O Banco Central decidiu intervir no Banco Cruzeiro do Sul, após constatar rombo de R$ 1,3 bilhão nas contas da instituição, principalmente com operações de crédito consignado. O banco, com quase dois milhões de clientes, tinha 0,22% de ativos do sistema financeiro. Os administradores foram afastados e o BC ainda espera que seja saneado e depois vendido.
Intervenção no Cruzeiro do Sul
Rombo de R$ 1,3 bi na contabilidade do banco leva a afastamento de administradores
Ronaldo D"Ercole, Aguinaldo Novo e Gabriela Valente
A descoberta de um rombo de R$ 1,3 bilhão na contabilidade levou o Banco Central a decretar ontem o Regime de Administração Especial Temporária (Raet) no Banco Cruzeiro do Sul. O problema começou a ser identificado em abril, quando o BC fez uma auditoria na instituição e identificou problemas na qualidade das carteiras, solvência e liquidez. Os técnicos constataram ativos registrados no balanço que não existiam ou foram classificados de forma errada. E isso causou problema nas provisões do banco - reserva para se proteger de calotes - que ficou abaixo do valor necessário para manter a saúde bancária.
Há duas semanas, o BC deu prazo para que os controladores do Cruzeiro do Sul fizessem um aporte de capital. Como eles não conseguiram levantar os recursos nem deram argumentos convincentes que justificassem a sucessão de erros, o BC decidiu decretar a indisponibilidade dos bens dos administradores e instalou a comissão de inquérito para apurar os fatos. Se a fraude for confirmada, eles responderão criminalmente.
Na época, o controlador do banco, Luis Octavio Índio da Costa, buscava uma solução. Ele chegou muito próximo de vender o seu controle para o BTG Pactual, mas o negócio não prosperou porque não há garantia de que o rombo não seja maior. Por isso, o BC optou pela intervenção.
O BC determinou que o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) permaneça à frente do Cruzeiro do Sul até a conclusão do processo. Na prática, trata-se de uma intervenção mais branda, usada geralmente quando o BC acredita que há possibilidade de recuperação da instituição.
Este é mais um caso de bancos de pequeno e médio porte em apuros, desde que o BC apertou a fiscalização, em setembro de 2011. Antes, já em outubro, o banco Morada havia sido liquidado, e, em abril deste ano, o Schahin foi vendido ao BMG, com as bênçãos do próprio governo.
Crédito consignado, raiz dos problemas
Os problemas encontrados pelo BC referem-se a uma carteira antiga de créditos consignados, sem a comprovação de que as operações existam de fato. Por não saber se há contaminação parecida no restante da carteira do banco - que passa de R$ 6,5 bilhões, sendo 90% dela em empréstimos consignados, considerados de baixo risco -, o FGC recusou-se a garantir ao BTG Pactual que cobriria eventuais rombos que surgissem adiante, além do R$ 1,3 bilhão já detectado. O BTG não aceitou fechar a compra, com receio de perdas futuras. As negociações se estenderam até o último fim de semana.
O FGC, que é comandado pelos grandes bancos- públicos e privados - tem todo interesse em manter o Cruzeiro do Sul em pé. Não apenas para preservar o patrimônio dos correntistas com recursos aplicados no banco, mas principalmente o dos investidores internacionais que apostaram em títulos da instituição. O Cruzeiro do Sul tem R$ 2 bilhões em bônus emitidos no exterior, além de R$ 800 milhões em dívida subordinada contratada junto a instituições internacionais.
- No caso dos bônus no exterior, é perda (se o banco quebra). Vamos buscar uma equalização que minimize ao máximo as perdas de todo o mundo - disse Antônio Carlos Bueno, diretor-executivo do FGC.
O FGC também contratou a PricewaterhouseCoopers (PwC) para fazer uma varredura na contabilidade do banco. A ideia é ter uma medida exata das fragilidades contábeis identificadas pelo BC. Só assim seria possível tentar vender novamente o banco.
- Em 90 dias, no máximo, vamos ter o resultado apurado da PwC. Aí fica mais seguro para se promover a venda - disse Bueno.
O BTG Pactual é sério candidato a voltar ao negócio, tão logo se saiba o tamanho da parte podre do banco. O certo, neste momento, é que o Cruzeiro do Sul não volta mais às mãos dos antigos controladores. Além disso, Luis Octavio e seu pai, Luis Felippe Índio da Costa, que dividiam o comando do banco, assim como todos os ex-diretores do Cruzeiro do Sul estão com os bens bloqueados até o fim do Raet, que tem prazo inicial de 180 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período.
- Não existe mais diretoria, tem um conselho que somos nós (o FGC), e vamos cuidar do banco - disse Celso Antunes da Costa, diretor do Fundo que vai dirigir o Cruzeiro do Sul.
Nesse período, o banco, que tem oito agências (Rio, São Paulo, Campinas, Recife, Salvador, Belém, Palmas e Macapá), continuará funcionando normalmente. Os depósitos à vista podem ser movimentados, e os investidores com títulos do banco (CDBs, por exemplo) receberão seu dinheiro no vencimento dos papéis, assegura o FGC.
A decisão do BC de apertar o cerco aos bancos pequenos veio depois da descoberta de um rombo de mais de R$ 4 bilhões na contabilidade do PanAmericano. O banco, que era controlado pelo empresário Silvio Santos, vendia suas carteiras de empréstimos a outros bancos, não repassava os pagamentos feitos pelos clientes e ainda mantinha as operações como ativos seus.
Por isso, em junho do ano passado o BC criou a Central de Cessão de Crédito, que centraliza o registro de compra e venda de carteiras de crédito entre as instituições financeiras.
Banco tem apenas 0,22% dos ativos
Como os bancos pequenos não têm redes de agências para captar recursos, a cessão de carteiras a instituições maiores era a principal fonte de recursos para operar, o que ficou mais complicado com as novas regras de controle do BC.
As empresas Cruzeiro do Sul Corretora de Valores e Mercadorias, Cruzeiro do Sul DTVM e Cruzeiro do Sul S.A. Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros também entraram no regime especial. Fontes do governo dizem que a atuação da autoridade monetária não significa que há um problema generalizado em bancos de médio ou até pequeno porte.
De acordo com o BC, o Cruzeiro do Sul detém apenas 0,22% do total dos ativos do sistema financeiro e 0,35% dos depósitos. A instituição tem R$ 12 bilhões de ativos e R$ 6,2 bilhões em depósitos. Ao todo, o sistema bancário brasileiro tem R$ 4 trilhões de ativos.
FONTE: O GLOBO