A condição do acordo firmado por Marina Silva com o PSB pressupõe a candidatura presidencial do governador Eduardo Campos (PE) na eleição de 2014 e não o contrário. Este é o desafio para PSB e Rede Sustentabilidade, nos próximos meses de acomodação dos dois partidos numa aliança firmada de cima para baixo. Com 4% das intenções de voto, segundo a última pesquisa eleitoral do Ibope, Campos será pressionado a crescer rapidamente, pois a ex-senadora Marina Silva, de acordo com o mesmo levantamento, está com 16%, em segundo lugar, abaixo apenas dos 38% da presidente Dilma Rousseff.
O próximo passo, agora, é encaixar os dois partidos da forma mais suave possível. Haverá o atrito normal do contato de uma superfície com a outra, mas pode ser suavizado. O Rede ficou de logo entregar ao PSB uma relação de seus projetos estaduais. À primeira vista não há grandes problemas de conciliação. Em São Paulo, a intenção das duas siglas é lançar o deputado Walter Feldman, que se desfiliou do PSDB e assinou a ficha de inscrição no PSB, candidato a governador e a deputada Luiza Erundina ao Senado - o deputado Márcio França insiste no apoio à reeleição de Geraldo Alckmin. Em Alagoas, o Rede tem compromisso com a candidatura de Heloisa Helena (PSOL) ao Senado.
São situações replicáveis por todo o país, mais ou menos difíceis de contornar dependendo do desempenho de Campos, após a aliança com Marina. Se a ex-senadora mantiver quatro vezes mais que o governador, nas pesquisas de opinião, é inevitável que Campos comece a ser questionado dentro da própria aliança. "Se o Eduardo Campos não crescer, Marina será uma presença acicatante do lado dele", dizia ontem um ministro do governo Dilma, já atrás de uma formulação para enquadrar a aliança. Em resumo, Marina poderá ser um rabo de foguete.
Agora vem a parte mais difícil da aliança PSB-Rede
Marina Silva não tem um partido grande, mas precisa assentar as bases do Rede Sustentabilidade, pois em algum momento seguinte à eleição ocorrerá a separação entre as duas organizações, mesmo com a manutenção da aliança, encorpada de outros partidos, se a empreitada obtiver êxito eleitoral. Ultrapassada essa barreira, urgente, resta saber se a união de Eduardo Campos com Marina dá liga, se a maioria dos 20 milhões de votos de Marina, na eleição de 2010, migra ou não para a candidatura Campos.
Na política brasileira não são muitos os casos de políticos que conseguiram transferir votos em massa. Na eleição de 1989, concorrendo pelo PDT, Leonel Brizola conseguiu transferir para Luiz Inácio Lula da Silva a grande maioria dos votos que obteve no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Outro exemplo é o do próprio Lula na eleição de 2010, quando "inventou" com sucesso a candidatura de Dilma Roussef, que até então não havia disputado um único mandato eletivo. Marina certamente pode ajudar no desempenho de Campos nas maiores metrópoles, onde obteve boa parte de seus 20 milhões de votos.
O PSB e Eduardo Campos, aparentemente, têm uma noção clara de que é preciso agir com rapidez para transformar o fato novo, momento de interferir no processo político, em fato consumado. Prova disso é que já está sendo alterada a propaganda partidária do PSB, prevista para ser exibida nesta quinta-feira, dez minutos em que o protagonismo será todo do governador de Pernambuco, de Marina Silva e da deputada Luiza Erundina. É o momento de apresentar a parceria ao país, além da grande exposição de mídia ocorrida com o anúncio surpresa de que Marina Silva, sem o registro do Rede Sustentabilidade, decidiu se aliar ao PSB.
A dupla já desenhou o discurso de que a aliança PSB-Rede é uma alternativa surgida de dentro do governismo. É o que Eduardo Campos diz quando afirma que é possível fazer mais de um modo diferente. O modo que Eduardo pretende vender é o do estilo de comando e de tomada de decisões, num governo mais aberto ao diálogo com a sociedade, de um modo geral, as classes empresariais e o Congresso. Isso mantendo o discurso de "desenvolvimento para todos" e de identidade com a base social do governo que integrou nesses mais de dez anos. O alvo do jeito "diferente" é Dilma, e não por acaso a presidente da República mudou de comportamento, desde os protestos de junho.
Marina, por seu turno, estabeleceu uma referência ideológica, ao pintar o petismo com as cores do autoritarismo chavista. A ex-senadora está convencida de que o governo e o PT de alguma forma dificultaram a validação de assinaturas, pelos cartórios eleitorais, para a criação do Rede Sustentabilidade - apesar de ser evidente que Marina Silva abusou da sorte e possivelmente, subestimou o poder de fogo dos adversários, ao deixar para a última hora providências urgentes. Eduardo e Marina, por enquanto, sem dúvida ecoam segmentos do eleitorado de oposição, resposta que o senador Aécio Neves (PSDB) ainda não conseguiu dar.
Ao se filiar ao PSB, Marina Silva manteve seu título eleitoral no Acre. Antes de encerrado o prazo de filiação para quem vai concorrer em 2014, a ex-senadora chegou a ser cogitada como candidata, ao Senado ou ao governo do Estado, também do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, locais em que foi muito bem votada em 2010. Agora não há mais saída: ou é candidata no Acre, o que é pouco provável, ou será vice de Eduardo Campos, pois o pressuposto da aliança é que o governador de Pernambuco será o candidato. Acredita-se no PSB que a situação inevitavelmente evoluirá nessa direção. Se sair tudo certo, é claro, pois sempre há margem para o imponderável, como acabam de provar Eduardo e Marina.
A rigor, não existe um acordo para Campos enviar ao Congresso, se for eleito presidente da República, projeto de emenda constitucional propondo o fim da reeleição para presidente. Na realidade esse é um projeto do PSB, junto com unificação da data das eleições no país e o estabelecimento do mandato de cinco anos para cargos no Executivo.
Fonte: Valor Econômico