Quem está pensando que o PT busca traçar um plano de recuperação de imagem
para voltar a ser identificado com a cidadela da moralidade como antigamente,
vai se surpreender com o problema em que se enreda o partido no momento: a
travessia das fissuras no relacionamento interno, em processo célere de
esgarçamento, para se ser exato, desde a apuração do segundo turno das eleições
municipais até ontem.
É como se em vez de estar terminando a agonia do PT com a fase conclusiva de
julgamento do mensalão, ela estivesse apenas começando. Os condenados não sabem
se haverá nota oficial contra o Supremo Tribunal Federal, se a mobilização da
CUT e da UNE será possível e emulada pelo partido, se tomarão as ruas para
expor indignação, se o ex-presidente Lula sairá do seu silêncio e das
recomendações de discrição que fez ao partido. É isso o que esperam e não estão
tendo: "solidariedade". Cada um foi tratar de sua vida e a luta
interna tornou-se aguda e atiçou a revolta.
A evolução da estratégia ocorreu ao longo de todo o processo. Marcado o
julgamento, o primeiro movimento definido pelo partido foi separar os dois
fatos, tirá-lo da coincidência com a campanha eleitoral. Com esse objetivo,
foram feitas várias incursões, sendo a mais visível, tanto quanto desastrada, a
que reuniu Lula e o ministro Gilmar Mendes numa conversa de ameaças veladas
sobre a qual o ex-presidente nada explicou até hoje. E que acabou por
consolidar a coincidência do julgamento com as eleições, abortando outras
iniciativas com o mesmo fim.
Dia 19 o PT tenta sair do novo labirinto
Iniciado o julgamento, a direção do PT avisou a todos que pesquisas
encomendadas indicavam ao partido que o mensalão não atrapalharia o bom
resultado eleitoral em todo o país, à exceção de São Paulo, onde tinham
domicílio eleitoral os réus políticos principais.
Uma vez condenados José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e João Paulo
Cunha, o diretório nacional convocou uma reunião, entre o primeiro e o segundo
turnos das municipais, em que o próprio Dirceu, presente, manifestou-se e pediu
que esquecessem o mensalão porque, naquele momento, a prioridade era ganhar a
eleição no segundo turno da cidade de São Paulo.
Apurado o resultado, o PT viu iniciar-se um novo movimento dos acusados.
Inquietavam-se com a demora da reação do partido, esperavam uma nota oficial da
direção, contundente, em sua defesa e em ataque ao Supremo e à imprensa. O
presidente do PT, Rui Falcão, chegou a anunciar a nota de véspera, mas não a
divulgou.
O ex-presidente Lula entrou novamente em campo para, desta vez, baixar a
temperatura. Achou inconveniente a divulgação de uma nota com tal teor, entre
outras razões, porque o julgamento não havia terminado: faltava a importante
dosimetria e o partido, a seu ver, poderia acirrar o Supremo.
Nesse ambiente começaram a vazar informações sobre depoimentos do Marcos
Valério ao Ministério Público, em busca de delação premiada, nos quais,
inclusive, citava Lula, Antonio Palocci, o assassinato de Celso Daniel e outros
fantasmas partidários. O ex-presidente opinou, achava que não se devia ainda
mexer no assunto. Lula pediu paciência para esperar o julgamento acabar.
O imobilismo do partido, porém, provocou a insatisfação dos condenados, e o
próprio PT se assustou quando viu José Dirceu reclamar. Causou especial comoção
a manifestação de suas ex-mulher, Clara Becker, mãe de seu filho Zeca Dirceu,
que faz política no Paraná. Ela foi fotografada ao seu lado, no sítio em
Vinhedo, e deu entrevista afirmando que tudo o que José Dirceu fez foi em função
e em favor de Lula. Soou explosiva a declaração, o gongo no partido foi
acionado. Dirceu vinha poupando Lula, enfrentando o processo sozinho.
Dirigentes do PT tomaram o gesto como um recado claro de sua revolta com a
falta de solidariedade. Não houve ninguém que não tivesse visto naquela
entrevista as palavras do próprio Dirceu. Aumentaram o tom das queixas João
Paulo Cunha, José Genoíno e, com grande barulho no partido, Delúbio Soares. O
PT passou a temer, também, as mulheres de cada um deles que, segundo
informações à direção, estão tomadas pela emoção.
É o que mostra o termômetro de anteontem, ontem, hoje e amanhã,
provavelmente, sob o efeito dos 10 anos e 10 meses para Dirceu, 6 anos e 11
meses para Genoíno, e 8 anos e 9 meses para Delúbio. Faltam os embargos
infringentes, os embargos de declaração, a decisão do Supremo sobre crime
continuado e tudo o mais que pode mudar o quadro daqui para a frente, na sessão
final de ajustes, inclusive.
O PT trabalha com algumas hipóteses, mas não tem decisão. Continuar em
silêncio e ir tocando a rotina até tudo ficar definido no Supremo é uma delas.
Ontem, o presidente do partido, Rui Falcão, deu uma entrevista das mais lights
entre todas as suas manifestações até hoje.
Outra hipótese é, diante da pressão dos condenados, que estão revoltados com
Lula, Gilberto Carvalho, tudo e todos, divulgar finalmente uma nota mais
violenta. Mas a direção sabe que não basta acalmar os mais afoitos, é preciso
ter uma estratégia para os condenados. Se deixar que cada um defina a sua, acredita
o partido que haverá do mártir à greve de fome, do pedido de indulto ao recurso
à corte internacional.
Na semana que vem um fato novo ocorrerá e começou a ser acionado com a
visita do ministro Joaquim Barbosa à presidente Dilma para convidá-la à sua
posse, anteontem. O PT parou de pressionar para ela não comparecer, acha agora
inevitável que vá, mas imagina a direção que haverá constrangimento. Com os
ministros que ela nomeou, como Luiz Fux e Rosa Weber, considerados traidores
porque votaram com o relator, assim como os nomeados por Lula, como Joaquim
Barbosa, Ayres Brito e Carmem Lúcia, que também condenaram petistas.
Será também na semana que vem, dia 19, a reunião do diretório nacional para
os balanços da eleição municipal e do julgamento do mensalão. Sob a atenção
total, ainda que fora da sala, do ex-presidente Lula.
Uma certeza tem o PT: José Genoíno assumirá o mandato de deputado federal
dia 2 de janeiro de 2013, depois de aberta a vaga com a posse como prefeito de
São José dos Campos, Carlos de Almeida. Com o Congresso em recesso, começa a
trabalhar em fevereiro.