domingo, 28 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Portugal dá lições sobre democracia

Correio Braziliense

As ruas de todas as cidades do país foram tomadas por cidadãos para celebrar o 25 de Abril, quando a Revolução dos Cravos derrubou a mais longeva ditadura da Europa

Na última quinta-feira, os portugueses deram uma grande demonstração do quanto estão dispostos a manter a democracia que reconquistaram há 50 anos. As ruas de todas as cidades do país foram tomadas por cidadãos para celebrar o 25 de Abril, quando a Revolução dos Cravos derrubou a mais longeva ditadura da Europa. Foram 48 anos de um regime que perseguia, prendia e matava seus opositores, mantinha a maior parcela da sociedade na pobreza quase absoluta e protegia uns poucos privilegiados. Esses tempos cruéis continuam vivos na memória de muita gente, mas, nem por isso, Portugal está livre de retrocessos.

Nas eleições realizadas em março último, 1,1 milhão de portugueses votaram no partido de extrema-direita Chega, garantindo 50 assentos à legenda na Assembleia da República. Esse grupo de parlamentares, muito barulhento nas redes sociais, dissemina discursos de ódio, incentiva o racismo e a xenofobia e propaga a imagem de um país que não existiu sob a ditadura de António Salazar. Não se acanha em dizer, publicamente, que se orgulha do período colonialista e da escravidão. Ao longo de quase quatro séculos, Portugal traficou mais de 6 milhões de africanos. O domínio sobre países da África, como Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, só foi rompido nos anos de 1970, quando a ditadura salazarista foi derrubada.

Luiz Sérgio Henriques* - Portugal em abril

O Estado de S. Paulo

Cárceres que pareciam eternos, como o Aljube, a depender de engenho e arte, podem se tornar ocasião de catarse e, também, de esperança

Edifício maciço que ladeia a milenar Sé Patriarcal de Lisboa, o Aljube é um destes lugares que desafiaram os séculos, mantendo-se absurdamente fiel à soturna vocação de abrigar tortura e morte. Uma modesta placa na fachada adverte que do silêncio das suas gavetas ou curros, celas obscenamente exíguas, bem como dos corpos desfigurados pela polícia política iria florir abril há exatos 50 anos. Cravos vermelhos e versos admiráveis pelas paredes redimem o ambiente, que agora, como museu e lugar de memória, evoca não só o ilimitado sofrimento humano, mas também o anseio de liberdade que brota de cada chaga e cada grito de dor.

A revolução quase sem sangue de 25 de abril não iria mudar só Portugal. Na conhecida visão de Samuel Huntington, ali teve início uma nova onda forte de democratização – uma onda que se espalharia na direção do Brasil e da América Latina, bem como dos países do Leste Europeu, antes do atual refluxo “desde-mocratizador”. O caso português, naturalmente, teve características específicas. Tratava-se, antes de mais nada, de estancar a sangria provocada pela guerra colonial tardia de um regime contemporâneo dos fascismos clássicos – e ele mesmo fascista à sua maneira.

Merval Pereira - Jogo combinado

O Globo

Ainda há tempo de evitar nova crise institucional, para que a atitude do governo não se confirme como uma afronta política ao Parlamento

O voto monocrático do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin, bloqueando a decisão do Congresso de desonerar a folha de pagamentos de empresas de 17 setores da economia, revela uma tabelinha entre Executivo e Judiciário que há muito vinha sendo cultivada pelo presidente Lula. O Legislativo aprovou a prorrogação com apoio da ampla maioria dos parlamentares, inclusive de boa parte da base aliada, mas o Executivo vetou. Veto que foi derrubado sem qualquer dificuldade, mas, mesmo assim, o Executivo voltou à carga, editando, em pleno recesso, uma medida provisória para reonerar a folha, insistindo em afrontar a vontade dos legisladores.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um dos apoiadores mais consistentes do governo, anotou que a medida provisória foi editada após a aprovação de temas importantes da agenda econômica proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Alguns aspectos, fundamentais, só entrariam em vigor meses depois, o que parecia indicar a vontade de ganhar tempo para negociar com o Congresso.

Luiz Carlos Azedo - Com o Congresso, tudo; sem o Congresso, nada

Correio Braziliense

Um passeio pela história serve para reflexão sobre Lula e a maioria conservadora do Legislativo. É um equívoco imaginar uma aliança entre o Executivo e STF para domar o Congresso

Na década de 1960, as reformas de base eram um conjunto de mudanças de caráter liberal-social, faziam sentido diante das necessidades de modernização do país. Consistiam nas reformas agrária (distribuição de títulos de terras, desapropriação de terras improdutivas e produção para o mercado interno), administrativa (sistema de compras, meritocracia e regras orgânicas), eleitoral (voto para militares de baixa patente e analfabetos), bancária (controle da inflação por órgão central), tributária (sistema de arrecadação e combate a fraudes e evasão fiscal) e constitucional (necessária para viabilizar as demais).

Bruno Boghossian - Uma arma nada secreta

Folha de S. Paulo

Lula tem direito de recorrer ao tribunal, o que é bem diferente de fazer uma tabelinha permanente

O pedido de Lula para acionar o STF no caso da desoneração dormia desde dezembro na gaveta do advogado-geral da União. O governo adiou por quatro meses a deflagração de mais uma briga na praça dos Três Poderes. Sem sucesso nas negociações políticas, o presidente deu as mãos ao tribunal para derrubar uma decisão do Congresso.

A aliança entre Lula e o Supremo é a arma menos secreta de Brasília. Ainda na transição, o petista deu indicações públicas de que buscaria uma aproximação com o tribunal. O acordo foi estimulado por uma convergência de propósitos que teve como base uma espécie de consenso pós-bolsonarista e uma desconfiança em relação ao Congresso.

Bernardo Mello Franco – A receita de Graciliano

O Globo

Em tempos de reforma tributária, relatórios do escritor ensinam a eliminar privilégios e proteger os mais pobres

Em janeiro de 1929, Graciliano Ramos escreveu um relatório para o governador de Alagoas. Queria prestar contas dos primeiros atos como prefeito de Palmeira dos Índios. “Não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos”, avisou, logo na abertura do documento.

O desafio inicial foi estabelecer “alguma ordem” no município. “Havia em Palmeira inúmeros prefeitos”, anotou, numa crítica à bagunça deixada pelos antecessores. De coronéis a “inspetores de quarteirão”, todos mandavam e ninguém se entendia na cidade. “Pensavam uns que tudo ia bem nas mãos de Nosso Senhor, que administra melhor do que todos nós; outros me davam três meses para levar um tiro”, anotou, com a concisão e a ironia que se tornariam marcas de seus romances.

Míriam Leitão - O caminho da Reforma

O Globo

Projeto de regulamentação avançou em diversos pontos, como o cashback, mas mantém privilégios e isenções inexplicáveis

Reforma Tributária, se bem implantada, pode reduzir um velho problema brasileiro, a sonegação. Pelo mecanismo da não cumulatividade, cada etapa da cadeia produtiva só terá crédito se seus fornecedores tiverem recolhido imposto. Isso está sendo criticado como sendo uma forma de transferência da responsabilidade de fiscalização ao contribuinte. É, na verdade, um dos seus méritos. O país precisa de uma nova atitude de empresas e pessoas em relação ao dinheiro coletivo. Não basta apenas pagar impostos, é preciso que o consumidor exija nota fiscal e as empresas usem seu poder para que seus fornecedores e clientes também paguem. Isso é cidadania fiscal.

Celso Rocha de Barros - Reforma tributária e desenvolvimento

Folha de S. Paulo

Mudança pode resolver problemas do desenvolvimento brasileiro

O governo Lula apresentou ao Congresso sua proposta de regulamentação da reforma tributária. Se você pensou em parar de ler a coluna porque o assunto parece chato, não faça isso: hoje em dia, não se pode desperdiçar a chance de conversar sobre coisas que existem, ao contrário da ideologia de gênero ou da ditadura de Alexandre de Moraes.

O problema tributário brasileiro, indiscutivelmente, existe.

Segundo os especialistas, o sistema brasileiro atual é altamente cumulativo. A fábrica de roupas compra tecido e vende camisas. Recolhe imposto na venda de camisas, mas também paga, embutido no preço do tecido, parte do imposto que a tecelagem pagou. Esses restos de impostos que vão se acumulando pela cadeia produtiva são chamados de resíduos tributários.

Um dos principais objetivos da reforma proposta pelo governo é eliminar o resíduo tributário. Se a reforma for aprovada, a fábrica de roupas do exemplo acima receberá um crédito igual ao imposto já pago pelo plantador de algodão. Ele só pagará imposto sobre o valor que ele adicionou. Daí o nome: Imposto sobre Valor Adicionado (IVA).

Vinicius Torres Freire - O preço de carne e os impostos de Lula 3

Folha de S. Paulo

Para o governo, Congresso é ruim quando veta imposto e bom quando deixa aumentar gasto

Quanto se vai cobrar de imposto sobre venda de carros? De carne e outras comidas? O que vai ser de planos de saúde? Cada empresa ou ramo de negócios tenta puxar a brasa para sua sardinha enquanto o Congresso discute a lei que vai definir os detalhes que darão sentido prático à reforma dos tributos sobre o consumo, que por enquanto é uma mudança mais genérica inscrita na Constituição.

Essa disputa já está clara. Deve ficar mais complicada porque se expande a guerra dos impostos e sobre outros dinheiros públicos. São dezenas de setores empresariais, com apoio do Congresso, versus Lula 3; é STF versus Congresso; são estados e municípios versus governo federal. Etc.

Quanto menor a alíquota do imposto sobre o consumo de um produto ou serviço, maior será a de outros. O conflito em parte é normal. Em parte, é resultado de velhos vícios, a tentativa de cavar favores estatais para beneficiar o próprio negócio, o que ajudou a criar o monstro tributário brasileiro.

Muniz Sodré - Brasil! Selva!

Folha de S. Paulo

Por mais disparatado que seja, o golpismo precisa de algum discurso

Pelo que se vê na mídia, toda a expertise e o dinheiro de Elon Musk não lhe valem uma fala com algum sentido. Ele padece da mesma afecção linguística da ultradireita brasileira, cujo vocabulário político ativo, fora as narrativas mentirosas, resume-se a "liberdade". Isolada, a palavra não significa nada.

O mesmo drama transparece nas investigações do ataque do 8 de janeiro: nos relatos quase etnográficos sobre o famigerado acampamento dos insurretos salta à vista a escassez de palavras de ordem coerentes.

Reconfortaram-se um dia ao saberem que a esposa de um general, ícone do golpismo, em visita ao local, faria um discurso. E ela fez: "Brasil! Selva!". Curto, não grosso, sem narinas dilatadas nem olhar de ódio.

Elio Gaspari - Netanyahu no golpe do ‘cachorro doido’

O Globo

'Governo de Israel atravessa um inédito processo de isolamento fora do mundo islâmico'

Em 2007, quando estava na oposição, Benjamin Netanyahu ensinou:

“Você não pode ter um primeiro ministro num país como Israel se ele não tem algum tipo de habilidade para conceber um conceito de diplomacia e segurança.”

Desde outubro, quando os terroristas do Hamas atacaram Israel, sabia-se que seus serviços de inteligência haviam fracassado. Só agora o general que os comandava deixou o cargo. Seis meses depois, enquanto o governo de Netanyahu atravessa um inédito processo de isolamento fora do mundo islâmico.

As manifestações de estudantes americanos acampando em universidades são um aviso de que algo está acontecendo. Eles não são contra Israel. Condenam o tipo de guerra que Netanyahu faz na Faixa de Gaza.

O primeiro-ministro de Israel entrou na tenebrosa galeria dos governantes que fazem o jogo do “cachorro doido”. Acreditam que prevalecerão indicando aos outros que são capazes de fazer o impensável.

Dorrit Harazim - Sumidouro

O Globo

Quanto mais longa, mais nos entorpecemos com o noticiário repetitivo. Só quando a desgraceira acusa algum pico de desumanidade, voltamos a prestar atenção ao horror

É sabido que somente cada um de nós pode construir a ponte em que atravessará o rio da vida. Nessa trajetória, somos únicos e estamos sozinhos. O caminho de fuga mais fácil para essa travessia, esse navegar pela vasta e complexa realidade que escapa a nosso controle e compreensão, é acumular certezas. Só que certezas de porteira fechada, além de daninhas para nós mesmos, em nada ajudam o convívio em sociedade. Como escreveu o espirituoso ensaísta americano George Saunders, neste mundo cheio de pessoas que confundem certeza com poder, é um alívio encontrar alguém que não teme a própria insegurança. Não raro são mentes privilegiadas, perpetuamente curiosas, que sabem como a realidade é plural, não singular, planície para vários pontos de vista, não ponto de observação com foco único.

Eliane Cantanhêde – O refresco durou pouco

O Estado de S. Paulo

A ciranda continua: governo, Congresso e Supremo correndo um contra o outro

Tudo muito bem, tudo muito bom, mas... A articulação política e as relações entre os Poderes pareciam ter avançado ao longo da semana, mas sofreram um freio brusco que embola todos os problemas e desacertos: o pedido do governo e o julgamento do Supremo contra a desoneração da folha de pagamento de empresas e municípios. O Congresso prorrogou a desoneração, o presidente Lula vetou, o Congresso derrubou o veto de Lula e o Supremo agora entra para arbitrar o jogo.

Rolf Kuntz - A desigualdade, a pauta e o crescimento

O Estado de S. Paulo

Apesar dos obstáculos à expansão duradoura da atividade econômica, a inclusão da igualdade no topo da agenda do governo já é um dado especialmente positivo

Ruim em qualquer país, a desigualdade econômica é trágica no Brasil, porque envolve baixa educação, subemprego ou desemprego, dificuldade de acesso a alimentos e até fome. Havia insegurança alimentar em 21,6 milhões de domicílios, 27,6% do total, no quarto trimestre do ano passado. A insegurança era grave em 4,1%, ou 3,2 milhões de domicílios. Assustador em outros países, um quadro como esse é especialmente preocupante no caso do Brasil, grande produtor de alimentos e uma das dez maiores economias do mundo, de acordo com o Fundo Monetário Internacional.

Para cientista, o país está sob o domínio da política do ‘eu quero o meu’

Para o professor Alberto Aggio, da Universidade Estadual de São Paulo, o governo e o PT são parte desse sistema

Por Hugo Marques / Revista Veja

Diante de um orçamento apertado, o Congresso está em vias de aprovar a PEC do Quinquênio, que vai engrossar aumentar as despesas em estimados 42 bilhões de reais em vantagens que serão pagas a juízes e outras categorias do serviço público. Reportagem de VEJA desta semana mostra este descompasso com o mundo real. No município baiano de Dias D’Ávila, por exemplo, os professores foram “agraciados” com um reajuste salarial de inacreditáveis 46 centavos.  Para o cientista político Alberto Aggio, da Universidade Estadual Paulista, os setores mais organizados têm prevalecido cada vez mais na definição do Orçamento, inclusive porque atores políticos importantes do passado perderam força. Para ele, o próprio PT não tem mais a capacidade de articular com segmentos da sociedade para tentar democratizar o Orçamento. Essa é a realidade. E o governo Lula é parte dela.

Entrevista | Haddad: Congresso tem de respeitar Responsabilidade Fiscal

 

Responsabilidade fiscal não é aderir ao Executivo, diz Pacheco

Douglas Gravas / Folha de S. Paulo

Presidente do Senado rebate críticas do ministro ao Congresso feitas em entrevista à Folha

O presidente do SenadoRodrigo Pacheco (PSD-MG), rebateu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, em entrevista à Folha, disse que o Congresso também precisa ter responsabilidade fiscal.

"Uma coisa é ter responsabilidade fiscal, outra bem diferente é exigir do Parlamento adesão integral ao que pensa o Executivo sobre o desenvolvimento do Brasil", disse o senador, por meio de nota enviada à imprensa neste sábado (27).

Segundo Pacheco, "o progresso se assenta na geração de riquezas, tecnologia, crédito, oportunidades e empregos, não na oneração do empresariado, da produção e da mão de obra".

Poesia | Soneto do amor total - Vinicius de Moraes

 

Música | Morena dos olhos da água - Chico Buarque

 

sábado, 27 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Abandono de obras da Copa é sinal de governança frágil

O Globo

Não faltou dinheiro para mobilidade urbana. Faltaram planejamento, fiscalização e cobrança de resultados

Passados dez anos da Copa do Mundo no Brasil, 38% dos projetos de mobilidade urbana pensados para o torneio foram abandonados ou concluídos apenas parcialmente. Por ser um retrato do que costuma acontecer no país, o dado é uma oportunidade para uma reflexão que vá além do debate sobre o legado de eventos esportivos. Identificar as causas do baixo índice de execução de obras é primordial para que o Brasil deixe de ter uma infraestrutura sofrível, mesmo na comparação com países no mesmo estágio de desenvolvimento.

No período anterior à Copa, prefeitos e governadores puseram projetos de mobilidade urbana na lista de metas. Nem todos eram essenciais para receber os torcedores, mas a demanda tornou evidente a deficiência nas capitais que hospedariam os jogos. De acordo com estudo do economista Cláudio Frischtak, para equiparar o transporte público das 15 principais regiões metropolitanas brasileiras ao de Santiago, no Chile, ou da Cidade do México, seria necessário investir R$ 295,5 bilhões.

Marco Aurélio Nogueira - Parados no tempo

O Estado de S. Paulo

Não avançaremos se a lógica política continuar a ser vivida exclusivamente como contraposição mal qualificada entre esquerda e direita

O Brasil estacionou. Tudo transcorre como se as cartas já tivessem sido lançadas e o antagonismo se reduzisse ou a ruídos congressuais ou a embates retóricos entre a esquerda oficial, devidamente entronizada no Palácio, e a direita extremada, agarrada a seus fantasmas e à fustigação moralizante contra tudo o que possa exalar direitos e democracia.

No meio disso tudo, a economia fica como a joia da Coroa. Se avança e é alcançada pelas reformas pontuais do ministro Haddad, os ares melhoram. Se trava, é um Deus nos acuda.

Cristovam Buarque* - O padrão a ser buscado

Revista Veja

É preciso ampliar e replicar o sucesso das escolas públicas federais 

Entre o Merenda Escolar (1955) e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (2023), o Brasil lançou vinte programas federais com promessas de salto na educação. A necessidade desse último, sete décadas depois do primeiro, mostra o fracasso dos anteriores: os bisnetos ainda estão precisando de pacto federativo para realizar, aos 8 anos, o que deveria ter beneficiado seus bisavós, aos 5. Fracassamos porque, no lugar de projetos executivos nacionais ambiciosos, optamos por intenções modestas com execução municipal, pobre e desigual. Sem uma política nacional ambiciosa e com instrumentos federais efetivos, em 2041 apenas 50% dos 2,5 milhões de brasileiros que nasceram em 2023 terminarão o ensino médio; no máximo a metade deles preparada para as exigências do mundo contemporâneo.

Hélio Schwartsman - Tragédia brasileira

Folha de S. Paulo

Expectativa é que Congresso piore a proposta de regulamentação da reforma tributária

Fazer política é negociar, isto é, tentar entender o ponto de vista de outros atores, o que ajuda a formular respostas inovadoras para os problemas, e encontrar soluções de compromisso, que permitam às partes ceder e ainda sair com vitórias parciais. Grupos altamente ideológicos ou religiosos tendem a ser autoritários porque veem o mundo em termos de valores absolutos, que não comportam nenhum tipo de negociação.

Alvaro Costa e Silva - Um libertário em causa própria

Folha de S. Paulo

Mais do que nas ruas e redes, bolsonarismo é forte no Congresso

O ato com público decepcionante em Copacabana não pode servir de parâmetro, não significa que a fé cega em Bolsonaro —professada tanto por quem mora longe como perto da praia— esteja perdendo o gás. Recente pesquisa mostra que o prefeito Eduardo Paes, candidato à reeleição, tem 42% das intenções de voto, enquanto Alexandre Ramagem, do PL, já aparece com 31%.

Carlos Alberto Sardenberg - É o contrário

O Globo

Lula só conseguiria o que quer, juros menores e mais crescimento, se fizesse (e falasse) o contrário do que faz e prega

O presidente Lula quer, ao mesmo tempo, acelerar os gastos do governo e obter uma redução significativa na taxa de juros. São objetivos incompatíveis. O aumento da despesa acima da receita produz déficit, coberto com dinheiro tomado emprestado pelo governo. O crescimento da dívida, já contratado para este e os próximos anos, aumenta o gasto do governo com juros. Isso eleva a taxa de juros da economia. E o governo fica procurando quebra-galhos para reduzir os juros de alguns setores.

Nesta semana, Lula anunciou um programa para conceder crédito a microempreendedores, micro, pequenas e médias empresas, a juros favorecidos — alguma taxa abaixo do que os beneficiados obteriam em condições normais de mercado. Deve haver, portanto, algum subsídio. E um apoio no sentido mais amplo: abrir o crédito para setores que não o obteriam no mercado.

Pablo Ortellado - A ciência e o populismo

O Globo

Uma das consequências nefastas do antibolsonarismo é que ele distorceu o entendimento do público sobre a ciência

O populismo antissistêmico que a direita abraçou é um bicho com que é difícil lidar. É anti-institucional, anti-intelectual, agressivo e selvagem — em resumo, não sabe usar os talheres. Quando chegou ao poder com Bolsonaro e passou a comandar a burocracia do Estado, recebeu acertadamente oposição. Mas, em geral, essa oposição tomou a forma de uma negação automática: se Bolsonaro recomenda de maneira imprudente, a atitude responsável passou a ser afirmar enfaticamente o contrário.

Em nenhum momento o controle do Estado pelo populismo foi mais crítico que durante a pandemia. Bolsonaro coordenava o SUS, controlava o Ministério da Saúde, a Anvisa e a Fiocruz, um pesadelo. Na ânsia de se contrapor às teses selvagens e absurdas dele sobre o coronavírus e a pandemia, deixamos de analisar ideias próximas às dele ou que poderiam ser identificadas com ele. Isso nos levou a muitos erros na condução da pandemia —erros sobre os quais ainda não nos debruçamos.

Eduardo Affonso - Movimento Brasileiro de Analfabetização

O Globo

Nada é tão ruim que não possa evoluir para péssimo. À direita, uma prefeita joga livros no lixo; à esquerda, uma senadora tenta encarecê-los

Quando ainda nem sonhava vir a ser cancelado por gente com menos de uma migalha de seu talento, Monteiro Lobato escreveu que “um país se faz com homens e livros”. Hoje, o aforismo teria de ser reescrito: “Uma nação se faz com criaturas humanas e seus saberes”. Tanto o macho da espécie como metonímia para a Humanidade quanto as folhas de papel, cortadas e encadernadas, já tiveram melhores dias.

O último ocupante da Presidência da República, desde FH, a demonstrar ter tido contato imediato e proveitoso com livros foi Michel Temer.

Jair Bolsonaro lia, no máximo, passagens bíblicas e minutas de golpe — eclético, chegou a indicar a seguidores as obras de Churchill, Brilhante Ustra e Olavo de Carvalho.

Pedido de Lula ao STF para suspender desoneração da folha tem 5 votos a favor; Fux pede vista

José Marques, Victoria Azevedo, Douglas Gravas / Folha de S. Paulo

Medida está a um voto de ser referendada; Dino, Gilmar, Barroso e Fachin votaram com Zanin

STF (Supremo Tribunal Federal) tem cinco votos a zero para confirmar a decisão do ministro Cristiano Zanin de suspender trechos da lei que prorrogou a desoneração da folha de empresas e prefeituras. A medida está por um voto para formar maioria na corte e ser referendada.

A análise, porém, foi interrompida pelo ministro Luiz Fux, que pediu vista (mais tempo para estudar o assunto). Ele tem até 90 dias para devolver o caso para apreciação de toda a corte. A decisão de Zanin segue valendo.

Como o julgamento ocorre no plenário virtual e foi programado até 6 de maio, os ministros que ainda não se manifestaram poderão depositar seus votos nesse período.

Vera Magalhães - STF dará vitória a Lula com fim das desonerações

O Globo

Recurso à Corte foi última cartada de uma queda de braço com Congresso, e pode aumentar dificuldades do governo nas duas Casas

O Supremo Tribunal Federal dará a vitória ao governo Lula na ação de inconstitucionalidade impetrada contra a prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e a fixação de outra isenção, desta vez de contribuição previdenciária, destinada a pequenos e médios municípios.

Quatro ministros já se manifestaram em votação virtual a favor do fim das desonerações. Além do relator Cristiano Zanin, que concedeu liminar na quinta-feira suspendendo os benefícios, votaram com o governo Gilmar Mendes, o presidente da corte, Luis Roberto Barroso, e Flávio Dino. Pelo menos os votos de Dias Toffoli e Alexandre de Moraes são dados como certos pelo fim das desonerações, o que já assegura a maioria.

Dora Kramer - A direita se move

Folha de S. Paulo

Em compasso de espera, esquerda e centro perdem terreno eleitoral para a direita

As duas últimas eleições presidenciais mostraram que quem se movimenta com antecedência tem a preferência na disputa. Evidenciaram também que quem prefere dar tempo ao tempo e se entrega ao sabor das circunstâncias fica no ora veja, a reboque dos navios inimigos.

Aconteceu, e de novo acontece, com o centro aqui entendido como as forças que não se alinham a Luiz Inácio da Silva nem a Jair Bolsonaro. Essas ocupam o inexistente espaço do vácuo. A esquerda agora parece ir para o perigoso caminho do compasso de espera, no aguardo das decisões de Lula e, consequentemente, do rumo do governo.

Orlando Thomé - O que o eleitor quer de um candidato a vereador?

Correio Braziliense

Sobre o sentimento de apoio ou oposição às administrações atuais, os dados indicam que 55% desejam mudança, ao passo que 41% preferem a manutenção. Essa tendência é ainda mais forte nas capitais

O IPEC Inteligência realizou uma pesquisa em março sobre o comportamento do eleitor em relação às eleições de outubro para as prefeituras. Foram 2 mil entrevistas em 130 municípios, abrangendo todas as regiões, e alguns dados chamam muito a atenção. Na primeira parte, as perguntas procuraram mensurar o interesse das pessoas em votar no pleito, e, aí, já temos uma informação relevante: no total, 35% disseram ter "muita vontade", 32% dizendo ter "nenhuma vontade" e 31% disseram ter "pouca vontade".

Na segmentação por gênero, vê-se que o maior percentual entre as mulheres (37%) está no grupo de "nenhuma vontade" e o maior percentual de homens (39%) afirma ter "muita vontade". Já a faixa etária entre 45 e 59 anos apresenta o maior percentual de "muita vontade", com 40%, enquanto que o maior percentual de "nenhuma vontade" é dos que têm entre 25 e 34 anos, com 35%.

Aldo Fornazieri* - Os descaminhos do Parlamento

CartaCapital

Da criminalização do porte da maconha ao Quinquênio para os juízes, Câmara e Senado revelam descompromisso com o País

O Congresso e suas casas, Câmara e Senado, persistem na insensatez de descaminhos e da falta de compromissos com a sociedade, com o Brasil e com a necessidade de modernização. Seu compromisso parece ser com o descontrole fiscal, os privilégios, a manutenção das desigualdades abissais e a chantagem política para se apossarem de recursos orçamentários. Os presidentes das duas Casas, em sua falta de responsabilidade em colocar as atividades legislativas em linha com as necessidades prementes do Brasil, tornam-se os desbravadores dos descaminhos.

São inúmeras as propostas que agridem os interesses sociais. Propostas que encontram abrigo em comissões, nas presidências das Casas e nos plenários. Dentre as várias que tramitam e que ­constroem o retrato da mediocridade legislativa tomem-se os casos da PEC que criminaliza o porte de drogas para uso pessoal, a aprovada lei do marco temporal, a que proíbe a visita à família dos presos em regime semiaberto e a lei das desonerações fiscais para setores privilegiados da economia.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Os poderes da economia

CartaCapital

Será que os investidores estão em pânico, ou apenas no exercício da sua peculiar racionalidade?

A política econômica do governo Lula sofre implacáveis constrangimentos emanados dos poderes dos mercados financeiros. As lendas mercadistas não cessam de afirmar a natureza “técnica” das postulações dos operadores de mesa e de seus economistas.

A experiência histórica desmente os preconceitos que insuflam os sabichões mercadistas a desconsiderar as relações de poder envolvidas na assim chamada “Ciência Econômica”. No livro Power, publicado em 1938, o filósofo e matemático Bertrand Russel observou: “A economia como uma ciência separada é irrealista e enganosa se tomada como um guia na prática. É um elemento – um elemento muito importante, é verdade – num estudo mais amplo, a ciência do poder.”

No estouro da crise financeira de 2008, as maledicências sobre economistas, suas teorias, crenças e previsões corriam soltas, à velocidade da peste nos centros financeiros do mundo. Mas, passado o susto, os que fracassaram em suas antecipações já sobem o tom de suas arrogâncias e voltam a trovejar suas cambaleantes sabedorias.

André Barrocal - E o salário, ó…

CartaCapital

Os ganhos recentes não compensam a estagnação da renda do trabalho na última década

Vem aí o 1° de Maio e os 100 milhões de trabalhadores brasileiros têm pouco a comemorar. A taxa de desemprego está nos menores níveis vistos recentemente no País, entre 7,5% e 8%, mas o salário médio permanece o mesmo há uma década, o que significa empobrecimento e um cotidiano bem mais duro. Em janeiro de 2014, a renda mensal média de quem vivia do trabalho era de 2.923 reais. Em dezembro de 2023, de 3.063 reais, 4% a mais. Nesse período de dez anos, o valor oscilou entre 2,8 mil e 3,1 mil. A inflação geral (IPCA) no período foi de 76%. A gasolina subiu 90%. Alimentos e bebidas, 97%. A conta de luz, 134%. “Essa perda de poder de compra é uma dimensão não visível no salário médio. Produz um brutal arrocho. O orçamento não cabe dentro do salário”, diz o sociólogo e consultor para temas trabalhistas Clemente Ganz Lúcio, ex-diretor do Dieese, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.

Marcus Pestana - Traduzindo o desafio fiscal em miúdos (I)

Toda categoria profissional ou área de conhecimento tem um linguajar próprio. É como se fosse uma barreira corporativa à interferência de “estranhos “. Um leigo no assunto que entrar numa conversa especializada entre advogados, médicos, físicos quânticos, chefs de cozinha ou treinadores de basquete, certamente ficará boiando diante de tantos termos técnicos específicos. Com os economistas não é diferente. O economês, às vezes, é indecifrável para o cidadão médio não especialista, embora a economia faça parte inevitável do cotidiano das pessoas. Mas não é tão complicado para os economistas fazer um esforço de comunicação e facilitar a compreensão para leigos sobre fatos e fenômenos econômicos que, em muitos casos, são simples de entender.

Agora como dirigente da Instituição Fiscal Independente, tenho dado entrevistas, escrito textos, feito postagens, mais carregados no economês. Muitos amigos leigos me perguntam: o que é superávit primário ou nominal? Qual a diferença entre juros reais e nominais? O que é déficit público? O que são PIB, SELIC e IPCA? E por aí vai. 

Poesia | Em louvor da aprendizagem, de Bertolt Brecht

 

Música | Chico Buarque - Acorda Amor

 

sexta-feira, 26 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Regulamentação da reforma tributária é urgente para o país

O Globo

Projeto apresentado pelo governo, com todos os senões, deve ser encarado como prioridade no Congresso

Com a aprovação da reforma tributária no ano passado, criou-se enfim consenso no Parlamento para pôr fim ao manicômio tributário brasileiro. Ficou acertado que três impostos federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS) serão unificados em dois novos: CBS (federal) e IBS (estadual e municipal). A mudança reduzirá o tempo inacreditável gasto pelas empresas para administrar o pagamento de tributos, acabará com a cumulatividade que mina a competitividade brasileira e contribuirá para diminuir o altíssimo nível de judicialização, a infinidade de regras, exceções e guerras fiscais, com a consequente má alocação de investimentos na economia. Embora a emenda constitucional promulgada em dezembro tenha defeitos — entre eles um sem-número de exceções e regimes especiais ainda mantidos —, ela coloca o Brasil numa nova realidade tributária.

O Executivo apresentou nesta semana o primeiro de três projetos de regulamentação, com propostas de regras para o novo sistema. Em mais de 300 páginas e 500 artigos, o texto demandará atenção redobrada dos congressistas. Ideias ruins anunciadas anteriormente, como exceções e isenções raramente justificáveis, foram mantidas. Há também indícios de voracidade arrecadatória, apesar de o governo insistir que a intenção é apenas regulatória.

Fernando Gabeira - Liberdade ilusória, liberdade real

O Estado de S. Paulo

É difícil aceitar a ideia de uma liberdade de expressão absoluta, sobretudo no tempo das redes sociais. Um debate transparente e um acordo nacional sobre o tema são mais que necessários

Amais recente manifestação promovida por Bolsonaro, no Rio de Janeiro, reuniu menos gente e marcou também uma inflexão tática. Em São Paulo, em fevereiro, a ênfase era evitar a prisão de Bolsonaro e lembrar os presos do 8 de Janeiro, por meio do pedido de anistia. No Rio, o tema central era liberdade de expressão e apoio internacional.

A experiência acabou mostrando que esse caminho era mais promissor por duas razões. As denúncias de censura são potencialmente capazes de impressionar estrangeiros, especialmente norte-americanos. Culturalmente abertos para a liberdade de expressão, alguns são ingênuos o bastante para achar que suas leis devem valer para todo mundo.

Um outro fator importante é a abertura das grandes plataformas para a ideia de liberdade de expressão absoluta, fator essencial para a garantia dos lucros. No momento, Elon Musk e seu X estão em choque com o governo da Austrália, em torno da divulgação das imagens de um ataque a faca numa igreja. O governo acha que a divulgação estimula o crime.

José de Souza Martins - Éramos felizes e não sabíamos

Valor Econômico

Antes das redes sociais, nossa consciência das necessidades da vida tinha outros valores de referência, que eram valores sociais próprios da condição humana

Na entrega do anteprojeto do novo Código Civil ao Congresso Nacional, o ministro Alexandre de Moraes referiu-se a variadas transformações ocorridas na sociedade brasileira, novos tipos de contratualidade social, que o tornam necessário. Ressaltou “a questão de costumes, novas relações familiares, novas modalidades de se tratar das questões do direito de família e sucessões, a tecnologia, a inteligência artificial, novas formas de responsabilidade civil”.

Ele poderia ter arrolado muitas outras modalidades de relacionamento que expressam a realidade atualizada do país e sofreram câmbios significativos. Aos olhos dos mais antigos, bloqueados no meio do caminho das mudanças, a sociedade está tomada por crescentes anomalias, até mesmo inaceitáveis para muitos.

César Felício - Violência deve entrar nas eleições pela pior forma

Valor Econômico

Milicianização da política está longe de ser um fenômeno observado apenas no Rio de Janeiro e as facções criminosas que atuam em escala inicial estão no mercado eleitoral

São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza, Manaus, Belém, Porto Alegre, tiveram em 2024 o verão com menos assassinatos dos últimos cinco anos, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, repassados pelas secretarias estaduais.

As linhas não foram em direção única, mas o sentido quase sempre é de declínio. No Rio, houve um repique no primeiro trimestre de 2023 (312 homicídios), mas queda forte entre janeiro e março deste ano (160). Em 2020, foram 327 os mortos no início do ano. Em Fortaleza a contagem das mortes violentas subiu em 2024 (214, ante 164 no mesmo período no ano passado), mas segue bem abaixo da observada em 2020 e 2021 (323 e 244).

O termômetro das estatísticas na área da violência urbana passa muito longe de medir com exatidão a febre que acomete a grande maioria da população nessas metrópoles.