terça-feira, 14 de novembro de 2017

PSDB deixa Cidades e Temer antecipa reforma ministerial

Bruno Araújo pede demissão e é o primeiro tucano a deixar o governo e mm ei oàgrav ecrise que atinge o partido

Carla Araújo Tânia Monteiro Vera Rosa / O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - O ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB), foi o primeiro tucano a deixar o governo Michel Temer após a grave crise que atinge o partido desde a destituição de Tasso Jereissati do comando da sigla na semana passada. A saída de Araújo deve abrir caminho para que o PSDB deixe definitivamente a base de apoio a Temer, o que obriga o presidente a antecipar a reforma ministerial. Araújo pediu demissão pouco antes de participar de cerimônia, no Palácio do Planalto, preparada para ser uma “agenda positiva” do governo. Em carta dirigida ao presidente, que foi pego de surpresa, Araújo mencionou indiretamente o racha interno do PSDB. Disse que não tinha mais o aval do partido para continuar à frente da pasta. “Agradeço a confiança do meu partido, no qual exerci toda a minha vida pública, e já não há mais nele apoio no tamanho que permita seguir nessa tarefa”, escreveu. Horas depois, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência divulgou nota confirmando que “o presidente dará início agora a uma reforma ministerial que estará concluída até meados de dezembro”. A saída do ministro das Cidades – uma das pastas mais cobiçadas da Esplanada, por causa de seu orçamento – escancara a crise na coalizão governista. O PSDB ainda controla três ministérios: Secretaria de Governo (Antonio Imbassahy), Relações Exteriores (Aloysio Nunes Ferreira ) e Direitos Humanos (Luislinda Valois).

PSDB inicia desembarque e acelera reforma ministerial

O ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB), pediu demissão do cargo ontem, pouco antes de participar de uma cerimônia, no Palácio do Planalto, preparada para ser uma “agenda positiva” do governo. O movimento do primeiro tucano a deixar a equipe deflagrou a reforma ministerial planejada pelo presidente Michel Temer para obter apoio político no Congresso e conseguir aprovar as mudanças na Previdência.

'Foi uma decisão pessoal', diz Goldman sobre saída de Araújo

Segundo presidente interino do PSDB, 'o partido decidiu ajudar o governo nas reformas e medidas estruturantes que o País precisa' e vai continuar da mesma forma, 'seja com quatro ou nenhum ministro'

Pedro Venceslau / O Estado de S.Paulo

O presidente interino do PSDB, Alberto Goldman, disse ao Estado/Broadcast que a decisão do tucano Bruno Araújo (PE) de deixar nesta segunda-feira, 13, o Ministério das Cidades foi "pessoal".

"Foi uma decisão pessoal dele, até porque o PSDB não indicou nenhum ministro. O partido decidiu ajudar o governo nas reformas e medidas estruturantes que o País precisa. E vai continuar da mesma forma, seja com quatro ou nenhum ministro".

A decisão de Araújo pegou de surpresa os principais quadros do partido, entre eles Goldman e o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, que está em Roma em viagem oficial. Segundo aliados, Nunes não planeja seguir o caminho de Araújo por ora, e deve permanecer no cargo pelo menos até abril, quando deve disputar a reeleição ao Senado.

Líder do PSDB no Senado diz que decisão de Araújo mostra que partido não tem apego a cargos

Sem mencionar possível desembarque da sigla, Bauer afirmou apenas que o ex-ministro 'tem muito a realizar' em seu mandato parlamentar

Renan Truffi e Julia Lindner / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O líder do PSDB no Senado, Paulo Bauer (SC), afirmou que a saída do tucano Bruno Araújo do Ministério das Cidades demonstra que o partido "não tem nenhum apego aos cargos" do governo, nem os coloca "como condição de apoio" para votações. Bauer relembrou que, assim como o ex-tucano e atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, Araújo sai "pela porta da frente" e "sem reclamações". "Bruno fez belo trabalho, cumpriu bem com as suas obrigações", elogiou.

Por meio de nota, Bauer disse também que é preciso "respeitar" a decisão do de Araújo. Sem mencionar o possível desembarque do partido da base aliada, Bauer afirmou apenas que o colega de partido "tem muito a realizar" no exercício do seu mandato como deputado.

"O PSDB contribuiu e ainda contribui de forma substantiva para que o Brasil vença de forma substantiva as dificuldades que o governo do PT deixou para o país Bruno Araújo cumpriu com competência sua missão e muito trabalho sua missão à frente do Ministério das Cidades", afirmou no comunicado. "Sua decisão deve ser respeitada tendo em vista que, como deputado federal do PSDB de Pernambuco, ainda tem muito a realizar no exercício do seu mandato em favor de seu Estado e do País", complementou.

FHC diz que PSDB não é partido de 'caudilhos' e tem vários candidatos à sua presidência

Em Washington, onde foi homenageado pelo Inter-American Dialogue, ex-presidente não quis comentar a saída do tucano Bruno Araújo do governo Temer

Cláudia Trevisan / O Estado de S.Paulo

WHASHINGTON - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse nesta segunda-feira, 13, que o PSDB não é um partido de “caudilhos” e tem vários candidatos à sua presidência, entre os quais mencionou o senador Tasso Jereissati. “Não tem uma pessoa que impõe sua vontade”, afirmou.

FHC não quis comentar a saída do governo Michel Temer do tucano Bruno Araújo, que até era ministro das Cidades e pediu demissão nesta segunda-feira. “Que ministro saiu? Vocês estão me falando agora”, disse a jornalistas brasileiros em Washington, onde foi homenageado pelo Inter-American Dialogue.

Em entrevista à TV colombiana NTN24, parceira do evento, o ex-presidente disse que o PSDB terá “mais autonomia” fora da gestão Temer. “Não ter ministro não quer dizer que não votaremos com os projetos importantes para o Brasil.”

O ex-presidente negou a informação, divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo, de que pediria a Tasso que retirasse seu nome da disputa pela presidência do PSDB. “É onda. Eu não falei nada disso.” FHC disse não saber se terá um encontro nos EUA com o senador, que está em Boston por razões familiares.

“Não sei se haverá chance ou não. Não tenho nada marcado especificamente e não sei se terá”, observou, em relação ao possível encontro.

“Temos vários nomes importantes para a presidência (do PSDB) como Tasso Jereissati e governadores, e para a Presidência (da República), temos nomes de governadores”, disse.

Eliane Cantanhêde: Em vez do centro, o Centrão

- O Estado de S.Paulo

Racha no PSDB, saída do governo e confronto com o PMDB implodem o centro em 2018

A saída de Bruno Araújo do Ministério das Cidades é mais uma confirmação do que a de José Serra do Itamaraty já indicara: o sonho de boa parte dos tucanos de reviver as glórias da transição com Itamar Franco desfez-se melancolicamente, reavivando o ensinamento de Karl Marx de que a história só se repete ora como tragédia ora como farsa.

Itamar também teve um início atribulado, com sucessivas trocas de ministros da Fazenda, mas chegou ao fim do mandato com gosto de vitória, lugar garantido na história e um candidato imbatível à sua sucessão. Para esse resultado, ele (baiano de nascimento) contou com sua astúcia mineira e com a participação efetiva dos políticos e economistas tucanos, liderados por Fernando Henrique.

Michel Temer também ascendeu à Presidência por um impeachment e com dois trunfos semelhantes ao de Itamar: alta (apesar de disfarçada) capacidade política, aliada a uma baixa pretensão futura. Foi assim, comparando condições e personagens, que José Serra liderou a ala tucana favorável à tese do “quem pariu Matheus que o embale”: se o PSDB foi decisivo ao tirar Dilma Rousseff para estancar a quebradeira do País, tinha responsabilidade com a gestão Temer. Não poderia simplesmente aboletar-se no conforto da arquibancada.

Cristovam Buarque anuncia licença para iniciar campanha como pré-candidato à Presidência

Senador diz, porém, que existe possibilidade real de Luciano Huck ser o nome do PPS para concorrer ao Planalto; com sua saída da Casa, quem assume é o petista Wilmar Lacerda

Julia Lindner / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) anunciou nesta segunda-feira, 13, que vai tirar uma licença de quatro meses para iniciar a sua campanha como pré-candidato do PPS à Presidência da República em 2018. Para isso, ele pretende "viajar" e "convencer" os militantes do partido.

Com a saída, quem assume como suplente é o petista Wilmar Lacerda, ex-secretário do governo Agnelo Queiroz no Distrito Federal e citado no caso do mensalão. Segundo Cristovam, existe uma possibilidade real do apresentador Luciano Huck ser o candidato do PPS na próxima eleição presidencial.

"Não é boato, é verdade, e acho que seria muito positivo se ele entrasse no partido. Vou disputar com ele", declarou ao Broadcast Político. Buarque disse ainda que seria "muito importante" se o ministro Raul Jungmann (Defesa) também pleiteasse a vaga - a convenção nacional da sigla para definir o candidato está prevista para março do ano que vem.

Saída de tucano do governo acelera troca de ministros

Ministro das Cidades pede demissão e é primeiro tucano a deixar o governo

Bruno Boghossian, Gustavo Uribe, Bernardo Mello Franco / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro das Cidades, o tucano Bruno Araújo,pediu demissão na tarde desta segunda-feira (13), dando início ao desembarque tucano do governo e antecipando a reforma ministerial.

Ele enviou ao presidente Michel Temer sua carta de exoneração antes de cerimônia no Palácio do Planalto.

Na carta, ele agradeceu a confiança de Temer e disse que não há mais na sigla apoio para que o ministro continue no cargo.

Araújo disse à Folha que tomou a decisão por entender que "faltou firmeza ao PSDB" para que ele continuasse no cargo, e que sua participação no ministério dependia do respaldo da sigla.

"Não havia mais apoio no PSDB com tamanho suficiente para isso. Tenho uma vida política e partidária. Retorno à Câmara para cumprir outras tarefas", afirmou. Araújo é deputado federal por Pernambuco e estava no governo desde o início da gestão Temer, em maio de 2016.

Araújo aproveitou a carta de demissão para fazer um elogio ao governo. "Tenho a convicção, sr. presidente, que a serenidade da história vai reconhecer no seu governo resultados profundamente positivos para a sociedade brasileira", escreveu.

O tucano comunicou Temer de sua saída minutos antes de participar de um evento de sua pasta ao lado do presidente. Em discurso, ele deu duas vezes indicações de que não permaneceria no cargo.

Para evitar descontrole, FHC e Goldman articulam chapa única em convenção

Thais Bilenky | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Para evitar o descontrole total do racha no PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador paulista Alberto Goldman, presidente interino do partido, atuam para garantir a formação de chapa única na convenção em dezembro.

A chance de fracassarem é aventada pela primeira vez na história do partido, em meio à divisão que se explicitou na formação da ala que advoga pelo desembarque do governo Temer e aquela que defende a permanência.

O objetivo de FHC e Goldman é restringir a disputa à Executiva, composta por cargos como presidente, vices, secretário-geral e tesoureiro.

Candidato a presidente do PSDB, o governador de Goiás, Marconi Perillo, disse nesta segunda-feira (13) que "Fernando Henrique me consultou, isso já tinha sido feito por Goldman, se eu concordaria com uma chapa única. Sim, porque quero unidade."

Procurado, seu adversário, o senador Tasso Jereissati (CE), não se manifestou.

A convenção do PSDB terá duas etapas. Primeiro se elegerá a chapa para formar o diretório, composta por 177 titulares e 53 suplentes. Uma vez eleito, o diretório mais os deputados e senadores escolherão a Executiva.

Araújo pede demissão e antecipa o início da reforma ministerial

Por Andrea Jubé, Marcelo Ribeiro, Cristiane Bonfanti | Valor Econômico

BRASÍLIA - O pedido de demissão do ministro das Cidades, Bruno Araújo, do PSDB, precipitou o início da reforma ministerial do presidente Michel Temer para tentar viabilizar a reforma da Previdência Social. Ontem Temer agradece em nota "os bons serviços prestados" pelo tucano e adiantou que as mudanças no primeiro escalão estarão concluídas "até meados de dezembro".

Araújo antecipou-se à sua provável demissão, surpreendendo o presidente, que tem sido pressionado a entregar o Ministério das Cidades ao PP ou ao PMDB. O gesto se deu um dia após a senha do presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), de que o partido sairia do governo "pela porta da frente".

Reeleito presidente do diretório do PSDB de Pernambuco, Araújo - que é deputado federal e voltará ao exercício do mandato, - deverá captar votos no Nordeste para a eleição do governador de Goiás, Marconi Perillo, à presidência do PSDB. Ontem Perillo divulgou nota apoiando a atitude de Araújo.

Por enquanto, seu gesto é isolado, e não deverá ser acompanhado pelos outros três ministros tucanos.

Em entrevista ao Valor, o ex-ministro disse que a falta de apoio dentro do PSDB foi determinante para que ele decidisse deixar a pasta e adiantou que voltará a Câmara para trabalhar pela unidade do partido e pela aprovação da reforma da Previdência.

"Quando assumi o cargo, eu tinha o apoio da bancada que eu representava e, com o passar do tempo, esse apoio foi desidratando", explicou.

Ele disse que atuará para que a legenda chegue organizada e unificada à convenção nacional do partido, marcada para 9 de dezembro. Na avaliação dele, é importante que os tucanos elejam um presidente que restabeleça a unidade para fortalecer a candidatura do partido à presidência da República em 2018.

Mesmo fora do governo, Araújo defende que o partido vote pela aprovação da reforma da Previdência. "É hora de o PSDB mostrar que tem compromisso com as reformas e enfrentar reformas que são importantes para tirar privilégios".

Racha no PSDB faz ministro deixar governo

Bruno Araújo, das Cidades, diz que não tinha apoio do partido para ficar no cargo

O ministro das Cidades, Bruno Araújo, é o primeiro integrante do dividido PSDB a desembarcar do governo Temer. Em carta, ele alegou que já não tinha apoio do partido para se manter no cargo. “Minha sensibilidade dizia que chegou ao limite.” Surpreendido pela demissão, o presidente afirmou que fará reforma ministerial até meados de dezembro.

Tucano deixa governo e deflagra reforma ministerial

Com saída de Araújo, Temer vai mudar ministros até dezembro

Cristiane Jungblut, Eduardo Barretto e Maria Lima / O Globo

-BRASÍLIA- Antecipando-se à decisão do PSDB sobre romper com o governo, o ministro das Cidades, Bruno Araújo, pediu ontem demissão do cargo, dando início à reforma ministerial que deve se estender até meados de dezembro. A expectativa é que o presidente Michel Temer não se restrinja aos agora três ministérios ocupados pelos tucanos e amplie as mudanças para outras pastas.

A ideia no Planalto é trocar nas próximas semanas todos os ministros que desejem disputar as eleições do próximo ano. O presidente já começou a conversar sobre isso com presidentes dos partidos da base, como o senador Ciro Nogueira (PP-PI). Pelas regras eleitorais, os ministros só precisariam deixar o governo em abril para concorrer, mas antecipando a reforma Temer daria mais tempo para os novos ministros trabalharem.

Araújo pediu demissão em um encontro privado minutos antes de um evento público no Planalto sobre o Cartão Reforma, uma política de seu ministério. Após a cerimônia, na qual ficou ao lado do presidente, Araújo entregou formalmente a carta pedindo exoneração e informando que “não há mais no PSDB apoio no tamanho que me permita seguir nesta tarefa”. No texto, ele fez questão de elogiar o governo: “A serenidade da história vai reconhecer no governo Temer resultados profundamente positivos para a sociedade brasileira”.

Indefinição no PSDB leva caciques do PMDB a Lula

Por Vandson Lima e Fabio Murakawa | Valor Econômico

BRASÍLIA - Renan Calheiros (AL), Jader Barbalho (PA), Edison Lobão (MA), Roberto Requião (PR) e, agora, Eunício Oliveira (CE). A velha guarda do PMDB no Senado - à exceção, por enquanto, de Romero Jucá (RR), fiador no Congresso do governo de Michel Temer - já caminha firme para arranjos em seus Estados que lhes permitam dividir o palanque com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, caso este tenha condições de concorrer ao Palácio do Planalto em 2018.

A razão não é só a popularidade do petista, em especial no Norte e Nordeste. A indefinição do PSDB tem sido um favor decisivo, bem como uma enorme desconfiança, disseminada entre os caciques pemedebistas, dos reais planos do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que se lançou na semana passada candidato ao comando tucano.

Ouvidos pelo Valor, alguns dos cabeças do PMDB do Senado afirmaram sob reserva que, há tempos, desconfiam que Tasso tenta a presidência do PSDB para, na verdade, colocar-se como um possível candidato ao Palácio do Planalto.

Estes pemedebistas lembram que, quando da primeira denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em junho contra Temer, identificaram movimentos de Tasso para se viabilizar numa eleição indireta. Tasso teria chegado a procurar o ex-presidente José Sarney para colocar a possibilidade, atestam.

Merval Pereira: PMDB do B

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- O Globo

O PSDB, que já representou o novo na política, corre o risco de um triste fim, novamente se aliando ao PMDB velho de guerra. Interessante a estratégia do grupo do senador Aécio Neves (PSDB-MG) para não caracterizar a saída de Bruno Araújo do ministério de Temer como um protesto. Ele se antecipou a seus colegas, e foi anunciado que coordenará a campanha do governador de Goiás, Marconi Perillo, à presidência do partido.

Ao mesmo tempo, abre caminho para uma reorganização ministerial, deixando Temer com o cobiçado Ministério das Cidades livre para negociações. Com a decisão do governador de Goiás de não aceitar uma candidatura de consenso para a presidência do PSDB, insistindo em permanecer na disputa, fica claro que a candidatura do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, à Presidência da República não é consensual.

A disputa pela presidência do partido será um divisor de águas, e se o grupo do senador Aécio Neves demonstrar que ainda controla as bases partidárias, provavelmente, aliado ao governo Temer, apresentará outro candidato, que poderá ser o prefeito João Doria ou o próprio Perillo, que há muito tem o sonho de se candidatar à Presidência da República.

Ou se aliar a uma candidatura que represente uma eventual retomada econômica, como a do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, filiado ao PSD de Kassab. Que, aliás, poderia apoiar também seu velho aliado, o senador José Serra, que pretende disputar o governo de São Paulo.

Raymundo Costa: Demonstração de força no PSDB


- Valor Econômico

Desafio de Alckmin é reunificar o partido e aglutinar o centro

O governador Geraldo Alckmin fez barba, cabelo e bigode nas eleições para o diretório regional de São Paulo. Ganhou também a disputa em nível nacional. Deu uma demonstração de força e só não será o próximo presidente do PSDB se não quiser, mas tudo indica que vai querer. Ungido, Alckmin teria e ainda tem tudo para liderar o polo em torno do qual se juntaria o centro político, na sucessão presidencial de 2018, mas criou arestas ao longo do processo.

A mais óbvia delas é o senador mineiro Aécio Neves, atual presidente do partido, hostilizado sem pejo no palanque da convenção paulista. A outra é o investimento do Palácio do Planalto para dar ao centro uma outra opção, mais à direita que à esquerda. Uma costura que envolve a associação do DEM com o PP, partidos com origem remota na antiga Arena. Esse deve ser o norte da reforma ministerial que vai agrupar as novas forças do governo do PMDB, sem os tucanos.

O primeiro desafio de Alckmin é unir o PSDB. Essa etapa vai até dezembro, data da convenção que em princípio deveria escolher entre o senador Tasso Jereissati (CE) e o governador Marconi Perillo (GO) o novo presidente do PSDB. Depois da demonstração de força que deu no último domingo, Alckmin está apto a reivindicar o cargo e repetir a experiência única de Aécio Neves, que foi ao mesmo tempo presidente do PSDB e o candidado do partido do Palácio do Planalto.

Luiz Carlos Azedo: Temer e o queremismo


- Correio Braziliense

A ideia no Palácio do Planalto é reconstituir o governo com base nos aliados que garantiram a rejeição das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot

Começa a ser urdido nos bastidores do Palácio do Planalto o projeto de reeleição do presidente Michel Temer, que já se movimenta como quem pretende ser candidato, quando nada para estancar o processo de desagregação do seu governo, que se acelerou ontem com o pedido de demissão do ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE). Um dos quatro tucanos no primeiro escalão de Temer, o parlamentar pernambucano chegou a anunciar sua saída do governo quando foi divulgada a gravação da conversa comprometedora entre o presidente da República e o empresário Joesley Batista, mas voltou atrás a pedido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Agora, porém, saiu para valer.

A tese da candidatura à reeleição vem sendo defendida pelos ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, como uma necessidade para segurar a base do governo e evitar a deriva antecipada de setores do PMDB e outros aliados para a campanha de candidatos da oposição, em razão da proximidade das eleições. Isso já aconteceu com o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), engajado na campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não foi à toa que o petista alertou o seu partido que os “golpistas” que o apoiarem nas eleições de 2018 serão recebidos de braços abertos nos seus palanques regionais.

Hélio Schwartsman: Bolsonaro e a democracia


- Folha de S. Paulo

A democracia funciona? Sim, mas não pelas razões que gostaríamos. O que algumas décadas de pesquisas empíricas sobre o voto revelam é que o eleitor dificilmente faz suas escolhas comparando e avaliando racionalmente as propostas de partidos e candidatos. No mais das vezes, ele se deixa guiar por impulsos emocionais e lealdades grupais.

Pode acontecer de o eleitor, diante da performance negativa ou positiva de um governo (e das reações emocionais que ela desencadeia), decidir puni-lo ou recompensá-lo. Esse é um fenômeno que, em algum grau, confere um pouco de previsibilidade ao processo eleitoral. Só que ele está longe de ser uma regra universal.

Boa parte das administrações não é catastrófica ou brilhante o bastante para provocar uma tendência eleitoral irrefreável, o que deixa espaço para o aleatório. Regressões estatísticas mostram que o regime de chuvas e até ataques de tubarões afetam o comportamento do eleitorado.

Míriam Leitão: Candidatos e mercado

- O Globo

Nem um transplante salva o pensamento econômico de Jair Bolsonaro, e as ideias de Lula variam conforme o ambiente. Mercado financeiro não ganha eleição e agradá-lo, ou não, faz efeitos apenas na oscilação dos ativos. Bancos costumam convidar candidatos para encontros e eles vão como se isso fosse relevante. Jair Bolsonaro foi perguntado sobre o que pensa da dívida pública. Respondeu que chamaria os credores para conversar. Essa resposta é tão sem noção que deixou os interlocutores mudos.

É preciso desconhecer coisa demais para dar uma resposta dessas. Todos os brasileiros que aplicam em títulos da dívida são credores. Todos os bancos, empresas, órgãos governamentais, não governamentais, cotistas de fundos, compradores de Tesouro Direto, investidores estrangeiros e locais, grandes e pequenos são credores da dívida pública. Imagina o governo fazendo a convocação geral a tão grande multidão para uma reunião de rediscussão da dívida. Seria a senha para uma corrida bancária de dimensões apocalípticas.

Yoshiaki Nakano: O futuro que nos aguarda

- Valor Econômico

Ajustes bem-sucedidos ocorrem com cortes profundos na despesa corrente e não com aumento de impostos

A economia brasileira está em recuperação. Gradual e lenta. Mas desde o final do ano passado, quando atingimos o fundo do poço, a produção agrícola recorde deu um impulso ao crescimento do PIB, no primeiro semestre, e o consumo, impulsionado pela liberação do FGTS, pela queda na taxa de inflação e na taxa de juros está trazendo uma gradual melhoria no emprego, dando assim sinais mais consistentes de recuperação. Como há capacidade ociosa, a recuperação da economia terá continuidade e sem dúvida o ano de 2018 deverá ser bem melhor que este ano. Um crescimento do PIB, quase consensual de 2,5%, deixa de ser otimista.

Entretanto, a taxa de investimento ainda não tem dado sinais de reativação. Assim, a grande questão é quando os investimentos serão realmente ativados, de forma significativa, tornando irreversível a recuperação em andamento? Em outras palavras, quando os empresários recuperarão realmente a confiança no futuro? Aqui mora a incerteza.

De um lado, a crise política é estrutural e se arrastará não dando ainda sinais de entendimento mínimo entre as partes. Para as eleições presidenciais de 2018 nenhum candidato tem projetos racionais e ao mesmo tempo consegue empolgar as massas. O comportamento do eleitorado é ainda mais incerto. Neste quadro político imprevisível, devemos lembrar que num passado recente assistimos a um processo de impeachment da presidente; a Lava-Jato continua denunciando dezenas de políticos por corrupção, inclusive duas denúncias contra o próprio presidente da Republica, em exercício, mas não aceitas pelo Parlamento. Neste quadro político dramático o melhor que podemos fazer é uma convenção, uma hipótese de trabalho, de que a economia está relativamente blindada da política. Em outras palavras, uma convenção otimista de que pior do que está não deverá ficar e que as decisões econômicas dependerão das expectativas puramente econômicas. De outra forma, o economista nada teria a declarar.

Dupla candidatura de Alckmin divide tucanos

Coluna do Estadão / O Estado de S. Paulo.

Uma candidatura do governador Geraldo Alckmin à presidência do PSDB divide o partido. Aliados do senador Tasso Jereissati dizem que, se Alckmin assumir a sigla, não poderá disputar as prévias que vão definir o candidato ao Planalto. O prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, segue o raciocínio. “Se Alckmin for o presidente do partido, isso significa que meu adversário (nas prévias) passa a ser o Doria. Se Tasso não pode presidir sua própria reeleição, óbvio fica que Alckmin não poderia, nessa hipótese, presidir as prévias”, afirma.

» Não pode mais. Esse grupo diz que Aécio Neves criou uma “jurisprudência tucana” ao decidir afastar Tasso da presidência da sigla para que concorresse à vaga em condição de igualdade com os demais candidatos. E que a regra agora vale nas prévias.

» Tem torcida. Apesar das resistências no PSDB, não é pequeno o grupo que apoia Geraldo Alckmin para comandar a sigla. Agora fora do Ministério das Cidades, Bruno Araújo é mais um a engrossar o discurso de que sem o governador a crise continua. Oficialmente, ele apoia Marconi Perillo.

» Aguarde… Antes de anunciar sua demissão na pasta das Cidades, Bruno Araújo ligou para o presidente do PSDB, Alberto Goldman, e avisou que teria “fatos novos”, sem dizer quais seriam. Goldman soube duas horas depois pela imprensa.

» Cabide. Um dos principais defensores de Michel Temer no Congresso, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) pleiteia o cargo no Ministério das Cidades. Ele já foi secretário estadual de Habitação.

Temer mira mudança ampla em ministérios e avisa que não vai nomear quem for candidato em 2018

Painel / Folha de S. Paulo

Corte seco Michel Temer vai dar início à reforma ministerial já na próxima semana. Fez questão de iniciar as negociações com a base aliada recebendo o cacique do maior partido do centrão, Ciro Nogueira (PI), do PP. Nesta terça (14), o papo será com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O peemedebista deu sinais de que busca uma mudança mais ampla e avisou a aliados que não nomeará gente que vai disputar a eleição em 2018. Não quer se ver obrigado a fazer novas trocas em abril.

Ser ou não ser O presidente quer substituir de uma vez todos os ministros que serão candidatos em 2018, mas ainda não bateu martelo. Receia fragilizar politicamente auxiliares que vão disputar cargos no ano que vem, mas não têm mandato eletivo, como Gilberto Kassab (PSD) e Marcos Pereira (PRB).

Ironia do destino Bruno Araújo (PSDB-PE) deu de cara com Ciro Nogueira (PP-PI) no gabinete de Temer quando foi entregar seu pedido de exoneração do Ministério das Cidades. Ciro preside o PP, a sigla que mais pressionou o presidente a desalojar os ministros tucanos.

Reta final

Poder em jogo / O Globo

A saída do tucano Bruno Araújo do Ministério das Cidades assinala o início da etapa final do governo Michel Temer, que deverá ser dedicada à tentativa de aprovar a reforma da Previdência. A pasta era um dos alvos dos partidos do centrão — especialmente do PP —, que pretendem abocanhar mais uma fatia de poder na Esplanada antes de ajudar Temer a cumprir sua principal tarefa no Planalto. Há outras na mira, como Agricultura e Turismo. Em comum, esses ministérios oferecem aos partidos obras e verbas, instrumentos importantes numa disputa eleitoral dura e com pouco dinheiro. As trocas no Ministério também servirão à aprovação das impopulares medidas provisórias do ajuste fiscal, que adiam reajustes salariais e aumentam a contribuição previdenciária dos servidores. É o modo de operar da velha política tentando adequar o país a novos tempos. Parece uma contradição. E é.

Estamos juntos
Até a segunda ordem, o PSDB está com Temer. Com ou sem ministério. O fato de Bruno Araújo facilitar a reforma ministerial é um sinal disso.

Deixa comigo
Cresceu a pressão para que Geraldo Alckmin aceite assumir o comando do PSDB e encerre a disputa entre Tasso Jereissati e Marconi Perillo. O governador paulista não quer correr o risco de ver a divisão do partido se aprofundar ao ponto de parte de uma ala deixar a legenda e apoiar outro candidato ao Planalto.

Subterrâneo
Reflexo da crise partidária e das acusações de corrupção contra seu maior líder, Aécio Neves, o PSDB de Minas se recolheu na convenção do fim de semana. Em vez de se reunir em auditórios em endereços nobres de Belo Horizonte ou no plenário da Assembleia Legislativa, como em eventos anteriores, o encontro se deu na garagem da sede da legenda na capital. Foi forte a ausência de deputados federais e estaduais. Há meses, Aécio não participava de eventos em BH.

Juro baixo e retração do BNDES favorecem mercado de capitais – Editorial: Valor Econômico

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O mercado de capitais se mostrou alternativa viável de financiamento de longo prazo para as empresas neste ano, em um momento em que a tradicional fonte de recursos do BNDES minguou e os bancos comerciais reduziram as operações. De janeiro a setembro, as empresas levantaram R$ 176,3 bilhões com a venda de ações e títulos de renda fixa, 32% a mais do que no mesmo período de 2016, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. Somando-se outubro, o volume chega a R$ 192 bilhões, com alta de 36%.

Vendidos no mercado doméstico e no exterior, os títulos de renda fixa garantiram R$ 160,8 bilhões ou 84% do total captado. Apesar do volume menor, com R$ 31,2 bilhões emitidos, as ações surpreenderam ao atingirem o triplo do registrado em 2016 e a maior marca desde 2010. Foram oito lançamentos iniciais de ações até agora, de grandes empresas como o Carrefour e a Azul, a outros não tão conhecidas, como a Biotoscana, Hermes Pardini e Movida; e 13 operações subsequentes.

A queda dos juros e a expectativa de recuperação da economia aumentaram a demanda por títulos privados, abrindo espaço para as emissões das empresas. A venda de debêntures para investidores institucionais saltou. Eles abocanharam 65,7% dos papéis emitidos neste ano em comparação com 19,8% em 2016, e diminuiu significativamente a parcela dos títulos que ficam com as instituições financeiras responsáveis pelas operações. As pessoas físicas também mostraram interesse, especialmente pelos papéis com isenção de Imposto de Renda (IR). As pessoas físicas ficaram com 38,2% das debêntures de infraestrutura emitidas neste ano, em comparação com os 25,4% de 2016; e com 86% dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) vendidos, muito acima dos 23,4% do ano passado.

MST procura outra freguesia – Editorial: O Estado de S. Paulo

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nunca se preocupou de fato com os agricultores sem-terra, mera massa de manobra para alimentar sua agenda política e ideológica, que se confunde com a do Partido dos Trabalhadores (PT). Sendo assim, não é difícil para esse grupo, que faz da baderna sua principal forma de atuação, escolher a clientela que melhor se enquadre em suas estratégias liberticidas, a depender das circunstâncias. E, no momento, a circunstância manda deixar os agricultores sem-terra de lado – já que a bandeira da reforma agrária faz cada vez menos sentido em um país que é hoje uma das maiores potências agrícolas do planeta – e procurar outra freguesia.

Recente reportagem do Estado mostrou com números a mudança de foco do MST. Em 2016, houve 83 invasões de terra promovidas pelo movimento, contra 502 em 1997. Já a invasão de prédios públicos, além de bloqueios de estradas para extorquir dinheiro de motoristas, disparou: houve 87 ações desse tipo em 2016, e neste ano o número saltou para 126. Já os protestos supostamente “contra a corrupção” foram de 72 em 2016 para 139 em 2017. Mesmo quando invadiu algumas fazendas neste ano, o MST não o fez para discutir a reforma agrária propriamente dita, e sim para reivindicar para o “povo” a propriedade dessas terras, porque teriam sido adquiridas pela “oligarquia corrupta” de forma violenta, “assassinando indígenas, escravizando e cometendo atrocidades no processo de formação da sociedade brasileira”, conforme explicou uma das líderes do grupo na ocasião.

Cerco ao penduricalho – Editorial: Folha de S. Paulo


Quando se trata de justificar privilégios, impressiona o jogo de cintura da alta burocracia estatal.

Veja-se o caso da resposta da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), entidade que representa mais de 14 mil juízes e desembargadores, à tentativa da Receita Federal de cobrar Imposto de Renda sobre benefícios extrassalariais hoje isentos.

Na teoria, tais valores têm natureza indenizatória e em geral não configuram remuneração. São reembolsos a agentes públicos por gastos efetuados no exercício de suas atividades; assim, a não incidência do IR estaria justificada.

Entretanto, na prática cotidiana, os abusos corporativos desvirtuaram o papel dos pagamentos.

O exemplo mais notório é o do auxílio-moradia: originalmente concebido como ajuda de custo a juízes designados para trabalhar fora de seus domicílios, a benesse foi estendida a todos os magistrados (e depois, a promotores), sem levar em conta onde residem.

Pagam-se quase R$ 4.400 mensais aos beneficiários, que não têm a obrigação de comprovar o emprego do dinheiro em aluguel ou outra despesa associada à habitação.

Em tal cenário, torna-se plausível argumentar, como faz a Receita, que a indenização virou renda —e, como tal, deve ser tributada.

A AMB, de modo previsível, considera que o auxílio não equivale a remuneração. No entanto o entendimento parecia o oposto em 2014, quando a entidade pleiteou nada menos que a extensão do mimo aos juízes aposentados: defendeu-se, então, a paridade de vencimentos entre ativos e inativos.

Silvio Pons: Legados do comunismo? Nacionalismo e Estado autoritário

Democratica &Gramsci e o Brasil / Tradução: Alberto Aggio

“O comunismo não deixou nenhuma herança ideal ou cultural, nem mesmo no Ocidente. Mas na China contemporânea vemos em ação a sua herança principal: a capacidade de dirigir a modernização como obra do Estado”. Com Silvio Pons, presidente da Fundação Instituto Gramsci de Roma e um dos maiores estudiosos europeus do comunismo soviético e ocidental (entre outras obras, é um dos organizadores de uma monumental coleção Cambridge History of Communism, recentemente publicada, em três volumes), discutimos o centenário da revolução bolchevique, completado recentemente (Andrea Romano, Democratica, 2 nov. 2017).

Naquele dia 7 de novembro de 1917, em Petrogrado, verificou-se o nascimento de uma experiência história complexa e dramática. Hoje, o que podemos dizer que foi, para o bem ou para o mal, a herança histórica do comunismo?

Quando caiu o comunismo soviético, entre 1989 e 1991, o senso comum (intelectual, político e histórico) era que aquele colapso não havia deixado nenhuma herança. François Furet, no seu trabalho fundamental O passado de uma ilusão, escreve que, se a Revolução Francesa havia deixado um patrimônio institucional e cultural muito além dos limites franceses, o mesmo não se poderia dizer do comunismo. Hoje, ao contrário, devemos levar em conta que as coisas não são assim. A permanência da China comunista, como quer que a definamos, nos obriga a ver a continuidade desses regimes, mesmo no novo século. É obvio que a China abandonou a organização econômica de tipo socialista e atualmente representa uma economia capitalista integrada à economia mundial, mas a sua concepção de Estado e a capacidade de dirigir a modernização por meio do Estado derivam diretamente do comunismo. Para o bem ou para o mal, é esta a principal herança do comunismo.

Isso se vê também na Rússia de Putin, onde a herança do comunismo soviético é subterrânea, mas não menos forte. Se Putin é o novo czar, como agora é moda dizer, a referência do seu autoritarismo estatal não é Nicolau II, mas diretamente Stalin, ou seja, uma ideia de Estado com uma precisa fisionomia nacionalista, em continuidade com o comunismo soviético. Por outro lado, à capacidade de modernização autoritária dirigida pelo Estado na China e parcialmente na Rússia corresponde a ausência de qualquer legado cultural. Hoje não existe em nenhuma formação da esquerda mundial uma herança ideal específica de derivação comunista: a aspiração à igualdade e à emancipação já era patrimônio do movimento socialista e não se pode definir certamente como produto do comunismo.

Fernando Pessoa: Apostila (11-4-1928) (Álvaro de Campos)

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Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Mílton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!

Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos -
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)...
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil.
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos -
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida.

Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...

Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!

(Passageira que viajas tantas vezes no mesmo compartimento comigo
No comboio suburbano,
Chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto?
Que foi isto a vida?)

Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,
E estremece, no mesmo movimento que o da terra,
E oscila, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.

Roberta Sá: Gostoso veneno