segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Vencido, Gabeira diz que vai mobilizar cariocas


Chico Otavio e Sergio Duran
DEU EM O GLOBO


Candidato do PV anuncia que vai articular a sociedade para tocar projetos paralelos, como ajudar no combate à dengue

O reconhecimento da derrota e outras frases de praxe praticamente não apareceram. Na primeira entrevista após a derrota para Eduardo Paes (PMDB), concedida na noite de ontem em Copacabana, Fernando Gabeira (PV) preferiu falar do futuro. De olho nos 1,64 milhão de eleitores que votaram no "43" (49,17% do total), ele anunciou que pretende liderar uma espécie de governo paralelo, contando com a mobilização da sociedade organizada e da iniciativa privada para enfrentar os problemas da cidade.

- Não terei nas mãos o governo, mas poderei articular a sociedade e a iniciativa privada para que consigamos algum resultado - disse.

Em discurso que mais lembrava o de um candidato vitorioso, prometeu que a primeira mobilização das forças que o apoiaram na campanha será contra a dengue, envolvendo até hospitais privados.

- Pretendo colocar todos os recursos que foram um pouco ironizados por aí, mas que são importantes, como um programa de computador produzido no Rio e usado em Fortaleza, e também uma base aérea de levantamento que possa nos dar com precisão os pontos a serem atacados.

A entrevista de Gabeira foi marcada pela emoção. Ele entrou no hotel reservado pela campanha abraçado à mulher, Neila Tavares, e a uma das filhas, Maya, que chorava. No pronunciamento, foi interrompido várias vezes por aplausos de uma militância que, no fim da coletiva, cantou o jingle da campanha.

O candidato do PV lamentou a apreensão de merenda escolar supostamente usada por adversários da boca-de-urna. Indagado se pretende, no seu projeto para a cidade, estabelecer parcerias com a prefeitura, respondeu que tudo depende do grau de confiança nos novos gestores:

- Não posso trabalhar com o governo antes que tenha confiança de que não se usa merenda escolar numa boca-de-urna - lamentou.

Gabeira disse que, diante da conjuntura econômica, Paes terá problemas:

- A situação orçamentária será delicada. Ele entra no momento em que o governo federal, no qual pretende se apoiar, prepara cortes no orçamento e a crise internacional começa a entrar aqui.

Críticas a "luta política suja"

Gabeira votou na Escola Municipal Pedro Ernesto, na Lagoa, aonde chegou às 8h20m, a bordo do Gabeirão - como chama o jipe da campanha. O candidato, que usava um chapéu panamá, enfrentou no caminho um batalhão de jornalistas, que se acotovelaram para registrar imagens e ouvi-lo sobre a disputa voto a voto, comparada por ele a uma corrida de cavalos.

- É uma disputa apertada, como uma corrida de cavalos. Como eu tenho nariz grande, quem sabe eu chego na frente - disse, confiante na vitória.

O candidato do PV achava que o fiel da balança seriam os votos dos indecisos e os dos eleitores da Zona Sul que votaram nulo no primeiro turno e poderiam escolhê-lo no segundo. A confiança na vitória contrastava com a preocupação com fraudes. A notícia de que mesários poderiam votar no lugar de eleitores ausentes foi manifestada pelo candidato.

Gabeira estava acompanhado das filhas, Maya e Tami, e do vice da chapa, Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), que votou depois, numa escola no Engenho de Dentro. De lá, o candidato do PV começou uma carreata que durou cerca de três horas por bairros da Zona Norte. No caminho, cumprimentava eleitores que o saudavam.

Os apertos de mão e gritos de apoio foram mais intensos quando retornou à Zona Sul, no início da tarde. Em Ipanema, onde saltou do jipe para tomar um suco, foi alvo de tietagem explícita e ganhou um broche de uma eleitora, "para dar sorte". Foi aplaudido ao chegar a um restaurante no Leme para almoçar. Ao deixar o local, criticou o adversário pela utilização na campanha de Paes, de sacolas de um projeto dos governos estadual e federal.

- Estão tirando merenda das crianças para fazer luta política suja. Lamento que ainda tenhamos adversários com esse nível, com a visão de que não importa você usar merenda de crianças, o que importa é que você se eleja - criticou. - Isso faz parte de um grande defeito da esquerda que está com eles, do século passado, que sempre disse que os fins justificam os meios. Minha posição de esquerda do século XXI é de que os fins não justificam os meios.

Mais cedo, o candidato lembrara o seu passado de militante da esquerda durante o governo militar. Ele reconhecera ter sido um erro o seqüestro do embaixador americano durante a ditadura.

- A própria filha do embaixador me ligou e expressou simpatia pela minha candidatura. Nesses 40 anos, minha posição mudou radicalmente. Consideramos o seqüestro uma forma de luta abominável, que não deve ser usada nunca.

Outros temas foram abordados pelo candidato ao longo do dia. Ele cobrou do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que reveja a forma de financiamento de campanha, permitindo também doações pela internet. Segundo Gabeira, sua campanha custou R$4 milhões, entre grandes e pequenas doações. Estas geraram custos que poderiam ser reduzidos, caso fossem captadas através da rede.

- O dia em que o TSE reconhecer que estamos no século XXI, reconhecer a internet e admitir a captação de recursos pela rede, não vamos precisar dos grandes empresários, exceto se avaliarmos que isso é necessário - disse.

Gabeira afirmou que a cidade do Rio usou sua candidatura para mandar uma mensagem de mudança.

- O Rio sempre reserva surpresas nas eleições, sempre manda uma mensagem para o país. Aqui é onde se formam os primeiros indicativos de mudança. O Rio usou minha candidatura para mandar uma mensagem, mostrando que quer uma política mais sintonizada com os direitos coletivos, e não centrada na formação de riquezas particulares e pequenas quadrilhas. A cidade do Rio saiu vitoriosa com esta eleição. Antes, eram máquinas contra máquinas na disputa e hoje há uma vontade de lutar contra máquinas e fortunas - discursou Gabeira do alto do banco de pedra.

Para cobrar de Paes

As principais promessas feitas pelo candidato durante a campanha:
TRANSPORTE
1. Implantar o bilhete único, que permite ao usuário pegar mais de uma condução pagando só uma tarifa. Mas o sistema terá de se sustentar sozinho. "Não vou subsidiar empresas de ônibus".
2. Licitar as cerca de 400 linhas de ônibus do município e reorganizar o sistema.
3. Legalizar e licitar as linhas de vans, e regulamentar o transporte complementar.
4. Ajudar o estado a implantar a linha 4 do metrô, da Barra a Botafogo (orçada em R$1,2 bilhão).
5. Ajudar o estado a implantar o novo trajeto da linha 2 do metrô, para evitar baldeação no Estácio.
6. Fazer a ligação entre a Barra e os subúrbios de Madureira e Penha, por meio de ônibus articulados, o projeto T-5.
7. Pôr limites de velocidade diferentes à noite em áreas consideradas de risco. Também substituir os pardais por lombadas eletrônicas, visíveis. Sincronizar os sinais de trânsito.
8. Renovar a frota de ônibus para dar acesso aos deficientes.
9. Ajudar a Supervia a adquirir novos trens.
10. Regulamentar os pontos de embarque e desembarque de vans e reduzir a taxa do Darm (Documento de Arrecadação Municipal) das vans.
11. Dar meia-passagem a universitários. Criar passe livre para pessoas com tratamento continuado na rede municipal de saúde.
12. Expandir os postos GNV.
TRIBUTOS
13. Não aumentar o IPTU. Engordar a receita por meio da base de arrecadação.
14. Implantar a nota fiscal eletrônica, que permite acompanhar on line a emissão de comprovantes que geram arrecadação de ISS. O sistema é um meio de aumentar a arrecadação sem subir impostos.
15. Criar parcerias com os governos estadual e federal visando dar incentivos fiscais às empresas que empregarem o deficiente.
16. Reduzir o ISS das áreas de tecnologia, turismo e seguros. Dar benefícios tributários às cooperativas de táxi.
EDUCAÇÃO
17. Acabar com a aprovação automática nas escolas da rede municipal de ensino.
18. Aumentar a rede de creches, triplicando o número de vagas. Oferecer 160 mil vagas nas pré-escolas, colocando todas as crianças de 4 e 5 anos.
19. Usar clubes e áreas afins para atividades extracurriculares de alunos da rede municipal.
20. Instituir aulas de reforço em todas as escolas municipais, contratar mais professores e investir em qualificação e remuneração.
21. Criar o Pró-Técnico, de bolsas em cursos técnicos.
22. Ampliar a rede de vilas olímpicas e criar programas de prevenção às drogas nas escolas.
23. Ampliar o Ônibus da Liberdade (transporte gratuito a alunos).
24. Criar o Fundo Municipal de Apoio à Pesquisa.
LIXO
25. Não levar o aterro sanitário para Paciência.
26. Criar um programa de reciclagem de lixo.
FAVELAS
27. Aproveitar áreas abandonadas ao longo da Av. Brasil para construir unidades habitacionais.
28. Ampliar o PAC das Favelas nos grandes complexos, como Lins e Penha.
29. Continuar o Favela-Bairro, com adaptações para retomar a concepção original.
30. Ampliar os Pousos para fiscalizar construção em favelas. "Não vou permitir novas ocupações".
31. Para ter o apoio do candidato derrotado do PRB, Marcelo Crivella, prometeu implementar o Cimento Social, com adaptações.
32. Pôr em prática o Plano Municipal de Habitação de Interesse Social, para aplicar R$50 milhões, por ano, no financiamento de cem mil casas populares. Os recursos seriam garantidos com a parceria entre estado e União, além do apoio da iniciativa privada.
SAÚDE
33. Ampliar o Programa Saúde da Família, que no Rio, hoje, tem cobertura de apenas 7%. Criar 60 consultórios de Saúde da Família, funcionando em três turnos.
34. Construir 40 Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) 24 horas, com cinco milhões de atendimento por ano, retirando das filas dos hospitais 20 mil pessoas/dia. Méier e Madureira ganharão as primeiras UPAs.
35. Colocar os postos de saúde abrindo às 6h e fechando às 20h, com plantão permanente de clínicos, pediatras e ginecologistas.
36. Criar um gabinete integrado contra a dengue e um plano emergencial de combate ao mosquito. Contratar, logo, 1.850 agentes de saúde para isso. Postos de saúde e todas as unidades de saúde poderão fazer exame de sangue para diagnosticar a doença.
37. Assumir o papel de gestor pleno da saúde no município.
38. Criar um programa de atendimento domiciliar ao idoso. Criar 20 centros de convivência dos idosos. Readequar as instalações dos centros de saúde municipais pondo rampas, elevadores e outras facilidades.
39. Transformar postos de saúde em Clínicas da Família, com pediatria, ginecologia e odontologia.
40. Ampliar o programa Remédio em Casa para pacientes crônicos.
41. Construir o Hospital da Mulher, em Realengo; uma maternidade em Campo Grande, além de reativar a antiga Maternidade Leila Diniz. As gestantes que fizerem seis consultas de pré-natal vão receber um documento garantindo a maternidade onde terão o filho.
42. Construir cinco centros de reabilitação para deficientes.
43. Criar 150 equipes do Programa de Atendimento Domiciliar ao Idoso (PADI) e implantar 20 Lares do Idoso.
44. Criar 50 equipes multidisciplinares nas escolas, com pediatra, ginecologista, oftalmologista, dentista, psicólogo, fonoaudiólogo e assistente social.
45. Converter unidades de saúde do município em Centros de Referência da Saúde da Mulher, com criação de cinco destes centros.
46. Criar o Hospital do Idoso, na Tijuca.
47. Melhorar o Hospital de Acari e o Paulino Werneck (com obras começando em 2009), aumentar o atendimento do Salgado Filho e do PAM do Méier, além de reequipar todos os hospitais municipais, contratando mais médicos e enfermeiros.
48. Criar três centros de referência para obesos.
ORDEM
49. Criar uma Secretaria de Ordem Pública, para o ordenamento e o combate a pequenos delitos. No início, vai priorizar a Tijuca.
50. Criar corredores iluminados nas áreas que concentram bares e restaurantes, como a Lapa. A Guarda Municipal combaterá os flanelinhas.
51. Adaptar os espaços públicos de lazer aos deficientes.
52. Recuperar e conservar a pavimentação das ruas.
53. Iluminar adequadamente as ruas, em particular os acessos aos corredores de transporte público, aos pontos de ônibus e às estações de trem e metrô.
54. Propor à Câmara um novo Plano Diretor.
55. Construir novos abrigos para população de rua.
56. Criar um centro de cidadania em Bangu. 5
7. Criar um mergulhão sob a linha do trem de Madureira.
58. Adotar o projeto Cidade Limpa, de São Paulo, para limitar a publicidade nas ruas.
CAMELÔS
59. Ordenar, regularizar as áreas em que pode haver camelôs, dar licença e fiscalizar. Mas "a Guarda Municipal não vai bater em camelô". APACs
60. Manter as Apacs, com as normas que protegem casarões e prédios de interesse cultural. Serão complementadas com estudos de impacto de vizinhança para construções em áreas adensadas.
ADMINISTRAÇÃO
61. Manter todos os benefícios do governo atual aos servidores municipais, como carta de crédito, plano de saúde, não cobrança da contribuição previdenciária dos inativos, e dar reajuste salarial anual. Não unir a previdência municipal à do estado.
62. Criar um sistema de acompanhamento orçamentário municipal pela sociedade. Discutir o orçamento cidadão, uma versão do orçamento participativo.
63. Instituir a Secretaria municipal da Mulher.
TURISMO E MEIO AMBIENTE
64. Levar saneamento básico a 100% da Zona Oeste em parceria com o governo do estado.
65. Recuperar as praias da Baía de Sepetiba, e as lagoas da Barra e de Jacarepaguá. Dragar os canais. Retomar o projeto Guardiões dos Rios, que contrata mão-de-obra comunitária para atuar na limpeza dos rios da cidade.
66. Implantar o projeto de reflorestamento Guardiões das Matas
67. Articular com investidores privados a construção e a concessão de um centro de convenções no Aterro do Flamengo. Estimular a expansão da rede hoteleira na Barra da Tijuca. Dinamizar o Centro de Convenções da Cidade Nova.
68. Transformar o Porto e o entorno do Maracanã em áreas turísticas. Investir na promoção da cidade no país e no exterior.
69. Transformar Copacabana em capital brasileira do turismo de terceira idade.
70. Captar recursos para despoluir a bacia de Jacarepaguá.
SEGURANÇA
71. Treinar a Guarda Municipal para trabalhar em cooperação com a polícia. A Guarda terá poder de polícia para combater o pequeno delito, terá seu efetivo aumentado e trabalhará 24 horas.
72. Reformular a Guarda Municipal com o fim do regime celetista, e aumento do efetivo, além de redistribuição da força pela cidade (ênfase na Zona Norte).
73. Equipar o efetivo da Guarda Municipal com armas não-letais e rádios de comunicação.
74. Valorizar as subprefeituras e redefinir seus limites de modo que coincidam com as Áreas Integradas de Segurança Pública.
75. Ampliar o programa Bairro Bacana em parceria com o governo do estado, priorizando áreas com alto índice de crimes de rua.
76. Multiplicar o número de câmeras de vigilância nos principais acessos aos pontos turísticos. Criar um corredor de segurança para o turismo.
77. Criar em parceria com o governo do estado uma nova Delegacia de Atendimento ao Idoso em Copacabana.
78. Apoiar iniciativas de combate à homofobia.
CULTURA E ESPORTE
79. Criar o Incentivo Jovem, para identificar iniciativas culturais e esportivas.
80. Criar um parque de lazer em Madureira. Recuperar o Imperator, no Méier.
81. Manter a terceirização da gestão do carnaval, licitando-a.
82. Conceder a Cidade da Música à iniciativa privada.
83. Criar um calendário cultural, tendo, a cada mês, 12 grandes eventos.

Saldos de primavera


Wilson Figueiredo
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Pode-se dar de barato que o presidente Lula embarcou, por precipitação, na canoa furada de Marta Suplicy. Tem direito a desconto ao chegar da restauradora viagem ao exterior, aonde foi conferir de perto a crise alheia em relação ao otimismo nacional. Lula chegou com a cabeça cheia de contradições e encontrou Marta Suplicy maltratada pelos números. Precisava cuidar da eterna prestadora desse serviço e zelar pelas relações internas da coalizão de partidos unidos pelo governismo submisso e separados pelos interesses insatisfeitos. No centro da coalizão, Lula é obrigado a suportar o PMDB o tempo todo. Os candidatos do peito presidencial conseguiram sair com escoriações leves, exceto em São Paulo. Estava com a cabeça longe quando garantiu que "a Marta vai ganhar".

Lula tem a vantagem de aprender com os próprios erros e, principalmente, com os alheios. É o saldo da humildade ressentida desde a infância. Seria talvez melhor que tivesse percebido na eleição municipal a maior intimidade entre eleitor e candidato (vida pública ou particular). Quem sabe desistisse da ilusão de que sucessão presidencial possa ter alicerces em eleição municipal.

Nada menos de 95 parlamentares abriram parêntese em seus mandatos e se apresentaram para revitalizar a relação federal com o eleitor municipal. Sabem todos onde acaba uma e começa a outra, e não só respeitam a diferença como recomendam a cura de uma derrota com uma vitória, nem que seja municipal: "Similia similibus curantur" – garante que, traduzido em bom português, tudo se cura com mais do mesmo. Insucesso eleitoral se trata com votos, a pomada dos deuses. Nada menos de 67 dos 97 parlamentares federais, candidatos a prefeito e vice, foram rejeitados pelo eleitorado local. E não foi apenas porque o mandato representativo está em baixa. Outros 15 ficaram para o segundo turno, que corresponde ao falecido exame de segunda época.

Dos senadores e deputados aprovados no primeiro turno, 11 são da base em que o presidente Lula pratica o chamado equilíbrio instável. A maior parte estava de olho na eleição de 2010, para renovar o Congresso sem mudar mais do que o estritamente necessário, além da cota dos mortos. O horário eleitoral gratuito é esporte cívico custeado com dinheiro do próprio eleitor.

Nenhum dos três senadores que se habilitaram se destacou nesta eleição municipal. O melhorzinho ficou em terceiro lugar no primeiro turno, e nem chegou ao segundo. Em São Paulo, dos 11 parlamentares que disputaram a eleição municipal, só dois se elegeram. Paulo Maluf teve menos votos para prefeito do que para candidato a deputado estadual.
Na outra ponta da diferença que separa eleição municipal de eleição federal localizam-se os prefeitos que se candidataram ao próprio lugar. Dois terços conseguiram. Confirma-se que reeleição bem trabalhada não depende da qualidade da administração. Ponto contra a reeleição.

Portanto, quem mudou não foi ainda o Brasil. O PT, muito menos. Mas Lula é outro. Está aí para o que der e vier. Se mudar muito, estraga. De vez em quando, alguém retira a reforma política da gaveta, espana a poeira, e o assunto se reanima como moribundo para receber a visita da saúde. Quem é que admite desidratar o feixe de privilégios do mandato parlamentar? Nada mais confortável do que irrigar com dinheiro público e contabilidade invisível os canteiros de votos.

Menos da metade dos 125 candidatos a prefeito e vice integra a famosa lista suja. Mais ou menos uns 45 dos que se apresentaram com a honra manchada não se elegeram. Por que não se criam cursos de preparação para candidatos de primeira viagem e não se adota a prática criada em Roma, onde os candidatos se vestiam de branco para pedir voto na rua, precedidos de um escravo que, na função de alto-falante, exaltava a honradez no exercício do mandato?

Candidato vem exatamente de cândido.


Da relação dos nomes que, mesmo sob investigação, se habilitaram a prefeito e vice em 95 municípios, 125 respondem a processo. Um bom começo. O TSE lançou a operação que, apesar das limitações legais (e, sobretudo, farisaicas), prenunciam avassaladora onda moral em formação na sociedade. Atrás das grades, uma candidata se elegeu vereadora no Rio. Não é possível deixar o veto para depois de eleito. O primeiro passo trouxe a questão até aqui. Agora, é com a opinião pública.

Um Titanic do capitalismo moderno...

Marco Antonio Rocha
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Há um risco de recessão na economia mundial - é o que se ouve da maioria dos âncoras das TVs e da maioria dos comentaristas de economia.

Infelizmente, estão enganados. Não há risco de recessão. O que há é certeza de depressão na economia mundial. Empresas e empregos já são desativados no mundo todo. A pergunta agora é só uma: quão intensa e por quanto tempo?

A resposta só pode ser dada pelo mesmo fator mágico e fugidio que desatou o processo depressivo: confiança! - como e quando for restaurada.

Não adianta os governos do mundo despejarem catadupas de dinheiro, à guisa de tábuas de salvação, no mar revolto da desconfiança, para que pessoas e empresas nelas se agarrem. São apenas isso: tábuas no mar. Algumas empresas e algumas pessoas se agarrarão e ficarão boiando até que a borrasca se acalme. Uma grande quantidade de empresas e pessoas se afogará. É o Titanic soçobrante da economia moderna.

O governo brasileiro braceja descabeladamente para escorar bancos, indústria automobilística, salvar construtoras endividadas, usinas de açúcar e álcool e estimular exportadoras. E há no governo quem veja na crise oportunidade de ouro para reestatizar de novo a economia, com o Grande Irmão, o Estado, tudo controlando. Mas ninguém acredita que as tábuas são em número suficiente para manter a maior parte da economia mundial flutuando. Esse é o efeito mais grave da perda de confiança: a certeza de que as coisas vão piorar. E que leva todos - investidores individuais e empresas - a jogarem na retranca, tentando evitar qualquer tipo de risco.

Ora, todo mundo sabe que o que move a economia capitalista e a faz andar para a frente é, basicamente, a aceitação de alguma dose de risco - pequenina, pequena, média, grande, enorme, audaciosa, irracional, enfim, é nesse mix de riscos de todos os tamanhos e qualidades que o capitalismo surfa. A economia comunista não prosperava porque proibia o risco. No capitalismo, quando uma enorme aversão ao risco toma conta de todas as cabeças, o efeito é quase o mesmo: a economia empaca. O que estimula a aceitação do risco é a confiança de que as coisas vão melhorar. Inversamente, o que estimula a aversão ao risco é a crença de que vão piorar - que prolifera no momento. Por isso, essas decisões atabalhoadas dos governos são inúteis, pois a confiança se esvaiu. E nem as boas novas funcionam: a Vale do Rio Doce anuncia lucro astronômico, com quase 170% de aumento em um ano, e suas ações vão para o brejo. Por quê? Porque falta confiança nos seus lucros futuros.

E o que, em última análise, dá origem a essa onda mundial de aversão ao risco, que está travando o crédito, retraindo os negócios, levando empresas à falência, fechando empregos e tornando o mar cada vez mais revolto? É fundamentalmente a falta de informação, de conhecimento dos fatos que permitiriam calcular riscos. A verdade verdadeira é que ninguém sabe qual é o valor do passivo a descoberto. Será que o dinheiro dos governos vai dar para the big rescue (o grande resgate)? Impossível responder. Na dúvida, retranca!

A grande ironia é que, no encantado e decantado mundo da informação eletrônica instantânea, a informação que conta é escassa. Bancos de fama internacional não sabem quanto emprestaram, não sabem quanto valem os seus créditos, não sabem de quanto precisarão para se equilibrar. Financiadoras de casas nos EUA não sabem nem mesmo quem está devendo e quem está pagando em dia. O banco central da União Européia não sabe como está a situação do sistema bancário em cada um dos países membros. A crise está revelando que o pomposo sistema financeiro mundial é uma verdadeira “zona” - para usar a linguagem direta do povo - em matéria de informações confiáveis.

Uma evidência até desconcertante desse estado de coisas foi o descalabro da União de Bancos Suíços (UBS), país sede do Bank for International Settlements (BIS), chamado de “banco central dos bancos centrais” na imprensa e em parte responsável por ditar regras de higidez financeira para os bancos do mundo todo, as chamadas regras de Basiléia (I e II). Onde andam os “gnomos de Zurique”, que, antes da informática, de tudo sabiam? O governo do Brasil foi um dos poucos no mundo que estipularam para o seu sistema bancário regras até mais rigorosas do que aquelas - o que talvez tenha assegurado aos bancos brasileiros, na atual situação, um nível de higidez financeira melhor que o da média internacional.

A crise demonstra também que a auto-regulação, o controle prudencial, voluntariamente estabelecido e implementado nas instituições financeiras, não funciona. A regulamentação das operações bancárias tem de ser imposta, de fora para dentro, pelas leis. Ruim com ela, pior sem ela, pois mesmo com ela muitos banqueiros não resistem a se desgarrar da ordem unida e partir para jogadas arriscadas com o dinheiro dos outros, porque o dinheiro dos bancos é sempre dos outros.

Alan Greenspan dizia, na semana passada, que “aqueles de nós que acreditaram que o interesse próprio das instituições de crédito protegeria as ações dos seus acionistas - especialmente, eu mesmo - estão em estado de choque”.

Não estariam se lembrassem que os CEOs modernos pouco se lixam para o “interesse próprio” da empresa, por sua solidez, por seu futuro ou pelo patrimônio dos acionistas. Cuidam de valorizar e fazer render os papéis da empresa, que lhes garantem polpudas bonificações, comissões e remunerações, e não ela própria. Esses dirigentes de empresas que autorizaram operações de alto risco desfrutaram dos rendimentos obtidos durante a bonança, mas não pagarão pelos percalços do temporal. Isso só acontecia com os antigos capitalistas que faliam e se sentiam desmoralizados. Os de hoje aplicam em papéis, não em negócios.

*Marco Antonio Rocha é jornalista.

Três partidos


Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


WASHINGTON - É lenta, porém contínua, a depuração da democracia brasileira. Desde 1982, freqüentaram as eleições no país 72 partidos políticos. Agora, o quadro afunilou. O número de legendas atual flutua abaixo de 30, embora o cenário real seja mais enxuto.

Nas eleições municipais concluídas ontem, só três partidos emergiram nacionalizados: PMDB, PT e PSDB. A trinca domina dois terços do G-79 -as 26 capitais e 53 cidades com mais de 200 mil eleitores.

Outro indicador é o desempenho nacional nas disputas municipais.

Em 2000, os candidatos a prefeito de PMDB, PT e PSDB somados tiveram 46% de todos os votos do país. Em 2004, o percentual pulou e foi a 49%. Agora, avançou mais um pouquinho para atingir a emblemática marca dos 50%.

Diferentemente de PMDB, PT e PSDB, nenhuma das outras agremiações políticas pode ostentar o título de partido nacional. Têm vida própria aqui e ali, mas dependem de sucessos regionais esporádicos. É o caso do DEM (ex-PFL). O excepcional desempenho de Gilberto Kassab na capital paulista não confere ainda à sigla passe livre para cobiçar o poder federal em 2010 -nem mesmo o estadual.

Não que os três maiores partidos brasileiros sejam perfeitos ou modelos de associação política. Estão longe desse nirvana. Mas é inegável sua consolidação nacional. Ninguém duvida, por exemplo, que em 2010 haverá na urna eletrônica candidatos a presidente competitivos do PT e do PSDB. O PMDB, maior de todos, sofre de complexo de inferioridade e só aspira a indicar um candidato a vice.

É ínfima a chance de haver mudanças radicais nessa configuração até a sucessão presidencial, com uma exceção: a economia se deteriorar a ponto de empurrar novos atores para o centro da disputa. Foi esse o ambiente no qual prosperou Fernando Collor, em 1989.

A vulnerabilidade da economia brasileira

Charles Tang
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A falta de um plano para a nação fez com que aproveitássemos pouco o período de prosperidade da economia mundial

HÁ POUCO , a euforia com o surto de crescimento da economia brasileira somado ao descobrimento dos campos de petróleo fazia acreditar que o Brasil estava blindado contra as mazelas que se revelavam na economia mundial. Chegou-se a pensar que seríamos de novo uma ilha de prosperidade num mundo em recessão, o que, de fato, havia acontecido por breve período no "milagre econômico brasileiro" dos anos 1970, quando a economia do país crescia mais do que a chinesa atual.

Havia muito para o Brasil celebrar.

A demanda chinesa fez com que nossa dívida externa fosse quase toda paga e nossas reservas em divisas atingissem a marca de US$ 200 bilhões. A transferência de renda aumentou a inclusão social, e os investimentos decorrentes do aquecimento econômico fizeram crescer a nossa classe média.

Atingimos o grau de investimento e ainda fomos abençoados com o bônus da descoberta de reservas gigantescas de petróleo no pré-sal. A liberação generosa de créditos agrícolas promoveram a ampliação das áreas plantadas, e a demanda de um mundo carente de alimentos contribuiria ainda mais para as reservas do país.

Todavia, a falta de um plano para a nação, bem como de um planejamento estratégico de curto, médio e longo prazo, aliada a uma necessária reestruturação da nossa economia, fez com que aproveitássemos pouco -e mal- o período de prosperidade da economia mundial.

Não há como criar uma nação prospera e moderna sem plano e sem planejamento. Deixamos passar a fase de bonança mundial para criar as defesas que poderiam proteger nosso país da crise financeira que se alastra e se aprofunda a cada dia.

Sem um rumo definido, fomos beneficiados pela economia mundial em ascensão. Agora, estamos esperando que se revele o destino para onde as ondas negativas nos levarão. O pouco que nosso país tem crescido se deve mais à teimosia do povo empreendedor que a influências do Estado, que consome 40% da riqueza nacional.

Acordamos para a realidade com a velocidade com que vimos se evaporar a nossa poupança em ações e a acelerada desvalorização da moeda.

Enquanto nações como EUA, China e outras agressivamente adotavam políticas de estímulo econômico com juros baixos e câmbio favorável para fazer frente à recessão mundial, nosso otimismo fez com que agíssemos na contramão do bom senso econômico.

À frente a uma das mais severas recessões mundiais, aumentamos a taxa de juros e mantivemos nosso cambio em situação desfavorável até que a as circunstâncias forçaram a desvalorização do real.

Com a nossa desorganização econômica, as reservas de petróleo serão insuficientes para desenvolver a nação. Convém lembrar que países como Venezuela e Irã continuam em situação de subdesenvolvimento, apesar das grandes reservas de petróleo. Da mesma forma, vimos nações enriquecerem em curto prazo sem grandes riquezas naturais, como China, Japão e demais tigres asiáticos.

Nada substitui a organização econômica de um país. Mercantilismo, o caminho da riqueza dos tigres asiáticos e da China, deverá ser o modelo adaptado para o Brasil.

O atual processo de recessão, com a crise sistêmica do setor bancário e da economia global, tem tudo para se transformar em uma profunda e prolongada depressão mundial. E já estamos vendo essa queda contagiar nossas commodities, cuja exportação tanto nos rendeu nesses últimos anos e que iria blindar o Brasil.

O sistema do "laissez-faire", de Adam Smith, pregado para o mundo como fórmula sagrada para a prosperidade, ora revela suas limitações. A socialização dos prejuízos de Wall Street e a estatização total ou parcial de quase todas as entidades financeiras chocaram a opinião pública norte-americana. A intervenção de governos na economia, mais chegada às teorias de Keynes e que se aproxima da direção planejada dos tigres asiáticos e da China, deve ora ser vista pelo mundo sob nova ótica. O capitalismo, da forma praticada, deixará de existir.

Agora temos que nos livrar do modelo econômico de pobreza, que sempre abafou nosso crescimento com taxas de juros exorbitantes. O câmbio desfavorável, o sistema de entraves, a velha legislação trabalhista e a falta de plano e planejamento fazem parte do nosso modelo de pobreza.

Enquanto a China conseguiu promover a inclusão econômica e social de 480 milhões de habitantes em 25 anos, nossos bolsões de miséria se mantêm. E a moeda chinesa, que flutua de acordo com uma cesta de moedas, se manteve estável nesta crise.

CHARLES A. TANG membro do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial e membro fundador do Ipede (Instituto de Pesquisa e Estudos de Desenvolvimento Econômico), é presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China.

Reinventar o governo, de novo


Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Usei como título, há algumas semanas, a expressão " reinventar o governo " , tomada de um volume de David Osborne e Ted Gaebler que se festejou anos atrás. A mensagem do volume era a de tratar de tornar os governos " enxutos " e eficientes, batendo-se contra a rigidez burocrática (de maneira que não escapava, aliás, da acolhida a certos equivocados simplismos quanto ao tema da burocracia).

A crise econômico-financeira que agora vivemos, com seu alcance transnacional e mesmo global, propõe um desafio de reinvenção do governo em termos bem diferentes. A idéia corrente sobre as relações entre mercado e Estado é a de oposição ou antagonismo: quanto mais Estado, menos mercado, e vice-versa. Mas as coisas são mais complicadas, e a complicação é claramente relevante para os problemas de uma dinâmica mundial em que o processo de globalização, como sua característica crucial, diz respeito ao que se passa no plano das relações de mercado - sem correspondência, cuja necessidade a crise atual evidencia de forma dramática, com a apropriada expansão para o plano transnacional e global de agentes e mecanismos capazes de cumprir as funções que o Estado cumpre há muito, nos tempos modernos, no plano nacional.

Com efeito, as análises intelectualmente mais vigorosas do desenvolvimento conjunto do capitalismo e dos Estados nacionais, no pós-Renascimento europeu, destacam justamente a articulação dos dois aspectos. Nos trabalhos de Giovanni Arrighi, por exemplo, tributários de estudos clássicos que remontam a Marx, sucessivos " ciclos sistêmicos de acumulação " (o hispânico-genovês, o holandês, o britânico, o americano) se caracterizam pela combinação da dinâmica especificamente econômica com a dinâmica dos fatores de natureza político-territorial. Um traço saliente é a expansão gradual da escala do ordenamento político em que se enquadram os processos econômicos, indo desde o caso de Gênova, em que o dinamismo capitalista é quase totalmente carente de substrato político-territorial (impondo-se a articulação " externa " com o poder político espanhol), até as dimensões continentais do Estado-nação americano, onde se juntam a " internalização " do mercado e o controle de instrumentos políticos capazes de se fazerem valer externamente.

Essa articulação mercado-Estado tem a ver diretamente com as complicações sugeridas nas relações entre eles, em contraste com a visão de senso comum. O mercado, como propunha Max Weber, supõe relações entre estranhos, cuja motivação tende a ser pouco afim a considerações solidárias, ou relativas a objetivos coletivos mais amplos, e mesmo a envolver ou redundar em hostilidade ou beligerância. A regulação pelo Estado é crucial para neutralizar tais tendências e viabilizar as relações mercantis como relações duradouras. Naturalmente, se temos múltiplos Estados organizados em separado e caracterizados por assimetrias de poder importantes (devido justamente, entre outras coisas, à escala diferencial em que Estado e economia se articulam em cada caso), então a globalização " mercantil " não poderá deixar de ter um componente " imperial " . A grande indagação é a de como marchar eventualmente para a implantação do equivalente funcional do Estado capaz de eficácia no plano transnacional sem que isso redunde na simples institucionalização daquele componente, em vez de assegurar sua neutralização e algum caráter igualitário ou democrático ao processo.

Duas ponderações parecem justificar-se aqui. Em primeiro lugar, o reconhecimento realista de que alguma assimetria de poder é inevitável como requisito e mesmo como instrumento de eventuais esforços bem sucedidos de integração e coordenação política. Assim como regiões hegemônicas tiveram historicamente papel importante nos processos clássicos de integração nacional, não é à toa que foi preciso que a crise atingisse os países centrais do capitalismo mundial, diferentemente de ocasiões anteriores, para que tivéssemos a movimentação que vemos agora visando à criação de mecanismos de ação coordenada em escala transnacional ou global.

Por outro lado, as circunstâncias gerais em que se dá a crise têm engendrado a emergência gradual de um mundo multipolar, num processo que a crise mesma intensifica, ao debilitar as economias centrais, os Estados Unidos em particular. Isso tende a reforçar as razões para esperar que os avanços rumo a uma forma incipiente de governo mundial no plano econômico-financeiro possam fazer-se com base em algum modelo de inspiração federalista e mais democrática.

Eleição em BH

As idas e vindas que as pesquisas têm revelado tornam especialmente interessante a luta eleitoral pela Prefeitura de Belo Horizonte, sobretudo com a singularidade do apoio de Aécio Neves e Fernando Pimentel. Aparentemente, o apoio, suficiente para guindar o " poste " Márcio Lacerda à vantagem no primeiro turno, não tinha, por si mesmo, poder para levá-lo a ganhar a eleição diante da surpresa da eficiente comunicação popular de Leonardo Quintão. Mas a campanha do segundo turno permitiu duas revelações: a " despostificação " de Lacerda, falando por si mesmo e convencendo, e o desnudamento da demagogia de Quintão, levando ao refluxo de gente antes desconfiada da movimentação da dupla tucano-petista de padrinhos do primeiro.

Resta esperar que a eventual vitória de Lacerda (escrevo na sexta-feira...) ainda traga desdobramentos positivos à boa idéia da aproximação PSDB-PT. Que, naturalmente, em vez de confiar na resposta alumbrada dos eleitores à convocação de um líder ou outro, teria de contar com trabalho político pedestre e difícil.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

As novas condições macroeconômicas para 2009


Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A piora da crise financeira em outubro levou a uma nova revisão para baixo do crescimento mundial em 2009. As previsões mais recentes apontam para um quadro grave, de recessão profunda, inclusive no mundo em desenvolvimento. Os mercados de ações finalmente arbitraram as expectativas de lucros das empresas para este cenário de crescimento e continuaram em queda vertiginosa. O ano novo vai se iniciar sob o impacto de uma destruição nunca vista de riqueza financeira no mundo.

Esta revisão abrupta das perspectivas de crescimento mundial mudou o cenário para os países emergentes, causando um colapso de confiança no mercado de títulos de crédito. Depois da venda agressiva de ações estamos assistindo agora uma fuga a qualquer preço dos instrumentos de dívida privada e soberana de países como o Brasil. Os títulos soberanos estão sendo negociados com um prêmio de risco de 7% e no caso de empresas privadas - inclusive nossos grandes bancos - este prêmio chega a 9%. Na prática, isto significa que não existe mais a possibilidade de acesso a estes mercados em 2009.

Além disso, a grande correção no valor do dólar das últimas semanas levou a uma desvalorização de mais de 40% nas moedas dos países emergentes como o Brasil. Foi um movimento geral e que atingiu inclusive moedas fortes como o euro e a libra. Outra face deste movimento do dólar é o fato de que os preços internacionais das principais commodities exportadas pelo Brasil, bem como das principais matérias primas por nós importadas, caíram quase na mesma proporção. Ou seja, em reais os preços estão relativamente constantes. Além disso, é um movimento de apreciação da unidade de conta global contra todas as moedas (menos o yen), o que implica (além do efeito deflacionista global) que em relação a nossos parceiros comerciais a desvalorização do real é bem menor.

Estes fatos novos não estão sendo considerados por muitos analistas, que continuam raciocinando como se o choque externo gerado pela queda do real tivesse o mesmo efeito inflacionário das experiências passadas. Por exemplo, o modelo de inflação construído pelo Banco Central do Brasil tem este defeito - ou "flaw" para usar um termo recente de Alan Greenspan - e que pode levar a uma superestimação da inflação em 2009.

É claro que há riscos inflacionários importantes, mas é preciso entendê-los corretamente. O efeito macroeconômico mais importante para a inflação decorre da redução de nossos termos de troca com o exterior. Tal redução deriva da queda dos preços dos principais produtos primários de exportação, que será apenas em parte mitigada por menores preços das matérias-primas que importamos em volume expressivo. A conseqüência desta redução dos termos de troca é uma menor capacidade de importar da economia brasileira.

Ora, o aumento continuado e expressivo de nossas importações era o elemento mais importante que vinha permitindo um crescimento da absorção interna pelo menos 3 pontos percentuais acima do PIB potencial sem criar grandes tensões inflacionárias. Tudo o mais constante, portanto, será necessária nos próximos meses uma forte redução do consumo das famílias, do investimento privado e dos gastos totais do governo, de modo a alinhar o crescimento da demanda doméstica com o PIB. Se isto não ocorrer, a inflação vai se acelerar de forma vigorosa. É aí que está o risco inflacionário principal.

Outra razão para este alinhamento é o ambiente global hostil que enfrentaremos em 2009. Neste mundo mais pobre e menos brilhante em termos de movimento de capitais, não mais será possível incorrer em déficits crescentes na conta corrente, como foi o padrão brasileiro em 2007 e 2008. Se esta situação persistir poderemos enfrentar muito rapidamente questionamentos quanto a nossa solvência externa, problema que não temos ainda hoje.

Neste cenário, como o governo não dá sinais de redução de seus gastos, todo o ajuste de demanda deverá ser suportado pelo setor privado. Se as condições fossem normais, a conclusão inescapável seria um forte ajuste de juros pelo Banco Central. Mas as condições não são normais, por uma razão muito simples: está ocorrendo um fenômeno importante de descontinuidade no mercado de crédito no Brasil. Em função da grave crise de confiança na economia, os bancos brasileiros, depois de pelo menos dois anos de expansão de quase 30% no volume de crédito ofertado, pisaram de forma violenta nos freios. Não por opção, mas por necessidade.

Preocupados com os efeitos de uma rápida desaceleração da economia em função da crise externa os bancos estão adotando - corretamente - uma posição extremamente conservadora em sua política de operações. Contribuiu para isto o problema gravíssimo criado pelas perdas com derivativos cambiais incorridas por um grupo grande de empresas brasileiras. Em resumo, o crédito ficou mais escasso e caro em um momento em que empresas e consumidores operavam com grande entusiasmo e confiança no futuro. O resultado será uma queda expressiva da atividade econômica, dos investimentos e do consumo, em linha com o que será preciso que ocorra para o ajuste macroeconômico em 2009. Em outras palavras, a interrupção do canal de crédito fará grande parte, senão todo o trabalho de contenção de demanda, que em outra situação deveria estar a cargo da política monetária.

Na próxima semana o Copom vai realizar sua penúltima reunião do ano enfrentando um de seus maiores desafios. Como decidir em um ambiente de muitas incertezas quanto ao futuro da economia no Brasil e no mundo? Além disso, os distúrbios chegaram ao comportado mercado de DI na BM&F que já precifica mais de 17% a.a. nas operações de juros futuros. Na prática já ocorreu um aumento brutal do custo do dinheiro para as empresas brasileiras.

Por tudo, me parece que a decisão mais correta e sensata será uma parada no processo de aumento dos juros pelo menos até a próxima reunião em dezembro. O profundo corte na oferta de crédito bancário e comercial pode ser suficiente para reduzir a demanda interna e ancorar as expectativas de inflação.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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