos, não há que se respeitar fronteiras. O Brasil viveu as trevas da ditadura e foram importantes manifestações de países democratas e de lideranças democratas que ajudou que aquele ciclo se encerrasse. E o que é mais alarmante é que o Brasil é hoje governado por uma ex-presa política, que não demonstra a menor solidariedade e a menor sensibilidade com o que vem acontecendo hoje com irmãos seus de luta no passado. São pessoas que hoje lutam apenas pela democracia na Venezuela estão tendo seus direitos mínimos de liberdade cerceados por um governo autoritário.
As mulheres dos presos rechaçaram o governo pela não garantia de segurança aos senadores. "É incrível uma cidade entrar em colapso para não se visitar um preso político", escreveu Lilian Tintori. "Maduro não entende as implicações desta agressão contra o Brasil e o Mercosul. Este regime está pior do que ele mesmo dizia", escreveu María Corina.
Protesto de Renan e lamento do Itamaraty
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), já conversou com a presidente Dilma Rousseff, cobrando uma reação altiva do governo brasileiro aos fatos ocorridos na Venezuela contra os senadores brasileiros, que foram àquele país visitar líderes oposicionistas.
Segundo assessores de Renan, o presidente do Senado repetiu à presidente os termos da nota lida por ele mais cedo e ela apenas disse que o governo "estava tomando as providências". Mas a presidente não especificou quais medidas estariam sendo adotadas.
— Qualquer agressão à nossa delegação é uma agressão ao Legislativo. Falei com o Itamaraty, como o ministro Mauro Vieira e publicando uma nota cobrando uma reação altiva — disse Renan, antes de ler uma nota de repúdio no Senado. — O ministro disse que há informações de que estava havendo a transferência de um preso político, mas nada disso importa muito. O que importa muito é o clima de tensão, de intimidação, de ofensa e de agressão. A democracia hoje não tem mais como conviver com essas coisas medievais.
Em nota, o Itamaraty lamentou os incidentes.
"São inaceitáveis atos hostis de manifestantes contra parlamentares brasileiros. O Governo brasileiro cedeu aeronave da FAB para o transporte dos Senadores e prestou apoio à missão precursora do Senado enviada na véspera a Caracas. (...) O incidente foi seguido pelo Itamaraty por intermédio do Embaixador do Brasil, que todo o tempo se manteve em contato telefônico com os Senadores, retornou ao aeroporto e os despediu na partida de Caracas. À luz das tradicionais relações de amizade entre os dois países, o Governo brasileiro solicitará ao Governo venezuelano, pelos canais diplomáticos, os devidos esclarecimentos sobre o ocorrido."
Os problemas enfrentados na Venezuela por senadores de oposição foram repudiados pelos deputados. Na Câmara, a sessão que votaria o projeto do aumento de impostos de empresas acabou suspensa pelas manifestações dos parlamentares, que querem votar uma moção de repúdio e criar uma comissão de acompanhamento. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), telefonou ao ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) pedindo uma manifestação oficial do governo, por meio de nota, e a garantia da integridade dos brasileiros que estão em Caracas.
No plenário, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, fez um relato da conversa com Vieira. Segundo ele, o ministro informou que a comitiva de senadores estava num ônibus e o embaixador brasileiro em um carro. Eles enfrentaram um congestionamento e, em seguida, manifestantes que tentaram impedir a circulação do ônibus. O ministro garantiu a Cunha que os policiais destacados para a proteção dos senadores atuaram. Cunha afirmou que o episódio provoca tensão nas relações com a Venezuela.
O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), defendeu a moção, como forma de apressar as discussões para começar em breve a votação do projeto que finaliza o pacote de ajuste fiscal do governo.
Incidentes em sequência
A retenção na estrada era o segundo incidente desde que o avião pousara. Primeiro, o comboio que levava os senadores foi retido por integrantes da polícia nacional venezuelana. A explicação foi que estava sendo feita a transferência de um preso, vindo da Colômbia, justamente no mesmo horário. O senador Aécio Neves ligou para embaixada brasileira e para Rena Calheiros manifestando estranhamento com a atuação da polícia local e pedindo que os diplomatas registrassem uma reclamação formal junto ao governo da Venezuela.
A ex-deputada cassada María Corina Machado, no entanto, atribuiu os problemas ao governo chavista. "Está totalmente trancada a autopista porque "estão limpando os túneis" e por "protestos". "Se o regime acreditava que trancando as vias impediria que os senadores constatassem a situação de direitos humanos na Venezuela, conseguiu o contrário." "Em menos de três horas os senadores brasileiros descobriram o que é viver na ditadura hoje na Venezuela", escreveu.
Chegada com entraves
No desembarque, eles foram recebidos por Lilian Tintori, mulher de Leopoldo López; Mitzy Capriles, casada com Antonio Ledezma; Patricia de Ceballos, esposa de Daniel Ceballos; e por María Corina.
Ao chegar, os brasileiros ficaram retidos no avião por 20 minutos. Os seguranças pediram para que todos entrassem nos carros e seguissem diretamente ao presídio onde estão os políticos presos. Segundo o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), foi preciso ludibriar os batedores do comboio para retornar ao local onde estavam Tintori, Mitzy, Patricia e Maria Corina e também a imprensa.
— Eles tentaram nos tirar daqui. Tivermos que furar o cerco e voltar — afirmou Cássio Cunha Lima.
A missão é liderada por Aécio Neves, presidente do PSDB, e integrada por outros representantes da Câmara alta, como Ronaldo Caiado e Aloysio Nunes. Cassio Cunha Lima (PSDB-PB), José Agripino (DEM-RN), Ricardo Ferraço (PMDB-ES), José Medeiros (PPS-MT) e Sérgio Petecão (PSD-AC) completam a comitiva.
Na chegada, Aécio destacou que essa era uma missão de paz e humanitária.
— As manifestações, não só da região, mas do mundo todo podem sensibilizar as autoridades venezuelanas para marcar eleições livres e libertar presos políticos — disse Aécio.
Para María Corina, a visita dos políticos brasileiros é histórica. Segundo ela, nunca aconteceu antes uma missão oficial desse gênero no país. E elogiou a coragem e iniciativa da comissão.
— Vocês estão presenciando gesto histórico e sem precedente. O Brasil envia mensagem ao mundo inteiro de que a Democracia está conosco. A indiferença do governo brasileiro é cumplicidade — disse Corina.
Segundo ela, a chegada dos brasileiros desencadeia um movimento em defesa da democracia no país.
Já Mitzy acredita que a visita dos senadores brasileiros pode acelerar o processo para definir a data das eleições na Venezuela.
— Maduro está encurralado diante dos olhos do mundo — disse Mitzy.
Para ela, só há uma via — que é a da conciliação da Venezuela.
— A única saída é a unidade, que é impostergável — completou.