sábado, 2 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Brasil é crucial para conter crise entre Venezuela e Guiana

O Globo

Em arroubo nacionalista, Maduro convocou plebiscito para reivindicar área petrolífera do país vizinho

Os venezuelanos deverão responder amanhã em plebiscito se a região conhecida como Guiana Essequibo, território da Guiana, deve ser parte da Venezuela. A votação foi convocada pelo ditador Nicolás Maduro na tentativa de legitimar a reivindicação dessa área rica em recursos naturais, sobretudo petróleo. Correspondente a dois terços do país vizinho, ela também faz fronteira com os estados brasileiros de Pará e Roraima. Pela proximidade geográfica e pela posição de liderança regional, o Brasil tem papel crucial a desempenhar, com apoio dos organismos internacionais, para evitar um conflito armado desnecessário na América Latina.

Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva despachou para Caracas seu assessor para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, com a missão de manifestar a preocupação do governo brasileiro com a escalada da tensão. Também na semana passada, o chanceler Mauro Vieira reforçou em reunião de países sul-americanos a posição brasileira em favor de solução negociada. Um reforço de 70 homens foi enviado à região fronteiriça numa medida preventiva. O presidente da Guiana, Irfaan Ali, marcou reunião com Lula hoje em Dubai, em que deverá reiterar seu pedido de ajuda para evitar uma agressão venezuelana. É uma boa oportunidade para Lula exercitar a liderança brasileira no continente e aproveitar sua proximidade com Maduro para convencê-lo a recuar.

Oscar Vilhena Vieira* - Censura nunca mais

Folha de S. Paulo

Decisão do STF impõe ao jornalismo o dever de se autocensurar preventivamente

Supremo decidiu nesta semana que os veículos de imprensa poderão ser responsabilizados por declarações feitas por seus entrevistados, caso não tomem o devido cuidado na verificação dos fatos por esses divulgados.

Essa decisão impõe aos meios jornalísticos o dever de se autocensurarem preventivamente. Mais do que ameaçar a liberdade de imprensa, atinge um dos pilares fundamentais do regime democrático, que é a existência de uma ampla e desimpedida esfera de debate público, essencial para que os cidadãos possam formar suas próprias opiniões e exercer de maneira autônoma o direito de escolher e julgar os seus governantes.

Embora a liberdade de imprensa seja um dos temas mais espinhosos do direito constitucional, o Supremo parece ter caído, desnecessariamente, em uma armadilha pueril, ao assumir como premissa de sua decisão a ideia de que "a plena proteção constitucional à liberdade de expressão é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade". Ao estabelecer uma falsa simetria entre liberdade de expressão e diretos de personalidade (no campo do debate político), constrangeu indevidamente a proteção da liberdade de expressão.

Miguel Reale Júnior* - Jogo de cena para bolsonarista ver

O Estado de S. Paulo

A PEC 8/2021 é tão somente um aceno da presidência do Senado aos senadores e mineiros bolsonaristas

Por iniciativa da então presidente Rosa Weber, o Supremo Tribunal Federal (STF) promulgou a Emenda Regimental 58 de dezembro de 2022 para solucionar a questão relativa ao excesso de decisões monocráticas, visando a promover a colegialidade. Assim, disciplinou-se que, em caso de urgência, para a proteção de direito suscetível de grave dano, pode ser liminar concedida monocraticamente pelo relator, mas cumpre submetê-la de imediato ao plenário ou à turma, para referendo.

De outra parte, buscou-se limitar o tempo para o processo retornar a julgamento após pedido de vista de ministro. Estabelece-se, então, que ministro, ao solicitar vista dos autos, deve apresentá-los em 90 dias para continuidade do julgamento. São ambas as medidas adequadas e suficientes para solucionar duas questões que prejudicavam gravemente a Corte como ente coletivo.

Bolívar Lamounier* - Sobre a nobre arte de enxugar gelo

O Estado de S. Paulo

Onde devemos buscar as ‘raízes’ da estagnação em que estamos enredados há mais de 20 anos?

Por volta de 1950, o Produto Interno Bruto (PIB) anual per capita brasileiro ocupava a 73.ª posição numa classificação de 141 países. Posição bem baixa, sem dúvida, mas substancialmente mais alta que a da República da Coreia, hoje um país altamente desenvolvido, e mais alta até que a da China continental. Esta, embora ainda conviva com enormes desigualdades, caminha para se tornar a maior economia do planeta. Os dados mencionados estão no livro Nacionalismo e Comunicação Social, obra de Karl Deutsch publicada pela MIT Press em 1953, um indiscutível clássico da ciência política.

A referência à posição do Brasil na metade do século passado – modesta, mas superior às da Coreia e da China – torna imperativa uma reflexão sobre o nosso desempenho durante o século 20 e sobre o inequívoco fundo de poço em que caímos. Antes, no entanto, é mister descartar certos clichês que ainda consumimos em doses cavalares. O mais conhecido é o dos “grilhões do passado”, como se a colonização portuguesa explicasse todas as nossas mazelas.

Demétrio Magnoli - Supremo militante

Folha de S. Paulo

Lula ignorou candidaturas que incluíam o notório saber jurídico

A Constituição estabelece o notório saber jurídico como condição para ocupar uma cadeira no STF. Na campanha eleitoral, Lula prometeu obedecê-la, evitando indicar amigos e partidários, como fez em 2009, no caso de Toffoli. Já violou a promessa duas vezes, com Zanin e, agora, Flávio Dino. São violações diferentes. Zanin, opção pessoal, cumpre a função de proteger os interesses diretos do presidente. Dino, fruto de acordo político, reforça o projeto de poder do STF.

Constituição? Isso é para dias celebratórios. Assim, sem incômodo, Lula ignorou candidaturas que incluíam o notório saber jurídico, como a de Maria Paula Dallari.

O PT e a militância identitária reclamaram, por outros e distintos motivos, da escolha presidencial. Lula não liga: sabe que o PT precisa curvar-se humildemente a seus caprichos e, ainda, que a voz das correntes identitárias só encontra eco no ambiente universitário e em alguns veículos de comunicação. Tanto o petista de carteirinha quanto a mulher-símbolo (a "mulher-negra") podem esperar.

Dora Kramer - Ato cenográfico

Folha de S. Paulo

Teatral como todas, sabatina de Flávio Dino promete um circo de louvores e horrores

As sabatinas no Senado talvez tenham tido importância algum dia, mas nos dias que me lembro de tê-las visto não tiveram relevância alguma para a aprovação de indicados ao Supremo Tribunal Federal.

Prova disso é a manifestação antecipada de votos (vejam, são secretos) antes mesmo de os candidatos ao posto se sentarem na Comissão de Constituição e Justiça para um ato que se presta mais a homenagens dos presumidos julgados aos que serão seus eventuais julgadores do que a um escrutínio sério.

Nessa trajetória houve episódios particularmente vergonhosos, como quando da indicação da primeira mulher ao STFEllen Gracie. Senadores gastaram muito tempo, saliva e machismo na celebração da beleza da candidata.

Alvaro Costa e Silva - No país dos macaquitos e dos barões

Folha de S. Paulo

Alberto da Costa e Silva foi diplomata para desforrar-se de Rio Branco, que barrava os feios

No seu livro "Balão Cativo", Pedro Nava conta que nos tempos de Rio Branco não havia concurso para ingressar na "carrière". Era ele próprio, o barão, quem dava a palavra final na escolha dos futuros diplomatas, em geral pessoas de família influente e bem-apresentadas. O poeta Antônio Francisco da Costa e Silva, apesar de candidato dos mais qualificados, não deu nem para a saída.

Na descrição de Nava, a face de Da Costa e Silva "parecia um bolo de miolo de pão com os furos dos olhos, das ventas e da boca". Depois de almoçar com Rio Branco, ele ouviu a sentença antes da sobremesa: "Até gosto dos seus versos e aprecio seu talento. Contra sua pretensão o que está é seu físico. Eu só deixo entrar na carreira homens de talento que sejam também belos homens. A diplomacia exige isso. Desejo-lhe boa sorte em tudo. Agora, no Itamaraty, não! O senhor aqui não entra".

Carlos Góes - A desoneração da folha de pagamento vale a pena?

O Globo

Não é tão fácil ter uma resposta. Um dos motivos é que os melhores estudos sobre o assunto só conseguem capturar efeitos relativos

Em 2011, o Brasil era outro. Alguns anos antes, o Lula havia anunciado que a crise internacional de 2008 seria uma marolinha no Brasil. Por um tempo, parecia que seria assim. O país surfaria a crise sem menos problemas. A revista britânica The Economist publicaria aquela icônica capa do Cristo Redentor decolando. E Lula elegeria sua sucessora, Dilma Rousseff.

Mas a crise financeira também marcaria uma guinada mais forte na política econômica do governo. Lula I foi o governo da Carta ao Povo Brasileiro, que prezou pela manutenção e expansão das bases econômicas e sociais do governo Fernando Henrique, com o tripé macroeconômico e programas sociais focalizados, como o Bolsa Família.

Viriam uma série de “políticas anticíclicas” (economês para políticas de estímulo econômico) no meio da crise, o que se faz bastante durante recessões para evitar momentos de crise profunda. Mas o que normalmente são intervenções pontuais acabaram durando quase uma década. Foi essa guinada que hoje se conhece como Nova Matriz Econômica, a série de políticas de distorções setoriais que acabou resultando na grande recessão de 2014-16.

Pablo Ortellado - Combo liberal-conservador

O Globo

Estamos vendo no Cone Sul a consolidação de uma nova direita

É impressionante a repercussão da eleição de Javier Milei na imprensa brasileira. Acompanhamos com atenção incomum a formação do gabinete e os primeiros passos do presidente eleito. Por trás de tamanha atenção, há uma espécie de pergunta subjacente: em que medida Milei é o Bolsonaro argentino? Uma pesquisa comparando apoiadores de Milei e de Bolsonaro sugere que há muitas semelhanças.

Na quarta-feira, O GLOBO publicou reportagem apresentando os principais resultados de uma pesquisa de opinião que meu grupo de pesquisa na USP conduziu com os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro que se manifestavam na Avenida Paulista no último domingo. O coração da pesquisa era um questionário com nove afirmações liberais, populistas e conservadoras, em relação às quais perguntávamos se os entrevistados concordavam ou discordavam. Em parceria com colegas da Universidade de Lanús, na Argentina, aplicamos o mesmo questionário em Buenos Aires com apoiadores do então candidato Javier Milei reunidos no comício de encerramento da campanha do primeiro turno (os resultados também saíram no GLOBO).

Carlos Alberto Sardenberg - Derrama

O Globo

Está claro que a economia brasileira passará por forte aumento de carga tributária, já elevada

As compras em sites internacionais de bens com valor abaixo de US$ 50, hoje isentas, passarão a pagar imposto de importação no próximo ano. Não há decisão formal do governo, mas está claro que será assim.

O vice-presidente Geraldo Alckmin disse que o imposto seria “o próximo passo”, depois da formalização dessas compras e da cobrança do ICMS, de 17%. Na Receita Federal já há estudos para definir a nova alíquota, algo entre 15% e 25% sobre o preço “cheio”, incluído o ICMS.

Trata-se de compras feitas em sites de companhias asiáticas, como Shein, Shopee e AliExpress, que fazem a festa das classes médias. Saem bem mais baratas que no varejo local. São as varejistas brasileiras que mais pressionam o governo e o Congresso para a introdução do imposto sobre bens abaixo de R$ 250, considerando o dólar a R$ 5.

Têm um bom argumento: a carga tributária sobre a produção e o comércio locais é muito alta. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, varia de 68% (alimentos) a incríveis 143% (eletrônicos). Numa blusinha de R$ 100, comprada em loja brasileira, R$ 50 vão para o governo.

Eduardo Affonso - Entre o porre e a ressaca

O Globo

Às vezes vemos o futuro dos ‘hermanos’ repetir nosso passado, e nada garante que não sejamos nós a recair, mais adiante

Se uma árvore fosse plantada cada vez que alguém citasse o “efeito Orloff” para falar dos paralelos entre Brasil e Argentina, teríamos hoje uma cobertura vegetal maior que a de quando os tupis e guaranis daqui ainda não se preocupavam com as decisões dos guaranis e tehuelches de lá.

Mas a terra de Babenco, Carybé e Isabelita dos Patins acabou por se transformar na nossa máquina do tempo. Às vezes vemos o futuro dos hermanos repetir nosso passado — e nada garante que não sejamos nós a recair, mais adiante, nos erros que eles estão prestes a cometer.

Em 2018 elegemos um suposto outsider, sem qualquer experiência administrativa, com supostas ideias liberais, supostamente empenhado em combater a corrupção e em renovar as práticas da carcomida política nacional. Qualquer coisa era melhor que os governos que vínhamos tendo. Qualquer coisa mesmo. Pior que estava não podia ficar.

George Gurgel de Oliveira* - A Paz como fundamento da democracia e da sustentabilidade

Os conflitos e as guerras regionais colocam em evidência a insustentabilidade da sociedade contemporânea.

As guerras envolvendo a Ucrânia e a Rússia, assim como Israel e a Palestina são pontas do iceberg que expressam as contradições do mundo em que vivemos, onde a cultura da guerra fria ainda sobrevive, através principalmente dos EUA e os seus aliados da OTAN, frente a uma realidade mundial multipolar que apresenta a China, a Rússia, o Japão e a própria União Europeia como atores relevantes do atual cenário internacional.

Como estamos nos posicionando frente a esta complexa realidade?

Desde fevereiro de 2022, o conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia ocupa papel de destaque no noticiário internacional. Envolve diretamente os EUA, a OTAN, a União Europeia e indiretamente a China. Assim como a guerra entre Israel e a Palestina, desde outubro de 2023. São disputas geopolíticas, como aconteceu e acontece hoje em diversas regiões do planeta, inclusive durante o século XX no desencadeamento das duas guerras mundiais e no período da Guerra Fria.

Hoje, por exemplo, qual seria a razão de existir da própria OTAN? Como sabemos, ela foi criada depois da segunda guerra mundial para impedir a expansão da ex-União Soviética, que não mais existe desde 1991. Como estão e vão se desenvolver as relações entre os EUA e a China e o papel da União Europeia e da Rússia neste contexto?

Marcus Pestana* - Momento decisivo para a política fiscal

Cumprindo sua missão institucional, nos termos do disposto na Resolução 42/2016 do Senado Federal, a Instituição Fiscal Independente (IFI) entregou o seu 82º. Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), relativo ao mês de novembro de 2023.

​​Trata-se de um momento decisivo para a política fiscal brasileira em função especialmente de três eventos paralelos com profundos impactos nas finanças públicas. 

Em primeiro lugar, a implantação do novo regime fiscal previsto na recém aprovada Lei Complementar 200/2023 e da meta enviada no texto do PLDO/2024, fixando déficit primário zero já no próximo ano. A declaração do próprio presidente da República, em entrevista coletiva, onde afirmou: “... Quero dizer para vocês que nós dificilmente chegaremos à meta zero”, fortaleceu incertezas já presentes e desencadeou diversas iniciativas visando a mudança da meta fiscal para 2024. O Ministério da Fazenda reafirmou o compromisso com o déficit primário zero no próximo ano e parece ter pacificado a questão.

Poesia – Zelito Magalhães* - O jornaleiro

Nascido no bairro pobre

Onde os pés da gente nobre

Jamais lá foram pisar

Ali criou-se um menino

Que, por culpa do destino

Nunca leu o B-A-BÁ.

 

Ainda na tenra idade

A grande necessidade

O tirou do doce lar.

Para ajudar no pão

Buscou uma profissão

Pois tinha que trabalhar.

 

Foi ele ser jornaleiro

Trocando tão prazenteiro

O bairro pelo centrão.

Todo dia trabalhando

Logo foi se acostumando

A gritar o seu pregão.

 

Pés descalços, maltrapilho

Percorre as ruas o filho

Da rude periferia.

Quando a tarde se dispersa

Ao barraco ele regressa

Depois de puxado dia.

 

Não existe diferença

Tudo que diz a imprensa

Tudo que sai no jornal

As manchetes decoravam

No seu pregão explorava

O fato sensacional.

 

Um dia, porém, senhores

Dobra o número de leitores

Cresce a venda do jornal:

Dois corpos ensanguentados

Na manchete são mostrados

Do crime passional.

 

Não quis ele acreditar

No que pode constatar

Na sua turva visão:

Era o pai, a mãe querida

Tudo que tinha na vida

Que desabou, veio ao chão.

O jornaleiro não lê

Porém, as fotos que vê

Lhe partem o coração.

A dor no peito pungia...

O pobre, naquele dia,

Não gritou o seu pregão.

*Zelito Magalhães, jornalista, escritor e poeta (Fortaleza-CE


Música | Sambô - Não deixe o Samba morrer