segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Carlos Pereira* - Nova face da polarização

-O Estado de S. Paulo

A não obrigatoriedade da vacina é o novo mote identitário de Bolsonaro

Vínculos identitários para serem duradouros necessitam de novas e constantes narrativas polarizadas que reforcem conexões de lealdade entre seus membros. Funcionam como elos que dão a sensação de aconchego e pertencimento. Também atuam como barreiras de proteção contra informações que contrariem as crenças e preferências do grupo. Como consequência, tendem a desenvolver hostilidades e aversão a valores e crenças de grupos rivais podendo até enxergá-los como inimigos. 

Contrariando suas promessas de campanha, o presidente Jair Bolsonaro se aproximou dos partidos do chamado Centrão em busca de uma coalizão mínima que garantisse sua sobrevivência política. Além do mais, moderou o tom de seu discurso como uma forma de diminuir animosidades com outros poderes que caracterizaram o início do seu mandato. 

Essas mudanças deram fôlego governativo ao presidente, mas paradoxalmente enfraqueceram suas conexões identitárias ao deixar sua base conservadora dispersa e sem referências. Percebendo a derrota iminente que seus candidatos sofreriam nas eleições municipais, Bolsonaro teve de encontrar, mesmo que tardiamente, um novo mote que reconectasse suas identidades polares com a sua base mais fiel.

Eliane Cantanhêde - Frente antibolsonarista toma forma

- O Estado de S. Paulo

Segundo turno confirmou estrondosa derrota dos extremos

O segundo turno confirmou a estrondosa derrota dos extremos, PT e bolsonarismo, e a consequente vitória do centro, com o PSDB em São Paulo, o DEM no Rio e o MDB reunindo o maior número de prefeituras no País. Esse resultado projeta e dá forma a uma frente contra o presidente Jair Bolsonaro e tudo o que ele representa.

No discurso da vitória do DEM no Rio, Eduardo Paes e Rodrigo Maia não apenas deram uma senha, mas praticamente formalizaram o lançamento dessa frente ao cumprimentar o tucano Bruno Covas pela eleição em São Paulo, com apoio de Fernando Henrique a Marta Suplicy. Em política, nem cumprimento é por acaso. O gesto de Paes e Maia diz muito.

 Bolsonaro coleciona derrotas, desde a de Donald Trump, passando por todos os seus candidatos no primeiro e no segundo turno e desembocando no sonoro não das urnas às suas bandeiras, seu negacionismo e sua beligerância árida, abjeta. Venceu o oposto: a rejeição ao ódio, o respeito à política e a disputa consequente que Bruno Covas e Guilherme Boulos, do PSOL, travaram em São Paulo.

Como fecho de ouro, ou de latão, Bolsonaro produziu ontem, justamente no dia D, as piores manifestações de toda a eleição. O presidente do Brasil acusar a eleição norte-americana de fraude, com base nas suas “fontes”? É patético, de uma irresponsabilidade que choca o mundo. E insistir no ataque às urnas eletrônicas, pregando a volta ao passado, à cédula de papel? É igualmente patético e irresponsável, faz mal ao Brasil.

Vera Magalhães - Eleitor rejeita 2º turno de 2018

- O Estado de S.Paulo

Bolsonarismo e lulopetismo são as forças mais derrotadas nas eleições municipais

Dois anos depois, o eleitor do Brasil mostra ter virado a página da polarização que levou ao segundo turno entre Jair Bolsonaro e o PT, em 2018. O mapa que sai das urnas não tem, no comando das capitais, nenhum bolsonarista-raiz e nenhum petista, e isso não é pouca coisa, nem é incidental. Tanto o presidente quanto Lula e o PT acharam que bastava manter o script de dois anos atrás que os resultados se repetiriam. O presidente montou seu circo nas redes sociais, liberou a tropa para plantar fake news, fez pouco caso da necessidade de um partido organizado e escolheu a esmo candidatos para chamar de seus em todo o País, com base quase sempre numa identificação ideológica rasa. Usou e abusou de recursos públicos para bombá-los. Foi fragorosamente derrotado.

Lula e o PT acharam que 2020 seria a forra de 2016 e 2018. Finalmente o eleitorado reconheceria que a Lava Jato foi uma farsa, o impeachment de Dilma Rousseff, um golpe, e a condenação e prisão de Lula uma jogada para dar vitória a Bolsonaro, com a cumplicidade da imprensa. Ficou falando sozinho e foi superado por outras legendas de esquerda, que já saem das urnas avisando: não vai dar para querer cantar de galo hegemônico para 2022. 

Ricardo Noblat - O que o futuro reserva para o presidente Jair Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

No meio do caminho tem uma pedra – a economia

E o pior para o presidente Jair Bolsonaro ainda está por chegar. Como, sem partido, ele poderia sair-se bem das eleições que terminaram ontem? Nunca antes na história dos últimos 50 anos um presidente da República, mal começou a governar, abandonou o partido pelo qual se elegeu e ficou sem nenhum.

Bolsonaro perdeu feio no primeiro turno, e mesmo tendo apostado em poucos nomes no segundo turno, perdeu feio do mesmo modo. Conseguiu ser amplamente derrotado no seu berço político, o Rio de Janeiro. Só tem a comemorar a eleição do prefeito de Vitória, que é mais conservador do que propriamente bolsonarista.

Os discursos de vitória de Bruno Covas (PSDB), prefeito reeleito de São Paulo, e de Eduardo Paes (DEM) que volta a governar a cidade do Rio, apontaram na direção de uma frente de partidos do centro para tentar derrotar Bolsonaro daqui a dois anos. O PT conseguiu a proeza de eleger menos prefeitos e vereadores do que em 2016.

Celso Rocha de Barros* - Bolsonaro perdeu nas urnas e nas ideias

- Folha de S. Paulo

Quem tentou ganhar cidade grande com discurso bolsonarista morreu pendurado na mamadeira

Foi uma eleição de continuidade administrativa e de um início de virada no debate de ideias. A centro-direita, que era situação em quase toda parte desde 2016, foi a grande vencedora das urnas, e a esquerda foi bem onde já tinha boa reputação de administração competente. Mas a grande notícia é que ninguém ganhou cidade grande com discurso bolsonarista. Quem tentou morreu pendurado na mamadeira.

vitória de Bruno Covas em São Paulo não foi nenhuma surpresa. Foi uma eleição de continuidade e de reeleições, com viés de centro-direita. O perfil de Covas é semelhante ao de Eduardo Paes (DEM), Alexandre Kalil (PSD) ou Bruno Reis (DEM), todos eleitos com votações expressivas, os dois últimos vencedores em primeiro turno. Boa sorte para o novo prefeito.

O que é impressionante é que um sujeito com “Covas” no nome, concorrendo pelo PSDB em São Paulo, chegue aos últimos dias da campanha desesperado para ganhar do candidato do PSOL.

Marcus André Melo* - Equidistância política

- Folha de S. Paulo

Como anticomunistas, muito brandos; como antifascistas, muito severos

Em “O Tempo da Memória: De Senectude e outros escritos autobiográficos”, Norberto Bobbio descreve o ambiente político do pós-Guerra italiano em termos que paradoxalmente remete ao debate atual em nosso país. Bobbio refere-se às críticas que eram feitas a setores da esquerda e de centro, com os quais, então, se identificava, e que se engajaram na resistência ao fascismo, de não manterem equidistância quanto aos extremos políticos.

A acusação era de “termos sido, como anticomunistas, muito brandos e, como antifascistas, muito severos. Em uma única palavra, não sermos equidistantes.” Bobbio reconhece em suas memórias a validade da acusação, mas repudiava algumas de suas extensões, em particular a suposta “simetria entre fascismo e antifascismo”, apontando para a “diferença entre um estado de exceção e um estado de direito”. O antifascismo, argumenta, é um simulacro se a crítica tolera posições autoritárias.

A inteligência europeia do pós-Guerra enfrentou esse debate com grande intensidade na década de 50, quando vieram à tona os crimes de Stálin, o que levou a uma forte ruptura entre os intelectuais que continuaram a apoiar o estalismo e o maoísmo e os que se tornaram críticos.

A França foi o palco privilegiado desse debate, que envolveu Sartre, Aron e Camus, entre outros. Sua recepção na opinião pública qualificada européia e no mundo anglo-saxônico em particular levou à forte desprestígio da intelectualidade francesa, como mostrou Tony Judt em seu magnífico panorama em torno do assunto.

Bruno Carazza* - O mapa da mina

- Valor Econômico

Encerrado o segundo turno, é hora de fazer contas para 2022

Fechadas as urnas em todo o Brasil (com exceção de Macapá, cuja eleição foi adiada por causa do apagão), é hora de contabilizar vencedores e perdedores, tentando extrair sinais que possam iluminar o caminho da política rumo a 2022.

Diversos rankings podem ser traçados. Em termos de número de prefeituras, o 2º turno não trouxe nenhuma novidade em relação ao que já havia sido definido há duas semanas. O MDB manteve a sua histórica liderança, seguido pelos dois principais representantes do Centrão (PP e PSD) - PSDB e DEM completam o “top five”. Nessa métrica, o que conta é a capilaridade, e aqui a centro-direita vai muito melhor que a esquerda, cujos partidos melhor colocados foram o PDT (em 7º lugar), PSB (8º) e PT (na 11ª posição).

Do ponto de vista regional, entre os partidos que mais foram penalizados em 2018, na esteira da Operação Lava-Jato, vemos o PT cada vez mais reduzido ao Nordeste (seus melhores desempenhos relativos foram no Piauí, no Ceará e na Bahia) e ao seu enclave acreano. Já os tucanos do PSDB mantêm seus domínios em São Paulo e no Mato Grosso do Sul - chamando a atenção o fraco desempenho do partido no RS, onde o governador Eduardo Leite só conseguiu garantir 5% das prefeituras.

Embora tenha mantido seu tradicional posto de dono do maior número de municípios no Brasil, o MDB se vê cada vez mais reduzido aos seus clãs, com domínio forte no Pará dos Barbalhos (43% das prefeituras), na Alagoas dos Calheiros (37%), no Rio Grande do Sul de Eliseu Padilha (28%) e do Norte dos Alves (23%), além do Amazonas de Eduardo Braga (22%). Mas nem tudo são flores: com exceção da vitória de Sebastião Melo em Porto Alegre, o MDB perdeu em todas as capitais desses Estados.

Sergio Lamucci - Um país cada vez mais isolado

- Valor Econômico

Com a derrota de Trump nas eleições americanas, o Brasil fica distante de todas as principais potências globais

Novembro foi mais um mês em que o presidente Jair Bolsonaro se esforçou ao máximo para criar incidentes diplomáticos com parceiros comerciais importantes do Brasil, contando ainda com a ajuda de seu filho Eduardo Bolsonaro para a tarefa. Como resultado desse empenho, o país está cada vez mais isolado no cenário externo, especialmente por causa da política ambiental. Para Matias Spektor, professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), é o momento em que as relações exteriores do Brasil “estão mais deterioradas” desde a transição para a democracia.

Há pouco menos de 20 dias, Bolsonaro ironizou Joe Biden, o vencedor das eleições nos EUA. Ao comentar declarações do americano sobre eventuais sanções ao Brasil por causa do desmatamento da Amazônia, o brasileiro lançou uma bravata, dizendo que “apenas pela diplomacia não dá” e que “depois que acabar a saliva, tem que ter pólvora - não precisa nem usar a pólvora, tem que saber que tem”. Na semana seguinte, ameaçou divulgar o nome de países que comprariam madeira ilegal do Brasil. Ele voltou atrás, mas já havia causado outro mal estar com países europeus.

Cacá Diegues - Gracias a la pelota

- O Globo

Maradona foi um permanente inquisidor da alma humana. Quase diria que se sacrificou por nós, latino-americanos

Às vezes, temos necessidade de um choque radical para compreender melhor o que já estava diante de nossos olhos. Como o papel civilizatório de Diego Armando Maradona. Além do craque de bola que ele foi, a base moral de seu comportamento no mundo, Maradona foi um permanente inquisidor da alma humana. Quase diria que se sacrificou por nós, latino-americanos, devedores de tantos poderosos que sempre admiramos pelo mundo afora.

Não é que Maradona não desejasse ser conquistado, como o foi tantas vezes, como todos nós. Mas ele queria entender o mundo à sua volta e, para isso, precisava saber por que os homens poderosos amavam e eram amados pelo povo que cultivava Maradona. Nosso herói não era de esquerda, de centro ou de direita; mas se interessava pelas pessoas que professavam tais ideias. Não pelas ideias, mas pelo povo que elas conquistavam, do qual se aproximavam.

Se procurarmos na vasta coleção audiovisual em que o registramos, vamos encontrar cenas em que Maradona se declara a Fidel, de quem tinha uma tatuagem na perna esquerda, justamente a perna genial. Ou confissões de amor a dirigentes políticos como Carlos Menem, um neoliberal populista e popular, a quem ajudou a se eleger presidente da Argentina. E ainda oferecendo ao general Videla, comandante da ditadura mais sangrenta na história de seu país, o título mundial conquistado em Tóquio pela seleção juvenil.

Bernardo Mello Franco - Fiasco de Crivella freia projeto da Igreja Universal

- O Globo

Ao despejar Marcelo Crivella, o eleitor carioca impôs um freio ao plano de poder da Igreja Universal. Nos últimos quatro anos, o Rio virou laboratório de um projeto que mistura fé e política. Ontem essa fórmula foi rechaçada nas urnas.

Crivella se elegeu em 2016 com o discurso de que governaria para todos. Foi uma das muitas promessas que ele não cumpriu. O dublê de bispo e prefeito favoreceu abertamente seu grupo religioso. Transformou a administração municipal em guichê da Universal.

O caso do “Fale com a Márcia” resumiu essa apropriação indevida. Crivella escalou uma assessora para ajudar pastores e fiéis a furarem fila nos hospitais. O escândalo deu origem a CPI e pedido de impeachment. Como estamos no Rio, também virou marchinha de carnaval.

Nem a maior festa da cidade escapou da guerra santa do bispo. Ele suspendeu o apoio às escolas de samba e passou quatro anos sem pisar na Sapucaí durante os desfiles. Num ato de pura birra, também se recusou a entregar as chaves da cidade ao Rei Momo.

Demétrio Magnoli - A cidade de Crivella

- O Globo

Não há como fugir à constatação de que prefeito venceu no primeiro turno em territórios controlados por uma milícia específica

No primeiro turno das eleições municipais de São Paulo, Bruno Covas (PSDB) obteve 33% dos votos, e Guilherme Boulos (PSOL), seu rival no segundo turno, 20%. A ampla diferença, de 13 pontos percentuais, refletiu-se no triunfo de Covas em todos os distritos da capital paulista. No primeiro turno do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM) conseguiu 37% dos votos, contra 22% de Marcelo Crivella (Republicanos). Mas a diferença, de 15 pontos percentuais, não se traduziu por vitórias de Paes em todos os distritos. O atual prefeito venceu em cinco zonas eleitorais, quatro delas situadas na Zona Oeste. O mapa eleitoral conta uma história sobre o Rio.

Há uma regra sociológica geral, violada pelo mapa do primeiro turno no Rio. No caso de eleições decididas por margens apertadas, é normal que se verifiquem vencedores distintos em diferentes regiões. Contudo, em pleitos muito assimétricos, o primeiro colocado triunfa em todas as grandes regiões. As exceções merecem análise específica, pois decorrem de cisões sociais marcantes. O mapa de Crivella inscreve-se nessa categoria.

A cisão de renda não explica o fenômeno. Certamente, o atual prefeito obteve suas escassas vitórias em áreas pobres da cidade — mas não em todas, nem na maioria delas. O cenário Leblon versus Campo Grande, tão atraente para analistas apressados, distorce radicalmente a realidade eleitoral do primeiro turno. Prova disso está nos triunfos de Paes em diversos bairros ainda mais pobres da própria Zona Oeste.

Fernando Gabeira - A tempestade passa

- O Globo

Se superarmos a barreira mental de Bolsonaro, a vacina pode representar o fim da pandemia

Coragem, o fim da tempestade está próximo. Tenho vontade de escrever isso, sem hesitações. Mas temo parecer muito otimista. No passado, velhos como eu muito otimistas me davam uma ligeira aflição.

Mas vamos aos fatos. Historicamente, costuma haver uma espécie de renascimento depois das grandes epidemias. A vacina está no horizonte. Podemos esperar alguma euforia e otimismo, caso seja eficaz e distribuída adequadamente.

O principal obstáculo é o governo negacionista, que minimiza a Covid-19 e duvida de vacinas. Tradicionalmente, o Brasil tem capacidade de produzir vacinas e realizar grandes campanhas de imunização.

O governo federal falhou nos testes, deixando 6,8 milhões deles esquecidos num galpão em São Paulo. O general Pazuello é considerado um especialista em logística. Fez um bom trabalho em Roraima, na Operação Acolhida, que recebeu os venezuelanos.

Ele vem sofrendo alguns desgastes. Contraiu Covid-19 e foi obrigado a se curvar diante de Bolsonaro. Não sei se o corpo mole é resultado da influência do próprio Bolsonaro, que, aliás, duvida de vacinas e acha melhor encontrar um remédio para o coronavírus.

George Gurgel de Oliveira* - Friedrich Engels, o marxismo e a sociedade contemporânea

Estamos comemorando o bicentenário de nascimento de Friedrich Engels, um dos maiores pensadores do século XIX, junto com seu amigo e irmão siamês Karl Marx.

Engels nasceu em Barmen, na Alemanha, em 28 de novembro de 1820. Teve uma formação cosmopolita. Fez o serviço militar em Berlim, em 1841, quando passou a conhecer as ideias de Hegel, e integrou-se ao grupo dos Jovens Hegelianos, sob a liderança de Bruno Bauer. Após o serviço militar, retornou a Barmen e, por imposição paterna, foi para a Inglaterra, em 1842, para a cidade de Manchester, berço da Revolução Industrial.

A paixão revolucionária tomou conta dele, desde jovem.  Quando chegou à Inglaterra, sob a influência de Moses Hess, que conheceu em Berlin, suas ideias já eram socialistas. Em Manchester, foi trabalhar na indústria têxtil, em uma fábrica que o pai tinha em sociedade com ingleses. Sua permanência em território britânico, o contato permanente com trabalhadores industriais, com o próprio movimento Owenista e Cartista e os seus próprios estudos sobre a situação dos operários naquele país, levaram à análise e à publicação, em 1845, do seu primeiro livro: A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra, quando tinha 24 anos incompletos. Trata-se de um clássico sobre a situação precária das atividades laborais nas fábricas inglesas, no século XIX, envolvendo também o trabalho infantil, da mulher e das desumanas jornadas laborais.

Foi quando conheceu a operária irlandesa Mary Burns, que se tornou sua companheira e muito lhe ajudou no conhecimento da realidade dos trabalhadores ingleses, irlandeses e do movimento operário na Inglaterra. Assim, além da atividade fabril, viveu plenamente o mundo dos trabalhadores, o que foi fundamental para seu trabalho intelectual e revolucionário. 

Então, Engels chegou à conclusão que a classe operária, surgida com a Revolução Industrial, era o ator decisivo para a construção da Sociedade Futura, a Sociedade Comunista.

Depois de Manchester, viveu na Bélgica e na França, onde teve o primeiro efetivo encontro com Karl Marx, no outono de 1944, no Café La Regence, em Paris. Desde então, iniciou uma parceria intelectual e uma amizade que se estenderam por toda a vida, tendo participado ativamente do processo político-revolucionário de construção dos fundamentos, na maioria das vezes em parceria com o próprio Marx, do que, a partir da morte deste e dele próprio, passou a ser conhecido como Marxismo.

A Sagrada Família foi o primeiro livro escrito junto por eles e publicado ainda em 1845. Nesse período, afastaram-se do materialismo de Feuerbach e dos Jovens Hegelianos, construindo uma original concepção materialista, dialética, da história. Na Ideologia Alemã, trabalho realizado no período 1845-1847, eles fazem uma síntese desta concepção.  Ainda desse período são os trabalhos de Engels sobre economia política e a relação entre a Revolução Industrial e o desenvolvimento de uma consciência dos trabalhadores como classe na Inglaterra, contribuição que foi muito valorizada por Marx.

Desafiados pela internacionalização do movimento dos trabalhadores, os dois começaram a participar da Liga dos Justos, na seção alemã posteriormente Liga dos Comunistas. No ano em que lançaram O Manifesto Comunista, ocorreu a Revolução de 1848, na França, que se estendeu por uma boa parte da Europa.  Eles retornaram à Alemanha, onde participaram do movimento revolucionário até à vitória da contrarrevolução. Trabalharam no jornal Nova Gazeta Renana, período em que Engels começou a se interessar pela questão militar, objeto de pesquisa dele por toda a vida. Suas impressões sobre a revolução e a contra-revolução na Alemanha estão registradas em artigos para o New York Daily Tribune (1851-1852), assinados por Marx.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Os múltiplos desafios do prefeito – Opinião | O Estado de S. Paulo

Num país até recentemente marcado pela disputa extremista de esquerda e direita, reeleição de Covas é indicativo de que tempo das aventuras passou

A reeleição do prefeito Bruno Covas em São Paulo significa que os paulistanos estão razoavelmente satisfeitos com sua administração, ainda mais considerando as circunstâncias excepcionais criadas pela pandemia de covid-19. Confirmado pelas urnas, Bruno Covas terá pela frente o imenso desafio de não somente lidar com a possibilidade de uma nova onda de contaminações, mas principalmente de proporcionar as condições para que a cidade se recupere desse imenso baque.

O Estado mostrou, em sua edição de ontem, uma lista com os dez principais problemas com os quais o prefeito Bruno Covas terá que lidar. Chama a atenção o fato de que vários deles são recorrentes há muitos anos – ou seja, já está mais do que na hora de superá-los.

Não há uma hierarquia dos temas, mas é inevitável colocar entre os mais importantes o sistema de saúde no Município, que está sob forte tensão em razão da pandemia. Há falta de médicos e de outros profissionais de saúde para trabalhar com um sistema cada vez mais demandado, o que provoca filas crônicas para exames, consultas e cirurgias.

Também por causa da pandemia, a educação deve ser prioridade da próxima administração, sobretudo porque a crise sanitária escancarou a desigualdade nesse setor. A nota do Município no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é apenas a 10.ª melhor entre as capitais, o que não condiz com a riqueza da metrópole paulistana. Urge uma ação decisiva para que as escolas nos bairros mais pobres ofereçam melhores condições para reduzir o fosso socioeconômico na cidade.

A desigualdade econômico-social, contudo, é muito mais ampla e tem de receber atenção redobrada do poder público, como mostra, aliás, a boa votação recebida pelo candidato Guilherme Boulos (PSOL), cuja campanha foi centrada nesse tema. O Mapa da Desigualdade mostra, por exemplo, que somente 18,1% da população paulistana mora num raio de até 1 km de alguma estação de trem ou metrô, e a maior parte desses afortunados vive no centro.

Música | Julinho Marassi e Gutemberg - Aos meus heróis

 

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Autobiografia de um só dia

No engenho Poço não nasci: 
minha mãe, na véspera de mim, 
veio de lá para a Jaqueira, 
que era onde, queiram ou não queiram, 
os netos tinham de nascer, 
no quarto-avós, frente à maré. 

Ou porque chegássemos tarde 
(não porque quisesse apressar-me, 
e se soubesse o que teria 
de tédio à frente, abortaria) 
ou porque o doutor deu-me quandos, 
minha mãe no quarto-dos-santos, 
misto de santuário e capela, 
lá dormiria, até que para ela, 
fizessem cedo no outro dia 
o quarto onde os netos nasciam. 

Porém em pleno céu de gessos, 
naquela madrugada mesmo, 
nascemos eu e minha morte, 
contra o ritual daquela corte 
que nada de um homem sabia: 
que ao nascer esperneia, grita. 

Parido no quarto-dos-santos, 
sem querer, nasci blasfemando, 
pois são blasfêmias sangue e grito 
em meio à freirice de lírios, 
mesmo se explodem (gritos, sangue), 
de chácaras entre marés, mangues.

domingo, 29 de novembro de 2020

Opinião do dia – Marco Aurélio Nogueira*

Mas poderá também encontrar uma tradução política democrática, que aponte rumos, apazigue, solidarize, abra perspectivas coletivas ampliadas, generosas, que deem tempo ao tempo, mas façam o que precisa ser feito no curtíssimo prazo.

Ainda que os agentes políticos permaneçam paralisados e inoperantes, algo há de acontecer. Porque a vida é fluxo, avanços e retrocessos, ambiguidade e ambivalência, ordem e desordem, tensões e contradições. É ilusão achar que as coisas ficarão suspensas no ar, imóveis como um colibri, à espera do néctar que alguém fornecerá. É ilusão pensar que os cidadãos vão marchar, em ordem unida, para um destino estabelecido de antemão por algum chefe ou alguma doutrina.

Se há uma saída luminosa mais à frente, e quero crer que haja, ela precisa ser apontada com lucidez, empenho e equilíbrio, o que só os democratas sinceros poderão fazer. O momento é de diálogo e construção.”

*Professor Titular de Teoria Política da Unesp. “Uma sociedade à beira de alguma coisa”, O Estado de S. Paulo, 28/11/2020.

Merval Pereira - O futuro nas urnas

- O Globo

Se é verdade que as eleições municipais têm mais influência local do que nacional, seria também um erro recusar que delas emanam os ventos que movem a sociedade na direção do futuro político que se consolidará nas eleições de 2022 para presidente, deputados federais e senadores, essas, sim, reflexos da situação social e econômica.

Três disputas regionais transformaram-se em nacionais. No Rio, o prefeito Marcelo Crivella pendurou-se em Bolsonaro para tentar virar o resultado contra Eduardo Paes do DEM, mas tudo indica que só aumentou sua rejeição, já alta. Em São Paulo, a disputa entre o PSDB de Covas e a esquerda, representada por Boulos do PSOL, já dá uma boa indicação de que o PSOL pode vir a substituir o PT como protagonista.

Em Recife, a disputa familiar mais dramática também ganhou contornos nacionais. Ali está a única chance de o PT vencer em uma capital importante, e a esquerda rachou com o PSB.

A vitória na eleição presidencial depende muito da estrutura partidária montada a partir das municipais. Mas por vezes tivemos fenômenos pessoais, independentes dos partidos, que se impuseram nas urnas, como Jânio Quadros, Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso com o Real, mais recentemente Bolsonaro.

Lula não se pode chamar de um vencedor pessoal, pois já estivera nas urnas eleitorais por três oportunidades e tinha uma estrutura partidária que foi se consolidando ao longo dessa caminhada. Acabou maior que o PT, mas também a razão da debilidade do partido, seja pelas condenações por corrupção, ou pela incapacidade de permitir a ação de novas lideranças partidárias.

Fernando Gabeira – Um momento decisivo no Rio

- O Estado de S. Paulo

Um potencial de desenvolvimento limpo e grandes problemas sociais pela frente são um enorme desafio para o novo prefeito

As eleições de hoje são importantes em todas as 57 cidades em que há segundo turno. Mas, no Rio de Janeiro, parecem ser uma questão de vida ou morte porque a cidade vive um longo processo de decadência prestes a ultrapassar um ponto de não retorno.

Personalidades cariocas enfatizam que a cidade, bonita por natureza, ainda pode encontrar sua vocação no desenvolvimento sustentável, produção do conhecimento, turismo e cultura. 

Segundo algumas pesquisas, mais da metade do território do Rio é controlado pelas milícias. Um entre quatro moradores do Rio vive em favelas, sem endereço legal, título de propriedade, serviços públicos, sobretudo saneamento básico.

Uma velha canção diz que quando derem vez ao morro, toda a cidade vai cantar. Um potencial de desenvolvimento limpo e grandes problemas sociais pela frente são um grande desafio para o novo prefeito.

As pesquisas indicam que Eduardo Paes tem 70 dos votos contra apenas 30 do atual prefeito Marcelo Crivella.

Tudo indica que as necessidades de uma metrópole cosmopolita chocaram-se com a estreita visão religiosa de Crivella que subestimou até o carnaval, ponto central do calendário turístico, ao lado de outros como o Rock in Rio.

Bernardo Mello Franco – Confronto sem ideias

- O Globo

Levou apenas 24 segundos. Em sua primeira participação no debate da TV Globo, Marcelo Crivella disse que Eduardo Paes será preso. Ele repetiria a ameaça outras nove vezes até o fim do programa. Foi o último confronto entre os candidatos à prefeitura do Rio.

“Paes vai ser preso. Eu digo isso com o coração partido”, provocou o atual prefeito. “Ele é que morre de medo de ser preso”, devolveu o antecessor.

Com a rejeição nas alturas, Crivella apelou ao discurso moralista para desgastar o adversário. Além da dezena de menções ao xadrez, recitou sete vezes o mandamento “Não roubarás”. Paes começou acuado, mas passou a revidar na mesma moeda. Chamou o bispo quatro vezes de “pai da mentira”. Na Bíblia, a expressão é associada ao demônio.

Os dois candidatos foram alvo de operações policiais em setembro. Paes já virou réu, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e caixa dois na eleição de 2012. Crivella teve o celular apreendido em outro inquérito, que apura o funcionamento de um balcão de propina na gestão atual.

Vera Magalhães - Segundona braba

- O Estado de S. Paulo

Pós-eleições, decisões amargas sobre pandemia e economia aguardam governos

Ninguém estava muito aí para as eleições municipais pelo menos até outubro. Pouco se ouvia falar em propostas, mal se sabia quem eram os candidatos. Mas, ao fim e ao cabo, elas foram um breve momento de vigor cívico e esperança num ano marcado por mortes, renúncias e retrocessos.

Ao fim do dia deste domingo, se o supercomputador do TSE ajudar, já serão conhecidos os prefeitos em todo o Brasil, menos em Macapá, que recebeu uma dose extra e absurda de infortúnio no 2020 distópico.

O balanço dos ganhadores e perdedores finais ainda será feito, mas uma conclusão inequívoca é de que a democracia sai robustecida. Dito isso, há tarefas urgentes nesta segundona braba que bate à porta.

Carlos Melo* - Balanço positivo, até aqui

- O Estado de S. Paulo

Resultado estaria definido, não fosse política e não fosse São Paulo.

A apreensão sobre as eleições de 2020 era legítima. Desde 2014, o clima foi de degradação política, níveis crescentes de conflito, ataques pessoais, e muitas, muitas fake news. A expectativa quanto à extrema-direita, disposta a desqualificar e a maldizer a democracia liberal, também estava presente – a começar pela postura desde sempre beligerante do presidente da República.

Contudo, as eleições terminam com balanço positivo, pelo menos até aqui – infelizmente, a prudência ainda exige o reparo de precaução. Os conflitos ocorreram sob limites impostos pela civilização. À exceção do caso do Rio de Janeiro, onde Marcelo Crivella, no desespero da última hora, resolveu reviver 2018, as divergências foram discutidas em níveis aceitáveis; rusgas políticas e até familiares – caso do Recife – emergiram; denúncias foram feitas baseadas em pelo menos algum indício. De tudo um pouco, mas nada que o tempo e a aceitação dos resultados não superem.

Luiz Carlos Azedo - Einsten explica

- Correio Braziliense

A única relação mecânica entre os resultados das eleições de hoje e as próximas é a seguinte: a campanha eleitoral de 2022 já começou

A teoria da relatividade de Alberto Einstein revolucionou o século passado, estando mais ostensivamente presente no nosso cotidiano do que outra de suas descobertas, o efeito fotoelétrico, que possibilitou o desenvolvimento da bomba atômica, aplicação que nunca passou por sua cabeça. Einstein sempre foi um pacifista. Empregada duas vezes, pelos Estados Unidos, em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, a bomba continua sendo um espectro da política mundial. A Coreia do Norte e Israel, por exemplo, sociedades militarizadas, são temidos porque têm a bomba.

No Brasil, durante o regime militar, a Marinha e a Aeronáutica desenvolveram secretamente um programa nuclear paralelo, cujo objetivo era dominar a tecnologia e produzir uma bomba atômica. Cerca de 700 militares e técnicos civis foram enviados pelo governo para estudar na França, na Inglaterra, na Alemanha e nos Estados Unidos, em 1979, o que resultou na formação de 55 doutores, 396 mestres e 252 especialistas em segurança de reatores, materiais nucleares, ampliação de técnicas nucleares, infra-estrutura de pesquisa e desenvolvimento, além de recursos humanos.

O presidente José Sarney, quando assumiu o poder, mandou encerrar o programa. Já havia até um buraco de grande profundidade na Serra do Cachimbo, construído pela Aeronáutica, para testar a bomba. Após o Brasil assinar o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, restou do projeto o programa do submarino nuclear da Marinha. Isso possibilitou uma mudança da água para o vinho nas relações com os nossos vizinhos, principalmente a Argentina. Quando o presidente Jair Bolsonaro fala em “pólvora” como fator determinante de nossa independência — e sinaliza que o Brasil será o último a reconhecer a eleição do presidente Joe Biden e somos o único país a votar com Donald Trump contra a Organização Mundial de Saúde(OMS) na Organização das Nações Unidas (ONU) —, penso com os meus botões: “Será o Benedito?” Se pudesse, com certeza, Bolsonaro voltaria no tempo.

Ricardo Noblat - Onde o coronavírus pode decidir quem será eleito hoje

- Blog do Noblat | Veja

Em algumas cidades, já decidiu

O recrudescimento da pandemia que no Brasil já matou quase 173 mil pessoas de março último para cá, infectando mais de 6.290.160, e o medo que isso provoca em pessoas dos grupos de risco e também nos jovens podem definir quem se elegerá prefeito em muitas das 57 cidades que irão hoje às urnas.

Em algumas delas, o vírus já votou e decidiu. É o caso de Manaus onde Amazonino Mendes (PODEMOS), três vezes prefeito da cidade, três vezes governador do Estado, deverá ser derrotado por David Almeida (Avante). Amazonino tem 81 anos de idade e uma saúde frágil que quase o impediu de fazer campanha.

O vírus já votou e decidiu que Manguito Vilela (MDB) será o próximo prefeito de Goiânia. Ex-governador de Goiás, em agosto passado ele perdeu duas irmãs para a Covid-19. Contraiu a doença e está internado em São Paulo desde o final de outubro. Entubado, não sabe que venceu o primeiro turno e que vencerá o segundo.

Janio de Freitas – A impunidade governa

- Folha de S. Paulo

Tente encontrar um autor de monstruosidade que tenha sofrido consequências

Vida curta, umas 72 horas, a do escândalo de testes da pandemia entulhados em Guarulhos. O retorno das contaminações em massa deve-se, em parte, à baixíssima aplicação pública de testes. À falta de explicação, Bolsonaro recorreu à condição de farsante profissional e mentiu que “todo o material foi enviado aos estados e municípios”. Mas não faltaram crimes contra a saúde pública e de administração perdulária.

Sete milhões de testes PCR seguiam para o fim da validade em janeiro, sem se saber o número dos já perdidos, enquanto o Conselho Nacional de Secretários de Saúde repetia, em ocasiões sucessivas, o alerta ao Ministério da Saúde para a falta de kits do PCR, o mais eficiente, em vários estados. Os comunicados do CNSS derrubam outra mentira, esta do ministério, segundo a qual a distribuição dos kits dependia da requisição para estados e municípios.

A realização dos testes em massa, para identificação dos que contaminam sem se saberem doentes, é tida pelos cientistas como meio determinante para a contenção do número de vítimas e do descontrole de focos. Impedimentos anormais a esse procedimento têm autores que devem ser identificados em inquéritos e submetidos a processo.

Bruno Boghossian – A base da pirâmide se mexe

- Folha de S. Paulo

Popularidade de Bolsonaro entre os mais pobres recua em algumas capitais

impulso de popularidade conquistado por Jair Bolsonaro nas camadas de baixa renda refluiu em algumas capitais. A variação não é generalizada, mas sugere que a melhora na aprovação do governo com o pagamento do auxílio emergencial enfrenta os primeiros sinais das derrapagens da economia.

O aumento da rejeição ao presidente entre os mais pobres ocorreu numa dimensão considerável em pelo menos dez cidades. A mudança foi registrada em pesquisas do Ibope nas eleições municipais, que também perguntaram a opinião do eleitor sobre o trabalho de Bolsonaro.

Em João Pessoa, a única capital do país que teve um balanço negativo de vagas de emprego em outubro, o presidente perdeu 11 pontos entre eleitores de baixa renda que consideram o governo ótimo ou bom. A aprovação ao governo na base da pirâmide era de 42% no início de outubro e, agora, é de 31%.

Hélio Schwartsman - A multiplicação das cotas

- Folha de S. Paulo

Há discriminação contra jovens, velhos, gays, gordos, feios e até baixinhos

Cotas provavelmente vieram para ficar, mas continuo não gostando delas. Reconheço que é tentador resolver problemas atuando diretamente sobre os resultados a que queremos chegar. Se é a discriminação que impede minorias de obter vagas nas universidades e concursos, bons postos de trabalho e cargos de direção, então basta reservar esses lugares para elas. Fazê-lo, entretanto, é abrir uma caixa de Pandora.

Não é difícil enxergar o viés contra mulheres e negros nas estatísticas. Mulheres e negros ganham em média menos do que homens brancos mesmo quando os cálculos são ajustados para comparar adequadamente qualificação, horas trabalhadas, tempo de casa etc. Pior, experimentos mostram que currículos idênticos obtêm respostas diferentes dos empregadores dependendo do sexo e da etnia do candidato.

Elio Gaspari - De Marechal.Bittencourt para Pazuello: 'Vosmicê está sendo frito'

- Folha de S. Paulo / O Globo

O senhor está numa situação rara nos anais militares, responde a um comando confuso e a um Estado-Maior inerte

Estimado general Eduardo Pazuello

O senhor sabe que sou o patrono da arma da Intendência, mas só alguns oficiais lembram quem fui. Menos gente recorda que sou o único marechal do nosso Exército que morreu literalmente defendendo o poder civil.

Na tarde de 4 de novembro de 1897 acompanhei o presidente Prudente de Moraes ao desfile da tropa que voltava vitoriosa de Canudos. Um anspeçada avançou com uma garrucha, ela falhou e ele avançou com uma faca contra Sua Excelência. Interpus-me, embolamo-nos e ele me feriu no peito, na virilha e numa das mãos. Morri pouco depois.

O lugar onde caí, em frente ao Arsenal de Guerra, que hoje é o Museu Histórico Nacional, foi demarcado com uma placa de bronze e dois mourões. Puseram um busto meu do outro lado da rua e minhas luvas ensanguentadas ficavam numa vitrine do museu.

Lourival Sant'Anna - Bolsonaro e seus seguidores olham o mundo pelo retrovisor

- O Estado de S. Paulo

O deputado Eduardo Bolsonaro ocupa a presidência da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara desde março de 2019. Ele acaba de alcançar sua primeira realização visível no cargo: fazer os chineses perderem sua milenar paciência. É um feito notável, em tão pouco tempo.

Brasil apoia projeto dos EUA para o 5G e se afasta de tecnologia da China”, tuitou o filho do presidente na noite de segunda-feira. “O governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Network, lançada pelo governo Donald Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China.” No dia seguinte, o deputado apagou o tuíte, após se reunir com seu pai, com o ministro das Comunicações, Fabio Faria, e com conselheiros da Anatel.

Outros dois tuítes que o seguiam no “fio” foram mantidos, nos quais ele inclui o Partido Comunista da China entre “entidades agressivas e inimigas da liberdade”, e ressalta a parceria entre Brasil e EUA para bloquear a participação da gigante fornecedora de equipamentos Huawei na frequência 5G.

A resposta do embaixador chinês, Yang Wanming, veio na terça-feira, numa torrente de 17 tuítes inéditos pelo tom. Depois de lembrar que um terço das exportações brasileiras é destinado à China, e seu país é um dos maiores investidores no Brasil, Yang advertiu que “o deputado tem produzido declarações infames que solapam a atmosfera amistosa entre os dois países”, que podem ter “consequências negativas”. 

O Itamaraty respondeu, em nota, que a China deveria ter usado os canais oficiais para se queixar. Em diplomacia, a escolha do canal é tão importante quanto o conteúdo da mensagem. A China respondera no Twitter porque fora atacada nele. Ao responder em comunicado oficial, o Brasil elevou o patamar da crise.

José Roberto Mendonça de Barros* - Um primeiro balanço da economia global

- O Estado de S. Paulo

Uma primeira observação é notar o sucesso relativo de várias regiões em lidar com a pandemia; dentro do espaço econômico, porém, a assimetria de situações e ampliação das desigualdades foram a marca universal

A covid-19 dominou totalmente 2020: pela surpresa com que apareceu e velocidade com que se espalhou pelo mundo, por sua durabilidade e pelos catastróficos efeitos sobre as pessoas, as sociedades e o desempenho econômico. O único alívio é a certeza de que teremos vacinas disponíveis já no primeiro trimestre do próximo ano. 

Vai levar muito tempo para que análises mais consistentes possam ser feitas quanto aos impactos do vírus. Entretanto, é útil fazermos um primeiro balanço. Uma primeira observação é notar o sucesso relativo de várias regiões em lidar com a pandemia, pois o ano foi mostrando resultados bastante diversos. Dentro do espaço econômico, porém, a assimetria de situações e a ampliação das desigualdades entre pessoas, regiões e empresas foram a marca universal. 

Vinicius Torres Freire - Para entender melhor o desemprego

- Folha de S. Paulo

Inédito na pandemia, número de ocupados cresceu; futuro dos informais ainda é sombrio

Sexta-feira, antevéspera de votação. Guilherme Boulos, a estrela vermelha da eleição, pegou Covid. Algumas pessoas sextando, outras fritando Paulo Guedes. Os remediados compravam coisas para este Natal pobrezinho naquela promoção importada dos Estados Unidos.

Pouca gente normal presta atenção às estatísticas de emprego, ainda menos em uma sexta-feira assim. No máximo, viram aquelas manchetes satisfeitas com as palavras “recorde” ou “desemprego histórico”, essas coisas.

Mas tinha notícia menos ruim naqueles números deprimentes do IBGE. Pela primeira vez desde o começo da epidemia, aumentou o número de pessoas com algum trabalho (em 798 mil); até o emprego formal aumentou. Pelo terceiro mês seguido, aumentou o que os economistas chamam de “massa salarial”, a soma dos rendimentos do trabalho de todo o mundo naquele mês (pelo critério de rendimento efetivo).

O desemprego não aumentou? Sim, para 14,6%, o tal recorde, de fato horrível. Mas taxa de desemprego é uma proporção: o número de pessoas que procuram trabalho, sem sucesso, dividido pelo número de pessoas na força de trabalho (grosso modo, as empregadas mais aquelas à procura de emprego, sem sucesso).