segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Fernando Gabeira - O cheiro de queimado em Brasília

O Globo

Ainda é tempo de evitar os mesmos erros e suprimir a extrema direita dessa alternância no poder

O cheiro de queimado aqui é metafórico. Tem chovido com frequência, e os sinais do fogo ainda podem ser vistos na grama defronte à delegacia atacada por extremistas de direita. Ônibus e carros destruídos já foram retirados das ruas, de forma discreta e rápida, como se retiram corpos de quem morre num hotel.

Brasília não foi feita para grandes manifestações. Os gritos se perdem na solidão do Planalto, ninguém abre as janelas para jogar papel picado, água ou mesmo máquina de escrever, como no Rio dos anos 1960. Mas o clima aqui mudou. A concentração diante do Q.G. do Exército ainda tem gente, embora não tanto quanto no princípio. Amiga que passa por lá diz que, de vez em quando, rezam ou cantam o Hino Nacional. Os vendedores ambulantes foram retirados, e o clima de feira livre se dissipou.

Miguel de Almeida - Sofá, Miami (em seis vezes) e lasanha (gratinada)

O Globo

Bolsonaristas do meio-fio brigam para que seu mundo não tenha mudanças

Desde 30 de outubro, em algo assemelhado a uma comédia familiar, alguns amigos perderam tias e primos para a porta dos quartéis. Trocaram a macarronada dos domingos por uma sopa rala e banheiro químico. Com o fechamento dos bingos, descobriram ali nova forma de estar entre os iguais.

O cérebro humano continua a ser um dos grandes mistérios do planeta. Por sua capacidade de criar invenções e por sua incapacidade de aprender com os erros. As vivandeiras do pós-goiabeira são netas, sobrinhas-netas ou agregadas dos militantes da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, afamada bucha de canhão, ou massa de manobra, basta escolher, que clamaram pelo golpe militar levado a cabo em 1964. Foram 21 anos de perseguições políticas, assassinatos, falta de liberdade, carestia brutal e inflação descontrolada.

Bruno Carazza* - Ninguém quer o fim do orçamento secreto

Valor Econômico

STF pode antecipar o presente de Natal da classe política

A inapropriada visita do ministro Ricardo Lewandowski ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, no mesmo dia em que o Congresso aprovou resolução tentando dar ares de constitucionalidade às emendas do relator, sinaliza que praticamente ninguém no meio político tem interesse em colocar areia na graxa que hoje azeita as relações entre Executivo e Legislativo.

O Supremo Tribunal Federal (STF) dedica as últimas sessões do ano para julgar quatro ações movidas por partidos políticos questionando a constitucionalidade do chamado orçamento secreto. Cidadania, PSB, Psol e PV, de modo independente e cada qual explorando argumentos próprios, pediram que o STF declare que o regime das emendas do relator descumpre preceitos fundamentais insculpidos na Constituição.

Alex Ribeiro - BC quer coordenação monetária e fiscal

Valor Econômico

Inflação ficará na meta no ano que vem apesar de gasto extra de R$ 130 bilhões, projeta Banco Central

O Banco Central começou a incluir nas suas contas as despesas acima do teto de gastos no ano que vem. O valor adicionado nos modelos de projeção econômica, por enquanto, chega a R$ 130 bilhões, e surpreendentemente não impede que a inflação caminhe para a meta no prazo proposto, em meados de 2024.

Isso não quer dizer que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, esteja completamente tranquilo. Um eventual descontrole fiscal machucaria muito mais pelo canal das incertezas, que levaria à alta da cotação do dólar, e pela desancoragem das expectativas de inflação. Por isso, os principais pontos da longa conversa dele na semana passada com o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foram sobre a definição da regra fiscal que vai vigorar no governo Lula e sobre a coordenação, daqui para frente, das políticas monetária e fiscal.

Marcus André Melo* - Eleições e economia

Folha de S. Paulo

Se o governo eleito não toma decisões impopulares no início do mandato, o que acontecerá nas próximas eleições?

Como os assassinos, os políticos devem não só ter uma arma, mas também um motivo e uma oportunidade para manipular a economia. A afirmação é de Edward Tufte, em "Political Control of the Economy". Ou seja, os políticos devem ter incentivos, instrumentos e a ocasião para, digamos, gerar déficits ou distribuir benefícios.

Tufte cita "Six Crises" (1962), livro no qual Nixon afirmava que o insucesso dos republicanos em 1954, 1958 e 1960, devera-se ao mal desempenho da economia nos anos eleitorais. Sim, o notório conservador fiscal reconhecia o retorno da expansão do gasto em ano eleitoral.

Na linguagem de Tufte, o incentivo para a expansão fiscal em ano eleitoral é a reeleição; as "armas do crime", variadas: aumento dos valores de benefícios e salário mínimo, desonerações etc; a oportunidade é o estado de calamidade, que cria cláusulas de escape de regras fiscais.

Celso Rocha de Barros - Marina, Simone, Izolda e Nísia

Folha de S. Paulo

Quatro nomes de peso que sinalizariam que a Frente Ampla estará no governo

Marina SilvaSimone TebetIzolda Cela e Nísia Trindade são quatro nomes de peso que aumentariam a representatividade feminina no ministério Lula, trariam bagagem de competência e sinalizariam que a Frente Ampla que o elegeu estará presente no novo governo.

Marina Silva é uma gigante da história política brasileira. Como ministra de Lula, comandou a maior redução de desmatamento da Amazônia da história. Sua indicação para o Ministério do Meio Ambiente teria efeito diplomático imediato, pois seu prestígio internacional é imenso. Sua reconciliação com o PT na campanha de 2022 foi festejada pelos melhores quadros da esquerda. Trabalhou ativamente por Lula na campanha, apesar dos ataques bisonhos que sofreu do PT em 2014.

Felipe Moura Brasil - A vitória do conchavo

O Estado de S. Paulo.

Governo eleito aposta no ‘toma lá, dá cá’ para aprovar PEC que turbina gastos

Nem o futebol salvou o Brasil em 2022. Enquanto a Argentina conquista a Copa do Mundo do Catar, consagrando a genialidade de Lionel Messi, nosso país segue sem foco ético, sem liderança altruísta, sem exemplo unificador.

De um lado, o petismo renova a compra de apoio parlamentar para turbinar gastos sem cortar privilégios, ou turbinando-os também. O aumento do número de ministérios de 23 para 37, a liberação da nomeação de políticos para 548 cargos de poder com o afrouxamento da Lei das Estatais e a legalização da versão maquiada do orçamento secreto são apostas do governo eleito de Lula para aprovar a PEC do Estouro à base de “toma lá, dá cá”, embora petistas ainda disputem com Centrão e aliados da “frente ampla” os cofres mais cheios e as pastas de maior retorno eleitoral.

Oliver Stuenkel - Ataque a órgão eleitoral vira tendência

O Estado de S. Paulo.

Estratégia é compartilhada por populistas como Trump, Bolsonaro e López Obrador

Enquanto alguns líderes com ambições autoritárias ainda optam pela abordagem clássica de destruir a democracia – como Pedro Castillo, cuja tentativa de autogolpe no dia 7 fracassou –, um grupo crescente escolhe uma estratégia mais sutil, buscando enfraquecer os órgãos eleitorais de seus respectivos países, para depois poder lançar dúvidas sobre os resultados. Sem apresentar provas concretas de fraude, tais líderes questionam a imparcialidade das estruturas responsáveis pela organização dos pleitos e sugerem que o sistema opera contra eles. Projetando-se como “homens do povo” em luta contra o establishment, argumentam que o sistema eleitoral é corrupto, enviesado e não transparente.

Denis Lerrer Rosenfield* - Entre as chamas e o atraso

O Estado de S. Paulo.

Se as chamas de Brasília mostram a violência do bolsonarismo, o seu estertor, graças aos novos governantes, está sinalizando para o passado

Benjamin Constant, o célebre liberal francês do início do século 19, escreveu que as chamas de Moscou eram a aurora da humanidade. Referia-se ele à derrota de Napoleão ante o Exército russo, pois, em sua perspectiva, o governante francês era um ditador, que viveria, naquele então, o seu ocaso. Este dizer veio-me à mente ao visualizar as chamas de Brasília, sem que, para além do estertor de Jair Bolsonaro, não se consiga entrever uma aurora qualquer, senão a volta a um suposto idílio petista anterior. Se as chamas mostram a violência do bolsonarismo, incapaz de conviver com as diferenças e a liberdade, o seu estertor, graças aos novos governantes, está sinalizando para o passado.

Fernando Carvalho - A doce Nélida Piñon

O Brasil, sábado, amanheceu mais pobre culturalmente.  Faleceu em Portugal aos 85 anos a escritora Nélida Piñon. Em 2015 seu oncologista deu a ela apenas seis meses de vida. Então ela passou a planejar a própria morte e viveu durante mais sete anos. Primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, autora de vinte livros que incluem romances, crônicas e ensaios, deixou uma obra inédita. Nélida teve seus livros traduzidos para dezenas de países. 

Morre Nélida Piñon, escritora integrante da Academia Brasileira de Letras

O Globo

Primeira mulher a se tornar presidente da ABL, carioca tinha 85 anos

Morreu, sábado em Lisboa, aos 85 anos, a escritora e integrante da Academia Brasileira de Letras Nélida Piñon. A ABL está providenciando o traslado do corpo, que será velado no Petit Trianon. A Sessão da Saudade será realizada na reabertura dos trabalhos da Academia, no dia 2 de março.

Em Lisboa, onde estava há três meses, Nélida teve um problema de vesícula. Ao ser examinada, descobriu que estava com entupimento dos vasos biliares e precisou fazer uma operação. Segundo amigos, a escritora estava se recuperando bem da cirurgia, mas este sábado, ainda no hospital, sofreu complicações e não resistiu.

Segundo o presidente da ABL, Merval Pereira, "estamos em recesso de fim de ano, mas abriremos a casa para fazer o velório. E, em seguida, Nélida será sepultada no mausoléu da ABL no Cemitério São João Batista, onde já repousa a sua mãe".

Carioca, Nélida Piñon foi a primeira mulher a se tornar presidente da ABL, entre 1996 e 1997. Ela deu seus primeiro passos na Academia em 27 de julho de 1989, quando foi eleita para a cadeira que tem por patrono Pardal Mallet, e da qual foi a quinta ocupante. Ela tomou posse em 3 de maio de 1990, recebida por Lêdo Ivo. Sua obra, que contempla conto, romance, crônica, memória e ensaio, foi traduzida em mais de 30 idiomas.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Feminicídios em alta trazem desafio ao novo governo

O Globo

Estatísticas mostram crescimento de 11% desde 2019, período em que os homicídios caíram no Brasil

Na tarde de 11 de dezembro, Rosineia Catarina Lach, de 30 anos, foi assassinada pelo marido, Antônio Batista Fagundes de Oliveira, de 34, na casa de parentes em Joinville, Santa Catarina. Foi esfaqueada com um dos filhos no colo. A criança se feriu, mas sobreviveu. Há pelo menos uma década, ela denunciava ameaças, a última feita na manhã do dia fatídico. Em vão. O assassino acabou morto pela polícia ao reagir à prisão.

Histórias trágicas como a de Rosineia acontecem com regularidade desconcertante no Brasil. A cada dia são registrados quatro feminicídios, majoritariamente de mulheres negras (62%). Mudam nomes de vítimas e agressores, armas usadas ou cenários dos crimes, mas o roteiro que mescla covardia, brutalidade e negligência das autoridades é quase sempre o mesmo. O país somou, apenas no primeiro semestre deste ano, 699 feminicídios, um recorde segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - A morte do leiteiro

 

Música | Roberta Sá - Samba de amor e ódio