O quinto aumento seguido da taxa Selic na gestão Dilma Rousseff parece demonstrar que o governo está claramente perdendo a batalha das expectativas. Até 2010, quando o ano começava, às vezes pairava alguma dúvida sobre o cumprimento da meta estrita naquele ano, mas havia uma fé completa de todos os agentes econômicos de que ela seria cumprida no ano seguinte, ou seja, entendia-se que qualquer desvio da meta seria temporário.
Essa percepção devia-se à credibilidade do Banco Central sob a presidência de Henrique Meirelles. Desde o início do governo Dilma, esta credibilidade foi se deteriorando.
Não apenas havia uma enorme desconfiança no cumprimento da meta de 2011, como também os melhores previsores do Focus (pesquisa semanal que coleta as projeções de analistas do mercado financeiro para a inflação) também não acreditavam no cumprimento da meta de 2012.
Pior ainda: para esses chamados "top five" do médio prazo, a expectativa aumentou para 2012, e agora está em 5,3 %, embora tenha diminuído um pouco nas últimas semanas.
Para o economista Fabio Giambiagi, que enumerou essa sucessão de indicadores do mercado financeiro, o governo erra em não levar esses sinais a sério: no início do ano, quando o governo dizia que a taxa de 2011 ficaria apenas um pouco acima da meta de 4,5 %, esses "top five de médio prazo" (os que melhor taxa de acerto têm) apontavam para 2011 uma inflação de 6,0%, e hoje ela está em 6,75%, como mostrou o IPCA-15, acima do máximo da meta, que é de 6,5%.
Giambiagi lembra que este ano o governo vem melhorando suas contas de três formas:
I) aumento forte da arrecadação, em parte pelo rescaldo do reflexo do crescimento de 2010 sobre os balanços e os rendimentos no ano em curso;
II) contenção do investimento (a despesa de capital caiu 5 % reais até maio);
III) "arrocho" nas contas do OCC ("outras despesas de custeio e capital") que não FAT, Bolsa-Família, saúde, etc.
"Nada disso é reproduzível em 2012", diz ele: a receita não aumentará tanto, após um ano de crescimento mais normal do PIB, o investimento terá que retomar uma dinâmica positiva tanto pela aproximação da eleição de 2014 como pelas obras da Copa, e após o "arrocho" de 2011 não haverá muito o que cortar em itens como diárias, viagens e outras despesas menores que claramente estão sendo contidas este ano.
Ao mesmo tempo, o aumento do salário mínimo vai onerar as contas em 0,3% do PIB. "O resultado dessa soma de elementos, tudo indica, será a redução do superávit primário como proporção do PIB".
Giambiagi vê o governo caminhando rumo a um sistema de "geometria variável", "em que a uma meta de inflação que na prática não condiciona a ação das autoridades, vai se somar uma segunda meta - a fiscal - que também não será uma meta efetiva".
O próprio governo parece reconhecer isso, ressalta o economista, quando admite descontar algumas rubricas da meta fiscal do ano que vem. "É como se uma pessoa fizesse ao médico uma promessa de entrar em uma dieta rígida, mas na prática do consumo diário de calorias não incluísse o doce depois do almoço e só contabilizasse um dos três bombons depois do jantar. É um exercício de auto-engano".
O aumento já contratado de cerca de 14% no salário mínimo do próximo ano, e os aumentos reais para os aposentados que ganham mais de um mínimo já aprovados pelo Congresso, só farão impactar o déficit da Previdência, e Fabio Giambiagi acha difícil que se concretizem os rumores de que a presidente Dilma pretende promover a regulamentação do sistema de previdência complementar dos servidores públicos, aprovado pelo Congresso em 2003 e que nunca entrou em vigor.
Ele ressalta que tanto em 1999, com Fernando Henrique Cardoso, como em 2003 com Lula, as reformas previdenciárias que ambos governos fizeram tiveram diagnóstico claro acerca das razões da proposta; coordenação firme do processo por parte da Fazenda; liderança política clara do Presidente da República em pessoa; e suporte partidário muito forte, na forma da aliança PSDB-PFL e parte do PMDB com FHC e da aliança inicial montada pelo Lula em 2003 e que naquele ano se mostrou politicamente muito eficiente.
"A comparação daquelas condições com as atuais chega a ser cruel para com o governo Dilma, onde ninguém consegue vir a público falar abertamente da questão, a Presidente não se envolve com o tema, o ministro da Fazenda não participa de reuniões para tratar do assunto e o entendimento no interior da base aliada acerca de qualquer coisa não é dos melhores", comenta Giambiagi.
Em 2003, com Lula no auge da sua força política, o governo demorou 8 meses para aprovar a reforma, que foi enviada ao Congresso em abril e aprovada em dezembro.
"Agora há conversas entre Fazenda e Previdência à qual tenho a impressão que ainda não se incorporaram os advogados, o que é um capítulo importante para dar consistência jurídica a qualquer proposta, e depois ainda restará a etapa da negociação com as centrais sindicais".
Pelo andar da carruagem, esse projeto, se vier a conhecer a luz, não tomará estado público antes do último trimestre do ano, avalia Giambiagi.
"Com isso, o calendário de votação entrará no segundo semestre de 2012, o que significa que não será votado por ser ano eleitoral e ficará para 2013. Aí será necessário ver como Lula - cada vez mais solto como possível candidato para daqui a 3 anos - vai encarar o assunto".
O economista Fabio Giambiagi faz uma comparação entre a situação atual do Brasil e a Grécia antes da crise econômica: "O Brasil está muito melhor do que a Grécia, não há dúvida nenhuma, mas o que se diz sobre a Grécia hoje? O país não aproveitou os anos de bonança do euro para melhorar a sua situação. O que os gregos fizeram? Aumentaram o gasto público e continuaram se aposentando muito cedo".
Fabio Giambiagi diz que, quando pensa "no que estamos deixando de fazer em matéria de reformas, inebriados pela euforia destes anos", teme pelo futuro, ainda mais se constatarmos que "o Parlamento brasileiro está cheio de oradores gregos".
FONTE: O GLOBO