terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Merval Pereira - Chance de dar certo

O Globo

Lula errou ao falar como chefe de facção e não como presidente da República. Governo deve se impor pela eficiência, seriedade, e sensatez

A tentativa de golpe contra o novo governo provocou uma inédita reação inequívoca de apoio às instituições democráticas, vindas de todos os lados, internamente e do exterior. Até mesmo representantes da extrema direita ideológica da França e da Itália, comprometidos com o jogo democrático, se pronunciaram contra o vandalismo como ação política. Assim como, para vencer a eleição, Lula levou o PT para o centro, idealizando uma frente ampla partidária.

Mesmo que não tenha se concretizado completamente na formação do ministério, deixando pouco espaço nos setores importantes para outros que não petistas, esse espírito de união nacional marcou o início do governo e se fortaleceu depois do vandalismo terrorista de domingo. Que Lula entenda a situação, pois não será com um governo de esquerda que conterá as ações de grupos radicais. Nem mesmo conquistará eleitores que, não sendo extremistas, votaram em Bolsonaro ainda imaginando que seria melhor solução que a volta do PT ao governo.

Por certo, os descalabros em Brasília, em atitudes claramente antidemocráticas organizadas, pois atacaram os três centros do poder republicano, farão com que muitos eleitores de direita se afastem desse contágio. Mas não farão com que mudem de posição, apoiando o governo petista. Ser contra o vandalismo não significa ser a favor do petismo.

Fernando Luiz Abrucio* - A batalha pela democracia não acabou

O Globo

Há uma liderança clara aqui: é o bolsonarismo que alimentou nos últimos anos a visão golpista da política

A invasão dos prédios dos Três Poderes por terroristas bolsonaristas foi o maior ataque à democracia brasileira desde sua restauração, em 1985. O país vive o momento democrático mais longo de sua história, mas tendências políticas e sociais autoritárias ainda são relevantes, representadas principalmente pelo bolsonarismo e por grupos extremistas que orbitam em torno dele. Embora a tentativa de golpe de Estado tenha fracassado, e as instituições tenham reagido fortemente contra os vândalos fascistas, o perigo continua rondando o Brasil.

A batalha pela democracia não acabou com o Capitólio à brasileira. Três frentes deverão ser enfrentadas para garantir o regime democrático nos próximos anos. A primeira envolve fortalecer as instituições contra ameaças autoritárias. Isso passa, de início, pela recuperação dos órgãos que, de algum modo, colaboraram com o bolsonarismo. O Ministério Público Federal (MPF), sobretudo a cúpula, as polícias Federal e Rodoviária e, com grande destaque, as Forças Armadas e as PMs têm de ser direcionadas a um comportamento republicano e democrático.

Carlos Melo* - Escombros do terrorismo trazem elementos para a superação

O Globo

Quase unanimidade no posicionamento dos governadores pode significar, na prática, uma nova relação entre a União e os estados

Os acontecimentos deste domingo resultaram num tiro de canhão nos pés de seus autores. Mas a figura de linguagem não basta para compreender desdobramentos. O primeiro efeito dos atos e cenas ocorridas no domingo consiste em que o fenômeno passa a ser chamado por seu nome real: terrorismo.

Não que faltassem elementos para isso — do que chamar quem pretende explodir um caminhão de combustível ao lado de um aeroporto? Mas as cenas de barbárie parecem ser ainda mais convincentes da gravidade desses atos e do perigo desses “manifestantes” toscos e radicalizados.

Os ataques não foram ao PT ou ao presidente Lula — menos ainda ao tal “comunismo imaginário” dessa gente delirante. Mas aos Três Poderes e às instituições democráticas. A barbárie teve o condão de unir o país em pelo menos quatro aspectos.

Foram atacadas as sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, e isso gera mais solidariedade e coesão do que 1 milhão de reuniões. Há quanto tempo os Três Poderes não atuam em consonância e sintonia no Brasil? Essa pode ser, de fato, uma grande mudança qualitativa, com desdobramentos para muito além do 8 de janeiro.

Míriam Leitão - No dia seguinte, a Federação se uniu

O Globo

A República, a Federação e os Poderes ficaram juntos em uma cena eloquente. O risco é que a punição fique na massa de vândalos e alguns cúmplices

O ambiente ontem era de ressaca cívica. Havia tristeza, mas ao mesmo tempo os sinais de união nacional foram fortes. Governadores reunidos com os chefes de poderes foi um momento que falou por si. A República, os Poderes e a Federação estavam juntos. A cena era eloquente. Ao mesmo tempo, há sombras demais em torno dos episódios que levaram ao atentado à democracia no domingo e há o risco de que as punições fiquem apenas na massa de vândalos e alguns dos seus cúmplices.

Uma das autoridades do Judiciário que eu ouvi explicou que os caminhos à frente ainda estão muito abertos. “Um atentado sem precedentes exigirá uma resposta sem precedentes.” Mas qual? “Há clamores de todos os tipos: desde os mais extremados, como a extinção das PMs, até as mais moderadas, como o exercício civil efetivo através do Ministério da Defesa.”

Foi bonito ver os governadores falarem em apoio à ministra Rosa Weber, ao presidente Lula e aos presidentes do Legislativo. O fato de o governador Tarcísio, de São Paulo, ter sido um dos chefes do executivo a falar foi importante dentro do movimento de isolar o radicalismo golpista. “Os bolsonaristas e quem apoiou a barbárie abriram as portas para uma reação que tem o potencial de reduzir a direita radical”, me disse essa autoridade do Judiciário.

Luiz Carlos Azedo - Os vândalos foram odientos, misóginos, racistas e burros

Correio Braziliense

O que aconteceu no domingo mostrou que a extrema direita bolsonarista, além de bruta, é burra. Será desmantelada pelas investigações do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, que estão unidos

As seis facadas no painel As mulatas, de Di Cavalcanti, foram a síntese da natureza dos vândalos bolsonaristas que invadiram, depredaram e saquearam o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). A jovem atriz carioca Marcia Cerqueira, no Twitter, foi cirúrgica: “Esfaquear a pintura As Mulatas de Di Cavalcanti me parece o vandalismo mais simbólico do que representa o bolsonarismo: o ódio à arte e à cultura brasileira, o racismo, a misoginia, a ignorância, a agressividade e o desprezo pelo patrimônio público, em um só tempo”.

Uma das mais importantes obras do pintor modernista brasileiro, que sofreu forte influência do catalão Pablo Picasso e do muralista mexicano Diego de Rivera, a obra está avaliada em R$ 8 milhões, mas pode chegar a mais de R$ 20 milhões, valor do painel Bumba meu Boi, de sua autoria, vendido num leilão paulista, em 2019. As mulatas fala da mestiçagem sem negar as contradições da tragédia da escravidão, uma das características da obra de Di Cavalcanti. Restaurado, o painel será um ícone do que aconteceu neste 8 de janeiro, em Brasília.

Cristovam Buarque* - O labirinto do analfabetismo

Correio Braziliense

Em 2003, no primeiro ano do governo Lula, o Ministério da Educação construiu um labirinto para mostrar as dificuldades no dia a dia de uma pessoa que não sabe ler. Dentro de uma grande caixa, o labirinto armado em diferentes locais permitia ao visitante seguir o percurso de uma pessoa analfabeta em busca de um endereço onde havia possibilidade de emprego. Ao ver a placa onde a palavra "entrada" onde estava escrita com letras misturadas, "ntearad", o visitante tinha seu primeiro choque de incompreensão que sente o analfabeto diante de texto escrito e do fato de que reunir letras só forma palavra para alfabetizados. Alguns diziam ter passado por isso durante dias no estrangeiro e imaginava como seria viver permanentemente assim.

A partir da entrada, grupos de visitantes eram reunidos na primeira sala, escura, onde um alto-falante dizia: "Você está em busca de chegar a um endereço onde há empregos disponíveis. Escolha o ônibus que sirva para seu destino." A voz silenciava e uma luz mostrava na parede em frente o fluxo de ônibus chegando, com letras misturadas indicando o rumo para onde seguiam.

Pedro Cafardo - Com terrorismo, fica difícil olhar a economia

Valor Econômico

O que aconteceu domingo em Brasília é uma vergonha nacional, sequência do tenebroso 2022, um dos anos mais tristes de nossas vidas

É difícil escrever sobre economia diante da repercussão do maior e mais absurdo ato de vandalismo antidemocrático da história do país. O que aconteceu domingo em Brasília é uma vergonha nacional, sequência do tenebroso 2022, um dos anos mais tristes de nossas vidas. O total de mortos pela covid chegou a quase 700 mil desde o início da pandemia; o Brasil voltou a ter 33 milhões de pessoas passando fome; perdeu ícones nacionais como Jô Soares, Elza Soares, Gal Costa, Erasmo Carlos, Éder Jofre e Nélida Piñon. No apagar das luzes do ano, quando parecia não haver mais espaço para tristezas, morreu Pelé.

O ano foi tenebroso também por circunstâncias políticas. O Brasil virou pária ambiental global. Os brasileiros tiveram que defender a democracia em luta feroz que uniu a sociedade em torno do presidente Lula e contra a ameaça totalitária. 2023 começou mais civilizado. Aí voltaram os terroristas camuflados de verde e amarelo.

Cobra-se de Haddad em dez dias o que Guedes não fez em quatro anos

Maria Clara R. M. do Prado - A dura tarefa de reconstruir o país

Valor Econômico

Lula não pode ficar imobilizado pelas tentativas de interrupção do ato de governar

Há quatro anos, nas primeiras semanas do governo Bolsonaro, já era possível prenunciar com certa clareza o que viria pela frente. Teses antiglobalistas e outras “maluquices” com viés fascista, que flertavam com a idolatria do líder, o mito, dominaram a retórica nas esferas de poder em Brasília, enquanto as promessas do ministro da Economia de uma política econômica liberal tentavam subjugar o apoio das elites ao novo presidente.

A rigor, o passado de Bolsonaro falava por si. Ninguém minimamente informado no país poderia alegar em sã consciência que se enganara ao elegê-lo para governante. Poderia dizer que preferiu “o menos pior”, como tantas vezes se ouviu, mas nunca que desconhecesse o currículo do capitão travestido de deputado federal que enalteceu publicamente torturadores e valeu-se da simbologia machista representada pelo cano de uma arma para impor-se à nação. E assim se deu um governo de destruição.

Assis Moreira - Rechaço da invasão e o foco na política

Valor Econômico

Invasão provoca horror na comunidade internacional e desvia foco para política

A violência dos extremistas bolsonaristas em Brasília chocou o mundo e provocou um rechaço monumental na cena internacional. A reação foi muito rápida e forte de apoio à democracia brasileira, com enorme quantidade de declarações vindas de Joe Biden, Emmanuel Macron, dos presidentes latino-americanos e outros, sem importar a cor partidária.

De toda maneira, a invasão de prédios dos três poderes, com cenas assustadoras e sem precedentes, e suspeita de conivência ou passividade de forças de segurança, desvia a atenção na cena internacional sobre o país no começo do novo governo. Como nota um interlocutor, era hora de transmitir estabilidade e confiabilidade ao mundo, mas as conversas agora são sobre a invasão sem precedentes em Brasília.

Vinicius Torres Freire - Pela democracia, é preciso desbolsonarizar o Brasil

Folha de S. Paulo

Golpismo, ameaças armadas e infiltração nas instituições devem acabar

O destino da democracia depende também de um processo de desbolsonarização. O bolsonarismo tem vários aspectos, mas trata-se aqui da sua frente político-institucional. Isto é, de dar cabo do projeto de solapar ou suprimir a república (eleições livres, separação e autonomia de Poderes, direitos civis e políticos).

O bolsonarismo é também uma seita fanática, messiânica, não raro adepta da violência política. É um ressentimento sociocultural reacionário (machistas e inimigos em geral da diversidade humana, aversão ao debate público racional e às instituições da ciência etc.).

É ainda um modo pelo qual certos grupos sociais procuram obter mais poder: líderes do partido religioso e militar, empresários "liberais", o agro ogro. É um meio para grupos criminosos se enraizarem politicamente (garimpeiros, grileiros, desmatadores, milícias, exterminadores de indígenas e de lideranças populares); meio de suprimir movimentos sociais.

Joel Pinheiro da Fonseca - A democracia resistiu aos golpistas; já a direita, sucumbiu

Folha de S. Paulo

Direita opta pelo vale-tudo e joga no lixo estrutura moral

Se o objetivo dos golpistas era dar mais legitimidade às decisões de Alexandre de Moraes, conseguiram. Subitamente, as críticas às suas decisões parecem menos relevantes. Não porque o argumento jurídico subjacente tenha mudado, mas porque ficou claro que, do lado oposto ao ministro está uma horda de bandidos e arruaceiros.

A pergunta urgente é por que Alexandre de Moraes é a única autoridade a dar um basta decisivo em atos violentos contra a democracia? Todas as outras autoridades —a quem caberia restabelecer a lei— ou fazem corpo mole conivente ou são paralisadas pelo medo e pela extrema cautela, cheios de dedos para pedir por obséquio que os manifestantes que façam a gentileza de voltar a suas casas. Como se uma multidão que reza para um pneu, implora por golpe de Estado e defeca no prédio do Congresso fosse se deixar persuadir por um pedido bem-educado.

Seja como for, ainda que unicamente graças ao Supremo, a democracia brasileira resistiu ao pior ataque desde 1964. Prédios foram danificados, mas a vida pública continuará ilesa. Já a direita brasileira foi ferida de forma mais grave.

Bruno Boghossian - Combate a extremistas no Brasil vai exigir ação permanente

Folha de S. Paulo

Fim de acampamentos golpistas e prisão de terroristas são apenas o começo

O fim dos acampamentos golpistas é apenas o começo. O combate ao extremismo político no Brasil vai exigir uma ação permanente para sufocar a articulação de grupos organizados para atacar a ordem democrática.

A movimentação desinibida de radicais nos últimos 70 dias, sob a complacência de diversas autoridades, prova que as ameaças à democracia brasileira atingiram um grau de sedimentação que não se restringiu às portas dos quartéis.

Ao longo dos últimos anos, o bolsonarismo consolidou uma linha política que despreza controles institucionais, sobrevaloriza os sentimentos de determinados grupos e reveste de autoridade a vontade de um líder.

Hélio Schwartsman – Farsas e delírios

Folha de S. Paulo

O próprio Bolsonaro corre agora muito maior risco de ser preso

A frase de Marx sobre a história repetir-se como farsa nunca foi tão exata. Dois anos atrás, extremistas norte-americanos, insuflados pelo ex-presidente Donald Trump, invadiram o Capitólio, com o objetivo de impedir a transmissão do poder para Joe Biden.

Aquela tentativa de golpe nunca teve muita chance de sucesso, mas era, por assim dizer, um delírio que parava em pé. Trump ainda era o presidente e, se uma megacrise institucional tivesse se instalado, havia uma possibilidade ainda que extremamente remota de ele consolidar-se no poder.

ataque de domingo (8) à praça dos Três Poderes em Brasília foi um delírio que não para em pé. Os golpistas brasileiros fizeram tudo errado, a começar da escolha da data. Se tivessem agido enquanto Jair Bolsonaro era o presidente, ainda seria possível imaginar a decretação de um estado de sítio que evoluísse para um golpe "old school". Com Bolsonaro já na condição de ex e entocado na Flórida, só o que conseguiram foi reunir todas as forças políticas e institucionais relevantes em torno de Lula e da legalidade.

Cristina Serra - União férrea pela democracia

Folha de S. Paulo

A única certeza que temos é que a luta será árdua, difícil e demorada

O fascismo nunca havia mostrado suas garras e caninos com tanta fúria e ferocidade entre nós. Só em golpes de Estado se vê tamanho grau de violência e barbárie contra a Constituição e os Poderes da República. O momento é de mobilização permanente em defesa da democracia e do país e de fortalecimento da autoridade do presidente Lula.

A selvageria contra o Estado democrático de Direito teve comando, planejamento, coordenação e estratégia. Não foi ato de aventureiros alucinados. Os financiadores do terrorismo têm que ser identificados e presos. Os culpados pelo caos, por ação ou omissão, devem ser punidos com rigor.

Alvaro Costa e Silva - Cadeia neles

Folha de S. Paulo

O que pretendia a horda que promoveu baderna inédita na história da República?

O que pretendia a horda de verde e amarelo que promoveu baderna inédita na história da República?

O retorno do Messias? Não, pois muitos "patriotas" já o consideram um covarde e um traidor, gozando a vida na Flórida e fazendo articulações para não ser preso na volta ao Brasil (se ele um dia voltar). Um golpe de Estado? Também não. Eles sabem que os empresários que os financiam, os líderes religiosos e os artistas que os incentivam, os influencers e os comentaristas de TV que os iludem e os políticos que os defendem não têm força para tanto.

Os desordeiros nem mesmo tinham a louca ambição do terrorista que planejou explodir uma bomba no aeroporto da capital para provocar a intervenção das Forças Armadas e a decretação do estado de sítio.

Eliane Cantanhêde - Bolsonaro, talismã de Lula

O Estado de S. Paulo

Quanto mais Bolsonaro e bolsonaristas radicalizam, mais cresce a união nacional pró-Lula

Daqui a pouco, o presidente Lula vai se sentir tentado a acender velas para o antecessor Jair Bolsonaro e os bolsonaristas mais golpistas. Quanto mais eles radicalizam, mais ele une o País em torno dele e da democracia e, desde domingo, reúne um impressionante leque de apoios, internos e internacionais. Faz do limão uma limonada. E que limonada!

Os ataques às sedes dos três Poderes não produziram só medo, lágrimas e imagens chocantes de vidros despedaçados, móveis históricos arrebentados, obras de arte danificadas e relíquias roubadas. Produziram, também, um imenso movimento de união nacional.

Esse movimento vem desde a própria campanha eleitoral, quando o medo de Bolsonaro e das ameaças à democracia, às eleições e às urnas eletrônicas jogou no colo e no balaio de votos de Lula importantes personagens de centro e até de direita, do mundo político ao econômico, do jurídico ao cultural.

Rubens Barbosa* - A História se repete como farsa

O Estado de S. Paulo

Crise deixa a economia e a governabilidade em um segundo plano para dar relevância à defesa das instituições e do Estado Democrático de Direito

A invasão do Congresso norte-americano no dia 6 de janeiro de 2021 foi repetida, como farsa, no domingo, dois dias e dois anos depois, de maneira muito mais grave, porque atingiu, com criminosa destruição, também o Supremo Tribunal Federal (STF) e a sede do governo, o Palácio do Planalto. O ponto comum entre os dois eventos é o inconformismo de grupos políticos radicais com o resultado das eleições presidenciais.

O que explica essa ocorrência tão grave no começo do novo governo e que tanta reação causou no exterior? Não há dúvida de que houve falha no tratamento das informações de inteligência, além de omissão das autoridades do governo do Distrito Federal (DF) e incompetência na proteção e na segurança da Praça dos Três Poderes. A tentativa de destruição do Estado de Direito resulta de causas mais profundas.

Oliver Stuenkel* - Invasão causa reação global sem precedentes

O Estado de S. Paulo.

Sem resistência Virou destaque em todo o mundo a facilidade com que os prédios dos Poderes foram tomados

Analistas políticos alertaram, diversas vezes, para o risco de uma versão brasileira da invasão do Capitólio em Washington em 6 de janeiro de 2021. Não surpreendeu, portanto, quando, dois anos e dois dias depois, apoiadores extremistas de Jair Bolsonaro (PL) invadiram e depredaram o Congresso, o STF e o Palácio do Planalto em Brasília.

Diante da previsibilidade – ainda mais óbvia por causa da presença expressiva de manifestantes na capital –, chamou a atenção e virou destaque internacional a facilidade com que foram invadidos e depredados os principais prédios públicos da cidade. Diferentemente das forças policiais americanas, que não tinham como antecipar um ataque ao Congresso – afinal, não havia nenhum precedente –, tanto as Forças Armadas brasileiras quanto a Polícia Militar do Distrito Federal estavam cientes do risco e poderiam ter contido os invasores com certa facilidade.

Pedro Fernando Nery - O futuro da autonomia política do DF

O Estado de S. Paulo

A invasão das sedes dos três Poderes põe em questão a autonomia política do Distrito Federal

O fracasso em proteger os três Poderes no ataque de domingo é ainda pior quando se considera o quanto a União paga ao Distrito Federal para sediá-la. A União gasta cerca de R$ 5 bilhões por ano só com a Polícia Militar do DF. O presidente decretou intervenção em sua segurança, e o STF afastou o governador. A autonomia do Distrito Federal, que existe desde 1988, é colocada em questão.

Não é só a PM e nem só a segurança pública: no total, a União transfere cerca de R$ 20 bilhões a Brasília apenas por ser sua capital (pelo chamado “fundo constitucional”). Contribui, assim, para a prosperidade deste ente, que já tem o 8.º maior PIB entre as 27 unidades da federação. Maior do que qualquer Estado do Centro-oeste ou do Norte (e Nordeste, exceto Bahia).

A abundância não se traduz necessariamente em serviços melhores. A educação é apenas a 8.ª no Ideb (anos finais). A segurança é a mais ineficiente das 27 UFS – considerando o retorno do gasto em indicadores de violência (Pereira Filho et al., 2010). A política social é precária: o DF é a unidade mais desigual da federação.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Episódios como os de 8 de janeiro nunca mais

O Globo

Investigações sobre movimento golpista devem ser minuciosas para que julgamentos punam responsáveis

Os governos federal e estaduais devem trabalhar de forma incessante para debelar todo e qualquer foco de golpismo no país a partir de agora. Sempre dentro do limite da lei, é necessária uma política de tolerância zero contra o planejamento e a execução de invasões e depredações de prédios, bloqueios de ruas, estradas ou qualquer outra tentativa de quebra da ordem pública. O mote deve ser: 8 de janeiro nunca mais.

Manifestações de apoio e de protesto envolvendo esse ou aquele político ou partido fazem parte do jogo democrático. O cenário de devastação na Praça dos Três Poderes ontem, um dia após o ataque aos prédios do Congresso, Supremo Tribunal Federal (STF) e Palácio do Planalto, é prova de que a minoria de bolsonaristas radicais está em outra categoria. Para aqueles convictos de que o dia 30 de outubro de 2022 ainda não acabou e a solução é a violência, o peso da lei precisa ser implacável, respeitado o devido processo legal.

Poesia | Fernando Pessoa - Não sei quantas almas tenho (por José-António Moreira)

 

Música | Adoniran Barbosa - O trem das onze