DEU EM O GLOBOAs fronteiras brasileiras, que se estendem por mais de 16 mil quilômetros - motivo de orgulho de nossa diplomacia, por não termos problemas com nada menos que dez vizinhos -, são também motivo de preocupação crescente, devido, sobretudo, ao contrabando de armas e drogas.
Mas há também questões políticas que reaparecem numa região em que governos de esquerda, como os de Hugo Chávez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia, têm que conviver com governos conservadores, como os da Colômbia e do Peru.
Se não chegou a haver uma corrida armamentista, como se temia há alguns anos, há movimentos na região que eventualmente emitem sinais preocupantes.
É o caso de uma suposta base aérea da Rússia que estaria sendo negociada pelo governo da Bolívia, o "centro para a manutenção dos aviões russos que voam na América do Sul", em Chimboré, província de Cochabamba, na região amazônica.
Ao mesmo tempo, o reconhecimento recente pelo governo brasileiro das fronteiras de 1967 para um futuro Estado palestino no Oriente Médio - uma mudança de procedimento do Itamaraty, que sempre considerou um tabu mexer em questões de fronteiras - trouxe à discussão as questões de fronteira na América do Sul.
O Itamaraty sempre teve o máximo cuidado na questão das fronteiras, sem aceitar arbitragens externas. Sempre foi uma posição brasileira consensual não apoiar revisão de tratados, especialmente de fronteiras.
Mesmo em 1975, durante o governo do general Geisel, quando o Brasil, devido à crise do petróleo, se preocupou em tomar uma posição mais claramente pró-árabe - diferente da equidistância assumida até aquele momento -, o ministro das Relações Exteriores Azeredo da Silveira discutiu muito esse aspecto, dizendo que não podíamos aceitar que tratados pudessem ser submetidos a uma arbitragem externa, e nem que as fronteiras pudessem ser revistas ou modificadas pela força.
Para o professor de História Contemporânea da UFRJ Francisco Carlos Teixeira, a preocupação com uma eventual contaminação dessa mudança de atitude do governo brasileiro não corresponde à nossa realidade política, pois "as fronteiras na América do Sul são as mais estáveis, e reconhecidas, do mundo depois de cem anos".
É verdade, porém, que antigas pendências territoriais adormecidas voltaram a ser lembradas no ambiente político convulsionado com a chegada ao poder de dirigentes como Chávez e Morales.
Como a disputa pela Guiana, que a Venezuela considera sua até o Rio Essequibo, território que até hoje classifica de zona de disputa internacional.
Para defender a ex-Guiana Inglesa contra as bravatas bolivarianas, os americanos estariam negociando instalar uma base no Suriname.
Todas as nossas fronteiras dependem do reconhecimento de tratados territoriais firmados, pois a Bolívia não esquece o Acre, nem a França, o Amapá, que consideravam parte da Guiana Francesa.
Sem contar com a Argentina, que ainda considera seu o território de Palmas, na região das Missões.
O professor Francisco Carlos Teixeira, no entanto, considera que, mesmo nos casos de Chile x Bolívia, Peru x Equador e Venezuela x Guiana, há estabilidade, e as guerras foram seguidas de tratados de paz entre as partes, "o que não existe no caso de Israel".
O receio sobre nossas fronteiras seria, na opinião dele, "hipótese com certeza construída em argumentação pró-Israel".
Enquanto não houver um tratado de paz em boa forma do Direito Internacional, diz Teixeira, as atuais fronteiras de Israel serão precárias e contestadas.
Já as fronteiras do Brasil foram arbitradas pacificamente, reconhecidas em tratados internacionais assinados pelas partes soberanas em condições iguais.
Também sobre a suposta base aérea da Rússia em região amazônica, na Bolívia, especialistas são consensuais em considerar que a notícia carece de fundamento.
Francisco Carlos Teixeira acha que é uma informação "plantada", com fins ainda obscuros, pois "os russos hoje não possuem meios logísticos diretos para uma base permanente na região, ao contrário dos EUA, que possuem um poder aeronaval muito superior aos russos e pontos de apoio no Caribe e na Colômbia capazes de alavancar tal pretensão".
Do ponto de vista estratégico, a operação seria de tal fragilidade que se tornaria refém de qualquer poder local médio, como o Brasil ou a Argentina, capazes de operar caças modernos, lembra Teixeira.
Do ponto da política internacional, uma base russa na Bolívia "geraria um mal-estar profundo e permanente no continente, pois os russos não possuem qualquer interesse vital - seja de segurança, narcotráfico, matérias primas - que justifique tal pretensão, custos materiais e políticos", afirma Francisco Carlos Teixeira.
Além do mais, ele lembra que o presidente Evo Morales, em conversa pessoal, declarou-se radicalmente contra toda e qualquer base estrangeira no seu país, e no continente, e inclusive avançou que pediria ao presidente Lugo, do Paraguai, a retirada das bases americanas de Mariscal Estigarribia, que seriam uma ameaça para a área de hidrocarburos da Bolívia.
Também o professor Expedito Carlos Stephani Bastos, coordenador dos estudos de defesa da Universidade Federal de Juiz de Fora, não acredita que exista uma base aérea russa sendo montada no interior da Bolívia:
"Já se falou de uma base americana no Paraguai e ela nunca existiu, era apenas uma pista de pouso de grande porte, mas sem qualquer construção ao redor, e nunca houve grande movimentação que envolvesse equipamentos para ali serem instalados e operados. Foi usada para conter o narcotráfico e nada mais".
Além do mais, diz ele, se isso realmente estivesse ocorrendo, "haveria reações por parte dos Estados Unidos e até mesmo do próprio Paraguai e do Chile, que possuem questões fronteiriças mal resolvidas desde o século XIX entre eles".