Luís Antônio Giron | Revista IstoÈ
Aos 76 anos, o espanhol Manuel Castells, sociólogo e teórico da comunicação, se distingue de outros intelectuais pelo otimismo em relação ao fenômeno das redes sociais. Ele defende que Facebook, Twitter, Telegram e outras formas de organização por meios digitais estão transformando o mundo, e para melhor. As distorções e explorações serão normalmente corrigidas, até que o planeta atinja um nível de interação completa. Mesmo assim, Castells teme pela sobrevivência do sistema democrático. Ele acaba de lançar o livro “Ruptura — A Crise da Democracia Liberal”, pela editora Zahar. Nesse ensaio, ele analisa a crise de representatividade que toma conta do mundo, em que as populações de eleitores se sentem órfãos dos políticos que os deviam supostamente representá-los. Foi o que corroeu, segundo ele, a construção da União Europeia e tem gerado conturbações no continente e no mundo. Nesta entrevista concedida por e-mail, Castells aponta saídas para as trevas em que o planeta está mergulhado.
• O senhor afirma em “Ruptura” que a crise que o mundo experimenta é a de descrença nas instituições, fato que tornaria ilegítima a representação política. Como o senhor define tal descrença?
Os cidadãos em todos os países e na sua grande maioria não acreditam que os partidos, os parlamentos e os governos possam representá-los. Esses são os dados de fontes diversas reunidas na minha pesquisa, que estão presentes na internet e acompanham o meu livro. A representação é ilegítima porque a designação dos representantes está condicionadas por leis eleitorais condicionadas pelos principais partidos, pelo financiamento ilegal que esses partidos obtêm e pela manipulação de opinião no processo de comunicação.
• Em que medida a ruptura abala a democracia?
A ruptura é a ruptura da democracia, ou seja, a separação entre governantes e governados, que é a negação da representação e, portanto, da democracia.
• Mesmo com todas as campanhas de esclarecimento em torno de valores humanos e sociedade, a democracia corre perigo de ser vencida por regimes autoritários?
A democracia liberal, um determinado modelo histórico de democracia, está se autodestruindo pela sua própria prática corrupta. Não é uma crise externa e sim interna.
• A judicialização do Estado no Brasil — por causa da Operação Lava Jato — é um fato positivo ou ela está provocando uma crise institucional? Esse fenômeno acontece em outros países?
A judicialização da política elimina a separação de poderes, que era a base da democracia liberal. Ela é a causa principal da crise institucional. Ela acontece em muitos países, mas, no Brasil, é muito mais brutal e mais direta, com objetivos diretamente políticos da parte do poder judicial.
• O presidente Temer tem o desafio de governar até janeiro de 2019, com todas as conturbações que terá pela frente, para não mencionar as eleições gerais. Como será esse futuro próximo do Brasil?
Michel Temer, sim, é corrupto e simplesmente tentar terminar seus últimos meses colaborando com uma eleição que lhe garante a impunidade. O Brasil está completamente desestabilizado. A situação é extremamente perigosa. Mesmo assim, confio no profissionalismo das Forças Armadas.
• Muitos analistas políticos apontam a corrupção como o pior mal da política do Brasil na atualidade. O senhor concorda com isso?
O pior mal do Brasil é a utilização da corrupção por um congresso majoritariamente corrupto.
• Que comparação o senhor faz entre a situação do Brasil hoje e a de junho de 2013, quando começaram os movimentos de protesto contra o PT? As coisas melhoraram? Por quê?
Em 2013, havia movimentos sociais espontâneos, geralmente jovens. A eles a presidenta Dilma Rousseff reagiu positivamente, propondo uma reforma constitucional e o controle da corrupção no Congresso. E o Congresso corrupto reagiu com um impeachment arbitrário por um motivo de erro técnico anterior, não por causa de um ato de corrupção. A situação se agravou quando os corruptos assumiram o poder para encobrir sua própria corrupção. Além disso, ocorre o financiamento estrangeiro de movimentos golpistas que podem acabar com a democracia no Brasil.
• A que o senhor atribui a polarização política no Brasil atual? Esse fenômeno acontece em outras regiões?
A oligarquia política baseada em redes regionais de clientelismo, e seus aliados nas elites do capitalismo especulativo (imobiliário, financeiro) perderam o poder, ao mesmo tempo em que os movimentos sociais cresciam. É uma luta direta pelo poder de classe e pelo controle das redes de clientelismo do Estado.
• Como analisa a prisão de Lula? Ele pode ser considerado um preso político, como dizem os militantes do PT?
Lula é claramente um preso político. Isso porque, mesmo que o PT seja corrupto (embora menos que os outros partidos), ele não estava pessoalmente na corrupção, e acabou caindo num armadilha que lhe prepararam.