quinta-feira, 21 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Conclusão da reforma tributária preocupa

Folha de S. Paulo

Passados 90 dias desde a promulgação da emenda, não há sinal de projeto do governo ou das principais forças políticas

A aprovação da emenda constitucional da reforma tributária foi justamente celebrada como um feito histórico no ano passado. Entretanto é necessário lembrar que, sem uma regulamentação politicamente difícil, o novo sistema de impostos não sairá do papel —e o andamento desse processo suscita preocupações agora.

O Congresso promulgou a mudança na Carta em 20 de dezembro de 2023. O texto abre caminho para que a tributação do consumo de bens e serviços, excessiva e socialmente injusta no Brasil, torne-se ao menos mais simples e eficiente economicamente.

Passados 90 dias, porém, nada andou. Inexiste projeto do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ou proposta acordada entre as principais forças políticas do país, para colocar em prática a reforma. Sem isso, tudo fica como está.

Luiz Carlos Azedo - Recordações da distensão — o estudante desaparecido

Correio Braziliense

Faculdade de Direito de Niterói concedeu o título de bacharel a Fernando Santa Cruz. E propôs ao Conselho Universitário que lhe agracie com o título de Doutor Honoris Causa

Eleito deputado federal pelo antigo estado da Guanabara, em 1970 e 1974, o jurista e político carioca Célio Borja passou a representar o novo estado do Rio de Janeiro a partir de 15 de março de 1975, após a fusão dos dois, por força de lei sancionada no governo Ernesto Geisel, cujo objetivo era reequilibrar a balança geopolítica do país com São Paulo. No projeto nacional-desenvolvimentista do então presidente Geisel, o Rio de Janeiro seria a capital do setor produtivo estatal, pois abrigava a sede das mais importantes empresas públicas do país — entre as quais a Petrobras, a então Vale do Rio Doce, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Embratel, o BNDE (não tinha o S) e o BNH (antigo Banco Nacional de Habitação).

Enquanto o ministro do Planejamento da época, João Paulo dos Reis Veloso, articulava o tripé do ambicioso II Plano Nacional Desenvolvimento de Geisel — setor estatal, empresários brasileiros e multinacionais —, caberia a Borja liderar a bancada da Arena na Câmara Federal e dar continuidade ao projeto de “distensão lenta, gradual e segura” — que havia sido abalado pela espetacular vitória do MDB, o partido de oposição, nas eleições de 1974.

Merval Pereira - Contraponto importante

O Globo

A Justiça espanhola passou a percepção de que os ricos que podem pagar uma fiança tão alta têm vantagens sobre os cidadãos comuns

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao definir por maioria que o ex-jogador de futebol Robinho terá de cumprir no Brasil a pena de nove anos a que foi condenado na Itália por ter participado de um estupro coletivo, marcou um contraste positivo para a Justiça brasileira diante de outra decisão, da Justiça espanhola, que deu direito a outro ex-jogador brasileiro, Daniel Alves, de recorrer em liberdade da condenação, também por estupro, porque aceitou pagar uma fiança de € 1 milhão.

A Justiça espanhola passou a percepção de que os ricos que podem pagar uma fiança tão alta têm vantagens sobre os cidadãos comuns, ainda mais depois que outros € 150 mil já pagos ajudaram a reduzir sua pena. Robinho tentou usar a carta do racismo a seu favor, mas, ao contrário, quem teria sido beneficiado por um privilégio odioso seria ele próprio se a Justiça brasileira, na tentação de proteger um ídolo caído, tivesse aceitado a tese de que a vítima era ele.

Míriam Leitão - BC: a falta que faz um plural

O Globo

Copom avisa que outro corte de meio ponto só ocorrerá mais uma vez, mas a inflação baixa e a atividade não justificam isso

Em vez de dizer que fará cortes da mesma magnitude “nas próximas reuniões”, o Banco Central escreveu que é apenas “na próxima reunião”. O plural fez falta. Ninguém tinha dúvidas de que o Banco Central reduziria a taxa de juros em meio ponto, para 10,75%. A dúvida estava no comunicado e ele veio com essa novidade. Avisou que o ritmo de queda pode ser reduzido. Em 8 de maio, a taxa deve cair para 10,25%. Mas, em junho, a queda será menor que meio ponto. Se cumprir isso estará na seguinte situação, exatamente em junho quando se espera que o FED reduza os juros, o BC brasileiro pode estar fazendo o movimento no sentido contrário. “É um erro fazer essa mudança agora”, avalia o economista José Roberto Mendonça de Barros. “Tem muito chão para baixar a Selic mesmo que não chegue a 9%”.

Malu Gaspar – Marielle e Lucinha

O Globo

Nesta semana, o ministro da JustiçaRicardo Lewandowski, convocou a imprensa para anunciar que a delação premiada do ex-PM Ronnie Lessa, assassino de Marielle Franco e Anderson Gomes, foi homologada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STFAlexandre de Moraes.

Com uma expressão vitoriosa, Lewandowski afirmou que a delação “traz elementos importantíssimos que nos levam a crer que em breve teremos a solução do assassinato”. E mais não disse, nos parcos minutos em que ocupou o microfone.

A notícia gerou uma onda de otimismo com a perspectiva de, finalmente, sabermos quem mandou matar Marielle e por quê. É um alento para os familiares, para os amigos e também para a sociedade brasileira, especialmente considerando o que ocorreu no país depois do crime mais emblemático de nossa História política recente.

Maria Cristina Fernandes - Combustão bolsonarista deixa um vácuo

Valor Econômico

Rio se transformou no laboratório das dificuldades deste governo em ocupar os espaços abertos pela crise do bolsonarismo

O Rio se transformou no laboratório das dificuldades deste governo em ocupar os espaços abertos pela combustão do bolsonarismo. Da crise na saúde ao cerco sobre a milícia, a semana foi pródiga em exemplos. O indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pela suspeita de fraude no programa nacional de imunizações deveria evidenciar o contraste com uma gestão de devotos do SUS. Só que não.

Na sexta passada, a ministra Nísia Trindade publicou uma portaria criando um comitê gestor dos hospitais federais do Rio. Estava, na prática, criando uma instância acima do departamento que passou a centralizar as compras das unidades hospitalares, fatura que chega a R$ 1 bilhão por ano. Determinada por uma portaria assinada em 23 de fevereiro e publicada cinco dias depois, a centralização retomava uma prática de governos anteriores do PT, descontinuada nas gestões Temer e Bolsonaro, quando os hospitais federais passaram para a algibeira do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Mas não apenas.

Jan-Werner Mueller* - A ‘zumbificação’ dos partidos políticos

Valor Econômico

Transformar seu partido em uma autocracia é um primeiro passo lógico para também transformar seu país em uma

Entre seus atos finais como presidente do Comitê Nacional Republicano (RNC), Ronna McDaniel, pediu aos seus colegas que apoiassem as duas pessoas escolhidas por Donald Trump para substituí-la. Após aplausos efusivos, ela anunciou que nem se daria ao trabalho de perguntar se havia algum “não”. Foi um momento revelador: os procedimentos destinados a garantir um processo democrático dentro do partido foram totalmente substituídos pela aclamação.

Trump não é o único líder populista de extrema direita a ter subjugado um partido político à sua vontade. O sequestro da máquina de um partido é um padrão comum entre os populistas e aspirantes a autocratas, e a história mostra que isso pode ter consequências realmente terríveis para um sistema político democrático. Afinal, transformar seu partido em uma autocracia é um primeiro passo lógico para transformar seu país em uma autocracia.

William Waack - Bolsonaro beira o autoengano

O Estado de S. Paulo

As defesas ‘técnica’ e ‘política’ do ex-presidente enfrentam enormes obstáculos

É altíssima a probabilidade de Jair Bolsonaro ter a prisão decretada em futuro não distante. As duas linhas de defesa enfrentam barreiras formidáveis, e o principal problema é ele mesmo.

A defesa “técnica” acha que os inquéritos da Polícia Federal contêm erros de origem, como afirmar que a falsificação de cartões de vacina seria passo rumo ao golpe de Estado. Mas os investigadores apresentaram no caso específico dos cartões de vacinação um conjunto bem detalhado que vai dar trabalho para sua equipe de criminalistas.

No âmbito “técnico” da acusação de tentativa de golpe de Estado, a defesa enfrenta depoimentos contundentes de ex-comandantes das Forças Armadas que falaram como testemunhas – pesam mais do que delações. Supõe-se que a PGR montará uma peça única de denúncia, compondo com os tais cinco eixos de atuação dos investigadores um “conjunto da obra”, que vai de joias e vacinas a golpe de Estado.

Eugênio Bucci* - Consumindo Cuba

O Estado de S. Paulo

Se o país hoje desliza para o malogro, desliza menos porque perdeu um embate político e mais por ter deixado de ser objeto do desejo das massas consumidoras internacionais

Frequentadores habituais de Havana reconhecem que a ilha de Fidel Castro enfrenta a sua pior crise. Quase tudo se esvai. Da revolução que tomou o poder em 1959, quando os guerrilheiros de Sierra Maestra marcharam sobre as ruas da capital sob os aplausos de um povo sorridente e esperançoso, resta pouco além de repartições burocráticas, escassez generalizada e gabinetes de vigilância política.

Os maiores entusiastas dessa longa história de arrebatamentos sabem disso. “É desesperador. Ninguém em Havana aponta saídas”, declarou Frei Betto ao jornalista Mario Sergio Conti (Folha de S.Paulo, 1.º de março). O frade dominicano, autor do best seller Fidel e a Religião (Editora Brasiliense, 1985), traduzido em mais de 30 países, inclusive em Cuba, é uma celebridade local. Basta ele sair por las calles para que venha alguém puxar assunto. O afeto ainda é o mesmo, o calor do olhar e dos abraços ainda aquece, mas os sorrisos perderam o brilho, a esperança minguou e os aplausos escassearam. Nas palavras de Conti, Cuba está “sem futuro à vista”.

Maria Hermínia Tavares - As pesquisas e seus usos

Folha de S. Paulo

Interpretação dos números requer mais do que palpites

Três institutos de pesquisa de opinião registraram queda na aprovação do governo do presidente Lula. Os resultados são inquestionáveis; já sua interpretação requer mais do que palpites, ainda quando bem-informados. Sendo as sondagens —vá lá o chavão— retrato dos humores do momento, convém apreciá-las na sequência de outros levantamentos ao longo do tempo e cotejá-los com avaliações similares de governantes de outras democracias.

É o que sustentou o sociólogo Antonio Lavareda, tarimbado analista da matéria, no podcast "O Assunto É", no ar desde a semana passada sob o comando da jornalista Natuza Neri.

Baseado em estudo do Ipespe Analítica, ele apontou que, em conjunto, os 37 levantamentos de diferentes institutos desde fins de janeiro de 2023 revelam oscilações em torno dos 50% de aprovação, indicando ser bastante estável a atitude dos brasileiros em relação ao governo. E, por retratar a opinião da população adulta, é de fato superior à margem de votos com os quais Lula venceu Bolsonaro em 2022.

Vinicius Torres Freire - Aas ideias políticas de ‘o mercado'

Folha de S. Paulo

Gente da finança tem avaliações muito equivocadas sobre o problema fiscal do país

A "opinião" mais importante de "o mercado" é aquela que aparece nos preços dos ativos financeiros, nos movimentos de compra e venda: no dinheiro.

Para simplificar, é aquele pensamento, por assim dizer, que se manifesta objetivamente nas taxas de juros dos empréstimos para o governo, na taxa de câmbio ("preço do dólar"), no preço das ações e outros menos cotados ou de impacto mais discreto.

Não tem lá muita relevância prática a opinião política dessas pessoas que administram ou assessoram a administração do dinheiro mais ou menos grosso, afora em casos específicos de lobby pesado de gente pesada.

Fernanda Torres - Vontade

Folha de S. Paulo

Flerta-se com a possibilidade do extermínio sumário das nossas Faixas de Gaza

Li "Guerra e Paz" tardiamente, intimidada tanto pelas mais de 1.500 páginas da obra-prima de Tolstói quanto pelo glossário de nomes, sobrenomes e apelidos do romance.

O príncipe Nicolai Andreiévitch Bolkónski pode aparecer como o Príncipe, ou Nicolai, ou Andreiévitch ou Bolkónski; pai de outro príncipe, Andrei, também Bolkónski, que além de atender pelas mesmas alcunhas do genitor, volta e meia é chamado de Nicolaiévich, filho de Nicolai.

Para não se perder no enredo, é aconselhável ter uma tabela periódica dos personagens à mão. Uma vez vencida a dificuldade, no entanto, "Guerra e Paz" se revela um daqueles amigos inesquecíveis, dos quais o leitor sente saudade mesmo antes de virar a última página.

O que a minha ignorância não contava era que, ao fim da saga, Tolstói arrematasse o livro com uma tese sobre a vontade inarredável dos povos. Segundo a teoria, Napoleão seria mero agente de uma ânsia coletiva da população de se mover para o leste, assim como a resistência de Kutuzov e a subsequente vitória de Wellington, em Waterloo, seria o contrafluxo desse impulso, em direção ao oeste.

Poesia | O Amor, quando se revela, não se sabe... de Fernando Pessoa

 

Música | Dorina - Fidelidade Partidária, de Wilson Moreira e Nei Lopes