quarta-feira, 3 de junho de 2020

Opinião do dia – Gilmar Mendes*

Tenho reiterado que as Forças Armadas são instituições permanentes que devem ser compreendidas na sua acepção republicana. É incompatível com a Constituição a ideia de que elas possam fechar o STF ou o Congresso. O Exército não é milícia.


*Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, em entrevista no canal Globonews, domingo, 31/05/2020.

A violência é inimiga da democracia – Editorial | O Globo

Depredação e vandalismo em Curitiba chamam a atenção para cuidados a se tomar na crise política

O risco de a crise institucional ser agravada pela violência começou a surgir no domingo na Avenida Paulista, quando a Polícia Militar interveio para manter separados grupos pró-Bolsonaro e autodenominados pró-democracia, convocados entre integrantes de torcidas organizadas de times de São Paulo. A bandeira de uma organização neonazista ucraniana em um carro de som bolsonarista e a tentativa de repetir no Brasil a politização de grupos de torcedores como ocorre na Argentina deram um ar de distanciamento da realidade aos dois lados, mas não se pode menosprezar o que aconteceu neste domingo.

Na Avenida Atlântica, por sua vez, houve nova indicação de que a política pode estar se infiltrando nos estádios, também com o desfile de torcedores democratas, o que é ruim para a política e para o esporte. Torcer por um time nada tem a ver com ideologia, nem preferências políticas podem estar subordinadas a performances e paixões esportivas. São universos distintos.

Lideranças políticas da grande maioria dos defensores da democracia — os 70% mensurados em pesquisas — precisam agir para esvaziar qualquer possibilidade de a desavença ideológica se converter em conflitos que só interessam aos que não desejam que as instituições republicanas façam a devida mediação entre os diversos segmentos políticos e ideológicos, dentro da regra do jogo, ou seja, a Constituição. É fácil perceber quem eles são.

Merval Pereira - Má interpretação

- O Globo

A definição de que a ação das FA dependeria da iniciativa de qualquer dos Poderes foi o pomo da discórdia

A interpretação bolsonarista de que as Forças Armadas têm a função de intervir como Poder Moderador diante de um conflito entre o Executivo e os demais Poderes da República, Legislativo e Judiciário, de acordo com o artigo 142 da Constituição, não tem base jurídica, como ressaltou o parecer da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgado ontem.

Significaria “que qualquer conflito entre os Poderes estaria submetido à autoridade suprema do Presidente da República, pois mediado pelas Forças Armadas, que desempenham suas atividades sob seu comando. E essa interpretação, ao estabelecer hierarquia entre os Poderes, traria importantes e graves riscos para o princípio da supremacia constitucional”.

Essa má interpretação constitucional foi exatamente o que os constituintes de 1988 quiseram evitar, e tiveram muito trabalho para superar os obstáculos colocados no caminho da definição do papel das Forças Armadas.

Os militares, tendo à frente o ministro do Exército Leonidas Pires Gonçalves, pressionaram muito para que os termos da Constituição de 1946, repetidos na de 1967, permanecessem: “Art. 177: Destinam-se as FA a defender a pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem”.

Os constituintes viam nessa Redacao, embora tradicional, a aceitação de que caberia às Forças Armadas a decisão de quando agir. Queriam que essa possibilidade implícita de intervenção das Forças Armadas fosse descartada, propondo o que acabou prevalecendo sobre a destinação das Forças Armadas: “Art. 142: (...) (FA destinam-se) à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Bernardo Mello Franco - O ovo da serpente

- O Globo

Quando um general tentou emparedar o STF às vésperas da eleição, Celso de Mello lembrou a metáfora do ovo da serpente. Agora ele atualizou o alerta: o ovo “parece prestes a eclodir”

Quando o general Villas Bôas tentou emparedar o Supremo às vésperas da eleição presidencial, Celso de Mello foi o único ministro a protestar. Não é coincidência que ele seja, agora, a principal voz contra o cerco bolsonarista à Corte.

Em abril de 2018, o então comandante do Exército disparou um tuíte em tom de ameaça. Insinuou uma reação armada caso o tribunal concedesse habeas corpus a um pré-candidato ao Planalto.

O decano se levantou contra a interferência indevida. “Insurgências de de natureza pretoriana, à semelhança da ideia metafórica do ovo da serpente, descaracterizam a legitimidade do poder civil instituído e fragilizam as instituições democráticas”, afirmou.

Contra o voto de Celso, o Supremo negou o habeas corpus. A decisão satisfez o general e facilitou a eleição do candidato preferido dos militares.

Elio Gaspari - De Mussolini@edu para Jair@gov

- O Globo / Folha de S. Paulo

Os meus milicianos emporcalharam o fascismo. Poucos morreram no campo de batalha

Capitão Bolsonaro,

O senhor usou uma frase que eu repeti em 1932: “É melhor viver um dia como leão que cem anos como cordeiro”. O Donald Trump também a usou. Escrevo-lhe para retificar essa fanfarronada, uma das muitas que soltei pela vida. Eu morri como um gatinho.

Na tarde de 27 de abril de 1945 os russos estavam perto de Berlim, e eu fugia pelo Norte da Itália num comboio alemão, vestindo o capote de um cabo da Wehrmacht, escondido dentro de um capacete. Fomos interceptados por uma patrulha de combatentes italianos e fui reconhecido no fundo do veículo. Aprisionado, levaram-me para uma casa, onde passei a noite. Pela manhã, deram-me algum salame e pão. O Partido Comunista destacou uma patrulha para me matar e à tarde chegou o “Coronel Valerio”. Fui metralhado diante do portão.

Fiquei cerca de 24 horas com meus captores e são muitas as versões do que aconteceu nesse período, mas nenhuma delas registra momentos de bravura. Não sei se há coragem no suicídio, pois nunca pensei em me matar. Hitler matou-se dois dias depois. Um dia encontrei aqui o Getúlio Vargas e ele me explicou que, matando-se, dobrou seus inimigos. É verdade, mas eu, como Napoleão Bonaparte, não tinha essa carta. Havia enfiado a Itália numa guerra e ela estava perdida.

O que os italianos fizeram com meu cadáver, pendurando-me de cabeça para baixo num posto de gasolina, foi apenas uma prova da volubilidade daquele povo. Uma gente que me adorava, ainda que a recíproca não fosse verdadeira.

Escrevo-lhe porque tenho um especial carinho pelo Brasil. Em 1910, quando os Bolsonaro já viviam no interior de São Paulo há algum tempo, eu fui convidado para dirigir um jornal socialista na cidade. Não aceitei, porque minha mulher engravidou. Antes tivesse ido. O primeiro posto diplomático do meu genro foi o Rio de Janeiro. O senhor deve ter ouvido falar no Galeazzo Ciano, ele financiava os integralistas. Minha filha Edda esteve no Brasil em 1939 e ficou hospedada na mansão da família Prado. Depois da guerra uma das minhas netas viveu aí.

Zuenir Ventura - Em defesa da democracia

- O Globo

Há um despertar crítico da sociedade

O que há de comum entre membros de torcidas organizadas e intelectuais, artistas, políticos e juristas? É que eles, depois de um longo silêncio, acabam de se expressar, por meio de manifestos e na rua, em defesa da nossa ameaçada democracia. O fenômeno veio ilustrar o que as pesquisas de opinião já apontavam: a insatisfação com o governo. Ontem mesmo, quando um importante assessor de Bolsonaro era acusado de operar robôs, isto é, de espalhar notícias falsas, era publicado o levantamento do Ibope revelando que 90% dos brasileiros querem uma legislação contra as fake news.

Antes, o mesmo instituto mostrava que 70% dos consultados consideravam o governo atual como ruim, péssimo ou regular. O resultado deu origem ao movimento #Somos70porcento, que invadiu as redes sociais.

Dos manifestos, o “Basta”, de advogados e juristas, defende com ênfase as instituições democráticas e acusa o presidente de já ter cometido crimes de responsabilidade, o que, como se sabe, pode levar ao impeachment.

O mais amplo é o #Juntos, que já conta com mais de 200 mil assinaturas, e conseguiu o que parecia impossível nestes tempos de polarização e intolerância. Juntou os contrários num mesmo texto, colocando lado a lado direita, esquerda e centro. Apresenta-se assim, olha que beleza: “Com ideias e opiniões diferentes comungamos dos mesmos princípios éticos e democráticos.

Míriam Leitão - Comércio externo após a pandemia

- O Globo

Pandemia elevará a disputa no comércio internacional. Brasil pode ser afetado pela piora da imagem e os atritos com os chineses

A disputa por mercados será mais intensa no comércio externo após a pandemia, e o Brasil está mal posicionado nesse novo cenário. O país depende da China para manter as exportações de commodities, mas abriu várias frentes de atritos com os chineses. A instabilidade política aumentou a oscilação do dólar, o que dificulta a venda de manufaturados. A desastrosa gestão da crise na saúde afetou a imagem do país, isso pode prejudicar o comércio e certamente reduzirá a intenção de investimentos.

A forte queda da produção industrial em abril cria o ambiente para os pedidos de sempre da indústria. O erro a não cometer é elevar o protecionismo e os subsídios para o setor. Mas é exatamente isso que a indústria já está pedindo.

Até o momento, as exportações brasileiras de produtos industrializados despencaram 23,2% de janeiro a maio, mas a venda de produtos básicos cresceu 8,8% e garantiu o nosso saldo comercial. A OMC estima que o comércio mundial vai cair 32% este ano em volume, mas o Brasil, em maio, conseguiu aumentar as exportações em 2,8% em toneladas. Segundo a pesquisadora associada do Ibre/FGV Lia Valls, isso acontece pelos embarques principalmente de soja e de outros produtos agropecuários para a China.

‘Traidores da Pátria’ – Editorial | O Estado de S. Paulo

Deveria ser desnecessário enfatizar essa obrigação, mas, nestes tempos estranhos, nunca é demais lembrar que descumprir ordem emanada do STF equivale a desrespeitar a Constituição

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello rejeitou, a pedido da Procuradoria-Geral da República, um requerimento de partidos de oposição para que o celular do presidente Jair Bolsonaro fosse apreendido na investigação sobre sua suposta tentativa de interferir politicamente na Polícia Federal. Ao fazê-lo, o decano do STF apenas seguiu o que está na lei, que limita ao Ministério Público a prerrogativa de requerer diligências desse tipo em investigação penal, assim como havia meramente seguido a praxe ao encaminhar tal requerimento para análise do Ministério Público.

Como se sabe, esse foi um dos casos que serviram de pretexto para que o presidente da República ameaçasse descumprir ordens judiciais que considerasse “absurdas”. Quando o pedido de apreensão do celular de Bolsonaro foi encaminhado pelo ministro Celso de Mello à Procuradoria-Geral, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, emitiu uma “nota à Nação” para dizer que “o pedido de apreensão do celular do presidente da República é inconcebível e, até certo ponto, inacreditável” – como se Celso de Mello tivesse aceitado o requerimento – e para declarar que a atitude do ministro do Supremo poderia resultar em “consequências imprevisíveis” – uma explícita ameaça de ruptura institucional. Para não haver dúvidas sobre a disposição hostil do bolsonarismo, o próprio presidente avisou: “Me desculpe, senhor ministro Celso de Mello. Retire o seu pedido, que meu telefone não será entregue. Ninguém vai pegar o meu telefone”.

Vera Magalhães - ‘Não consigo respirar’

- O Estado de S.Paulo

Protestos agregam convulsão social a uma crise sem paralelo

A reação ao assassinato, pela polícia de Minneapolis, do ex-segurança George Floyd, em 25 de maio, foi o estopim para a eclosão de manifestações que se espalharam primeiro pelos Estados Unidos, mas que começam a ganhar o mundo, contra o racismo e o fascismo.

Não é a primeira vez que o mundo assiste a movimentos de rua combinados, que vão ganhando corpo e agregando insatisfações sociais e políticas antes latentes. Aconteceu em 1968. Mais recentemente, ocorreu em 2013, no Brasil e também em diversos países. No ano passado, protestos varreram diversos países da América Latina.

E agora? O que o movimento racial dos Estados Unidos e os ainda localizados, mas inquietantes, confrontos no Brasil entre bolsonaristas e oposicionistas têm de inédito? O óbvio: são movimentos que, para além do chavão “começaram pacíficos, mas descambaram para a violência”, ocorrem em meio à maior pandemia em mais de um século. E isso não é um detalhe desprezível.

No momento em que a França, por exemplo, começa a ensaiar uma reabertura para o turismo e outras atividades econômicas, Paris se viu com as ruas apinhadas de pessoas protestando também contra a violência policial contra negros.

Os Estados Unidos e o Brasil nem chegaram ainda a sair da quarentena, que tanto lá quanto cá se dá de forma irregular, desordenada e tumultuada por presidentes ciclotímicos e desinteressados no combate efetivo ao coronavírus.

Rosângela Bittar - Antes do primeiro tiro

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro abandonou a maioria para liderar a minoria numa guerra de interesse pessoal

Garroteado pelo vírus mortal, que ignora, e pela economia degradada, mal da conta de um só ministro, Jair Bolsonaro, que nunca assumiu a presidência de todos os brasileiros, agora desertou de vez.

Abandonou a maioria para liderar a minoria numa guerra de motivação e interesse pessoal. Fechados com ele estão 26% dos brasileiros, muitos dos quais identificados em pesquisas: Forças Armadas, que reforçam as iniciativas transgressoras do comandante em chefe; Polícias Militares; gabinete do ódio, organização que já se ramificou por seis ou sete Estados; boa parte dos aposentados; empresários financiadores da rede de fake news; milícias digitais e seus robôs; fanáticos perigosos e armados confessos; filhos e amigos.

Não surpreende a existência, na sociedade brasileira, deste elevado número de praticantes do jogo de conflito permanente. Analistas afirmam que sempre foi deste tamanho o espectro da direita à extrema direita, espaço entremeado pelos adeptos do nazismo, do fascismo e do culto às armas de fogo como instrumento da disputa política.

Marco Aurélio Nogueira* - Pessimismo paralisante da sociedade civil se rompeu

- O Estado de S. Paulo

As ruas não são mais território exclusivo dos apoiadores do presidente. As manifestações do último domingo, puxadas por torcidas organizadas de futebol, a começar da Gaviões da Fiel, inauguraram uma nova fase na vida política nacional. Representam a ampliação da resistência ao bolsonarismo e do isolamento do presidente, que se vê cada vez mais enfurnado em Brasília.

As manifestações não tiveram densidade de massa. O isolamento social impediu. A batalha é desigual, porque os negacionistas não conhecem barreiras sanitárias e contam com o apoio simbólico do governo, recursos logísticos e mensagens do gabinete do ódio.

Paralelamente, passaram a circular manifestos endossados por centenas de milhares de cidadãos, intelectuais e artistas. Diferentes setores da sociedade civil somam sua voz à dos ministros do STF, os grandes jornais estampam diariamente sua indignação, surgem movimentos inéditos de aproximação entre partidos até há pouco separados por divergências complicadas. Tudo mostra que o diálogo e a reunião dos democratas parecem ter encontrado um desaguadouro promissor.

O quadro ainda é impreciso. Não há nele uma via de mão única. O bolsonarismo continua vivo. Bem ou mal, ocupa o poder federal, onde acamparam segmentos das Forças Armadas que lhe têm fornecido respaldo e batem continência para o capitão. O governo tem buscado erguer no Congresso Nacional uma base de sustentação, preocupado com sua sobrevivência. O apetite guloso do Centrão, com seus próceres desprovidos de maior dignidade ou respeito constitucional, alimenta o governo mas também o impede de funcionar.

Há muito combustível para a expansão do protesto cívico e o reagrupamento dos democratas.

Começou a se romper o pessimismo paralisante em que a sociedade civil se encontrava. O cerco ao autoritarismo avança. Não é um trabalho simples. Ele requer combatividade e paciência, metas claras e apoios, ligação entre a defesa da vida, a recuperação da economia e o reforço da democracia.

*É professor titular de teoria política da Unesp

Fabio Giambiagi* - O que aconteceu com o Brasil?

- O Estado de S.Paulo

Neste festival diário de agressividade, grosseria, exacerbação do conflito, não o reconheço mais

O tocante artigo Meu Brasil brasileiro, de minha amiga Elena Landau, publicado neste jornal há alguns dias (22/5), ativou em mim umas memórias que entendi que poderia ser apropriado compartilhar com os leitores. O argentino Jorge Luis Borges, um europeísta assumido, tinha uma frase deliciosa acerca de si mesmo: “Soy un europeo nacido en el exilio”. Essa foi, muito modestamente, por analogia, minha sensação acerca do Brasil. Pela minha história, filho de pais argentinos, tendo nascido no Brasil e ido morar em Buenos Aires aos 10 meses de idade, eu era “um argentino nascido no Rio”.

Quando vim para o Brasil, na adolescência, eu o fiz deixando para trás lembranças associadas àquela época sangrenta da Argentina, uma das mais marcantes sendo a do sumiço de um primo distante. Ele engrossara a lista dos “desaparecidos” e, como quase todos nela, nunca mais voltou ao mundo dos vivos. Ao se esvair no ar, ele deixou a esposa – minha prima – grávida.

O pai – agora falecido – dessa minha prima era um prestigioso cardiologista, que trabalhava no Hospital Militar de Buenos Aires. Eram tempos terríveis e ele convivia com a suspeita de que, provavelmente, em algum momento deve ter tido como paciente um dos assassinos do seu genro.

Vivendo minha prima, após o desaparecimento do marido, na incerteza do que Alencar Furtado, em discurso famoso no Brasil, qualificara como as “viúvas do quem sabe se talvez”, o pai dela, querendo que a filha pudesse reconstituir a sua vida e já com o neto no mundo, ativou contatos chave e solicitou uma entrevista com o comandante de um dos principais comandos militares. Deste, dizia-se, emanavam as decisões acerca de quem poderia ser considerado preso oficial e quem estava destinado a algum dos temíveis “voos da morte”, que despejavam os cadáveres dos “desaparecidos” no Rio da Prata.

Monica De Bolle* - Renda básica é impagável?

- O Estado de S. Paulo

O impacto total desse tipo de programa sobre as contas públicas acaba sendo menor do que parece

A ideia de se instituir um programa de renda básica permanente está ganhando adeptos mundo afora. Em resposta à crise, o governo da Espanha aprovou, na sexta-feira, um programa de renda mínima para reduzir a pobreza. Governos de outros países estão considerando medidas semelhantes, como é o caso do Chile.

No Brasil, o debate sobre a renda básica ganhou fôlego no âmbito da adoção do auxílio emergencial de R$ 600 em abril, cuja prorrogação é necessária para o enfrentamento da pandemia e dos efeitos macroeconômicos dela provenientes. Mas a renda básica que hoje é assunto de artigos diversos – inclusive da série de colunas que tenho escrito neste espaço sobre o tema – transcende a emergência. A ideia é fazer o que fez a Espanha e torná-la um benefício permanente, reforçando as redes de proteção social do País.

Há muitos pesquisadores no Brasil debruçados sobre esse tema, fazendo simulações, contas, analisando os dados e as possibilidades. Destaco em especial o trabalho de pesquisadores do Ipea, da USP, e do Cedeplar da UFMG. Esses são os estudos que mais têm recebido a atenção dos parlamentares no Congresso, ao contrário de outras propostas que nem sequer estão em discussão. Insisto: não há uma só proposta para a renda básica. Há várias. Algumas são perfeitamente viáveis do ponto de vista macroeconômico e sustentáveis do ponto de vista fiscal. Outras são impagáveis.

Os militares e a lei – Editorial | Folha de S. Paulo

Em inúmeras crises na redemocratização; Forças da ativa sempre honraram a Carta

A ascensão de Jair Bolsonaro trouxe consigo o inevitável debate a respeito da identificação dos militares com sua administração.

Cercado por generais da reserva já na campanha e depois dela, o capitão reformado do Exército sempre se esforçou para sequestrar a credibilidade das Forças Armadas, construída na redemocratização. A retórica belicosa e o discurso salvacionista ganham campo à medida que menos insígnias existam no ombro do militar.

Esses militares da reserva viram sua imagem ser associada à do governo, e o agravamento da crise política —impulsionado pela reação negacionista do governo à pandemia e seus efeitos sanitários devastadores— acentuou preocupações. É necessário, contudo, desmistificar a ideia de adesão e demarcar diferenças importantes.

De fato, quase todo domingo o presidente brinda o país com a presença em atos antidemocráticos que pedem atrocidades como o fechamento do Supremo Tribunal Federal ou do Congresso.

Hélio Schwartsman - Quando o chefe é a crise

- Folha de S. Paulo

Donald Trump é o responsável por incendiar os protestos nos EUA

Os mais novos talvez não acreditem, mas, nos EUA dos anos 90, democratas e republicanos eram indistinguíveis em suas crenças sobre o aquecimento global. Naqueles tempos, vacinas e cesarianas não provocavam discussões políticas, e autores respeitáveis podiam escrever sem passar vergonha que não faria muita diferença se os EUA tivessem um presidente democrata ou republicano, desde que Alan Greenspan permanecesse no comando do Fed, o banco central daquele país.

Obviamente, não dá para dizer que nos anos 90 não existia ideologia. Ela estava lá, mas havia uma espécie de etiqueta comportamental observada por todas as pessoas educadas e, principalmente, pelas lideranças políticas.

Ruy Castro* - Governar a cavalo

- Folha de S. Paulo

O problema é que um dia o animal tem de voltar para a estrebaria

Os estertores da ditadura militar produziram uma figura de pé de página na história do Brasil: o general Newton Cruz. Enquanto chefe do SNI sob o presidente Figueiredo, só as trevas o conheciam. Mas, em 1983, quando Figueiredo o promoveu a comandante militar do Planalto, seu estilo saiu à luz do dia.

Newton Cruz foi pioneiro em mandar repórteres calar a boca, partiu para estrangular um deles numa coletiva e, de rebenque e capacete, comandava a cavalo as operações antiprotesto em Brasília, chicoteando os carros e jogando o pobre animal contra as pessoas na calçada.

É um perigo quando autoridades se prestam a tais fanfarronices. O povo tende a identificá-los com sua montaria, vendo neles um único quadrúpede. Newton Cruz nunca se livrou dessa imagem, nem mesmo quando foi acusado de envolvimento em episódios turvos da ditadura, um deles a bomba no Riocentro, em 1981. Passou à posteridade aos relinchos.

Bruno Boghossian – Luiz Inácio não vai com os outros

- Folha de S. Paulo

Petista rejeita aliança por acreditar que pode se contrapor sozinho a uma recessão econômica

A quatro dias do segundo turno de 2018, Lula cobrou a união de “todos e todas que defendem a democracia”. Numa carta escrita da prisão, o ex-presidente anotou que o país caminhava em direção a uma “aventura fascista” e afirmou: “É o momento de unir o povo, os democratas, todos e todas em torno da candidatura de Fernando Haddad”.

O petista agora indica que aquela era uma peça de marketing de baixa qualidade. Nos últimos dias, ele criticou esforços pela criação de uma frente contra tendências autoritárias de Jair Bolsonaro.

Classificou manifestos em defesa da democracia como projetos da elite e desestimulou o PT a aderir aos movimentos.

“Sinceramente, eu não tenho mais idade para ser maria vai com as outras”, afirmou o ex-presidente num evento do partido, na segunda (1º).

Eduardo Leite* - Confiança para combater a pandemia

- Folha de S. Paulo

Dubiedade do governo federal tumultua o presente e arrisca o futuro

Embora menos potente que o vírus, a perda de confiança está entre os mais dramáticos efeitos produzidos pela Covid-19. A incerteza gerada pela doença amedronta as pessoas, que temem perder as suas vidas e a de seus familiares. E vai além: amplifica as consequências econômicas decorrentes da suspensão de atividades, na medida em que prolonga a dúvida a respeito da segurança de qualquer retomada.

A economia não funciona à força, pois está ancorada em fundamentos comportamentais. Tanto o investidor como o consumidor movem-se a partir de expectativas e são, portanto, sensíveis a fatores como risco, insegurança e falta de previsibilidade. Não basta uma convocação coletiva para colocar os agentes econômicos a operar novamente nos mesmos parâmetros anteriores aos da pandemia.

A doença, que é desconhecida, por si só já espalha doses de irracionalidade a todos os âmbitos da vida da nossa população. O papel dos governos, diante de tanta dúvida e volatilidade, deve ser o de oferecer um eixo de ação coerente sobre o que está acontecendo, sem bravatas. Como agentes públicos, temos o dever de levar a sério a complexidade do cenário e injetar ponderação, sobriedade e maturidade em nossas atitudes.

Manifestos prenunciam novas alianças contra Bolsonaro – Editorial | Valor Econômico

O presidente pode tirar coelhos da cartola para melhorar suas chances eleitorais, mas não há muitos

Ao tentar atropelar tudo e todos com seu autoritarismo desvairado, o presidente Jair Bolsonaro está unindo a nação contra si. Vários manifestos pluripartidários ou profissionais (juízes, procuradores e advogados) foram divulgados quase simultaneamente. Ainda que de forma violenta, com a presença de sempre de alguns arruaceiros oportunistas, as ruas começaram a deixar de ser exclusividade da franja de direita da política nacional. A covid-19 desaconselha vivamente aglomerações, mas há poucas dúvidas de que o amplo arco de descontentes que se juntaram nos manifestos terá o caminho das ruas tão logo amenize a pandemia.

Com o incrível vídeo da reunião ministerial, constantes ameaças ao Judiciário, depois de ter desarmado a luta contra o coronavírus, Bolsonaro atingiu tal limite de saturação que em um ano e meio de governo já se discute abertamente a conveniência de um processo de impeachment do presidente ou dele e seu vice, Hamilton Mourão. Há três inquéritos em andamento no STF e Tribunal Superior Eleitoral que conversam entre si e dois deles podem desaguar no pedido de impugnação da chapa presidencial.

“Bolsonaro é instrumento dos militares”

Para professor da UFRJ, especialista em militarismo, Forças Armadas não representam mais parte moderna da sociedade para arrogarem papel moderador

Por Cristian Klein | Valor Econômico

RIO - Especialista na relação entre a caserna e a política brasileira, o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eduardo Costa Pinto, anota na ponta do lápis os principais pontos da escalada do militarismo nos últimos anos e afirma ver com cada vez mais preocupação a possibilidade de tentativa de autogolpe pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Lembra que o guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, já proferia palestras em quartéis desde os anos 1990, reforçando um caldo ideológico que hoje mobiliza o discurso radical de generais e oficiais de diferentes patentes espalhados por toda a administração federal.

Em sua opinião, o avanço começou já na campanha presidencial, quando os militares encamparam a candidatura Bolsonaro de modo não pessoal, mas “bem institucionalizado”. Para o professor, a intervenção militar já existe na medida em que o governo é ocupado por quase 3 mil militares da ativa e da reserva, um contingente maior, aponta, do que na época do regime militar. “Bolsonaro, esse é o ponto, é instrumento dos militares. Os militares voltaram ao poder pela eleição”, diz. Para o especialista, hoje não haveria muito sentido em se falar em golpe pois os militares já estão no poder. “Mas o que tem acontecido, de forma muito perigosa, é que eles estão balançando as armas a todo momento para evitar que um pedido de impeachment prospere. Já vivemos uma democracia restrita”, afirma.

Para Costa Pinto, as instituições brasileiras continuam de pé, mas “estão em frangalhos” e não conseguem mais realizar seu papel de reduzir as incertezas. Por isso, o país vive no curto prazo “há quatro ou cinco anos”.

O professor concorda com a tese de que, no passado, durante a República Velha e o movimento tenentista, o militarismo no Brasil, como em outros países, até poderia ser explicado por terem sido as Forças Armadas uma “parte moderna” da sociedade que tomou para si o papel de vanguarda no processo de urbanização e de desenvolvimento. Mas que isso não se aplica ou se justifica mais:

“Não dá para dizer que é o moderno. É o contrário. Nunca foi tão atrasada a cabeça do militar hoje. É como se ainda vivessem na Guerra Fria”.

Manifestações antibolsonaristas empurram Planalto ao diálogo

Aconselhado por militares e aliados, presidente inicia conversas com o Supremo

Por Fabio Murakawa | Valor Econômico

BRASÍLIA - A perda do monopólio das ruas, com as manifestações antibolsonaristas do domingo, acendeu um alerta no Palácio do Planalto, empurrando o presidente da República a um diálogo com o Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de evitar uma crise institucional cujas consequências são imprevisíveis.

Aconselhado por ministros militares e alguns de seus aliados mais próximos, Jair Bolsonaro decidiu baixar o tom belicoso com que vinha se referindo a decisões da Corte e desestimular manifestações como as que vêm ocorrendo invariavelmente nos fins de semana com a sua participação.

Segundo fontes do governo, já há conversas informais com o STF visando arrefecer os ânimos e encontrar uma solução.

Nos últimos dias, e nesse contexto, o presidente conversou por telefone com os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Também têm atuado como conselheiros e interlocutores de Bolsonaro os ministros Walter Souza Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).
A participação de Bolsonaro, ontem, na posse de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ainda que por videoconferência, foi um gesto do presidente em favor do diálogo com o Judiciário.

Bolsonaro e seus aliados, porém, também esperam sinalizações do STF. O que mais irrita o presidente e seu entorno são decisões monocráticas como a do próprio Moraes, que no fim de abril barrou a nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal.

O Planalto acredita que decisões graves como essa, embora tenham amparo legal, devem ser sempre chanceladas em plenário.

Essa sugestão foi dada pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello, no início de maio, quando a polêmica sobre Ramagem estremeceu as relações entre STF e Planalto.

Fernando Exman - As notícias reais que preocupam o governo

- Valor Econômico

Bolsonaro faz raro gesto para evitar briga entre os polos

Dois eventos distintos esperados - e temidos - por autoridades do governo Jair Bolsonaro ocorreram nos últimos dias. Por ordem cronológica, e não necessariamente de preocupação: o avanço do inquérito das “fake news” e o início de manifestações populares contra o presidente da República. A cúpula do governo sabe de onde surgiram esses riscos, mas ainda não tem a menor ideia de quando eles irão cessar e aonde irão chegar.

O inquérito das “fake news” nasceu em meados de março do ano passado. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, abriu uma sessão plenária da Corte já anunciando sua decisão. Uma nova investigação englobaria, além da disseminação de notícias falsas, ameaças, calúnias, difamações e injúrias que atingissem a honra e a segurança dos integrantes da Corte e seus familiares.

O motivo foi compreendido pelos demais Poderes, sobretudo no Parlamento. Afinal, o STF se tornava alvo de frequentes e virulentos ataques nas redes sociais e em páginas da internet. A forma, contudo, de pronto foi questionada.

O comum é que o Supremo Tribunal Federal abra inquérito quando provocado, mas desta vez a investigação não tem a participação do Ministério Público. Seus críticos também argumentam que se trata de uma iniciativa genérica em relação aos alvos e objetos de investigação. Em vez de sorteio, a relatoria foi entregue diretamente ao ministro Alexandre de Moraes. Outra prática pouco habitual. Tudo conduzido em silêncio.

Cristiano Romero - O dissenso do Consenso de Washington

- Valor Econômico

O malfalado “Consenso de Washington” foi, na verdade, um conjunto de propostas para um “consenso aritmético”

Em 1989, depois de estudar a situação de economias subdesenvolvidas como a brasileira no período pós-crise da dívida, o economista inglês John Williamson formulou um conjunto de dez medidas que, na ocasião, considerava necessárias para tirá-las do atoleiro em que se encontravam havia quase uma década. Então funcionário do Banco Mundial na capital americana, Williamson batizou-as de “Consenso de Washington” e as apresentou durante seminário promovido pelo centro de estudos International Institute for Economy. Dali em diante, a vida do economista, que trabalhou para o governo Trabalhista (de centro-esquerda) de Harold Wilson na Inglaterra, nunca mais foi a mesma.

Num rápido resumo, lembremo-nos: a maioria das economias em desenvolvimento, tendo o Brasil, o México e a Argentina à frente, endividaram-se de maneira acelerada na década de 1970, tirando proveito da abundância de capitais existente no mercado internacional naquele momento e das baixas taxas de juros cobradas pelos bancos americanos e europeus; os juros eram baixos, mas flutuantes; com o advento da segunda grande crise do petróleo, em 1979, a inflação americana dá uma esticada à brasileira (para 20% em um ano) e o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) escala a taxa de juros na mesma proporção para amansar o dragão; por causa disso, os juros dos empréstimos foram visitar a Lua e, em 1982, durante a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), o México “avisou” que não teria como pagar dívidas contraídas na década anterior; a Ilha de Vera Cruz estava na mesmíssima situação, mas, feito aluno que acaba de fazer algo errado na sala de aula, baixou a cabeça para não ser notada...

Tiago Cavalcanti* - A violência contra afro-descendentes

- Valor Econômico

É inegável que o país carrega acentuado viés oculto dos mais “claros” em relação aos mais “escuros”

Neste Valor, em uma coluna publicada no dia 3 de abril de 2019, “Uma História de Violência”, descrevi uma situação de agressão racial que presenciei na minha juventude. Foi no final da década de 1980, com meu amigo Paulo Chitunda, de origem angolana, durante uma abordagem policial.

Caminhávamos à noitinha nas belas ladeiras da cidade alta de Olinda, onde morávamos, quando um camburão da polícia parou e três policiais com arma na mão desceram do carro e abordaram Paulo Chitunda agressivamente, antes de qualquer questionamento. Os policiais não tocaram em mim e nem em nosso outro amigo, Marcelo, loiro, que nos acompanhava. Paulo, talvez pelo viés racista da nossa sociedade e também pela própria educação familiar rígida, era o que menos dos três transgredia as normas sociais da época. Essa é uma história muito triste, mas que, infelizmente, se repete no Brasil atual, como o próprio Paulo, hoje professor de história do ensino médio, é enfático em afirmar.

Essa triste memória retornou me causando profunda angústia enquanto sofria junto com meu filho Mateus, de 15 anos, os horrores de quase 9 minutos do vídeo no qual o policial americano Derek Chauvim pressiona com o joelho o pescoço de George Floyd, que estava algemado e de bruços, até a morte. “Não consigo respirar”, clamava Floyd repetidamente, enquanto várias pessoas que passavam na rua pediam para o policial interromper tal ação. Outros policiais que acompanhavam o Derek Chauvim não tentaram impedir tal conduta criminosa.

Antônio Oliveira* - Agentes antidemocráticos no poder de Estado

A legitimidade da democracia representativa foi posta em xeque desde, no mínimo, Jean-Jacques Rousseau e, enquanto esse mestre viver entre nós, ela será sempre duvidosa. Aparentemente, portanto, os detratores da democracia parlamentar estão em boa companhia, e a defesa do exercício direto e imediato da soberania popular parece ser louvável (aqui deixaremos de lado um relevante “esquecimento” dos defensores da democracia direta: a democracia moderna é uma democracia com Estado). Mas essa aparência se desfaz quando alguns defensores da democracia direta definem as ruas como o espaço público privilegiado para a expressão da soberania do povo. Pode-se defender essa ideia, mas forçosamente deve-se abandonar não apenas Rousseau como também as experiências históricas de democracia direta, porque tanto estas como aquele nos ensinam que a soberania popular é uma instituição política que se exerce no interior de outras instituições políticas.

Não se deve esquecer de que o povo é uma instituição da política. Claro, outros fatores como história, língua, costumes, etc. participam da composição de um povo e concedem-lhe o colorido único, mas ele, enquanto autor das decisões coletivas, é instituído pela política, que pode "desinstituí-lo" também. Não deixa de ser irônico que entre os defensores da democracia direta haja quem negligencie as instituições políticas, como se o Povo fosse um dado “natural”. O povo como Soberano não é anterior à democratização da política, e tanto as democracias diretas que existiram concretamente quanto a idealizada por Rousseau foram politicamente instituídas: sabe-se quando se, e quem, instituiu o "demos"; a República de Rousseau nasce de um contrato. E mais, seja nas democracias diretas empíricas, seja na idealizada, o soberano popular encarna apenas e somente apenas na assembleia geral, porque aí e somente aí eram discutidas e depuradas as várias opiniões sobre o interesse comum. Na polis ateniense os cidadãos individuais encontravam-se nas praças para discutir os assuntos públicos, mas o "demos" só se manifestava na Eclésia, outra instituição política. 

Música | Gal Costa - Festa do interior

Poesia | Manuel Bandeira - Balõezinhos

Na feira do arrabaldezinho
Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor:
— “O melhor divertimento para as crianças!”
Em redor dele há um ajuntamento de menininhos pobres,
Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos.

No entanto a feira burburinha.
Vão chegando as burguesinhas pobres,
E as criadas das burguesinhas ricas,
E mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.

Nas bancas de peixe,
Nas barraquinhas de cereais,
Junto às cestas de hortaliças
O tostão é regateado com acrimônia.

Os meninos pobres não vêem as ervilhas tenras,
Os tomatinhos vermelhos,
Nem as frutas,
Nem nada.

Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável.

O vendedor infatigável apregoa:
— “O melhor divertimento para as crianças!”
E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um círculo inamovível de desejo e espanto.