segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

MEC acerta ao querer restringir abusos do Fies

O Globo

Fundo estudantil se tornou foco de inadimplência e meio de sustentação de faculdades de baixa qualidade

O ministro da EducaçãoCamilo Santana, pretende pôr um freio no descontrolado Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), programa de crédito a estudantes criado para facilitar o acesso às universidades privadas. Em entrevista ao GLOBO, Santana afirmou que o governo enviará até o fim do ano um projeto ao Congresso com propostas para adotar critérios mais rígidos de acesso e reduzir a inadimplência, dois problemas crônicos.

Um dos objetivos, diz Santana, é diminuir a abrangência para 100 mil inscritos. Hoje são 144 mil (em 2014, chegaram a 700 mil). A ideia é que o novo Fies seja menor e mais dirigido, destinado aos que mais precisam de ajuda para ingressar numa universidade particular. Diferentemente do que ocorre na educação básica, no Brasil estabelecimentos privados respondem por 85% do ensino superior. “Para atingir a meta do Plano Nacional de Educação, garantir 50% das matrículas dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior, o papel das universidades particulares será importante”, afirma Santana.

Fernando Gabeira - COP28: são tantas emissões

O Globo

Vamos esperar que exista pelo menos uma compreensão de que parte do estrago no planeta Terra já está feita

Muita gente bem-intencionada foi a Dubai para a COP28. Longas viagens aumentam emissões de gases de efeito estufa. A esperança é que, ao cabo de tantos encontros, acordos e articulações, possam dizer:

— O importante é que emissões reduzi.

Como antigo observador, tenho dúvidas. Na Rio-92, quando as mudanças climáticas eram uma criança, os árabes torceram o nariz para o tema. Consideravam um perigo para seu principal negócio, o petróleo. Fiquei surpreso com a COP em Dubai. Significa uma virada na cabeça dos velhos produtores de óleo.

Minhas dúvidas tinham alguma base. Circulou um documento revelando que os Emirados Árabes usariam o encontro internacional para negociar petróleo com 15 países. Houve um desmentido na BBC, mas a dúvida continuou pairando no ar.

Afinal, o presidente da COP28 designado pelo país, Sultan Al Jaber, é também presidente da grande empresa petrolífera do país, a Adnoc. Algumas ONGs pediram sua renúncia, mas isso está fora de discussão.

Irapuã Santana - Democracia, República e o povo

O Globo

Não importa seu viés ideológico, a sociedade continua sendo vítima da classe política

Em linhas gerais, República é definida como forma de governo fundada na igualdade formal das pessoas, em que os detentores do poder político o exercem em caráter eletivo, representativo (de regra), transitório e com responsabilidade.

A democracia é a prática que garante aos cidadãos o poder de participar das decisões políticas de seu país.

Com base na compilação de 15 anos de pesquisa acadêmica no campo de desenvolvimento econômico, economia institucional e história econômica, o livro dos economistas Daron Acemoglu e James Robinson intitulado “Por que as nações fracassam” buscou explicar o motivo do desenvolvimento econômico distinto dos países. Segundo os autores, a prosperidade das sociedades está ligada às instituições produzidas por elas, especialmente as instituições políticas, que têm capacidade de moldar as demais. 

Miguel de Almeida - A censura da USP

O Globo

Um vestibular apenas com títulos de autoras desafina o coro

Como Nélida Piñon, entre vários outros geniais autores e ensaístas, companheiros de viagem, não acredito que haja uma literatura feminina. Existem bons e maus livros. Quase sempre resistente a modismos, seja de direita ou de esquerda, até então, a Universidade de São Paulo sucumbiu à maionese. Em 2026, o cardápio de questões oferecidas aos vestibulandos terá como base apenas ficções escritas por mulheres. Me segura que vou ter um troço.

Não é que nas provas anteriores só se contemplassem livros de macho alfa. Do tipo que cospe no chão e palita os dentes. E ali se identificasse uma candente misoginia literária, deslavado preconceito. Pelo contrário. Havia um cenário baseado em qualidade, em contundência criativa. Na lista obrigatória de leitura, há muitos vestibulares, ombreiam Machado de Assis e Cecília Meireles; Milton Hatoum e Clarice Lispector — e por aí vai. Vale dizer ainda que Mário de Andrade, Cruz e Sousa e mesmo Machado não eram matéria de prova por ser pretos (ou pardos); constavam ali pela excelência de suas obras. Tal lupa só apequena.

Alex Ribeiro - Guillen evita cantar vitória no combate à inflação

Valor Econômico

Os preços dos serviços surpreenderam, mas ele atribuiu a desaceleração a fatores mais ligados à sorte do que a um efeito extraordinário da política monetária

A inflação de serviços, a mais difícil de derrubar, passou a surpreender positivamente nos últimos meses, sobretudo os preços mais sensíveis à atividade econômica. A questão: essa melhora seria bastante para o Banco Central acelerar os cortes dos juros e impor uma rédea menos curta na sinalização para a taxa Selic no fim do ciclo de distensão monetária?

Falando a investidores na sexta-feira, o diretor de política econômica do Banco Central, Diogo Guillen, evitou decretar uma vitória definitiva. Os preços dos serviços, de fato, surpreenderam, mas ele atribuiu a desaceleração acima da esperada dos reajustes a fatores mais ligados à sorte do que a um efeito extraordinário da política monetária.

Bruno Carazza* - Quando o notável saber político prevalece

Valor Econômico

A indicação de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal gerou uma onda de críticas pelo caráter político da escolha de Lula. Não é a primeira vez: basta lembrar dos critérios de ser“ terrivelmente evangélico” e de poder “tomar tubaína comigo”, considerados por Bolsonaro na nomeação de André Mendonça para o cargo. Tampouco será a última ocasião em que a política, a ideologia ou a confiança pessoal prevalecem sobre o requisito de “notável saber jurídico” presente na Constituição.

No didático “O Supremo: entre o direito e a política”, Diego Arguelhes argumenta que as opções presidenciais para o STF quase nunca são técnicas. De um lado, ministros do Supremo são constantemente convocados a decidir sobre questões de forte conteúdo subjetivo, em que são confrontados dois ou mais princípios constitucionais. Buscando influenciar esses julgamentos, os presidentes buscam nomes com a visão ideológica de seu campo político.

César Felício - Polarização vai além da política e consolida ‘Lulanaro’

Valor Econômico

Livro “Biografia do Abismo” constata que divisão política no Brasil atingiu todas as esferas da sociedade

A opinião pública brasileira calcificou-se em uma polarização entre direita e esquerda que ultrapassou em muito a questão eleitoral. Não existe mais o Brasil, existe o “Lulanaro”, dois universos completamente diferentes, um dos adeptos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, outro do ex-presidente Jair Bolsonaro. Estar em uma esfera ou outra significa escolhas diferentes de estética, educação, consumo, lazer e até sentimentais e familiares. A divisão ultrapassou o cenário político e invadiu o cotidiano.

Essa é a conclusão central do livro “Biografia do Abismo”, do jornalista Thomas Traumann e do cientista social Felipe Nunes, da empresa de pesquisas Quaest. O nome do livro é uma alusão a uma frase famosa do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que alertou sobre o risco da radicalização: “Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne também um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo olha de volta para você”.

Denis Lerrer Rosenfield * - A esquerda perdida

O Estado de S. Paulo

Em seu afã global de afirmação, esta esquerda particularista procura extrapolar sua visão limitada a todo o planeta. O resultado é risível, não fosse trágico

A discussão sobre o significado da esquerda – ou das esquerdas – é um imperativo moral e político, pois sob o manto de sua mensagem universal as maiores barbaridades foram cometidas. E refiro-me à esquerda marxista em suas várias vertentes, com a honrosa exceção da esquerda social-democrata, considerada por essa mesma esquerda como de direita. A esquerda proclama sua bandeira ser a justiça social, quando em seu nome inúmeras injustiças foram cometidas, a exemplo da União Soviética, do Holodomor na Ucrânia, da China, do Camboja e de Cuba.

A esquerda elaborada por Marx e Engels, via seus prolongamentos em Lenin, Trotsky, Stalin e Mao, estava baseada na ideia de uma luta de vida e morte entre a “burguesia” e o “proletariado”, produto ela mesma das contradições internas do regime capitalista de produção, a caminho de sua própria ruína. A salvação da humanidade seria tarefa de uma classe redentora, o proletariado. No entanto, a crise final do capitalismo não se consumou, tendo dado lugar a crises periódicas, denominadas por Schumpeter de “destruição criativa”, de cujo desenvolvimento emergiria uma retomada do capitalismo numa escala maior e mais abrangente. Contudo, num país social e economicamente atrasado, formulou Lenin a teoria do partido revolucionário, encarregado de levar a cabo aquilo que a classe proletária seria incapaz de realizar. Em lugar do proletariado, a pequena burguesia letrada torna-se a nova vanguarda.

Marcus André Melo - A Argentina não teme o autoritarismo, mas a anarquia

Folha de S. Paulo

A América Latina presa na armadilha da democracia de baixa qualidade

A Argentina está celebrando este ano 40 anos de democracia ao tempo que assiste perplexa à eleição de Javier Milei. O paradoxo é objeto de reflexão dos cientistas políticos em um evento na semana passada em sua instituição mais qualificada na área, a Universidad Torcuato di Tella. A Argentina é peculiar: o golpe de 1976 ocorreu no país mais rico a sofrer golpe militar até então; o de 1966, idem; o de 1962 também!

O que explica a estabilidade democrática no país desde 1983, a mais longeva da América Latina com exceção de Costa Rica? Uma possível explicação é a combinação do desaparecimento de atores cujas preferências normativas não eram pela democracia, mas alternativas autoritárias: a esquerda revolucionária, representada sobretudo pelos Motoneros, e os militares. Os setores peronistas radicais à direita e à esquerda (que inclusive se enfrentaram em confrontos armados) desapareceram do jogo político.

Ana Cristina Rosa - O preço de pegar a contramão da história

Folha de S. Paulo

É inegável que esta é uma pátria construída sobre os pilares da desigualdade

O Brasil não é um país de iguais. Aqui tem pacto da branquitude, privilégio branco, colorismo, racismo, machismo e meritocracia aplicada de maneira assimétrica. Tudo junto e misturado.

As evidências estão no cotidiano, nas pequenas atitudes do dia a dia, em decisões tomadas não só por um contingente significativo de cidadãos, mas também pelo Estado (o que é ainda mais grave), que deveria a todos representar, proteger e servir.

Apesar dos incontáveis esforços para reescrever o passado, é inegável que esta é uma pátria construída sobre os pilares da desigualdade. Forjada à base de exploração dos povos originários e de milhões de homens e mulheres escravizados e traficados do continente africano por colonizadores.

Lygia Maria - Imprensa resfriada

Folha de S. Paulo

Decisão do STF que responsabiliza jornais por falas de entrevistados desconsidera o 'chilling effect'

Em relação à liberdade de expressão e de imprensa, o mundo jurídico de língua inglesa tem se valido desde os anos 1950 do conceito de "chilling effect" —em tradução literal, seria "efeito resfriador", mas significa de fato "efeito inibidor". A metáfora indica o fenômeno no qual indivíduos ou grupos se abstêm de se expressarem por medo de transgredirem alguma lei ou regulamento.

No âmbito privado, tal comportamento não é de todo nefasto. O problema ocorre com figuras públicas e discursos de interesse social. Jornais podem ser dissuadidos de divulgarem informações necessárias para o controle cidadão do governo.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - A mídia e suas liberdades

Lembro Paul Virilio: os meios de comunicação são o único poder com a prerrogativa de editar suas próprias leis e sustentar a pretensão de não se submeter a nenhuma outra

Leio no Jornal de Brasília: o empresário Luiz Felipe D’Avila, político do partido Novo, admitiu em um podcast gravado dois meses atrás que ele, André Esteves, Rubens Ometto e Abilio Diniz, sogro de D’Avila, buscam meios para comprar o jornal O Estado de S. Paulo, o Estadão. A ideia do grupo bilionário seria “juntar todo mundo”: Estadão, revista Oeste, Brasil Paralelo, Jovem Pan, em um grupo nos moldes daquele comandado por Rupert Murdoch. A ideia seria combater “este governo perverso”, falando do PT.

Tempos atrás, o filósofo Jürgen ­Habermas escreveu nas páginas do jornal alemão Die Zeit um artigo que assustou os leitores com o título “O quarto poder corre perigo?” Tratava-se da notícia alarmante de que o Süddeutsche Zeitung rumava para um futuro econômico de incertezas.

Poesia | Para viver um grande amor de Vinícius de Moraes - Declamação de Tulio Rodrigues

 

Música | Nara Leão - Cordão da Saideira (Edu Lobo)