terça-feira, 25 de junho de 2019

Opinião do dia: Edgar Morin*

• O senhor disse em uma conferência recente que a democracia ficou rasa e que a consciência democrática está degradada. Esse diagnóstico vale para o mundo todo? Como chegamos a isso? 

Chegamos progressivamente, primeiro porque as antigas concepções políticas se deterioraram e chegamos a uma política da urgência e do imediato. E, como sempre digo, ao sacrificar o essencial pelo que é urgente, acaba-se por esquecer a urgência do essencial.

A crise da democracia se deve aos enormes poderes do dinheiro terem levado a casos de corrupção em todo lugar. O vazio do pensamento, somado a essa corrupção, leva a uma perda de confiança na democracia, e isso favoreceu os regimes neoautoritários, como vimos na Turquia, Rússia, Hungria e como vemos agora na crise da democracia no Peru e no Brasil.

A regressão histórica começou muito fortemente com os anos Thatcher e Reagan, que no fim do século passado impuseram a regra do liberalismo econômico absoluto, como se as leis da concorrência pudessem regrar e melhorar todos os problemas sociais, mas isso só favoreceu a especulação e a força do dinheiro, que controla a política.

A crise da democracia é o controle do poder político pelo poder financeiro, que é cego, que vê só os interesses imediatos, não tem consciência do destino da humanidade. A prova é a degradação da biosfera, que é evidente, e que vemos na degradação da Amazônia ou na poluição das cidades, por exemplo, mas que é ignorada em detrimento de um benefício imediato. Assim, damo-nos conta de que vivemos em uma época de cegueira e de sonambulismo. Isso participa na crise da democracia.

Eu vivi —sou muito velho, como sabe— nos anos 1930 e 1940, um período da ascensão da guerra, vínhamos de uma época em que acreditávamos estar em paz, mas numa crise econômica enorme que provocou a chegada de Hitler ao poder por vias democráticas.

Vivemos esse período como sonâmbulos, sem saber que íamos em direção ao desastre. Continuamos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao desastre, em condições diferentes. O que é certo é o desastre ecológico, e o desastre dos fanatismos.

A menos que as pessoas tomem consciência da comunidade de destino dos humanos sobre a Terra, as pessoas se fecharão em suas identidades religiosas, étnicas etc. Vivemos um período obscuro da história, a única consolação é que esses períodos obscuros não são eternos.

*Edgar Morin, 97 Sociólogo e filósofo francês de origem judaica, participou da Resistência nos anos de ocupação nazista na França, militou contra a Guerra da Argélia e fez parte por dez anos do Partido Comunista de seu país. É autor de, entre muitos outros livros, “O Método”, obra em seis volumes na qual explicita sua noção de pensamento complexo. Entrevista / Folha de S. Paulo, 24/6/2019

Fernando Exman: O projeto político em primeiro lugar

- Valor Econômico

Bolsonaro antecipa discussão sobre reeleição

O presidente Jair Bolsonaro antecipou de vez as discussões sobre o seu próprio processo sucessório. Ainda com um saldo de quase 1.300 dias de mandato, Bolsonaro adotou um comportamento heterodoxo para qualquer governante completando apenas seis meses no cargo e que normalmente faria de tudo para evitar que uma agenda extemporânea como essa passasse a pautar aliados, adversários e eleitores.

Bolsonaro tem motivações objetivas para agir assim e dá sinais de que está disposto a enfrentar os riscos que isso trará. Afinal, já percebeu que o próximo pleito municipal e as disputas locais estão a influenciar o comportamento de deputados e senadores nas discussões sobre a reforma previdenciária. Outros projetos de interesse do Executivo também terão sua tramitação atingida.

As razões de Bolsonaro vão além da necessidade de mobilização do seu eleitorado mais fiel, quando o Congresso Nacional vem aprovando propostas que visam delimitar os campos de atuação de cada instituição e Poder da República.

O presidente exige ser visto como um ator político que não pode ser considerado descartável ou artificialmente debilitado. Tenta, assim, demarcar um espaço de atuação no tabuleiro político nacional, enfraquecer adversários e manter a oposição em postura defensiva.

Num primeiro momento, Bolsonaro e aliados usaram as redes sociais para fomentar a pressão sobre os congressistas. O alvo da artilharia continuou sendo os partidos e a classe política tradicional, que governistas insistem em igualar sob o rótulo de Centrão. Líderes dessas legendas viram nos ataques uma tentativa de tirar o DEM e outros partidos à direita do caminho do PSL de Bolsonaro. Não à toa, lembram, o grupo político do presidente avança nas instâncias de poder da sigla, já de olho nas eleições municipais e futuros desafios.

Fabio Graner: Riscos do plano "Mais Brasil e Menos Brasília"

- Valor Econômico

União pode perder receita e ainda ter de socorrer os entes

Repetido à exaustão desde que Paulo Guedes assumiu o Ministério da Economia, o plano de maior descentralização de recursos públicos para Estados e municípios ainda é uma miragem. O conceito "Mais Brasil e menos Brasília" é um dos princípios basilares do liberalismo de corte americano preconizado por Guedes, mas as especificidades da economia e do federalismo brasileiro demandam cautela na execução desse objetivo.

Apesar de ainda incipiente, a ideia causa preocupação em integrantes do próprio governo, do setor privado e mesmo de fontes do Tribunal de Contas da União (TCU) - que já alertaram técnicos da equipe econômica sobre riscos envolvidos. Uma das questões apontadas é que um processo dessa natureza, no fim dos contas, pode deteriorar a situação fiscal da União sem qualquer garantia de maior efetividade no gasto.

O risco para o governo federal é duplo. Primeiro, pela perda de receitas que isso deve propiciar e, depois, pela possibilidade de, mesmo fortalecendo o caixa dos outros entes, no fim das contas a União ser chamada a socorrê-los, algo recorrente nos últimos anos.

Na área econômica, o plano conta com percepções diferentes. Há quem se preocupe com o risco de se repetir o que ocorreu no Rio de Janeiro. O Estado viveu um boom de receitas do petróleo, mas quebrou quando a bonança se foi, por ter direcionado o dinheiro em grande parte para os rígidos gastos com pessoal.

A outra vertente, alinhada à ideia do ministro, considera que não se pode tratar os entes federativos como "inimputáveis". Uma fonte ressalta que a visão de Guedes é de fato muito alinhada com o que ocorre nos Estados Unidos e que o caminho faz sentido, embora precise ser bem costurado para evitar problemas.

Uma fonte do TCU pondera que a diferença nos Estados Unidos é que lá o ente que cai na irresponsabilidade fiscal não é socorrido pela União. Estados e municípios simplesmente quebram, como ocorreu com Detroit, cidade que foi polo da indústria automotiva e depois entrou em decadência até falir.

Eliane Cantanhêde: O capitão bate na mesa

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro mostra aos generais quem manda e imobiliza adversários de 2022

Enquanto novas pesquisas de popularidade não vêm, o presidente Jair Bolsonaro bateu na mesa, mostrou aos generais quem manda, manteve seus filhos nomeando pessoas-chave e, engrenando uma segunda, na contramão do que dissera na campanha, deixou claro que vai disputar a reeleição.

Os ambientes e a oportunidade do lançamento à reeleição foram escolhidos a dedo: na cidade onde cresceu, a pequena Eldorado (SP), e na Marcha para Jesus, na capital paulista. Dos 57 milhões de votos que Bolsonaro teve, em torno de 22 milhões são atribuídos aos evangélicos. As imagens só poderiam ser o que foram: festa, aplausos, apoio emocionado.

Quanto à oportunidade: quando o governador João Doria começa a botar as manguinhas de fora, o ministro Sérgio Moro está na palma da mão do presidente e o vice Hamilton Mourão anda quieto como nunca. Detalhe: Bolsonaro falou em reeleição dele, não da chapa dele. Assim, demarcou território, botou os potenciais adversários nos devidos lugares e jogou a isca para seus eleitores e seu rebanho.

Demite um general daqui, outro dali, o capitão presidente está preocupado mesmo é com sua base eleitoral, incluídas as tropas, não os chefes militares. Quando o general Santos Cruz (defenestrado da Secretaria de Governo) acusou o governo de ser “um show de besteiras”, muitos concordaram plenamente, mas Bolsonaro deu de ombros.

Personagem central já na campanha, o também general Augusto Heleno tinha a missão de dar conselhos, segurar os excessos e corrigir erros do presidente como a tal base militar dos EUA. Era assim. Agora, Bolsonaro manda, Heleno escuta. Para completar, Bolsonaro empurrou o general Floriano Peixoto para os Correios e pôs no seu lugar na Secretaria-Geral da Presidência o major PM Jorge Oliveira, amigão da família e ex-assessor do gabinete do “03”, deputado Eduardo Bolsonaro. Trocar um general do Exército por um major da PM na mesma função é esquisito, mas o presidente deu o seu recado: o governo é dele, ele faz o quer.

Hélio Schwartsman: A Bíblia ou a lei?

- Folha de S. Paulo

Não dá para sustentar a tese de que as regras morais são eternas e imutáveis

“Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte.” Isso é provavelmente o mais perto que a palavra escrita pode chegar da incitação ao crime. Constitui, a meu ver, uma clara violação ao artigo 20 da Lei Antirracismo (7.716), que, por decisão recente do STF, passou a punir também o preconceito contra homossexuais, e não só em relação a raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, como constava da redação anterior.

O problema da passagem acima é que ela está na Bíblia, mais especificamente em Levítico 20:13. E não é só a crimes contra homossexuais que o “livro bom” incita. Ele também manda matar quem tenha mudado de religião (Deuteronômio 13:7) e quem apenas pertença à etnia errada, caso dos amalequitas (1 Samuel 15:1). Diga-se em favor das Escrituras que elas são ecumênicas em seus preconceitos.

Como devemos agir? Aplicar a ferro e fogo as determinações da lei exigiria censurar a Bíblia ou, pelo menos, impedir pregadores de ler certas passagens em público. Seria engraçado ver o Supremo decidindo quais os trechos legais e quais os ilegais da chamada palavra de Deus.

Alvaro Costa e Silva: Com Cristo, fazendo arminha

- Folha de S. Paulo

Adorado por evangélicos, Bolsonaro não deu um pio sobre a violência contra religiões de matriz africana

Primeiro presidente da República a prestigiar a Marcha para Jesus, Bolsonaro foi mais adorado que o próprio Jesus. Num palanque, usando uma camisa promocional do evento (uma versão VIP da camisa, com a marca do jacaré), ele pareceu mais gordinho. Colete à prova de balas? Diante da multidão concentrada na zona norte de São Paulo, fez com as mãos o conhecido gesto de atirar e voltou a defender o decreto inconstitucional de liberar porte e posse de armas. Foi aclamado, aos gritos de “Mito” e “Messias”.

Fiquei na dúvida. Será que aqueles cristãos defendem fuzilamentos em vez de paz e amor? Ou estavam dando sua concordância à declaração do presidente de que a população precisa se armar para impedir que governantes assumam “o poder de forma absoluta”? (Não, ele não falava da situação da Venezuela, mas do Brasil mesmo.)

Bolsonaro retribuiu a força que recebeu das igrejas durante a eleição. Embora colecionando desmandos e trapalhadas, ele já pensa em 2022. Hoje os evangélicos são 30% da população e devem crescer ainda mais em importância e estratégia política. A festa de comunhão foi um vale-tudo: bandeiras de Israel, camisas da seleção, figurinos militares, orações para policiais, rejeição à Nossa Senhora Aparecida.

*Pablo Ortellado: Importa se foi hacker?

- Folha de S. Paulo

Petistas e lavajatistas tentam extrair de vazamentos consequências extrapoladas

A troca de mensagens entre Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato está sendo alvo de acirrada polêmica.

Os dois lados do nosso polarizado debate querem extrair do episódio consequências extrapoladas: de um lado, sustenta-se que, se a fonte das reportagens é questionável, então nada pode ser provado e nada deve ser discutido; do outro lado, sustenta-se que, se houve conluio entre juiz e procuradores, então Lula e o PT são inocentes.

Os defensores da Lava Jato não querem falar sobre o conteúdo das conversas, mas de como elas foram conseguidas. Não alegam que as conversas foram falseadas, mas que elas podem ser falseadas.

Isso parece suficiente para questionar a credibilidade das conversas e fugir da questão substantiva de que na Lava Jato juiz e Procuradoria estiveram articulados de maneira escandalosa.

Nos meios lavajatistas, a obsessão por desqualificar as evidências levou à ampla difusão das especulações mais delirantes, das denúncias do pavão misterioso na semana passada à ridícula reportagem de capa da IstoÉ.

Nada do que foi relatado pelo site The Intercept ou pela Folha foi questionado por quem apareceu nas conversas. Não era necessário apresentar como contraevidência os arquivos originais do Telegram; bastaria afirmar “isso é mentira”.

*Joel Pinheiro da Fonseca: A vertigem do lulismo

- Folha de S. Paulo

Corrupção, fraude contábil e recessão foram a receita perfeita para a derrota

Não chorei assistindo a “Democracia em Vertigem”. Senti pena por todos os que compram a fantasia ali vendida. A voz lamuriosa da narradora dá a medida de sua impotência perante a ascensão da direita. A história trágica do Lula-herói que foi obrigado a ceder a práticas corruptas da velha política para levar adiante um projeto inclusivo de país, sendo impedido por uma mutreta da malvada elite, simplesmente não cola. E enquanto a esquerda insistir nela seguirá incapaz de se reinventar.

O PT não era um partido puro que, uma vez no poder, se deixou corromper para ter alguma governabilidade. Já nos anos 1990 o partido comandava o esquema de propina de empresas de transporte no ABC Paulista, numa relação entre políticos e empresários em tudo igual ao que tantos outros partidos fazem Brasil afora. Em seus anos no poder, o PT elevou esses esquemas de propina à escala internacional. Trouxe uma nova ordem de grandeza e profissionalismo ao que já era prática corrente. Nisso, o discurso ideológico radical foi uma ferramenta perfeita, capaz de cegar militantes e apoiadores (como Petra Costa, que dirige o filme).

Há duas possibilidades de “leitura” dos abusos da Operação Lava Jato, que pôs fim ao esquema: uma é a de que se direcionaram contra a classe política como um todo, passando por cima de regras e garantias legais para prender poderosos e alimentar a vaidade (e, quem sabe, a ambição política) de juízes e procuradores que se veem como heróis numa missão divina. A outra é que a Lava Jato é um projeto político da direita para extirpar a esquerda do poder. Essa segunda visão, obrigatória nos meios petistas, não é ajudada pelo fato de que cada um daqueles que antes era apontado como o grande beneficiário da operação (Aécio, Cunha, Temer, o PSDB) foi, por sua vez, também alvo de investigações e até prisão.

Ranier Bragon: O parlamentarismo sai do armário

- Folha de S. Paulo

Congresso monta agenda de governo diante do que vê, e do que não vê, sair do Planalto

Após uma experiência de mentirinha durante o Império, a fugaz existência nos anos 60 e a sua rejeição, pela população, no plebiscito de 1993, o parlamentarismo tenta pela quarta vez o sucesso no Brasil.

Em entrevista à revista Veja e no podcast que inaugurou nesta segunda (24), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), escancarou a gestação de uma agenda própria de governo. Em parceria com o seu colega de partido e presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), busca-se agora não apenas barrar sandices vindas da BIC presidencial.

A ideia é montar uma espécie de gabinete ministerial paralelo, comandado por Maia, Davi e os partidos que lhes dão sustentação no Congresso, e tirar daí projetos para a retomada do crescimento econômico, geração de emprego, saúde, educação, entre outras áreas.

O plano Maia de governo inclui como prioridade, inclusive, o combate à pobreza e à desigualdade
—ação que, se algum dia foi pensada de forma séria por Bolsonaro, ele se esqueceu de torná-la pública.

Merval Pereira: Não está no mundo

- O Globo

Bolsonaro só tem a ganhar com o apoio à Lava-Jato. Montou-se novamente o clima de combate à corrupção

O argumento para o adiamento do julgamento na Segunda Turma do STF do habeas corpus a favor do ex-presidente Lula, baseado na suspeição do então juiz Sergio Moro, não parece plausível. A alegação de que não haveria tempo para o julgamento, pois o processo de Lula estava em último numa fila de mais dez processos, não corresponde ao cotidiano das turmas do Supremo, que analisam às vezes até 30 processos num dia.

O fato é que ministros estão incomodados com a ilegalidade das novas provas, diálogos publicados pelo site Intercept Brasil entre Moro e o chefe dos procuradores de Curitiba, Deltan Dallagnol. A questão é tão difícil que nem mesmo a defesa de Lula apensou os diálogos ao pedido anterior, havendo uma interpretação de que provas ilegais podem ser usadas para beneficiar o réu.

É possível que, quando retomarem o julgamento, no segundo semestre, algum ministro proponha à Segunda Turma levar o caso para o plenário do STF. O ministro Fachin, como relator, pode decidir monocraticamente, mesmo já tendo votado.

Várias vezes o STF, e também o Superior Tribunal de Justiça (STJ), negaram pedido semelhante, embora por motivos diferentes. Desta vez, a alegação da defesa de Lula é que, ao aceitar ser ministro de Bolsonaro, Moro havia demonstrado sua parcialidade. Os diálogos não estão nos autos. E o que não está nos autos, não está no mundo, como diz um provérbio jurídico com origem no Direito romano.

Antes das revelações do Intercept Brasil, o ministro Edson Fachin considerou que a defesa deveria ter apresentado o pedido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ressaltando que o Supremo já havia negado o habeas corpus em outras ocasiões.

A ministra Cármen Lúcia, que hoje preside a Segunda Turma, afirmou que o fato de Moro ter aceitado o convite para o novo governo não pode ser considerado, por si só, prova suficiente de sua parcialidade.

O julgamento está cercado de fatores políticos, à revelia dos ministros do STF, que o tornam mais delicado do que normalmente já é, por tratar-se de um ex-presidente da República.

Míriam Leitão: PIB prisioneiro do ponto morto

- O Globo

O governo ainda não divulgou um programa convincente contra a hibernação da economia brasileira

A previsão do PIB de 2019 murcha a cada semana e ontem ficou em 0,87%. Mais do que mostrar que o ano está perdido, o que está claro é que mudou o padrão de reação da economia brasileira a um período recessivo. Tanto na crise do começo dos anos 1980 quanto na do início de 1990, a recuperação depois da queda foi rápida. Desta vez a economia do Brasil não reage, entrou em ponto morto.

O ministro Paulo Guedes costuma dizer que o Brasil está prisioneiro da “armadilha de baixo crescimento”. É pior. O que os dados vão desenhando é o quadro de um país preso ao “não crescimento”. Essa década é a pior já registrada nas estatísticas do Brasil, desde o início do século passado. É gravíssimo. Se for confirmado o 2,2% em 2020, que está na previsão de ontem do Focus, o PIB do país terá crescido apenas 0,76% na década de 2011 a 2020, segundo o economista Marcel Balassiano, do Ibre/FGV.

— Em quatro décadas, a economia terá “perdido” duas. De 1980 a 2018, o PIB per capita cresceu apenas 0,9% ao ano em média. O avanço da produtividade é ainda mais lento, 0,5%. De 2011 para cá, 90% dos países cresceram mais do que o Brasil — diz Balassiano.

Os números informam que o país está numa grande encrenca. Caiu, levantou uma parte do corpo, mas não ficou de pé. Nem sabe quando conseguirá. A crise na qual a economia entrou no fim de 2014 e que levou à recessão de 2015-2016, foi encerrada oficialmente em 2017, quando estatisticamente o país saiu do negativo. Contudo, a atividade permanece em clima recessivo e a expressão mais aguda disso é o desemprego. A atividade continua fraca após dois anos de 1% de alta no PIB e a projeção que agora nos visita é de que este ano ficará abaixo de 1%. A cada semana, a estimativa cai um pouco mais. Diante desses dados eloquentes é preciso encontrar o caminho para aumentar o ritmo da atividade.

Há economistas defendendo a ideia de que é preciso reduzir o nível da taxa de juros para estimular a economia. É possível que seja reduzido se a reforma da Previdência for aprovada, pelo menos é isso que está implícito na ata do Copom. O mistério a desvendar é por que a política monetária não tem estimulado a economia, apesar de a Selic estar no mais baixo nível da sua história. Se olharmos para o IPCA, os juros podem cair, porque depois da alta da inflação em 12 meses, provocada pela greve dos caminhoneiros no ano passado, ela ficará em um nível abaixo de 4%. O IPCA-15 de junho, que sai hoje, ficará próximo de zero e a taxa do mês pode ser até negativa, diz o professor Luiz Roberto Cunha. O Focus prevê uma inflação de 3,82% esse ano, menor do que a meta de 4,25% para 2019.

Carlos Andreazza: O espírito do tempo lavajatista

- O Globo

Não há dúvida de que o material sob posse do site Intercept tem de ser periciado. Como acusar suspeição de alguém — no caso, o ex-juiz Sergio Moro — sem comprovar a integridade do arquivo que se quer como fundamento à imputação? A chancela de autenticidade do conjunto é de interesse público tanto quanto o conteúdo dos diálogos; e a incerteza a respeito é mais um elemento a agravar o ambiente de insegurança, de instabilidade, que refreia a capacidade produtiva do país.

Até que a veracidade das mensagens seja confirmada, sobre seu manuseio editorial — e editorializado — sempre pairará o senão que decorre da possibilidade de fraude.

Tampouco se pode absorver as informações ora publicadas sem antes refletir sobre a natureza de um jornalismo cuja atividade se confunde com o ritmo de um folhetim. Qual a ideia? Liberar capítulos até conseguir abalar o governo, como se o tremor deste não fosse também do Brasil? A falta de transparência no manejo do pacote autoriza essa indagação.

Não se deve tapar os olhos para o que já configura um padrão: divulgações ministradas a conta-gotas e de modo reativo, como resposta mesmo aos movimentos dos agentes da operação Lava-Jato, tal qual fossem não objetos de uma reportagem impessoal, mas adversários na cancha da política. Incomoda-me a ideia de o jornalismo ser exercido como um jogo, e um em que o blefe, talvez a ameaça, seja recurso editorial.

Ressalva nenhuma, porém, mitigará — não nesta coluna — a leitura do que vai nas conversas entre Moro e Deltan Dallagnol. Não é bom. E não pode ser recebido como surpreendente. Há uma história aí. Escrevo com tranquilidade a respeito: nunca relativizei a gravidade de haver o então juiz Moro, ainda em 2016, levantado o sigilo de telefonemas entre Dilma Rousseff e Lula para deliberadamente interferir no processo político. Aquilo fora uma exorbitância. Glenn Greenwald decerto concordava. Havia já um padrão — também um padrão — nos procedimentos da Lava-Jato. Um paradigma de militância sob o qual, para o fim de combater a corrupção, seria normal um magistrado, falando a um procurador, referir-se à atividade da defesa, parte numa ação que julgava, como “showzinho”.

Luiz Carlos Azedo: Rainha da Inglaterra

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Embora Bolsonaro culpe o Congresso pela não aprovação de suas propostas, o troca-troca de ministros é a demonstração de que o governo não estava funcionando como gostaria”

No fim de semana, numa de suas entrevistas, o presidente Jair Bolsonaro disse que estavam querendo transformá-lo numa rainha da Inglaterra, numa alusão às articulações dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para fortalecer o Congresso na relação com o Executivo. Sua queixa estava diretamente relacionada ao novo marco legal das agências reguladoras, que tramitou diretamente nas comissões e supostamente retiraria da Presidência a prerrogativa de indicar os dirigentes das agências. Ontem, Bolsonaro disse que vetará o projeto. É do jogo.

Há um pouco de tempestade em copo d’água nas declarações de Bolsonaro sobre a aprovação do projeto, que não passou por nenhum dos plenários das duas casas legislativas, o que revela absoluta desarticulação política do Palácio do Planalto. O governo levou uma caneta da própria base, pois deixou o projeto tramitar despercebido por todas as comissões da Câmara e do Senado. Bastava requerer votação em plenário para melar a articulação silenciosa dos parlamentares interessados em levar para o parlamento o controle das agências reguladoras.

Entretanto, a declaração de Bolsonaro sintetiza a tensão entre o governo e o Congresso, que busca se fortalecer diante dos ataques que os aliados do presidente da República fazem contra os políticos. É aí que está o busílis da questão. Bolsonaro se elegeu como candidato antissistema, na onda de rejeição à política e aos políticos. Tentou emparedar o Congresso com uma retórica “nova política” versus “velha política”. Depois, mobilizou seus partidários para protestar e pressionar o Congresso na reforma da Previdência.

Agora, saiu em defesa da Operação Lava-Jato e do ministro Sérgio Moro, surfando no divisor de águas ético que decidiu as eleições passadas a seu favor, em razão do vazamento de conversas entre o ex-juiz de Curitiba e os procuradores da força-tarefa que investigam o escândalo da Petrobras. Acontece que o Congresso não meteu a carapuça e se esquivou do confronto, também resolveu jogar para a arquibancada. Bolsonaro não pode se queixar: nunca um governo contou com tanto apoio para mexer na Previdência como agora.

Alon Feuerwerker: Guerra prolongada

- Blog do Noblat / Veja

A ferida Moro é útil para incomodar um presidente que não divide poder

É arriscado estabelecer linhas de defesa que possam ser facilmente penetradas pelo oponente. Mas de vez em quando é o que dá para fazer.

Pressionados pelas revelações do Intercept, a Lava-Jato e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, montaram com certa rapidez a defesa em quatro pilares:

1) Foi invasão ilegal de privacidade
2) O material não necessariamente é autêntico
3) O material pode ter sido adulterado
4) Em resumo, trata-se de crime e de criminosos

Invadir e capturar mensagens privadas é crime, mas há jurisprudência pela legalidade de o jornalista divulgar material obtido fora da lei por terceiros, e a avaliação de interesse público é exclusiva do jornalista.

Há anos a Lava-Jato e Moro ajudam a consolidar esse entendimento.

A defesa do morismo tem sido criminalizar a coisa toda para, no limite, estancar a divulgação e, quem sabe?, responsabilizar criminalmente os jornalistas. Na linha do que está acontecendo com Julian Assange.

Difícil, mas não impossível num Brasil de jurisprudências flutuantes ao sabor das conveniências políticas.

A isso o Intercept reagiu com uma manobra tática: dividiu as informações com um veículo institucionalmente prestigiado. Não mais só um “site”, mas agora também um importante jornal. Foi manobra de alto risco, pois a Folha de S.Paulo poderia ter analisado o material e recusado jogar seu nome na empreitada.

O jornal procurou as mensagens trocadas pelos seus repórteres com a Lava-Jato, e elas estavam ali. E se não estivessem? Que garantia tinha o Intercept de ter recebido todo o material em poder da fonte? Ou que o material não fora mexido antes de ser repassado ao Intercept?

O risco se pagou, pois a esta altura não bastará mais neutralizar o Intercept, o que já era tarefa complexa. O governo, a Lava-Jato e Moro estão diante de um novo teatro de operações.

Uma guerra prolongada, com baixa probabilidade de transformar rapidamente a defensiva em ofensiva.

Ricardo Noblat: O que fazer com Lula

- Blog do Noblat / Veja

Um abacaxi que o Supremo não gostaria de descascar

Se puder, o Supremo Tribunal Federal (STF) deixará para julgar no próximo semestre o pedido de habeas corpus para que o ex-presidente Luiz Inácio da Silva seja solto. Caso sinta-se forçado pelas circunstâncias a julgá-lo hoje, deverá negá-lo.

A defesa alega uma série de motivos para que o pedido seja deferido – o mais recente, o fato de o ex-juiz Sérgio Moro que condenou Lula em 2017 ser hoje ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Isso provaria que ele agiu com parcialidade àquela época.

O argumento é fraco. Há dois anos, Bolsonaro não era candidato a presidente. A sentença de Moro foi confirmada e até expandida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Tribunais superiores negaram todos os recursos contra a condenação. É jogo jogado, pois.

Por jogar, o pedido da defesa para a progressão da pena de Lula. Quer dizer: para que ele possa ser transferido para o regime de prisão semiaberto uma vez que está preso há 443 dias. No semiaberto, dormirá na cadeia, mas poderá trabalhar durante o dia.

Caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir sobre a progressão da pena. E, ali, ainda não há uma data marcada para isso. O STJ é considerado um tribunal mais duro do que o STF. E aparentemente menos permeável a pressões.

No futuro haverá outro jogo a ser jogado: Moro prevaricou ou não quando conduziu a Operação Lava Jato? O conteúdo das conversas com procuradores da República prova ou não que ele faltou com o cumprimento do dever por interesse ou má fé?

Se prevaricou, o julgamento de Lula deverá ser anulado e ele posto em liberdade de imediato. O processo então recomeçaria sob o comando de outro juiz. O novo jogo só terá início quando o site The Intercept Brasil der conta do arquivo que recebeu de presente.

Justiça para Dilma

Não é pelo dinheiro, mas pelo reconhecimento

Seguimos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao desastre, diz Edgar Morin*

Para um dos maiores filósofos vivos, humanidade deve tomar consciência da incerteza do futuro e de seu destino comum

Úrsula Passos / Folha de S. Paulo, 24/6/2019

SÃO PAULO - Edgar Morin é um dos mais importantes e relevantes pensadores vivos. Prestes a completar 98 anos, em julho, segue escrevendo e expondo ideias em conferências em universidades e eventos.

O francês de origem judaica é um grande intelectual público, sempre disposto a participar do debate, seja ele sobre o conflito na Palestina, cinema, transgênicos, aquecimento global ou imigração.

Morin deve boa parte de seu sucesso ao pensamento complexo, conceito defendido por ele segundo o qual o conhecimento só é possível pela transdisciplinaridade.

Essa ideia impactou o pensamento sobre educação no mundo todo. Tanto que, em 1999 foi convidado pela Unesco a escrever um livro explicitando as modificações que julga necessárias na educação: “Os Sete Saberes Necessários à Educação no Futuro”, disponível em português.

Morin conversou com a Folha em São Paulo, onde esteve na semana passada para uma conferência sobre prazer estético e arte no Sesc. Ao longo da entrevista, acompanhado por uma caipirinha, sorriu bastante e bateu na mesa em momentos de indignação.

• O senhor frequentemente fala da prosa e da poesia na vida, sendo a prosa a sobrevivência, o cotidiano do que somos obrigados a fazer, e a poesia, as relações de afeto, o jogo. O espaço da poesia está diminuindo e a prosa está ganhando? 

Ela não poderá jamais vencer totalmente, mas eu diria que a prosa fez progressos consideráveis com a industrialização não só do trabalho mas da vida, com a burocratização que encerra as pessoas num pequeno espaço especializado, com a técnica, que se serviu tanto dos homens quanto dos materiais.

Mas há uma resistência da poesia na vida privada, nas relações amorosas, de amizade, nos afetos, no prazer do jogo, no futebol, por exemplo. Há momentos de ambiguidade e devemos resistir a esse progresso enorme da prosa, que significa uma degradação da qualidade de vida.

• O senhor tem uma conta bastante ativa no Twitter; ela é uma ferramenta de divulgação de seu trabalho? 

É uma forma de me expressar, de expressar ideias que me ocorrem, reações que tenho frente a acontecimentos e de uma forma muito concentrada. É um exercício de estilo, que permite que eu expresse e comunique aos outros o que penso e vejo em diferentes momentos do dia.

• O senhor fala de um mundo padronizado, uniformizado. Como ficam o pensamento e a arte?

Vivemos uma crise do pensamento. Aprendemos em nosso sistema de ensino a conhecer separando as coisas de maneira hermética segundo disciplinas. Os grandes problemas, porém, requerem associar os conhecimentos vindos de disciplinas diversas. Isso não é possível dada a lógica que comanda nosso modo de conhecer e de pensar.

Temos uma crise do pensamento que se manifesta no vazio total do pensamento político, ainda que, há coisa de um século, houvesse pensadores políticos que, mesmo quando se equivocavam, tentavam compreender o mundo, como Karl Marx e Tocqueville.

Meu esforço nas minhas obras é tentar efetivamente esse pensamento. O que estamos vivendo? O que está acontecendo? Para onde estamos indo? Claro que não posso fazer profecias, mas vejo o risco nas possibilidades que se abrem diante de nós.

*Rana Foroohar: Recuperação longa não é sempre a melhor

- Valor Econômico

Recessões são parte natural e normal do capitalismo, e não algo a ser evitado a qualquer custo. Economistas do Deutsche Bank afirmam que a produtividade e o zelo empresarial seriam mais fortes se o ciclo de negócios nos EUA não tivesse sido prolongado de maneira artificial

No começo de julho, a atual expansão econômica dos Estados Unidos tornar-se-á oficialmente a mais prolongada desde 1854, ano em que o National Bureau of Economic Research começou a compilar os dados sobre os ciclos de negócios. O desemprego encontra-se no menor patamar em 49 anos. Os preços dos ativos estão próximos de níveis recordes. E o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, sinalizou mais uma vez na semana passada que tende a reduzir as taxas de juros em razão de "incertezas" no cenário econômico e da inflação baixa.

Isso intuitivamente faz sentido quando se considera a instabilidade geopolítica no momento, e o quanto essa recuperação vem se mostrando bifurcada, favorecendo principalmente as grandes companhias multinacionais e indivíduos muito ricos.

Mas também é surpreendente a rapidez com que o Fed passou de uma política de aperto monetário para a preparação de um afrouxamento e levando-se em conta que o banco central vai trabalhar a partir de uma taxa básica que se encontra num patamar histórico de baixa, na tentativa de atravessar a próxima recessão, não importa quando ela chegar.

Ainda mais perturbador é o fato de esse ciclo econômico extraordinariamente longo não ser singular. Um estudo do Deutsche Bank analisou 34 expansões econômicas dos EUA ao longo dos últimos 165 anos e constatou que os últimos quatro ciclos de negócios foram mais longos que a média. Na verdade, eles respondem por quatro dos seis ciclos mais longos. Desde 1982, ciclos mais longos se tornaram o novo normal.

Por que isso? Os otimistas diriam que recessões menos frequentes são resultado de mudanças estruturais positivas e melhores escolhas políticas que deixaram a economia dos EUA menos propensa a elas. Um estudo de janeiro do Goldman Sachs aponta para melhores estoques e gerenciamento da cadeia de fornecimento (grande parte disso resultado de melhorias tecnológicas) e a queda da parcela da economia americana que é mais ligada a setores cíclicos, graças em parte à terceirização no exterior da produção. Ao mesmo tempo, o crescimento da indústria de xisto dos EUA reduziu o risco e o impacto dos choques nos preços do petróleo, outrora um grande gatilho de recessões.

Por conta própria: Editorial / Folha de S. Paulo

Cresce no país ingresso de mais escolarizados no trabalho autônomo

As estatísticas do emprego no Brasil mostram expressiva quantidade de trabalhadores por conta própria, o que no mais das vezes descreve situações de precariedade laboral e baixa qualificação. Entretanto há sinais de mudança no perfil desse contingente.

São quase 24 milhões de autônomos —à falta de palavra melhor para definir uma miríade de casos tão diferentes quanto os de profissionais liberais de renda elevada, motoristas de aplicativos de transporte e vendedores ambulantes que operam na informalidade.

Trata-se de mais que o dobro do número de empregados no setor público, por exemplo. Na iniciativa privada, os assalariados com e sem carteira assinada somam pouco mais de 44 milhões, naturalmente o maior segmento do mercado.

Com a recessão de 2014-16 e o período posterior de quase estagnação da economia, caiu a participação de celetistas e elevou-se substancialmente o desemprego. Um outro fenômeno, a demandar estudo mais detalhado, é o aumento da escolaridade dos trabalhadores por conta própria.

Conforme noticiou esta Folha, um levantamento feito por Sergio Firpo e Alysson Portella, do Insper, revelou que, nesse grupo, a parcela dos profissionais com nível superior saltou de 9,6%, no início de 2012, para 17,7% neste 2019.

A preciosa segurança cambial: Editorial / O Estado de S. Paulo

O vigor do agronegócio, a confiança do investidor estrangeiro e também a estagnação do País continuam garantido a segurança das contas externas, uma bênção para um governo forçado a executar complicados ajustes e reformas. O mais visível é o segundo fator. Os US$ 96,57 bilhões de investimento direto cobririam quase sete vezes o buraco de US$ 13,92 bilhões aberto, nos 12 meses até maio, nas transações correntes do balanço de pagamentos. Aplicado em projetos e empresas, aquele dinheiro é a fonte mais produtiva e mais segura de financiamento desse tipo de déficit. O investidor de fora continua, portanto, apostando na reativação brasileira e no retorno à prosperidade, provavelmente depois da reforma da Previdência.

O outro fator positivo, o sucesso do agronegócio no mercado internacional, também garante o ingresso de muito dinheiro. O setor acumulou US$ 33,85 bilhões de superávit comercial entre janeiro e maio deste ano e US$ 86,66 bilhões em 12 meses. Isso assegurou um sólido resultado no comércio de mercadorias, suficiente para compensar em boa parte os saldos negativos das contas de serviços e de rendas, tradicionalmente deficitárias.

Somadas essas contas, chega-se ao déficit de US$ 13,92 bilhões acumulado em 12 meses nas transações correntes, ou de US$ 7,58 bilhões nos primeiros cinco meses de 2019. Em maio, esta conta mais ampla foi fechada com superávit de US$ 662 milhões, mas esse é um resultado sazonal, explicável principalmente pelas grandes exportações de produtos do agronegócio no segundo trimestre de cada ano.

Todos perdem em choque entre poderes: Editorial / O Globo

Reformas só da Câmara e atritos entre Maia e Guedes ajudam a afastar Executivo e Legislativo

O início do governo Bolsonaro é candidato a ser o mais desarticulado dos tempos de democracia. Podem-se alinhar algumas razões, não exclusivas deste governo. Por exemplo, a falta de um partido que o presidente possa considerar seu. Até por força da imprevisibilidade da vitória do ex-capitão do Exército, ele foi sendo apoiado pelos políticos à medida que seu nome se fortalecia nas pesquisas. Lançado em 2016 como pré-candidato pelo PSC, do pastor Everaldo, Bolsonaro ganhou o pleito presidencial sob a legenda do PSL, partido também sem história e que, volta e meia, vai em sentido oposto ao do Planalto.

O presidente Bolsonaro venceu e ficou prisioneiro do discurso antipolítica, sem o seu governo estabelecer os necessários laços com o Congresso. Viveu a ilusão de que as redes sociais pressionariam os políticos a apoiar projetos do Executivo, e assim perdeu tempo para montar algo que seja próximo de uma coordenação política.

Houve um momento —e em certa medida ele perdura — em que o governo se resumia à equipe de Paulo Guedes, no trabalho de aprontar a proposta da reforma da Previdência. Isso aproximou o ministro da Economia do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a coordenação política passou a ser entendida como o diálogo entre os dois. Outra ilusão. Aprovada a constitucionalidade do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Câmara, o relator da proposta, Samuel Moreira (PSDB-SP), na Comissão Especial, retirou do texto a previsão de um futuro regime de capitalização e fez concessões impróprias aos servidores públicos, extensivas aos segurados do INSS. Foi o marco do afastamento entre Guedes e Maia. O que é indesejável, diante da necessidade de alguma sintonia entre o Planalto e o Congresso.

Acesso à educação pouco avança e frustra metas: Editorial / Valor Econômico

O IBGE acaba de divulgar dados que mostram que o acesso à educação avança devagar no país, apesar do aumento dos gastos na área registrado desde a virada do século e da pressão pela preservação dessas conquistas. Os números indicam que dificilmente serão atingidas algumas das metas do Plano Nacional de Educação (PNE).

Uma meta considerada pouco factível é erradicar o analfabetismo até 2024. No ano passado, o analfabetismo ainda afligia 11,3 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais, o equivalente a 6,8% da população, índice praticamente inalterado em comparação com os 6,9% de 2017. Na verdade, a redução foi de apenas 121 mil pessoas. A principal dificuldade nesse caso é alfabetizar a população mais idosa. A taxa de analfabetismo chega a 18,6% entre os que possuem 60 anos ou mais. A desigualdade racial é gritante. Entre os negros ou pardos com 15 anos ou mais, o analfabetismo era de 9,1%, pouco mais do que o dobro do que os 3,9% registrado entre brancos. O indicador também é pior no Norte e Nordeste.

Talvez mais preocupantes sejam os dados que refletem os problemas do ensino para jovens, que os tornam despreparados para competir em um mercado de trabalho já reduzido pela crise difícil até para os mais bem formados. O IBGE constatou que 30,7% dos alunos de 15 a 17 anos estavam atrasados ou deixaram a escola no ensino médio em 2018, com melhora pouco perceptível em comparação com os 31,5% de 2017. Nesse ritmo, com otimismo, talvez se chegue raspando à meta de reduzir essa taxa para 25% em 2024. As diferenças raciais impressionam igualmente nesse caso, com a taxa de jovens de 15 a 17 anos fora da escola ou atrasados chegando a 39,7% no Nordeste.

Carlos Pena Filho: A palavra

Navegador de bruma e de incerteza,
Humilde me convoco e visto audácia
E te procuro em mares de silêncio
Onde, precisa e límpida, resides.

Frágil, sempre me perco, pois retenho
Em minhas mãos desconcertados rumos
E vagos instrumentos de procura
Que, de longínquos, pouco me auxiliam.

Por ver que és claridade e superfície,
Desprendo-me do ouro do meu sangue
E da ferrugem simples dos meus ossos,
E te aguardo com loucos estandartes
Coloridos por festas e batalhas.

Aí, reúno a argúcia dos meus dedos
E a precisão astuta dos meus olhos
E fabrico estas rosas de alumínio
Que, por serem metal, negam-se flores
Mas, por não serem rosas, são mais belas
Por conta do artifício que as inventa.

Às vezes permaneces insolúvel
Além da chuva que reveste o tempo
E que alimenta o musgo das paredes
Onde, serena e lúcida, te inscreves.

Inútil procurar-te neste instante,
Pois muito mais que um peixe és arredia
Em cardumes escapas pelos dedos
Deixando apenas uma promessa leve
De que a manhã não tarda e que na vida
Vale mais o sabor de reconquista.

Então, te vejo como sempre foste,
Além de peixe e mais que saltimbanco,
Forma imprecisa que ninguém distingue
Mas que a tudo resiste e se apresenta
Tanto mais pura quanto mais esquiva.

De longe, olho teu sonho inusitado
E dividido em faces, mais te cerco
E se não te domino então contemplo
Teus pés de visgo, tua vogal de espuma,
E sei que és mais que astúcia e movimento,
Aérea estátua de silêncio e bruma

Samba que elas querem - "Nós somos mulheres"