sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Opinião do dia: José Murilo de Carvalho

Valor: As instituições brasileiras têm força suficiente para impedir a adoção de eventuais medidas antidemocráticas pelo presidente?

Carvalho: Creio que sim. Temos o Congresso onde ele não terá maioria, temos o Judiciário que vem funcionando satisfatoriamente no que se refere à defesa da constitucionalidade de medidas do Executivo e do Congresso, temos o Ministério Público, a imprensa, as organizações da sociedade civil e as próprias redes sociais. Por fim, há a rua. Imagino que serão barreiras eficazes contra desatinos presidenciais.

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José Murilo de Carvalho, historiador, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entrevista ao Valor Econômico, 9/11;2018

José de Souza Martins: De Luiz Inácio a Jair Messias

- Eu &Fim de Semana | Valor Econômico

Quando Luiz Inácio foi eleito presidente da República, em 2002, vencendo José Serra, o fato provavelmente mais importante da eleição foi o de que os dois candidatos eram provenientes do subúrbio de São Paulo. Representavam um novo sujeito da política brasileira.

Ao chegar a São Paulo, vindo de Pernambuco, de uma família de pequenos agricultores, Luiz Inácio foi morar na Vila Carioca, próxima de São Caetano, e foi trabalhar em fábrica. José Serra, por sua vez, é de uma família de imigrantes italianos, originários da Calábria pobre, nascido na Mooca, do outro lado do rio Tamanduateí. O pai tinha uma banca no Mercado Municipal de São Paulo. Da várzea em que morava, Luiz Inácio podia ver a Mooca de Serra, do lado de lá. E vice-versa. Nos dois lados, finalmente, a classe média originária da revolução decorrente da abolição da escravatura desbancava as oligarquias e chegava ao poder.

Agora, estamos vivendo outro momento da história política que, de vários modos, representa a continuação da crise de alternativas que se expressou na vitória de Lula. Com diferenças. O novo presidente eleito, Jair Messias, vem do outro ramo da formação das classes populares em São Paulo, o dos imigrantes italianos que se tornaram brasileiros nos tempos do café. Família originária do Vêneto agrícola e pobre que chegou ao Brasil em 1888, no mesmo ano da abolição da escravatura. Veio viver aqui um momento crucial do nascimento do Brasil moderno, em atividades econômicas modestas, como milhares de outros imigrantes, sobretudo em São Paulo.

Essas possibilidades debatem-se com o que é próprio do movimento do pêndulo oculto que governa o processo político brasileiro. A ele já se referiram Victor Nunes Leal, Raimundo Faoro, Nestor Duarte. É o movimento entre descentralização política - e o protagonismo histórico do município, sob a aparência formal de democracia - e a centralização política, se necessário com ditadura.

César Felício: Ministério do Trabalho, cadáver metralhado

- Valor Econômico

Menos pressionados, governos abandonam mediação social

O fim do Ministério do Trabalho retrata, mais que uma posição administrativa ou ideológica, uma constatação de natureza política: há uma decadência nítida, que não está restrita ao Brasil, da capacidade de trabalhadores urbanos em sindicatos influenciarem nas esferas de poder.

Se o Brasil vai acabar com uma instituição que cumprirá 88 anos de idade no dia 26, a Argentina já o fez este ano. Mauricio Macri fundiu o Ministério do Trabalho com o da Produção no país vizinho.

Menos pressionados, governos abandonam a função de mediadores de conflitos sociais. Lentamente, volta-se ao verdadeiro significado de uma frase dita na década de 20 pelo então governador de São Paulo, futuro presidente Washington Luiz. "A agitação operária é um questão que interessa mais à ordem pública do que à ordem social, representa o estado de espírito de alguns operários, mas não de toda a sociedade".

Macri está longe de ser um esquerdista e Bolsonaro pertence ao universo da ultradireita, mas o sapo não pula por boniteza, mas por precisão, como uma vez escreveu Guimarães Rosa. Outros fossem os tempos e dificilmente Bolsonaro deixaria de preencher a vaga do Trabalho. Do mesmo modo como a criação de vaga, na esteira da revolução de 1930, não encontra explicação em uma opção ideológica de Getúlio Vargas. Atendeu-se a uma demanda histórica.

O primeiro ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, avô de um futuro presidente, era um conspirador varguista de primeira hora. Montou a pasta com a colaboração de advogados de organizações de trabalhadores, como Evaristo de Morais Filho, e industriais, como Jorge Street. Sua principal tarefa era normatizar a existência dos sindicatos, empregados e trabalhadores. A meta era garantir espaços para cada um, e consequentemente, estabelecer limites. O Estado dirimia as controvérsias e tutelava a representação política das partes. Lindolfo rompeu com Getúlio, para nunca mais se reconciliar, dois anos depois.

Coube ao segundo ministro, Salgado Filho, que posteriormente seria o primeiro ministro da pasta da Aeronáutica, criar a carteira de trabalho de hoje, a azul, a que Bolsonaro menospreza diante da prometida "verde e amarela", suposto canal de criação de mais empregos com menos direitos.

O terceiro, Agamenon Magalhães, posteriormente um hierarca do PSD pernambucano, expurgou os sindicatos de todos os elementos com alguma ligação com as forças políticas que apoiavam o comunista Luiz Carlos Prestes. Ajustava-se a máquina à linha oficial. Uma no cravo, outra na ferradura: também foi Agamenon que criou o seguro contra acidente de trabalho e a indenização por demissão sem justa causa.

O quarto ministro, Valdemar Falcão, costumava substituir Getúlio em discursos nas primeiras transmissões do que hoje é a "Voz do Brasil". Foi em sua gestão que se criou a Justiça Trabalhista. Na democratização em 1945, tornou-se o presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Seu sucessor, Alexandre Marcondes Filho, foi marcado pela promulgação da CLT, em 1943. Da pasta sairia para estruturar o PTB varguista. Mas nos anos 50 foi ministro da Justiça de Café Filho, alinhado com a UDN.

O começo da história do Ministério do Trabalho explica porque ele durou até hoje, sobrevivendo ao regime militar. Era um freio, um garantidor da ordem social, montado por lideranças muito conservadoras.

O Ministério do Trabalho só esteve no eixo de uma guinada política, concentrando sobre si o fogo de toda a oposição, nos idos de 1953, quando comandado por João Goulart. O então ministro de Vargas definitivamente emulou Perón e mandou dobrar o salário mínimo. Soltava-se a válvula: o país vinha em uma onda de greves maciças e violentas, que aumentavam a influência comunista no meio sindical. A ação de Jango movia o PTB para a esquerda e continha a ação do proscrito PCB.

Claudia Safatle: Acesso universal a creches é proposto a Bolsonaro

- Valor Econômico

Somente 26% das crianças até 3 anos frequentam creches

Parte importante das políticas públicas destinadas às famílias será o amplo acesso à creche integral para crianças de baixa renda com até três anos de idade. Um dos trabalhos elaborados pela assessoria econômica do presidente eleito, Jair Bolsonaro, salienta a importância da primeira infância no "desenvolvimento cognitivo e psicossocial dos indivíduos ao longo de toda a vida"; nomeia a educação como um dos principais instrumentos de redução das desigualdades e identifica que hoje somente 26% das crianças de até três anos são atendidas por creches.

A distribuição de crianças conforme a renda per capita familiar reproduz a tremenda desigualdade que há no país.

São, atualmente, mais de 10 milhões de crianças de até três anos e, desse universo, pouco mais de 7,7 milhões vêm de famílias com renda domiciliar per capita de um quarto do salário mínimo a um salário mínimo.

Como do total somente 2,6 milhões têm acesso a creches, mais de 7 milhões de crianças nessa faixa etária estão fora de creches ou escolas. Essa é a etapa da educação básica (que vai da creche ao ensino médio) com a menor cobertura, embora seja de reconhecida importância na formação do indivíduo e, consequentemente, no desenvolvimento do país.

Esquadrinhando um pouco mais os números, chega-se às seguintes conclusões: apenas 16% das crianças de famílias com renda per capita de meio salário mínimo frequentam creches; e esse percentual é de somente 21% entre as crianças de famílias com renda de um salário mínimo.

Armando Castelar Pinheiro: Cenário externo para 2019

- Valor Econômico

Há especial preocupação com as repercussões da guerra comercial EUA e a China e com o ritmo de alta de juros americanos

Na ata divulgada esta semana, o Comitê de Política Monetária voltou a enfatizar que futuras decisões sobre a taxa Selic vão depender, entre outros, da evolução do que chamaram de "riscos altistas para a inflação". A ata cita dois desses riscos, sendo um deles a conjuntura internacional, em especial para as economias emergentes. Transparece da ata uma preocupação de que essa conjuntura possa se tornar mais difícil do que a deste ano.

Relatórios do FMI publicados no mês passado também trazem a visão de piora no quadro externo, em especial para emergentes. No seu World Economic Outlook, o Fundo reduziu em 0,2 ponto percentual (pp) o crescimento projetado do PIB mundial, com um corte de 0,4 pp para os países emergentes. No seu Global Stability Report, a instituição enfatiza o risco para esses países de uma forte saída de capitais, em um contexto de condições financeiras globais mais apertadas.

Os fatores por trás dessa piora do quadro externo são conhecidos há algum tempo. É o caso da gradual redução dos estímulos monetários introduzidos pelos bancos centrais dos países ricos após a crise de 2008-09. Esta semana, por exemplo, o Banco do Japão apontou que não acredita que o país ainda precise dos fortes estímulos monetários dos últimos anos. O Banco Central Europeu (BCE) reduziu mês passado o volume de compras de títulos no mercado e confirmou no final de outubro que vai encerrar o programa de "afrouxamento quantitativo" na virada do ano e que espera começar a subir os juros no último trimestre de 2019.

Eliane Cantanhêde: Erros e acertos

- O Estado de S.Paulo

Senado dá tiro no pé, enquanto Bolsonaro surpreende positivamente

O aumento dos salários dos ministros do Supremo foi a primeira derrota imposta pelo Senado ao governo Jair Bolsonaro, antes mesmo da posse, mas o tiro saiu pela culatra. O aumento atiçou a irritação popular contra o Congresso e os partidos. Bolsonaro ficou do “lado certo”, os políticos, do “lado errado”.

Dinheiro para saúde, educação, saneamento, cultura e infraestrutura não há, mas para marajá do serviço público nunca falta. E o aumento do Supremo tem um efeito cascata que inunda todos os poderes e unidades da federação, com impacto danoso num déficit já pavoroso e no estado fiscal lamentável dos estados.

Derrota de Bolsonaro? Ou derrota do Brasil, do contribuinte, dos investimentos, da responsabilidade fiscal, do Congresso? O presidente Michel Temer, que poderia corrigir o erro, não pode nem o fará, porque já vinha negociando o aumento há meses com o presidente do STF, Dias Toffoli.

O Congresso insiste em não ver, ouvir, sentir e entender nada, mesmo após a vitória de Bolsonaro e a derrota de incontáveis políticos tradicionais, particularmente senadores, alguns deles até muito sérios, porque “os justos pagam pelos pecadores”.

Enquanto a imagem do Congresso continua afundando, Bolsonaro vai surpreendendo para melhor. As ameaças e manifestações fora do tom, tão chocantes na campanha, vêm sendo trocadas por reverência à Constituição, respeito às instituições – até ao presidente Michel Temer –, e uma relação civilizada com a imprensa.

Elena Landau: Festa no céu

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro reafirmou seu respeito à Constituição; tem de ajustar discurso à prática

Jair Bolsonaro circulou em Brasília esta semana. Além de uma cerimônia no Congresso, esteve com Temer, com militares e com o presidente do STF.

Pela primeira vez, apareceu como novo líder da Nação, sem mensagens pelas redes sociais e situações informais. Seguiu um protocolo de presidente eleito, cuja diplomação ocorrerá em um mês.

No encontro com o ministro Dias Toffoli sugeriu um canal de comunicações permanente para que as iniciativas do Executivo seguissem de forma “mais harmônica seu curso no Parlamento e se evitassem choques futuros com o Supremo”. Bom começo.

Mas a harmonia esperada não durou 24 horas. No mesmo dia, Toffoli trabalhou, e teve êxito, para que o aumento de salários do STF fosse aprovado pelo Senado. O mesmo Toffoli que vem defendendo publicamente a reforma da Previdência e o ajuste fiscal. Ajuste dos outros, é claro.

O presidente do STF prometeu em troca suspender o auxílio moradia para quem não precisa. Estranha negociação. Ou o auxilio moradia é devido ou não é, não deveria ser moeda de troca, especialmente, pela Suprema Corte.

Por sua vez, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, como mau perdedor, decidiu tocar fogo no circo. O compromisso com o País é zero. O compromisso com as corporações é total. Sem vinculação alguma com a futura legislatura, o presidente do Senado resolveu chutar o balde. E foi, infelizmente, acompanhado pela maioria de seus pares, mesmo aqueles que deverão avaliar ano que vem uma série de reformas necessárias para enfrentar a grave crise fiscal.

Míriam Leitão: O governo que é antes de ser

- O Globo

Novo governo não assumiu, mas já tem que fazer articulação no Congresso para evitar projetos que pesem mais nas contas públicas

O governo Bolsonaro tem o ônus de ser, antes do bônus de estar na Presidência. Os atos do Congresso agora afetarão o primeiro ano do governo Bolsonaro. A administração não assumiu, mas já anuncia decisões que têm efeitos políticos e, por isso, geram reações, mas a base ainda não se articulou para a defesa no Congresso, até pela grande renovação. Foi isso o que aconteceu no caso da aprovação do reajuste do Judiciário e do Ministério Público. O presidente eleito afirmou que não era o momento e que eles são os “mais bem aquinhoados" do setor público. Está certo. Mas por não ter feito qualquer articulação com o Senado, Bolsonaro teve sua primeira derrota.

Esta transição é diferente de todas as outras, por uma série de fatores, e a eles a equipe de Bolsonaro deveria estar atenta. Houve muita renovação nas duas casas, mas há um fato curioso: o reajuste teve o voto de senadores que serão da futura base. Já alguns que serão oposição votaram contra, como o senador Randolfe Rodrigues. O PSL era ínfimo e agora é a segunda maior bancada da Câmara e será a primeira com as adesões que receberá. O governo está em formação, mas vai conviver até fevereiro com o velho Congresso. O poder nascente é sempre mais forte do que o poente, portanto é a favor ou contra ele que as forças políticas agora se organizam.

A fala do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, de dar uma "prensa neles”, bateu num Senado em que muita gente não voltará, a começar do presidente da casa, Eunício Oliveira. O reajuste já contou para a nova administração, que terá que pagar a conta. Ele aumenta os custos do governo federal, dos governos estaduais, e se torna uma despesa permanente. Tornará ainda mais difícil evitar o reajuste dado ao Executivo.

Merval Pereira: O novo contra o velho

- O Globo

O cientista político Antonio Gramsci, fundador do Partido Comunista Italiano, cunhou uma frase que pode bem definir o momento que estamos vivendo: “O velho resiste em morrer, e o novo não consegue nascer”. Gramsci se referia a outros tempos, mas os que estamos vivendo aqui no Brasil hoje tem as mesmas características. Pode ser que o novo que apareceu não seja a melhor solução, mas é o que temos no momento.

O povo, através do voto, fez uma limpa quase geral na classe politica tradicional, e sobreviveram apenas uns poucos caciques, que manobravam o cenário político nos últimos 25 anos em benefício próprio e dos seus próximos. Mas parece que não entenderam o recado das urnas.

Um dos que não sobreviveram foi o ainda presidente do Senado, Eunício de Oliveira, que aproveitou para ir à forra, com o dinheiro público. Botou para votar, do nada, o aumento do Judiciário que estava congelado depois de aprovado na Câmara, por questões de economia.

Não há dúvida de que os juízes merecem ganhar bem, assim como toda carreira do sistema judicial tem que ser bem remunerada. Mas, como disse o presidente eleito, não era o momento. Um Senado já superado pelas urnas, com a maioria de votos de senadores não reeleitos pelo povo, resolveu fazer uma benesse ao Supremo Tribunal Federal, que tem efeito cascata.

Bruno Boghossian: Café frio

- Folha de S. Paulo

Temer pode até se empenhar, mas a bola já está com Bolsonaro

Michel Temer até tentou valorizar seu passe ao tocar a bola para JairBolsonaro. Relatando um Brasil mais otimista, entregou ao sucessor um caderno de 245 páginas com uma recomendação pouco modesta: “Não há espaço para retroceder. As mudanças precisam continuar”.

A transição entre governos é mais um ritual do que um espaço para articulações concretas. Com poder em extinção, o presidente que está de saída raramente consegue dar uma contribuição significativa ao eleito.

O período de 1989-1990 foi esburacado. Nas semanas seguintes à vitória de Fernando Collor, o então presidente José Sarney se isolou no Maranhão e passou a governar por telefone. A passagem de bastão foi marcada pelo silêncio público da dupla enquanto a economia derretia.

O primeiro encontro só aconteceu dois meses e meio depois da eleição. Sarney fora alvo de críticas pesadas de Collor na campanha e parecia incomodado. “Tenso, o presidente disfarçava o leve tremor nas mãos passando-as repetidamente pelo bigode”, relatava o Jornal do Brasil.

A transição de Itamar Franco para seu ex-ministro Fernando Henrique Cardoso foi mais cordial. Embora estivessem afinados, houve pouco que pudessem fazer antes da posse.

FHC queria aprovar uma reforma tributária ainda durante o mandato de Itamar, mas o presidente avisou que seria impossível. Líderes do Congresso diziam que não pretendiam facilitar a vida do tucano.

Hélio Schwartsman: Mesmo que o mundo pereça

- Folha de S. Paulo

Fim do auxílio-moradia jamais poderia se vincular ao aumento salarial

O juiz deve olhar só para o processo ou também para suas repercussões? Ambas as concepções de justiça são defensáveis em teoria.

Para intérpretes do direito mais afeitos às ideias kantianas, o que importa é fazer justiça. Se o queixoso que pede uma indenização bilionária ao governo tem razão em seu pleito, deve ser atendido ainda que isso leve o país à bancarrota. “Fiat iustitia, et pereat mundus” (faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça), escreveu o filósofo alemão.

Para as correntes que bebem do consequencialismo, não há como deixar de considerar também os resultados das decisões, em especial quando têm impacto para além das partes diretamente envolvidas.

Nesse estimulante embate teórico, a cúpula do Judiciário brasileiro fica com o cinismo mesmo. A posição do presidente do STF, Dias Toffoli, em relação ao reajuste salarial para carreiras jurídicas não pode ser descrita nem como kantiana nem como consequencialista.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro precisa arrumar a casa

- Folha de S. Paulo

Governo de transição em transe cria atritos com Congresso, diplomacia, militares e na economia

Bastaram dois dias de estranhamento com o Congresso para que o governo de Jair Bolsonaro fizesse dívidas mesmo antes de assumir. A falação destrambelhada causou o prejuízo do aumento de salários de servidores e noutras frentes.

Dá para corrigir. Pode ser compreensível a desordem de equipes e projetos em fase de montagem. Mas Bolsonaro e sua equipe de transição têm de entender logo que o show da campanha já terminou e que palavras têm consequências. Desculpe os clichês horrendos, mas a culpa não é do jornalista.

O tumulto falante do governo de transição foi um dos detonadores da bomba que este Congresso explodiu nesse seu fim de festa lamentável.

O reajuste do Supremo é um estouro adicional das contas públicas, federais e estaduais. Não é um lamento contábil: haverá consequências políticas e sociais.

O reajuste vai elevar o gasto com salários nos estados. Vai afetar até São Paulo, que tem contas em relativa ordem. Em Minas, Rio e Rio Grande do Sul, vai piorar situações críticas ou desastrosas.
Muito se disse nos últimos cinco anos que parte da grande revolta do eleitorado se deve a serviços públicos precários, saúde, escola e polícia ruins, em geral responsabilidade de estados e cidades. Mas a conta do mau humor popular fica em parte para o governo federal. Agora, quem tem de pagá-la é Jair Bolsonaro.

Reinaldo Azevedo: Bolsonaro e a educação pela pedra

- Folha de S. Paulo

A figura de Trump da periferia do capitalismo é um mimetismo constrangedor

"A Educação pela Pedra". Penso em presentear Jair Bolsonaro com o livro de poemas de João Cabral de Melo Neto. Para que começasse a captar também a voz "inenfática" e "impessoal" dessa poesia muito particular que é a política. Sua "carnadura concreta" está ausente das redes sociais.

Eventos desta semana que termina o convidam à leitura. Em tempo: isso não quer dizer que João Cabral seja condição essencial para um bom governo. Mas será sempre melhor com ele.

Não é corriqueiro que um já indicado superministro da Justiça, como Sergio Moro fez na terça, conceda uma entrevista coletiva ainda na condição de membro do Judiciário e se apresente como o certificado de garantia de que o poder ascendente ao qual servirá vai se manter no trilho do Estado de Direito. Ao soletrá-lo, constatei a inversão de hierarquia. Parecia ser ele a justificar o poder do eleito, não o contrário.

Na quarta, o próprio Bolsonaro, chefe do ministro indicado, reuniu-se com o ministro do Supremo Dias Toffoli e resgatou algumas plateias, incluindo setores da imprensa, de uma espécie de "torpor gozoso" a que Moro as havia conduzido.

De modo sutil, mas evidente, num encontro institucionalmente correto, o presidente de um Poder e o futuro presidente de Outro lembraram ao juiz e a seus adoradores que o eleito se chama Jair Bolsonaro. As instituições democráticas não precisam de demiurgos que as interpretem segundo sua suposta capacidade de encarnar o espírito de um tempo.

Às vezes, pois, Bolsonaro dá sinais de que começa a ter noção do tamanho do problema que os eleitores, muitos deles fanáticos, resolveram jogar no seu colo. No mundo real, palavras têm consequências.

Luiz Carlos Azedo: Acordar com passarinhos

- Correio Braziliense

“Bolsonaro ainda está enrolando o paraquedas. Muito das declarações desencontradas do novo presidente da República e de seus ministros revela dificuldades operacionais futuras”

Nos dois dias que passou em Brasília, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, mudou a rotina do prédio da quadra de deputados onde tem apartamento funcional, com a grande movimentação de pessoas a partir das cinco horas da madrugada, já em pleno horário de verão. Participou das comemorações dos 30 anos da Constituição, reuniu-se com os presidentes do Supremo Tribunal Federal e com os ministros do Superior Tribunal de Justiça, trocou figurinhas com o presidente Michel Temer e incorporou à transição dois futuros ministros, o juiz federal Sérgio Moro, que comandará um superministério da Justiça, e a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), que assumirá o Ministério da Agricultura sem o pepino do meio ambiente.

Bolsonaro ainda está enrolando o paraquedas. Muito das declarações desencontradas do novo presidente da República e de seus ministros revela dificuldades operacionais futuras. Deve ser até angustiante, principalmente para os generais que compõem seu estado-maior, constatar a desorganização da tropa. Militares têm regras rígidas de “apronto operacional” e “aprestamento pessoal”. No manual, uma tropa “só pode ser considerada adestrada quando dispuser de homens prontos para serem empregados no mais curto espaço de tempo a partir do momento em que for acionada”. Por enquanto, Bolsonaro está muito longe disso. O mais provável é que isso nunca aconteça, pois o governo não é uma unidade militar, é uma organização civil, ainda que com forte presença de militares.

Todo governante assume o mandato cheio de energia e disposição de pôr a tropa na rua; quer dizer, o bloco na rua. Lembro-me do começo do governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro, eleito em 1982, num tsunami, como o que aconteceu agora no Brasil. No primeiro dia de mandato, o governador madrugou no Palácio Guanabara, para desespero dos repórteres que cobriam a administração estadual. Na primeira coletiva, disse que chegaria com os passarinhos. O repórter Ernesto Rodrigues, desde aquele dia, passou a anotar o horário de chegada de Brizola. Ao fim dos 100 primeiros dias de administração, quando geralmente acaba a lua de mel com a imprensa, o jornalista emplacou a manchete do Globo: “Brizola já não chega com os passarinhos”. Houve dias em que o governador nem sequer apareceu no seu gabinete, despachou do próprio apartamento, em Copacabana.

Palácios de governo são “jaulas de cristal”. O governante é cercado pelos áulicos e se isola da sociedade, mas muito do que acontece nos bastidores do seu gabinete acaba chegando à opinião pública. Árbitro de disputas constantes no interior de sua equipe, isso acaba agravando a solidão do poder, pois tudo o que um governante fala e decide acaba pondo mais lenha na fogueira das rivalidades, intrigas e idiossincrasias dos integrantes de sua equipe. Antes mesmo de tomar posse, a disputa se instala: primeiro entre a tropa de assalto, aqueles que chegaram primeiro e carregaram nas costas a campanha eleitoral, e a tropa de ocupação, os que foram chamados a compor a equipe por serem supostamente mais capazes de exercer as funções técnicas de governo.

Ricardo Noblat: Amazonas, o novo velho

- Blog do Noblat

Teve mais votos do que Bolsonaro

Enquanto Jair Bolsonaro (PSL), que se elegeu “contra tudo isso que está aí”, resiste à tentação de governar com o apoio de pelo menos parte do que aí está, o futuro governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), 42 anos, que como Bolsonaro nunca antes ocupara cargo administrativo, já resolveu seu problema. Sim, governará com quem queira apoiá-lo.

Sem jamais ter disputado uma eleição, o radialista Lima, que há 3 anos apresentava um programa popular na afiliada da TV Record em Manaus, se elegeu governador no último dia 28 com 58,50% dos votos válidos. Derrotou Amazonino Mendes (PDT), três vezes governador do Estado. Proporcionalmente, teve mais votos do que Bolsonaro (55%).

Venceu como “o novo”, inexperiente, alheio à política, livre dos seus vícios, prometendo transparência acima de tudo, e jura que será assim. A coligação de partidos que o lançou como candidato não conseguiu eleger um único dos 24 deputados estaduais. Mas com pouco mais de uma semana, 15 deles já o apoiam felizes da vida.

Por quê? Em troca do quê? Só Lima e os 15 sabem. O PP elegeu 4 deputados, o PV, 3 e o PR 2. Os demais foram eleitos, cada um, por um partido. Ao todo, 18 partidos estarão representados na Assembleia Legislativa do Amazonas. Fragmentação inédita em sua história.

Dora Kramer: A toada da orquestra

- Revista Veja

A equipe, a posse e o Congresso dirão a que virá Bolsonaro

Os donos do dinheiro, aqui e alhures, estão de antenas ligadas em três movimentos do presidente eleito que, segundo eles, definirão os rumos do governo Jair Bolsonaro: formação do ministério, discurso de posse e eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, compreendida como determinante para a relação com o Congresso. São esses os temas de interesse imediato no mundo da finança, em boa medida coincidente com a expectativa dos setores socialmente influentes.

Tais requisitos vão sendo de conhecimento de todos no Brasil e no exterior por ordem de entrada em cena. Agora o gabinete presidencial, em 1º de janeiro o pronunciamento inaugural e no início de fevereiro a escolha dos comandantes do Parlamento. Para os estrangeiros em busca de informações por intermédio de analistas especializados, há duas linhas mestras a ser observadas: o grau de estabilidade política e o índice de instabilidade de risco representados pelo próximo governo.

Quando se explica a eles que na essência a estabilidade está assegurada, pois vem passando com louvor por diversos testes desde a retomada do regime democrático, não parecem muito convencidos. Parecem crer mais nas intercorrências, declarações estapafúrdias, protestos e turbulências ocasionais do que no avanço inequívoco da firmeza das instituições e do protagonismo da sociedade.

Governadores eleitos do PSDB articulam apoio a Bolsonaro

Em trégua com Alckmin por sucessão no partido, Doria se une a Leite e Azambuja por suporte à agenda do futuro governo

Silvia Amorim | O Globo

SÃO PAULO - Os três governadores eleitos pelo PSDB — João Doria (São Paulo), Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) e Reinaldo Azambuja (Mato Grosso do Sul) — se reuniram ontem para manifestar apoio à agenda de reformas do presidente eleito, Jair Bolsonaro. Vitoriosos na eleição, os três declararam apoio ao presidenciável do PSL durante a disputa. Reunidos em São Paulo, eles afirmaram que não se tratava de uma defesa de adesão do PSDB ao futuro governo. O gaúcho Eduardo Leite declarou apoio às “reformas e à retomada da confiança dos investidores”.

— Não se trata de fazer adesão ao governo Bolsonaro, mas de fazer adesão ao Brasil e às boas práticas. Vamos apoiar todas as iniciativas econômicas e institucionais que vierem ao encontro dos brasileiros, sobretudo os mais pobres e mais humildes — afirmou Doria, após o encontro com os tucanos, em São Paulo.

A reunião foi organizada por Doria, que, desde o fim da eleição, tem feito movimentos para se firmar como uma liderança nacional dentro e fora do PSDB. Um novo passo nesse sentido foi dado ontem ao acertar uma trégua com o candidato derrotado do partido à Presidência, Geraldo Alckmin.

Ambos acordaram durante um almoço que a atual direção partidária cumprirá seu mandato em sua totalidade, ou seja, até maio de 2019. Foi o primeiro encontro deles após o segundo turno. Aliados do governador eleito vinham pressionando para que Alckmin abreviasse seu mandato no partido. Apoiadores de Doria defendem o deputado federal Bruno Araújo (PE) para ser o novo presidente do PSDB.

Em SP, Alckmin e Doria discutem rumos do PSDB

Malu Delgado e Fernando Taquari | Valor Econômico

SÃO PAULO - O ex-governador Geraldo Alckmin e o governador eleito de São Paulo, João Doria, conversaram ontem, na capital paulista, sobre questões da administração estadual e sobre os rumos do PSDB. Os dois têm claras divergências de posicionamento, mas tucanos asseguraram que ficou acordado, pelo menos por ora, que o partido está disposto a apoiar reformas que julgar importantes e que forem encampadas no governo de Jair Bolsonaro. Mas não haverá adesão à futura administração.

Derrotado na eleição presidencial, Alckmin é, nos bastidores, extremamente crítico a Bolsonaro, enquanto Doria está cada vez mais próximo do presidente eleito. Os dois, que se encontraram pela primeira vez depois do segundo turno, acertaram também que uma executiva nacional do PSDB será escolhida em maio do ano que vem, como já era previsto na ata do partido, firmada em dezembro de 2017, quando Alckmin assumiu o comando partidário.

Em 2019, estão previstas mudanças de direção em todas as esferas: executiva municipal (em março), estadual (em abril), e nacional (em maio). Por ter vencido a eleição em São Paulo e ter se fortalecido politicamente, Doria terá papel crucial na definição da próxima executiva nacional da legenda. Em entrevista ao Valor, na semana passada, o governador eleito já tinha defendido uma troca no comando partidário. Na ocasião, Doria disse que "quem não tem voto, participa e quem tem voto, comanda".

Um dos nomes cotados para assumir a presidência do PSDB é do ex-ministro das Cidades e deputado federal Bruno Araújo (PE), considerado um dos líderes da ala tucana conhecida como os 'cabeças-preta'. Em geral, o grupo prega favor de uma guinada à direita. O parlamentar pernambucano, no entanto, não conseguiu se eleger senador, apesar das duas vagas em disputa.

Centro progressista articula criação de um novo partido

Por Monica Gugliano, Vandson Lima e Malu Delgado | Valor Econômico

BRASÍLIA E SÃO PAULO - Políticos de vários partidos, alguns derrotados nas eleições, articulam união que pode resultar na criação de uma nova legenda, possivelmente de oposição ao governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro. A fragmentação da esquerda e a iminente cisão do PSDB estão acelerando os entendimentos nos bastidores.

As conversas reúnem até ex-adversários, como o governador de São Paulo, Márcio França (PSB), e o presidente da Fiesp, Paulo Skaf (MDB), ambos derrotados por João Doria (PSDB) na disputa pelo governo estadual. Além dos dois, participam das negociações o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), o ex-deputado Aldo Rebelo (Solidariedade), o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o apresentador Luciano Huck. "As pessoas 'boas' do país estão conversando", disse ao Valor um dos participantes.

Hartung, que anunciou ontem sua desfiliação do MDB, é um dos articuladores das discussões, que reúnem majoritariamente forças do centro progressista e ocorrem em diferentes frentes para a formação, a princípio, de um grupo político e, se a iniciativa for bem-sucedida, de um novo partido. No grupo, coube ao governador capixaba estreitar relações com novos "atores" da política nacional, como Huck e o movimento Renova-BR.

Alckmin e Tasso jantaram na terça-feira na casa do senador, em Brasília, e chegaram à conclusão de que ficará insustentável a permanência no PSDB, caso João Doria tenha êxito na tentativa de assumir o comando do partido e aproximá-lo de Bolsonaro. Em artigo publicado no domingo, Fernando Henrique Cardoso batizou a movimentação em curso de o "centro radical". "A consolidação de um novo movimento requer desde já a pavimentação de alianças, não só no círculo político, mas principalmente na sociedade, para formar um polo aglutinador da construção de um futuro melhor", afirmou o ex-presidente.

Centro avança em conversas sobre reorganização partidária
Forças de centro, em sua maioria derrotadas nas eleições, já se movimentam em busca de espaço no novo cenário político. A fragmentação da esquerda e a iminente cisão do PSDB são circunstâncias políticas que têm acelerado entendimentos nos bastidores. As conversas reúnem até ex-adversários e podem resultar numa das maiores reorganizações partidárias dos últimos tempos. "As pessoas boas do país estão conversando" disse ao Valor, um desses políticos.

Entrevista - Murilo de Carvalho: 'Barreiras eficazes'

As instituições parecem ter força para impedir eventual ação antidemocrática do futuro governo, diz o historiador Murilo de Carvalho. "Agir conforme o que foi dito na campanha seria suicida"

'Agir de acordo com o que foi dito na campanha seria burro e suicida'

Sergio Lamucci | Valor Econômico

SÃO PAULO - A eleição de Jair Bolsonaro (PSL) representa "algum risco" para a democracia brasileira, mas as instituições parecem ter força suficiente para impedir a adoção de medidas antidemocráticas pelo presidente eleito, avalia o historiador José Murilo de Carvalho. Professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carvalho diz que, "no próprio discurso feito após a vitória, o eleito já adotou retórica muito menos radical e ameaçadora de valores democráticos do que a usada na campanha". Para o historiador, "agir de acordo com o que foi dito na campanha seria burro e suicida. Seria supor que as Forças Armadas estariam dispostas a entrar numa aventura que não lhes interessa."

Ao falar das instituições, Carvalho diz imaginar que elas serão "barreiras eficazes" contra eventuais "desatinos" presidenciais. "Temos o Congresso onde ele não terá maioria, temos o Judiciário que vem funcionando satisfatoriamente no que se refere à defesa da constitucionalidade de medidas do Executivo e do Congresso, temos o Ministério Público, a imprensa, as organizações da sociedade civil e as próprias redes sociais. Por fim, há a rua."

Ao responder sobre que espera de um governo Bolsonaro, Carvalho considera "muito provável que haja medidas que afetem negativamente a política externa, o meio ambiente, a liberdade de pensamento, os direitos humanos, a proteção de minorias, contra as quais será necessário atuar com muita determinação". Apesar disso, diz não ser "apocalíptico, como muitos outros analistas", por acreditar que haverá "condições de evitar, ou pelo menos reduzir, os danos dentro da legalidade e, ao final, fortalecer o sistema democrático que, segundo pesquisa, ainda é o preferido pela maioria dos brasileiros".

Carvalho afirma que houve uma eleição democrática, em que "a voz da maioria" se fez ouvir. "Portanto, o vencedor tem o direito de governar. Cabe à minoria derrotada dos que não concordam com as ideias e valores dos vencedores, como é o meu caso, o direito, diria mesmo o dever cívico, de fazer todo tipo de oposição que a lei permitir".

Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), Carvalho é um dos maiores historiadores do país, autor de obras consagradas como "A Formação das Almas", "Os Bestializados", "Teatro de Sombras" e "Forças Armadas e Política no Brasil". Na conversa com o Valor, feita por meio de uma intensa troca de e-mails, ele também fala do quadro difícil que petistas e tucanos enfrentarão daqui para frente, discutindo os motivos que colocaram um fim à polarização das eleições presidenciais entre PT e PSDB. 

A seguir, os principais trechos da entrevista com Carvalho, mestre e doutor em ciência política pela Universidade de Stanford, nos EUA.

Entrevista - Marina Silva: Preferi pagar o preço alto da derrota a me omitir

Para ex-presidenciável, Bolsonaro precisa respeitar Constituição, sem 'defesa seletiva'

Joelmir Tavares | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Marina Silva (Rede) recebeu a Folha na sede nacional da Rede, em Brasília, pouco depois de uma reunião com Ciro Gomes (PDT), seu adversário no primeiro turno da eleição presidencial. O tema da conversa dos dois: Jair Bolsonaro (PSL) e o governo que se inicia em janeiro.

A ex-senadora e o ex-ministro derrotados pelo deputado federal falaram na quarta-feira (7) sobre a articulação de um bloco de oposiçãoao futuro presidente sem a participação do PT.

Refletindo sobre sua terceira campanha presidencial consecutiva, Marina disse que a derrota —teve 1% dos votos e amargou o oitavo lugar— tirou dela o peso das cobranças para ser candidata novamente. "Eu preferi correr o risco de sair e pagar o preço por isso a ter me omitido para ficar com a imagem de 22 milhões de votos", afirmou.

• O que aconteceu com a campanha da sra.?

Foi uma campanha num cenário extremamente polarizado, e a sociedade tinha muitas alternativas. Houve uma escolha pelos extremos, e eu nunca me coloquei nesse lugar. Talvez, de todas as candidaturas, a minha era a que buscava ser um polo de mediação.

Existem posições que podem ser derrotadas eleitoralmente, mas isso não significa que não estejam certas. Eu não acredito na cultura do ódio, não acredito que para se ganhar uma eleição se tenha que lançar mão de fake news, de agressividade. Eu repito: só quero ganhar se for para ganhar ganhando. Isso tem um preço, e o preço foi alto.

Numa democracia, você oferece aquilo em que acredita, e as pessoas têm o direito de escolher outra coisa. Escolheram outra coisa. E eu respeito. Acredito na democracia e na política como forma de resolver os problemas e vou continuar lutando pela pacificação. Se isso tem adesão, eu não sei.

Desempregados racharão a conta: Editorial | O Estado de S. Paulo

Rachada a conta, estimada em até R$ 6 bilhões anuais, os desempregados pagarão a parte mais dolorosa do aumento concedido a juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), membros da Procuradoria-Geral da República e todos os demais servidores beneficiados pelo novo teto de vencimentos do funcionalismo. O salário mensal de cada juiz do STF passará de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil, graças ao reajuste de 16,38% aprovado pelo Congresso. O gasto adicional de R$ 6 bilhões para o setor público foi estimado pela consultoria do Senado. Podem-se discutir detalhes do cálculo, mas o custo social é inegável. Despesa maior significa maior dificuldade para consertar o enorme rombo das contas públicas, em todos os níveis de governo, e, como consequência, maior dificuldade para impulsionar o crescimento econômico e a criação de empregos.

Num país com 12,5 milhões de desempregados, o equivalente a 11,9% da força de trabalho, todo político decente deveria ter como prioridade animar os negócios para estimular contratações.

Com mais alguns números o quadro fica mais assustador. Se à parcela desempregada forem somados os trabalhadores com horas insuficientes de ocupação e os indivíduos contados na força de trabalho potencial, a taxa de subutilização chegará a 24,2%, ou 27,3 milhões de pessoas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou esses dados no fim de outubro.

Em benefício da casta: Editorial | Folha de S. Paulo

Senado aprova reajuste salarial para o STF

Enquanto se debatia a possibilidade de apressar a votação da reforma da Previdência, em busca do equilíbrio das finanças públicas e de alguma justiça social, os parlamentares trataram de evidenciar ao país suas reais prioridades.

Por larga margem, de 41 votos a 16, com uma abstenção, um Senado desmoralizado pelas urnas aprovou um reajuste salarial de 16,4% para os ministros do Supremo Tribunal Federal —elevando dessa forma o teto do funcionalismo, o que beneficiará postos de elite nos três Poderes.

Restou ao presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), reclamar da ideia. São preocupações que nossos políticos só manifestam quando estão prestes a gerir o cofre.

Foi há apenas três meses que os ministros do STF aprovaram proposta orçamentária que contemplava alta de seus vencimentos de R$ 33,8 mil para R$ 39,3 mil mensais. Aproveitou-se para tal um texto que já tramitava no Legislativo.

Os argumentos em favor da prebenda desconhecem a realidade nacional. Aponta-se que o último reajuste ocorreu em janeiro de 2015 e se faz preciso corrigir os valores; não é problema de juízes e outros servidores, depreende-se, que uma brutal recessão tenha derrubado a arrecadação tributária de lá para cá.

Indecisões preocupantes sobre a reforma da previdência: Editorial | Valor Econômico

A possibilidade de aprovação de uma reforma da previdência a curto prazo está diminuindo. Se Jair Bolsonaro não demonstrar um propósito claro sobre o tema, firmeza e determinação - e não titubeios e indecisões -, poderá desperdiçar um bom tempo do início de seu mandato, período em que estará no auge de seu prestígio político, sem aprovar as mudanças, com consequências nefastas para a economia.

Não se trata apenas do fato de a equipe do presidente eleito ter uma proposta substancialmente diferente da que está pronta para ser votada no Congresso, que foi abalroada pelo declínio político de Michel Temer após o episódio das conversas com o empresário Joesley Batista. Há hesitação em Jair Bolsonaro e no círculo a seu redor, sobre a própria proposta de campanha e indecisão sobre quais os atalhos que poderiam ser usados para "aprovar alguma coisa" a esse respeito ainda na atual legislatura.

Um dos pontos principais da proposta de Bolsonaro é o sistema de capitalização. Há fundadas dúvidas sobre o custo da transição do regime atual para o futuro, quando o Estado enfrenta déficits sucessivos. Esse é um problema que Bolsonaro foi eleito prometendo resolver. Mas, nas declarações que deu depois de eleito, Bolsonaro ainda não parece seguro do que fazer e disse ter "desconfiança" de sua proposta para corrigir a rota de gastos desastrosa da previdência.

Seu futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, tem predileção pela fórmula da capitalização, mas agora estuda dez propostas sobre o tema. Ele não tem dúvidas de que o atual sistema de repartição é péssimo e sua continuidade, "um crime" para as futuras gerações. Bolsonaro não tem mostrado tal ímpeto reformista, e, quando fala sobre o tema, sugere um tom gradualista e não muito compromissado.

Bolsonaro e Temer precisam zelar por uma transição em harmonia: Editorial | O Globo

Deve-se reconhecer como saudável a abertura do ritual de passagem, como prevê a Constituição

É saudável a disposição demonstrada pelo presidente Michel Temer e seu sucessor eleito, Jair Bolsonaro, para uma transição de governo em harmonia. Eles somam mais de seis décadas de experiência no Legislativo e sabem o valor dos símbolos na política.

Foi providencial o pedido de Bolsonaro a Temer para visitá-lo no Palácio do Planalto. Conversaram e, em seguida, o presidente conduziu o sucessor num breve passeio pelos gabinetes de governo. Bolsonaro, em entrevista, afirmou que pretende procurar Temer outras vezes para sintonia na transição, “de modo que os projetos de interesse do nosso Brasil continuem fluindo dentro da normalidade” .

Pode parecer um ato corriqueiro no ritual da democracia, mas não custa lembrar que data de 15 anos a mais recente referência de uma transição harmoniosa num quadro de alternância de forças políticas. Foi quando Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, passou a faixa a Lula, do PT.

As cenas protagonizadas por Temer e Bolsonaro, quarta-feira em Brasília, ocorrerem após uma eleição pontuada pela retórica da antipolítica, na qual adversários se trataram como inimigos, empenhados em batalhas imaginárias por questões típicas dos tempos da Guerra Fria.

Getúlio Cavalcanti - Obrigado Mangueira

João Cabral de Melo Neto: Questão de pontuação

Todo mundo aceita que ao homem
cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação
(dizem: tem alma dionisíaca);

viva em ponto de interrogação
(foi filosofia, ora é poesia);
viva equilibrando-se entre vírgulas
e sem pontuação (na política):

o homem só não aceita do homem
que use a só pontuação fatal:
que use, na frase que ele vive
o inevitável ponto final.