quinta-feira, 20 de abril de 2023

José de Souza Martins - A explicação de fatalidades no Brasil

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

A sociedade já não dispõe de normas e valores sociais de referência para nortear a conduta individual e a conduta coletiva

A cultura popular brasileira tem um conjunto extenso de desculpas para explicar o aparentemente indesculpável. Há um esboço de linguagem para eximir de responsabilidade os prováveis responsáveis pelo inexplicável.

Em 2017, o ministro das Minas e Energia, em entrevista em Nova York, explicou como fatalidade o pavoroso desastre que atingiu a pequena localidade de Bento Rodrigues, no município de Mariana, em Minas Gerais, em 2015.

Foi quando a lama de uma barragem de dejetos de mineração, que se rompera, a recobriu em poucos minutos. Morreram 19 pessoas, uma área extensa no Vale do Rio Doce foi afetada, com água contaminada, abastecimento de cidades comprometido, solo afetado, grande número de pessoas desabrigadas, o meio ambiente danificado, a vida colocada entre parênteses. A maior tragédia ambiental da história do país.

A palavra fatalidade para explicar o que aconteceu pode ser utilizada no deciframento do acontecido como palavra analisadora-reveladora, que na sociologia de Henri Lefebvre é o atributo de palavras com força metodológica para desvendar acontecimentos da realidade social. Por que “fatalidade”? A barragem foi obra de engenharia, tudo calculável e previsível: a carga de rejeitos, seu peso, sua força, a capacidade da barragem para aguentá-la e, portanto, o limite de seu enchimento. O próprio risco para as 600 e tantas famílias do povoado abaixo da barragem.

Daniela Chiaretti - O Pantanal pede socorro, de novo

Valor Econômico

Destruído pelo fogo há dois anos, o Pantanal agora está ameaçado pela água

A imagem é dilacerante - um corpo carbonizado, de joelhos, no meio das cinzas. Parece um homem, não fosse a longa cauda. Até onde a vista alcança está tudo morto. O fotógrafo Lalo de Almeida, autor de uma série de imagens impressionantes durante e depois dos incêndios de 2020-2021 que queimaram mais de 20% do Pantanal, lembra bem desse dia. O parceiro das reportagens da “Folha de S.Paulo”, jornalista Fabiano Maisonnave, ficara escrevendo na sede da fazenda na Serra do Amolar, Mato Grosso do Sul. Lalo saiu com Rafael Galvão, gerente da fazenda Santa Tereza, “um pantaneiro que só de olhar o aspecto da vegetação sabia onde o fogo tinha passado com mais intensidade”. Foi então que viram a família de bugios.

William Waack - A hora do passado

O Estado de S. Paulo

O presidente não conseguiu ainda criar uma visão de futuro

Lula não parece perceber que se refugiar no passado tem sido prejudicial para ele mesmo. Justo quando tem de enfrentar desgastes de popularidade que aumentam dificuldades políticas – ampliadas pela demissão do amigo do peito de Lula que era o chefe do GSI, que apareceu parecendo acolher invasores do palácio que devia proteger.

Com ou sem esse episódio, o desgaste é típico para qualquer governo em início de mandato, mas, por instinto ou falta de melhores ideias, Lula parece acreditar que sua melhor chance de resistir ao inevitável (diminuição inicial do capital político) é o apego ao passado. E, diga-se de passagem, o general defenestrado vem do longínquo passado, ainda do primeiro mandato.

Maria Hermínia Tavares* - Mais clareza é essencial

Folha de S. Paulo

Pronunciamento sobre Guerra da Ucrânia ofuscou êxitos obtidos na viagem à China

Na sua viagem à China, o presidente Lula fez lembrar a história do cidadão que atravessa a rua para escorregar numa casca de banana na outra calçada.

De fato, os êxitos por ele obtidos com a assinatura de 15 acordos bilaterais acabaram ofuscados por suas declarações desastradas sobre as causas da Guerra da Ucrânia, o papel das potências ocidentais no conflito e ainda por alfinetadas gratuitas nos EUA. Sem falar na pretensão, entre ingênua e desmedida, de contribuir para o término do conflito provocado pela invasão russa do território ucraniano.

Vinicius Torres Freire -Congresso deve mexer no teto de Lula

Folha de S. Paulo

Superávit fiscal é difícil ou incerto com nova regra fiscal do governo

Levou um dia para que digerissem o texto da lei que cria o teto de gastos de Lula, o "arcabouço fiscal". Lido e mastigado, o projeto da nova regra de aumento de despesas provocou um salseiro, piorado pelo fato de o Banco Central dizer que os juros vão cair devagar.

No entanto, dúvidas e críticas grandes e relevantes não são novas, embora o problema exista. As dúvidas novas são confusões ou periféricas. Não, o governo não se desobrigou de apresentar metas fiscais; as exceções de despesa são velhas e sabidas. Etc.

Economistas e povos dos mercados em geral revoltam-se com o fato de que, aprovada a nova lei fiscal, praticamente o governo federal não será obrigado a cumprir uma meta de superávit primário. Isto é, de gastar menos do que arrecada, em certo montante específico. Sem superávit bastante, a dívida pública continuará a crescer. Não dá.

Ruy Castro - Carta a um otário do 8/1

Folha de S. Paulo

Enquanto você vê o sol nascer quadrado, Bolsonaro está solto, serelepe e nem aí para você

Se você participou como estrategista, financiador, agente operacional, terrorista ou simplesmente otário na intentona bolsonarista de 8/1 em Brasília, parabéns. Candidata-se a uma temporada numa colônia de férias do Estado, com três refeições diárias, tempo de sobra para ler e banho de sol uma vez por semana, tudo grátis. E, se for um general ou agente público que se omitiu na proteção dos Três Poderes ou apoiou os acampamentos diante do Q.G. do Exército, talvez possa desfrutar também dos confortos da nossa hotelaria prisional.

Tudo dependerá do STF, órgão que você tanto combateu. Os ministros acataram as denúncias oferecidas pela PGR e estão votando para decidir se o tornam réu, assim como a outros 99 dos seus colegas. Se forem aceitas as denúncias —o que você acha?—, serão abertas ações penais e, a partir daí, o STF o considerará apto para o julgamento final. E não fique mascarado, mas você fez por merecer essa distinção. Duvida?

Catia Seabra - Demissão com cem dias de atraso

Folha de S. Paulo

Lula, de novo, mostra-se condescendente com seus ministros

Ao assumir seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se deparou com cofres e bolsonaristas instalados nas salas do Palácio do Planalto.

Dispostos em gabinetes para guarda das armas de militares que ocupavam cargos de destaque no governo de Jair Bolsonaro (PL), os 48 cofres vêm sendo retirados, um a um. Já os bolsonaristas ainda persistem por lá.

Na Presidência, o Gabinete de Segurança Institucional é apontado como reduto desses remanescentes. Com suas portas sempre fechadas, o GSI acolhe no segundo andar do Planalto até mesmo bolsonaristas recém-desligados de ministérios vizinhos.

Marcelo Godoy - General deve entrar no foco de Congresso e PF

O Estado de S. Paulo

Por que foi ao Planalto? Por que caminhava sem escolta? São perguntas a que G. Dias deve responder

As imagens de agentes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) deixando o Palácio do Planalto à mercê dos vândalos que o invadiram no 8 de janeiro contrastam com as cenas registradas da reação da Polícia Legislativa, que enfrentou os criminosos para impedir danos maiores ao Congresso. Elas trazem novos indícios que complicam a situação dos militares que então compunham o GSI, em larga medida nomeados na gestão do general Augusto Heleno, bem como a do general Marco Edson Gonçalves Dias, o G. Dias.

Ao pedir exoneração, G. Dias não evita ser chamado para dar explicações à Polícia Federal e ao Congresso sobre sua conduta. Em 2012, ele perdeu o comando da 6.ª Região Militar (Bahia) após ser flagrado confraternizando com manifestantes durante greve da PM. Desta vez, as imagens do general caminhando por volta das 16h30 pelos andares superiores do Planalto mostram um ministro de Estado sem escolta em uma área conflagrada e ocupada por golpistas.

Maria Cristina Fernandes - Um general aparvalhado

Valor Econômico

Vantagem bolsonarista nas redes desafiará governo na CPMI

Às 18h30 do dia 8 de janeiro, o ministro da Comunicação Social, Paulo Pimenta, e o secretário de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, Wadih Damous, chegaram ao Palácio do Planalto para aquilatar o estrago. Ao passarem pelo Gabinete de Segurança Institucional, viram, pela porta entreaberta, o general Gonçalves Dias sentado. Estava sozinho. A imagem era de um aparvalhado. Questionado sobre a inoperância ante a invasão, não parava de repetir: “Eles vinham de todos os lugares, em 360 graus, não pude fazer nada”. Podia.

No dia anterior, segundo depoimento do ex-comandante militar do Planalto, general Gustavo Dutra de Menezes, à Polícia Federal, Gonçalves Dias havia dispensado o reforço do Batalhão da Guarda Presidencial. Na tarde do dia 8 o general participou de uma reunião no Ministério da Justiça sobre a invasão quando chegou a defender a decretação de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem, prontamente rechaçada pelo presidente, por golpista.

Luiz Carlos Azedo - Invasão do Planalto tem duas narrativas

Correio Braziliense

São chocantes as imagens que mostram o ministro-chefe do GSI, general Gonçalves Dias, no Palácio do Planalto, dialogando com os bolsonaristas que haviam invadido e depredado suas dependências

Tabloide americano, o melhor romance dos EUA de 1996, de James Ellroy, desconstrói o sonho americano ao descrever uma trama política golpista e mafiosa, cujo desfecho foi o assassinato de John Kennedy, em Dallas, no dia 22 de novembro de 1963. No gênero noir, desnuda os bastidores glamourosos da Casa Branca.

Entre os personagens históricos, além do presidente assassinado, que, à época, mantinha um romance tórrido com Marilyn Monroe, estão o magnata Howard Hughes, um paranoico drogado; e Frank Sinatra, traído pela mulher, Ava Gardner. O senador Robert Kennedy investiga a Máfia; o poderoso chefe do FBI, J. Edgard Hoover, investiga o presidente da República; a CIA investiga todo mundo. O inimigo principal dos EUA era Fidel Castro, o líder da Revolução Cubana.

Cinco anos depois, em 6 Mil em Espécie, Ellroy retoma o fio da história, a partir do dia do assassinato de Kennedy em Dallas e descreve uma conspiração que vai do crime organizado aos políticos de direita. Wayne Junior, um tira de Las Vegas, chega a Dallas no dia do assassinato de Kennedy, com US$ 6 mil em espécie no bolso, com a função de matar um cafetão negro.

Míriam Leitão - Avanço fiscal e o sinal amarelo

O Globo

O problema que pesou no mercado foi, de um lado, a avaliação apressada de alguns pontos das novas regras e, de outro, a sensação de que revogar subsídios será uma tarefa difícil

No princípio, não havia nada, exceto o aviso do presidente Lula de que eliminaria o teto de gastos. Neste abril, quarto mês desde a posse, o governo tem uma proposta de disciplinar o crescimento dos gastos sempre abaixo da alta das receitas tramitando no Congresso, com perspectiva de aprovação rápida. Entre um ponto e outro, houve muita costura política interna e externa do ministro Fernando Haddad e de toda a equipe econômica. E a elaboração de uma proposta técnica que não tem algumas das irracionalidades da antiga regra fiscal e tem várias qualidades.

O teto de gastos, como disse a ministra Simone Tebet, “ruiu” e “caiu em cima da nossa casa”. Foi muitas vezes desrespeitado pelo governo anterior. Uma das críticas no mercado financeiro é de que a nova regra de gastos eliminou o contingenciamento e a punição para o governante que descumprir os limites, que há na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Malu Gaspar - Um Nobel da Paz Shopee

O Globo

O que a crise provocada pelo plano do governo de taxar as compras das plataformas internacionais de comércio on-line tem a ver com a polêmica diplomática provocada pelas declarações do presidente Lula sobre a guerra na Ucrânia? Aparentemente, nada. Mas, para quem está no dia a dia do Palácio do Planalto, muita coisa.

Primeiro, o caso dos sites de produtos chineses, que estão faturando tanto ou mais no Brasil do que as grandes varejistas locais. O foco em bugigangas e roupas bem baratas já fez surgir a expressão “da Shopee” para designar aquilo que é popular, mas de qualidade duvidosa.

A maior parte das vendas desses sites não atinge o valor-limite de US$ 50 para transações de importação sem impostos. A isenção só se aplica a pessoas físicas, mas as empresas burlam a regra e não pagam os tributos.

Merval Pereira - Questão democrática

O Globo

Ao revisitar antigos erros, como o apoio a ditaduras da América Latina, Lula demonstra que seu apreço à democracia não é prioritário, se é que existe realmente

O presidente Lula foi eleito com apoio decisivo de um tipo de cidadão, aquele preocupado em proteger a democracia de uma possível vitória de Bolsonaro na eleição presidencial. A campanha de Lula baseou-se na necessidade de formar uma frente ampla democrática para impedir a continuação de um governo que já deixara clara sua intenção de dar um golpe, que quase se concretizou no dia 8 de janeiro e até hoje impacta nossa sociedade.

Ontem mesmo, o general Gonçalves Dias, que já trabalhara com Lula nos governos anteriores e desfrutava sua confiança a ponto de ser o chefe da segurança pessoal, teve de pedir demissão da chefia do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) diante dos vídeos que demonstravam que ele estivera presente nos atos de vandalismo no Palácio do Planalto — não para impedi-los, ou prender seus autores, mas dando cobertura tácita a eles.

J. B. Pontes* - Como aprimorar os nossos parlamentos?

É indiscutível que os parlamentos são fundamentais para a democracia, atuando no controle do poder político, na definição das diretrizes e metas a serem cumpridas; na supervisão das ações governamentais; e na elaboração e aperfeiçoamento das leis. Por isso, são instituições essenciais para garantir a concretização pelo Estado dos direitos humanos, econômicos e sociais.

Mas essa nobre missão dos parlamentos está muito distante de ser realizada no Brasil. Em verdade, temos hoje o pior Congresso da nossa história. Se nada for feito, ele continuará a piorar a cada legislatura.

É inegável que a maioria dos atuais parlamentares não reúne as condições éticas, morais e intelectuais para o exercício de tão importante cargo. A prova disso está no nível vergonhoso dos debates que estão ocorrendo, principalmente na Câmara dos Deputados. As discussões ocorrem num clima de campanha quase obscena, com enfoque na degradação da imagem dos adversários, carregadas de palavrões chulos e quase sempre terminam em tentativas de agressões físicas. O atual parlamento virou motivo de chacotas, um verdadeiro circo de horrores.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Governo tem sido leniente com as invasões do MST

O Globo

Movimento usa ligação com PT para cavar espaço na máquina pública e sabotar aproximação do agronegócio

O governo Luiz Inácio Lula da Silva tem tratado com leniência a onda de invasões de propriedades privadas e até de instituições públicas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), aliado histórico dos petistas. Não só pela raridade de críticas ou condenações aos crimes cometidos, mas também pelo indisfarçável afago aos militantes. Enquanto os invasores promoviam no Brasil uma sucessão de invasões sob a bandeira do “Abril Vermelho”, Lula acomodava em sua comitiva à China e aos Emirados Árabes Unidos o líder do MST, João Pedro Stédile.

É verdade que, diante da escalada de invasões, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, repudiou os atos, e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, condicionou a manutenção do diálogo à desocupação das propriedades. Mas as reações foram tímidas — e tardias. Antes delas, o governo cedeu à pressão do movimento.

Poesia | Clarice Lispector - Das vantagens de ser bobo

 

Música | Leci Brandão - Jeito de amar