No memorial com a defesa do ex-ministro no caso do mensalão, advogados alegam não haver provas que incriminem José Dirceu,acusado de ser o chefe do esquema. O Correio teve acesso ao documento entregue ao STF.
O "burocrata" do mensalão
Memorial entregue ao STF pelos advogados de José Dirceu diz que ele não tinha influência no PT ou em nomeações e nega caráter político do trabalho na Casa Civil
Helena Mader
Acusado de ser o "chefe da quadrilha" que arquitetou a distribuição de dinheiro a políticos e partidos, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu saiu ontem de férias, a 15 dias do início do julgamento do mensalão, o mais importante da seara política nos últimos anos, no Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto isso, a defesa afina o discurso para tentar livrá-lo da acusação de corrupção ativa. Os advogados do ex-ministro entregaram aos ministros do STF um memorial de 30 páginas, a que o Correio teve acesso com exclusividade, que resume os argumentos em favor de Dirceu — alguns similiares aos das defesas de outros réus.
No documento, os defensores dizem que não há provas de que ele beneficiava o banco BMG; influenciava a indicação de cargos no governo; tinha poder no PT; ou mantinha vínculos com o publicitário Marcos Valério.
O relatório afirma ainda que o braço direito do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria "papel meramente burocrático" à frente da Casa Civil. O advogado do réu, José Luís Oliveira Lima, explica que o memorial é um resumo das alegações finais entregues ao Supremo em setembro do ano passado. "Apenas reafirmamos a ausência total de provas e a falta de comprovação de que existiria uma quadrilha", afirma o advogado. Além das argumentações técnicas, o memorial também traz pesadas críticas à atuação do Ministério Público e da imprensa e diz que a mídia vai protestar "contra qualquer decisão que não seja condenatória".
Os advogados de Dirceu afirmam que o termo mensalão foi criado pelo ex-deputado Roberto Jefferson, também réu na ação penal, uma pessoa "de abalada credibilidade" e que teria atraído atenção para o caso por estar no alvo de outras denúncias de corrupção. "A acusação de compra de votos é sustentada por um único e frágil pilar: Roberto Jefferson", diz o texto do memorial. "Ele estava no foco de graves acusações relacionadas com a gravação de Maurício Marinho recebendo dinheiro nos Correios. Foi esse contexto que o levou a buscar o palanque da mídia e a inventar que parlamentares vendiam votos por uma mesada de R$ 30 mil", afirmam os defensores. Além de José Luís Oliveira Lima, o advogado Rodrigo Dall"Acqua também assina o memorial entregue ao STF.
Ao contrário do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, que negou a existência do mensalão, mas assumiu ter participado de um esquema de arrecadação de caixa dois para campanhas eleitorais, José Dirceu se declara inocente de todas as acusações, principalmente da denúncia de corrupção ativa. A procuradoria afirma que o ex-ministro tinha ingerência sobre as ações dos dirigentes do PT, o que é rechaçado pela defesa. "Contrariando esse pífio argumento, ficou exaustivamente demonstrado que José Dirceu se afastou de todas as questões relacionadas ao Partido dos Trabalhadores ao assumir suas funções na Casa Civil", afirma o memorial.
Delúbio já declarou ter agido sem qualquer influência do antigo ministro e os advogados de Dirceu corroboram com a tese de que o ex-tesoureiro tinha independência para atuar sozinho. "Até mesmo integrantes do diretório e da executiva do PT desconheciam os empréstimos do BMG, ao Banco Rural e às empresas de Marcos Valério", diz trecho do documento distribuído aos ministros do Supremo. Sobre as denúncias de que seria um dos nomes com mais forte influência sobre os destinos do PT, a defesa acredita que ficou "provado que presidente do PT, de direito e de fato, era mesmo o réu José Genoíno, uma pessoa de total autonomia de mando".
O Ministério Público pediu a condenação de 36 dos 38 réus do mensalão. Mas o caso mais emblemático é o de Dirceu, já que ele era o número dois do governo Lula. A ação penal 470, que analisa o caso do mensalão, tem 50 mil páginas e a expectativa é de que o julgamento se estenda pelo mês de agosto. A análise do caso começa no dia 2.
Contradições
O memorial de defesa do ex-ministro também cita o julgamento de outras ações penais que tramitaram no STF, nas quais os réus foram absolvidos por causa de testemunhos contraditórios. Os advogados usam um voto do ministro Joaquim Barbosa proferido em outro processo. Ele é o relator do caso do mensalão. No julgamento da ação penal 427, por exemplo, o réu era o ex-deputado Celso Russomano, acusado de dano ao patrimônio público. Em seu voto, Barbosa afirmou que duas testemunhas garantiam terem presenciado os fatos e outras duas testemunhas deram depoimento em sentido contrário. "Diante dessa falta de certeza, não há outra saída senão a absolvição", declarou à época o ministro em seu voto.
Para os advogados, o argumento de Joaquim Barbosa teria que ser seguido no julgamento. Duas testemunhas, Roberto Jefferson e Emerson Palmieri, relataram no processo que o publicitário Marcos Valério teria viajado a Portugal a mando do ex-ministro, para captar dinheiro para o esquema do mensalão. "Marcos Valério e Rogério Tolentino afirmaram que a citada viagem a Portugal não tinha relação alguma com Dirceu, o PT ou o governo", diz a defesa.
Nem todos os réus entregaram memorial de defesa ao STF. Alguns preferiram mandar resumos com os principais argumentos às vésperas do início do julgamento. Os representantes de José Genoíno e de Pedro Henry, por exemplo, avaliaram que os documentos entregues no ano passado eram suficientes para amparar a defesa dos réus. Eles se debruçam agora sobre a preparação do texto que será lido na sustentação oral.
"A acusação de compra de votos é sustentada por um único e frágil pilar: Roberto Jefferson" - trecho do memorial de defesa de José Dirceu
Ponto a ponto - Linha de defesa definida
Confira as principais acusações contra o ex-ministro José Dirceu e as alegações dos advogados:
Acusação: o mensalão era um esquema de compra de votos de deputados para a aprovação de projetos de interesse do governo, como as reformas da Previdência e tributária. O então ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares teriam arquitetado o esquema. Os deputados receberiam uma mesada de R$ 30 mil.
Defesa de Dirceu: segundo a defesa, não há nenhuma prova de que houve compra de votos. Essa tese foi "imaginada" e as acusações se baseiam apenas nas denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson, também réu da ação penal. A defesa diz que a acusação não tem "lógica de raciocínio", porque os deputados que teriam recebido mesada faziam parte da base de apoio do governo.
Acusação: a Procuradoria-Geral da República classificou José Dirceu como o "chefe da quadrilha" do mensalão e garantiu que o ex-ministro seria um dos principais articuladores do esquema de arrecadação de dinheiro para pagamento de mesada aos parlamentares, com grande influência no PT.
Defesa de Dirceu: os advogados garantem que José Dirceu estava completamente afastado do comando do PT e que o presidente de fato e de direito da legenda era José Genoíno. O ex-ministro também afirma que Delúbio não era subordinado a ele e teria total independência de atuação.
Acusação: como ministro da Casa Civil, José Dirceu teria usado sua influência para beneficiar o banco BMG. Por intermédio do então presidente do INSS, Carlos Gomes Bezerra, Dirceu teria conseguido benefícios para o banco, como a autorização para oferecer empréstimos para servidores.
Defesa de Dirceu: os advogados garantem que não há nenhuma prova de influência em benefício do BMG e garantem que o Ministério Público até mesmo abandonou essa imputação nas alegações finais da denúncia por falta de embasamento.
Acusação: José Dirceu manteria contato com Marcos Valério, considerado o principal operador do mensalão, para organizar os repasses de dinheiro a políticos. O publicitário teria viajado a Portugal a mando de Dirceu, para tratar da captação de recursos que seriam repassados ao esquema.
Defesa de Dirceu: segundo o ex-ministro, essa tese seria baseada unicamente nas denúncias de Roberto Jefferson. Além disso, os réus Marcos Valério e Rogério Tolentino afirmam em depoimento que a viagem a Portugal não tinha relação alguma com José Dirceu ou com o PT.
Acusação: o ex-ministro José Dirceu teria influência em órgãos de controle do governo e também na indicação de pessoas para ocuparem cargos estratégicos na administração pública federal.
Defesa de Dirceu: os defensores do ex-ministros dizem que o Ministério Público não conseguiu incluir nenhum exemplo de nomeação que teria sido imposta por Dirceu e que ele teria apenas um papel burocrático dentro da estrutura da Casa Civil.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE