quinta-feira, 5 de março de 2020

Bolsonaro insiste em desonrar a Presidência da República – Editorial | O Globo

Escalar um humorista para, passando-se por ele, dar bananas aos repórteres foi mais uma agressão à imprensa e aos direitos constitucionais que a garantem

O presidente Bolsonaro, em mais uma agressão aos jornalistas profissionais que por dever de ofício o seguem — logo, em mais um ataque à própria imprensa — recusou-se a responder sobre o frustrante PIB de 2019, ao escalar um humorista para que, passando-se por ele, oferecesse bananas aos repórteres.

Em decisão correta, parte se retirou. Foram desrespeitados e, por meio deles, agredidos, além da própria imprensa profissional, os direitos constitucionais que a garantem.

Bolsonaro insiste em desonrar a Presidência da República. Continua sem entender o que ele representa por ocupar o Palácio do Planalto. E vai, assim, criando ineditismos, como ser um presidente que simpatiza com motim de policiais, e manda desligar radares das estradas federais para atender a seu curral eleitoral de caminhoneiros, mesmo que aumente o número de mortes nas vias.


Se não criasse uma crise profunda, já teria decretado o congelamento do diesel para agradar à categoria. A imprensa continuará a informar tudo de importante que o presidente faça ou diga. Cenas como a que patrocinou ontem agravam a falta de decoro com que representa a nação.

Roberto Dias – A claque

- Folha de S. Paulo

Presidente ativa engrenagem ao ligar a câmera na frente do Alvorada

O dia era de PIB raquítico, mas teve um número que Jair Bolsonaro conseguiu fazer crescer. Foi o de comentários em seus posts no Facebook. Sua média em março vinha na casa de 3.800 reações por post. Isso até a transmissão ao vivo desta quarta (4), ao lado do humorista Carioca. Nas oito primeiras horas no ar, o vídeo somou mais de 16 mil comentários.

Entre algumas poucas críticas e reclamações, como as relacionadas ao preço dos combustíveis, ao efeito das chuvas e às aposentadorias, muitos, muitíssimos elogios, quando não declarações de amor e pedidos de encontro. Uma pequena amostra dá ideia da engrenagem que Bolsonaro ativa ao ligar a câmera na frente do Alvorada.

"Bom começar o dia sorrindo, espantando as tristezas", escreveu Shirley Aparecida Dervinis, de Osasco.

"Como é maravilhoso ter um presidente que, mesmo com toda luta e problemas, ainda arranja um tempo para abraçar, ouvir, brincar, sorrir para as pessoas!", escreveu Márcia Ébani, do Espírito Santo.

"Aí pergunta por que o cara é mito. Adoro, ele tira onda mesmo. Comédia com comédia se paga", disse Luis Claudio Pedroso, de Porto Alegre.

Bruno Boghossian – Bolsonaro e o circo sem pão

- Folha de S. Paulo

Ao se esconder atrás de imitador, presidente cria retrato vergonhoso de si mesmo

Era para ser uma sátira, mas foi uma representação fiel da realidade. No dia em que o país registrou um crescimento frustrante do PIB, Jair Bolsonaro apareceu ao lado de um humorista que encarnava um presidente que não dá a mínima para a economia e não sabe nem o significado daquelas três letras.

"PIB? O que que é PIB? Pergunta o que que é PIB", recomendou Bolsonaro ao piadista Márvio Lúcio, vestido com a faixa presidencial.

Quem esperava do verdadeiro governante um plano para o crescimento precisou se contentar com mais uma encenação indecente. Bolsonaro pôs um imitador diante das câmeras e o estimulou a se comportar como um pateta malcriado. Depois que o presidente se recusou a falar sobre os apertos da economia, o comediante atirou bananas aos jornalistas.

Além de levar a um novo patamar de insulto suas afrontas à imprensa, Bolsonaro criou um retrato vergonhoso de si mesmo e do governo. A cena revelou um presidente sem capacidade de liderança sobre um tema delicado, disposto a apelar para distrações cada vez mais infantis.

Mariliz Pereira Jorge - Circo Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Para falar do PIB, presidente pôs um comediante em seu lugar

O contorcionismo que Jair Bolsonaro faz para não responder perguntas indesejadas é digno do Cirque du Soleil. Diante da missão de falar sobre o pobre desempenho do PIB, achou OK que um comediante tomasse o seu lugar e distribuísse bananas à imprensa.

Este governo é o que melhor ilustra a máxima "se cobrir com lona, vira circo; se trancar a porta, vira hospício". E, se era por falta de palhaço, o circo Bolsonaro está completo. No dia a dia, temos o próprio presidente, que se acha muito engraçado, apesar de só fazer piadas desrespeitosas e de mau gosto. Agora, ganhou um comediante para chamar de seu, Márvio Lúcio, o Carioca.

Na terça (3), Carioca gravou com Bolsonaro um quadro para o Domingo Espetacular (Record). No dia seguinte, tomou café da manhã com o presidente e teria sugerido que se passasse por ele na saída do Alvorada. Chegou no carro em que estava o chefe da Secom, Fabio Wajngarten.

Maria Hermínia Tavares* - O alvo é outro

- Folha de S. Paulo

Congresso não é nem foi obstáculo às iniciativas do Planalto

Entraram pela madrugada de terça-feira (3) as conversas entre líderes do Congresso em busca de uma saída negociada para o impasse que impedia a votação dos vetos presidenciais ao trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020 que ampliava o poder dos parlamentares sobre a execução de emendas impositivas.

Alcançado o entendimento, a votação foi adiada porque o governo tardou em enviar ao Congresso os projetos de lei que eram parte do acordo e deveriam regulamentar a execução do Orçamento impositivo. De seu lado, Bolsonaro pela enésima vez apelou às redes sociais a fim de trapacear, negando que tivesse autorizado o acerto —o que é público e notório.

Disso tudo fica claro que o Congresso não é —nem foi, desde o início do governo— obstáculo às iniciativas do Planalto. É o que confirma o boletim do Observatório do Legislativo Brasileiro, do Instituto de Estudos Políticos e Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro publicado há dois meses.

O trabalho classifica deputados e senadores pelo seu grau de governismo, conforme se conduziram em 252 votações na Câmara e 28 no Senado. O ranking mostra que, mesmo sem articulação entre Executivo e Legislativo, ampla maioria governista dominou as votações nominais em que não houve unanimidade: cerca de 73% dos deputados e 50% dos senadores destacaram-se pela frequência com que apoiaram as propostas do Executivo.

Fernando Schüler* - Madison tinha razão

- Folha de S. Paulo

Há uma agenda estrutural de reformas no Congresso, e é nela que devemos focar nossa atenção

A semana do Carnaval foi agitada. Bolsonaro distribuiu aquele vídeo pelo WhatsApp, e a república quase caiu. A república digital, bem entendido. Do vídeo ninguém mais se lembra, mas consta que inspirou paródias impagáveis de filmes com super-heróis que circulam na internet.

Muita gente achou que o fim havia chegado. Li de uma jornalista que “o golpe estava em curso”. O texto era longo, confesso que tive preguiça de ler até o fim, mas parecia ser um “alerta ao país”. Fui na janela temeroso de ver tanques na rua, mas nada. Tudo que vi, ao longe, foi um bloquinho de Carnaval um pouco cansado, já no fim da festa.

Na semana seguinte, governo e Legislativo fecham acordo em torno do Orçamento impositivo, confirmam-se os vetos de Bolsonaro, e um certo tédio volta a reinar em nosso mundo político. Ao menos por alguns dias, imagino. Até a próxima frase mal-humorada do general Heleno, em algum coquetel de Brasília.

Tudo isso parece engraçado, mas é o novo feijão com arroz das nossas democracias. A política na era da irrelevância. Voltei a ler Baudrillard e suas teses esquisitas sobre os males do excesso de informação e o assalto do mundo virtual sobre a realidade. Baudrillard profetizou a nós todos.

Vinicius Torres Freire – O pibinho na geringonça da direita

- Folha de S. Paulo

Geringonça política e econômica da direita deve continuar, assim como o arrocho do povo miúdo

O Brasil está em crise política ou econômica faz seis anos. Mais pobre do que era faz dez anos. Com o sistema político tradicional desacreditado pelo menos desde 2013 e desmoralizado desde 2015. Caberia perguntar por quanto tempo o país ainda pode se desmilinguir sem revolta social ou rompimento político.

A pergunta parece mais oportuna por causa da renovação da perspectiva de quase nenhum crescimento da economia, como agora. Até quando seria paciente a maioria silenciosa do povo miúdo, que parece ainda mais quieta por causa da algazarra atroz das milícias digitais?

Mas algum rompimento houve, pela via institucional. Jair Bolsonaro é o resultado disso. De certo modo, o tempo de tolerância da crise voltou a ser contado na eleição de 2018. As urnas são momento de renovação de otimismo, por mais estranha ou monstruosa a forma que essa esperança possa tomar.

O sentimento de que o país se esboroa se deve também ao fato de que acontecem mudanças profundas, goste-se ou não. Mudam a Previdência, a poupança pública e privada, as relações trabalhistas, o emprego. Há contenção do gasto público por asfixia.

Maria Cristina Fernandes - A guarda pretoriana do comediante

- Valor Econômico

Se estava difícil de entender, o coronel Aginaldo desenhou com o estímulo à insubordinação policial

Como estivesse difícil entender, o coronel Aginaldo de Oliveira resolveu desenhar. Ao celebrar a coragem dos policiais militares na assembleia que deliberou pelo fim do motim policial no Ceará, o coronel, que é diretor da Força Nacional de Segurança, mostrou que o presidente Jair Bolsonaro hoje dispõe de meios para arregimentar uma guarda pretoriana. Não é um feito solitário. Tem a decisiva ajuda do ministro da Justiça, Sergio Moro, cuja autoridade se mostrou incapaz de repreender amotinados.

A guerra de facções do crime organizado no Ceará, Estado que se tornou corredor de exportação do narcotráfico andino, foi a primeira crise enfrentada pelo presidente da República. Na semana da sua posse, Bolsonaro optou pelo envio da Força Nacional de Segurança para o Estado que havia acabado de reeleger um governador do PT.

Um ano depois, nova crise eclodiria sob a forma de motim policial. Como a força especial composta por policiais militares já não desse conta de reprimir seus próprios colegas, o presidente foi pressionado a decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), conduzida por militares do Exército. Entre uma e outra crise, deterioraram-se as bases da hierarquia e da disciplina das tropas locais e a capacidade de operação da força nacional. O governador é o mesmo, Camilo Santana, reeleito pelo PT. Quem mudou foi o presidente, ocupado, desde a posse, em incutir, nas bases policiais, o vírus da insubordinação que marcou sua carreira militar.

É uma barafunda bolsonarista por excelência. Desde sua criação, em 2000, a Secretaria Nacional de Segurança Pública, chapéu, no MJ, para a Força Nacional de Segurança, foi ocupada por policiais e especialistas. No governo Michel Temer, assumiu o primeiro general, Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro do governo Bolsonaro e um dos poucos militares da reserva a expor publicamente sua crítica à insubordinação policial.

Ribamar Oliveira - Regulamentação chegou muito tarde

- Valor Econômico

Agilidade do governo teria evitado os problemas ocorridos no início deste ano envolvendo o Orçamento impositivo

Por mais incrível que possa parecer, somente nesta semana o governo tomou a iniciativa de encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de lei alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para 2020, estabelecendo normas para aplicação, com segurança jurídica, do chamado Orçamento impositivo. Ou seja, os pneus estão sendo trocados com o carro em movimento.

Na exposição de motivos que acompanha o projeto de lei, o ministro da Economia, Paulo Guedes, comete uma impropriedade. Ele diz ao presidente Jair Bolsonaro que a regulamentação está sendo feita agora porque, quando as emendas constitucionais 100 e 102, que instituíram o Orçamento impositivo, foram promulgadas, o projeto da LDO válido para 2020 já tinha sido aprovado pelo plenário da Comissão Mista de Orçamento do Congresso (CMO).

Na verdade, a emenda constitucional 100 foi promulgada no dia 26 de junho de 2019, quando o relator do projeto da LDO, deputado Cacá Leão (PP-BA), nem sequer tinha apresentado o seu relatório, o que só foi feito no dia 7 de julho do ano passado. Foi a EC 100 que determinou ser dever da administração “executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”.

Luiz Carlos Azedo - Acordo envergonhado

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Bolsonaro mantém uma posição ambígua em relação aos três projetos enviados pelo governo ao Congresso e um apoio velado à manifestação convocada para 15 de março”

O Congresso Nacional manteve os vetos do presidente Jair Bolsonaro a trechos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020 que tratam do chamado “Orçamento Impositivo” por 398 votos a 2. Quando ocorre uma maioria dessa magnitude, não tenham dúvida, houve um tremendo acordão, ainda que um dos lados, no caso o presidente Jair Bolsonaro, bata no peito e diga que não. O acordo incluiu o envio, pelo Palácio do Planalto, de três projetos para regulamentar o assunto, que serão analisados na próxima semana. Provavelmente, haverá disputa entre grupos governistas e da oposição que discordam do acordo feito nos bastidores da negociação entre a equipe econômica e os líderes do Congresso, principalmente seu presidente, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Há muitos interesses em jogo, além das emendas parlamentares ao Orçamento da União.

Seis vetos foram derrubados pelos congressistas, para impedir o bloqueio de verbas destinadas à pesquisa da Embrapa, Fiocruz, Ipea e IBGE, de autoria do deputado Arnaldo Jardim (SP), líder do Cidadania. Nesse caso, porém, a orientação do governo foi pela derrubada dos vetos. Votaram a favor 282 deputados e 50 senadores (eram necessários 257 e 41 votos, respectivamente). O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), lembrou que o acordo fora costurado no fim do ano passado e assegura recursos para instituições científicas, inclusive para garantir pesquisas sobre o coronavírus.

William Waack - Haja Confusão

- O Estado de S.Paulo

O cenário político está embaralhado, mas o pequeno PIB de 2019 não confunde

É óbvio que um presidente contracenando com humoristas faz parte do arsenal de promoção de imagem “humana” ou “popular” em qualquer lugar – Barack “Late Night Show” Obama que o diga. Mas quando Jair Bolsonaro divide a cena com um humorista fantasiado de presidente do Brasil diante do Alvorada (um edifício oficial) – como ocorreu ontem –, a quem encarrega de responder a perguntas de repórteres, e depois o próprio presidente divulga o vídeo em redes sociais, sugere uma confusão: afinal, quem é o comediante?

Pode-se até acreditar que confusão seja uma arma conscientemente empregada por Bolsonaro para desequilibrar adversários, mas não se pode fugir à constatação de que virou uma de suas características permanentes. Para focar no que é mais recente, é confusa a pauta da manifestação que ele apoia (ou não?) para o dia 15, além da palavra de ordem mais abrangente de prestigiar o presidente.

Ficou confusa também a demanda, do ministro da Economia, Paulo Guedes, para que participantes do ato “defendam reformas”. No caso da tributária, qual a ser defendida? Existe uma do governo? Qual das várias que tramitam no Legislativo? Qual se deveria pedir em primeiro lugar? A PEC emergencial, talvez?

A favor de Bolsonaro deve-se assinalar que não é o único, de propósito ou não, a criar confusões. Na raiz da queda de braço entre Legislativo e Executivo para disputar migalhas do Orçamento (afinal, mais de 90% já estão comprometidos em despesas obrigatórias), está uma confusão política de autoria dos próprios parlamentares.

O fundo da questão não era o Orçamento impositivo, mas a esdrúxula criação do dispositivo que permitiria a um relator dispor de R$ 30 bilhões do Orçamento. Os parlamentares criaram uma perigosa confusão entre “legisladores” e “executores” do Orçamento. Que o governo, confuso, demorou para perceber.

Zeina Latif* - Juros baixos não blindam a economia

- O Estado de S.Paulo

O contágio financeiro sobre o setor produtivo, se relevante, precisa ser mitigado

O momento é de apreensão por conta das incertezas decorrentes da epidemia de coronavírus. Não há, no momento, como afirmar quando será o ápice da crise, para podermos dizer que o pior já passou.

Como agravante, o timing da epidemia não é nada favorável, pois o comércio mundial está encolhendo desde o ano passado, por conta, principalmente, das políticas protecionistas dos países. O foco da crise, a China, representa hoje mais de 20% do PIB mundial, e a expectativa de uma desaceleração econômica suave caducou. Estivesse a economia mundial em melhor forma, seria mais fácil dirimir as incertezas.

Adicionalmente, os países, com poucas exceções, não contam com muitos instrumentos para mitigar o impacto da crise. Além dos juros já muito baixos, poucos têm espaço para expansão fiscal, diante dos déficits e dívidas elevados. Exageros na expansão dos gastos públicos podem até piorar o quadro econômico, ao despertar a desconfiança de credores. Além disso, não é qualquer expansão fiscal que funcionaria. O momento pede políticas sanitárias e para ampliar o acesso da população aos serviços de saúde, e não o aumento indiscriminado de gastos.

Celso Ming - A fraqueza desse PIB

- O Estado de S.Paulo

Se não chegou a surpreender, esse Produto Interno Bruto (PIB) também não deixou de decepcionar.

Um avanço de 1,1% em 2019 (sobre 2018) e de 0,5% no quarto trimestre (sobre o terceiro) foi o que a maioria dos analistas já vinha cantando.

As previsões iniciais de um crescimento de pelo menos 2,8% em 2019 se frustraram em consequência de três fatores: a crise da Argentina; os desdobramentos da guerra comercial entre Estados Unidos e China, que estreitaram o mercado de exportações e derrubaram os preços das commodities, das quais o Brasil é grande fornecedor global; e a tragédia de Brumadinho, que achatou a produção da indústria extrativa. Só esses três fatores devem ter comido cerca de 1% do PIB em 2019.

Mas isso é como trombada de carro em barranco provocada por um cachorro que atravessava a estrada. As verdadeiras causas são outras: é desatenção e imperícia do condutor do veículo e, talvez, freios sem manutenção. Dá para conferir, também, que o Brasil só consegue bons resultados no seu sistema produtivo quando tudo vai bem no resto do mundo e quando não sobrevêm desastres naturais.

Há anos, a economia brasileira vem patinando em consequência de sua reduzida poupança e baixíssimo investimento. Quem come as sementes não semeia e também não colhe. Para crescer pouco mais de 3% ao ano, o investimento (Formação Bruta de Capital Fixo) teria de ser da ordem de 22% do PIB. No ano passado, ficou nos 15,4% e, em 2018, em 15,2% do PIB, como está no gráfico ao pé desta Coluna. Ninguém esperava a piora do ritmo do investimento no quarto trimestre de 2019 de 3,9% para 2,2%.

A poupança nacional também é a precariedade já conhecida. Não passou de 12,2% do PIB, abaixo dos 12,4% registrados no ano anterior. E não se diga que baixo nível de poupança é sina de país pobre, que vive da mão para a boca, como tanto se ouve por aí. O padrão asiático de países ainda pobres é poupança de 30% a 35% do PIB. A China vai muito além, poupa em torno de 50% da renda. Ou seja, o chinês, de quem tanto se diz que é mal remunerado, consegue poupar metade do seu salário. E ainda tem de sustentar seus idosos, porque o país não tem sistema previdenciário público. No ano passado, o Brasil apresentou poupança de apenas 12,2%.

Merval Pereira - Futuro Nublado

- O Globo

Presidente da República sem apoio do Congresso, e com a economia em desacerto, não termina bem

Mesmo, ou talvez por isso, com o presidente Jair Bolsonaro fazendo piada sobre seu próprio pibinho, nada muda o fato de que o país está com dificuldades econômicas graves, e sem perspectiva de solução, agora que o Covid-19 atacou a economia mundial. Antigamente dizia-se que quando os Estados Unidos espirrava, o Brasil pegava uma pneumonia. E agora que o coronavírus contaminou o mundo todo, numa pandemia não declarada, inclusive as duas maiores economias do mundo globalizado, Estados Unidos e China?

Mais do que nunca é preciso avançar com as reformas, mas à medida que o resultado econômico não chega, mais Bolsonaro vai deixando de lado seu viés liberal. Já teria pedido um crescimento mínimo de 2% do PIB para este ano a Paulo Guedes, missão que, com as novidades, parece impossível.

Seu faro político-eleitoral está apontando para um cenário perigoso, e ele tem razão, sobretudo quando a crise com o Congresso, que o favorece diante de seu eleitorado mais fanático, tem efeitos colaterais que nossa história recente registra tristemente.

Presidente sem apoio do Congresso, e com a economia em desacerto, não termina bem. É verdade que os dois presidentes impedidos desde a redemocratização chegaram a crises econômicas devastadoras: o governo Collor registrou retração de 2,06% do PIB e, de 6,97% da renda per capita.

Ascânio Seleme - A quem o Congresso assusta

- O Globo

Brasil superaria muito mais rapidamente suas crises sob regime parlamentarista

Um grande número de brasileiros odeia o Congresso Nacional ou dele tem pavor. Estas pessoas enxergam no Parlamento um poço por onde escorrem todas as economias nacionais ou boa parte delas. Olham para deputados e senadores e só conseguem ver larápios, usurpadores das riquezas nacionais. Dizem sem se constranger que são eles que destroem o Brasil impedindo que gente digna e honesta, como Jair Bolsonaro, trabalhe. As convocações para o ato do dia 15 de março carregam esse vício de nascença, já que todos os problemas do Brasil têm origem no Congresso. Por esta ótica, enfrentar, atacar, desonrar o Congresso significa dar uma chance ao Brasil.

Vejo exatamente o contrário. Pelo ritmo alucinado com que se escala a intolerância política no Brasil, onde até a primeira-dama do país é vilipendiada pelo radicalismo, o Parlamento pode ser a única saída. Já testamos uma vez a alternativa parlamentarista. Funcionou provisoriamente para que João Goulart pudesse assumir o cargo aberto pela renúncia de Jânio Quadros. Como os militares não aceitavam Jango, achou-se a opção parlamentar.

Fabricada às pressas para resolver um impasse, não durou. Como também não durou o governo de Jango, derrubado pelo golpe de 1964, menos de dois anos depois.

O parlamentarismo é discutido nas redes sociais como uma armação que está sendo tramada no Congresso para tirar poder de Bolsonaro. Um golpe contra o presidente eleito democraticamente, denunciam. Bobagem. O tema não está na pauta da Câmara ou do Senado. Depois, para se fazer uma mudança de sistema de governo é obrigatório que todo o país participe do debate. Além disso, para aprovar uma emenda constitucional nesse sentido seriam necessários dois terços dos votos do Congresso, impossível de se alcançar nas circunstâncias atuais.

Bernardo Mello Franco - Pouco pão e muito circo

- O Globo

Em dia de pibinho, Bolsonaro levou um comediante ao Alvorada. O truque já ficou manjado. Quando a notícia é ruim, o capitão apela ao bizarro para desviar a atenção

O truque já ficou manjado. Quando se vê diante de uma notícia ruim, Jair Bolsonaro apela à bizarrice para desviar a atenção. Ontem o presidente recrutou um humorista para substituí-lo no contato matinal com a imprensa. O objetivo era se esconder de perguntas sobre o pibinho do ano passado.

O dado mostrou que as promessas de recuperação econômica eram conversa fiada. No início de 2019, o Banco Central projetava um crescimento de 2,53%. O ministro Paulo Guedes arrochou salários e cortou aposentadorias, mas só conseguiu entregar 1,1%. Um desempenho pior que o do governo Michel Temer.

Para não comentar o resultado pífio, Bolsonaro cedeu o lugar a um comediante da TV Record. De terno escuro e faixa presidencial, o dublê tentou distribuir bananas e dar entrevista no lugar do presidente. Só arrancou risos dos puxa-sacos que amanhecem na porta do palácio para aplaudir o “Mito”.

A presepada consumiu tempo e estrutura do governo. O humorista desceu de um carro oficial com o secretário de Comunicação Social, o enrolado Fabio Wajngarten. Um ajudante de ordens filmou a cena para abastecer as redes sociais do chefe.

Bolsonaro ainda tentou participar do número. “PIB? O que é PIB? Pergunta para eles o que é PIB”, disse, apontando na direção dos repórteres. Ninguém achou graça, e ele foi embora sem dar explicações sobre o fiasco econômico.

O desrespeito tem sido rotina nas entrevistas no cercadinho do Alvorada. Em vez de prestar contas à sociedade, o presidente usa o espaço para fazer grosserias e insultar jornalistas. Os bolsonaristas pensam que os desaforos humilham a imprensa. Na verdade, eles só escancaram a falta de compostura do capitão.

Míriam Leitão - Erros e fatos que explicam o pibinho

- O Globo

Ano de 2019 poderia ter sido de recuperação no PIB, mas o governo Bolsonaro perdeu tempo com falsos problemas e criou desgastes evitáveis

O primeiro ano do governo Bolsonaro foi decepcionante também do ponto de vista da economia. A previsão do PIB em janeiro era 2,5% e terminou em 1,1%. Houve fatores externos e tormentos internos na essência desse número. Mas o mais relevante agora é que 2020 não será igual ao ano que passou, porque o coronavírus criou uma nova dinâmica nas economias mundial e brasileira. Os economistas olham para 2019 como sendo um passado remoto, porque o presente concentra a atenção e é intensamente incerto.

O PIB per capita cresceu apenas 0,3%. O último trimestre, que se esperava fosse ganhar fôlego após a aprovação da reforma da Previdência, cresceu 0,5%. No ano, houve dados um pouco melhores no consumo das famílias (1,8%) e na construção (1,6%). O consumo foi estimulado pela liberação dos recursos do FGTS, mas isso não tem muita duração. O resultado da construção é decorrente da forte queda de juros ao longo dos últimos anos e que tem efeito cumulativo. É uma boa notícia, principalmente quando se pensa no contexto de cinco anos consecutivos de queda e de um encolhimento do setor em 30%. Porém, o último trimestre da construção foi decepcionante, queda de 2,5%. O crescimento brasileiro tem sido anêmico e não se sustenta.

É contrafactual tentar saber o que seria esse PIB se o governo não tivesse criado tanto ruído, mas certamente dá para imaginar que uma nova administração sempre consegue aproveitar a lua de mel, as expectativas positivas, e injetar ânimo na economia. O presidente Bolsonaro permaneceu em palanque e aprofundando as fraturas de uma eleição polarizada. Criou sucessivos ruídos com o Congresso. Deu sinais assustadores nas áreas ambiental e de direitos humanos.

O que a mídia pensa – Editoriais

Piada de mau gosto – Editorial | O Estado de S. Paulo

Como pode ter êxito um governo cujo presidente trata questões sérias como piada?

O ministro da Economia, Paulo Guedes, reuniu-se na terça-feira passada com representantes do Vem Pra Rua e do Movimento Brasil Livre, grupos que ganharam projeção fazendo protestos contra o lulopetismo e se alinham à agenda econômica do governo de Jair Bolsonaro. No encontro, durante um almoço na casa do secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, Guedes pediu apoio dos movimentos às reformas. Disse que o governo tem “15 semanas para mudar o Brasil”, em provável referência ao fato de que, no segundo semestre, o Congresso estará desmobilizado em razão da campanha para as eleições municipais.

Que dois altos funcionários do governo tenham deixado de lado seus afazeres para pedir o apoio e a opinião de movimentos de rua acerca das reformas econômicas que o governo pretende aprovar já é bastante inusitado. Mais inusitado ainda foi o cronograma apresentado por Guedes: em 15 semanas, o governo Bolsonaro pretende fazer o que foi incapaz nas 61 semanas de seu mandato até agora.

E não foi capaz porque se recusou a estabelecer as necessárias pontes com o Congresso e porque o próprio governo parece não se entender sobre o teor de algumas reformas que diz pretender apresentar, como a tributária e a administrativa. Em vez de pedir apoio às ruas, o governo Bolsonaro deveria se dedicar mais a melhorar sua interlocução com os parlamentares. Mas essa é uma perspectiva cada vez mais remota.

Música | A amizade - eu, você e o samba

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Canção amiga

Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.
Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.