segunda-feira, 1 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A decepção com Bolsonaro – Opinião / O Estado de S. Paulo

Por diferentes motivos, mesmo os crédulos que confiaram nas promessas liberais e modernizantes de Bolsonaro começam a suspeitar que foram enganados

O desapontamento com o governo Bolsonaro não é um fato novo. Há quem tenha se desencantado com Jair Bolsonaro em razão, por exemplo, da saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça em abril de 2020. Na ocasião, o ex-juiz da Lava Jato relatou tentativas de interferência por parte do presidente na condução da Polícia Federal. O episódio levou a que muita gente revisse sua ideia sobre a suposta carta branca que Jair Bolsonaro teria dado a Sérgio Moro para o combate à corrupção.

Na semana passada, a interferência de Jair Bolsonaro na presidência da Petrobrás produziu uma nova onda de decepção. Além dos efeitos devastadores sobre a empresa, com prejuízos muito concretos para as centenas de milhares de acionistas minoritários, a ordem para mudar a chefia da empresa consolidou a percepção de que Jair Bolsonaro não tem nenhum compromisso com a agenda liberal proposta na campanha de 2018. Não há mais nem mesmo o cuidado de manter as aparências.

Sempre houve bons motivos para desconfiar da adesão de Jair Bolsonaro a uma pauta de reformas. Basta pensar, por exemplo, que, por mais de duas décadas, a atuação do ex-capitão na Câmara dos Deputados foi oposta a todo o conjunto de reformas anunciado por Paulo Guedes na campanha eleitoral do então candidato do PSL à Presidência da República.

O fato, no entanto, é que muita gente confiou em Jair Bolsonaro: em sua disposição e capacidade de promover uma profunda mudança liberal no Estado brasileiro. A ideia era a de que, sob a batuta de Paulo Guedes, haveria um choque de gestão. O déficit fiscal acabaria, muitas privatizações seriam feitas, o poder público seria mais eficiente e o ambiente de negócios sofreria uma revolução.

“Quando candidato, Bolsonaro falava em privatização, e o ministro Guedes, que é liberal, defendia a tese da redução do tamanho do Estado. Me senti motivado a deixar meus negócios para contribuir com isso”, disse o empresário Salim Mattar ao Estado. De janeiro de 2019 até agosto de 2020, Salim Mattar foi o secretário especial de Desestatização e Privatização do Ministério da Economia.

Fernando Gabeira - Bolsonaro e a construção do caos

- O Globo

Na semana em que as mortes pela pandemia atingem a marca de 255 mil, toda a atmosfera política parece sombria. Não é caso de desespero, apenas a constatação de que vivemos um momento especialmente difícil.

Enquanto sonhamos com a imunização do povo contra a Covid-19, quem recebe vacinas é Flávio Bolsonaro, filho do presidente, e os congressistas do Brasil. Flávio ganhou uma vacina contra a punição no caso das rachadinhas. Os congressistas foram mais longe e produziram um projeto que os vacina contra a prisão em flagrante.

Impressionante ver como o populismo de direita se associa aos políticos tradicionais para criar uma intransponível blindagem para toda sorte de crimes.

E logo eles, os populistas de direita, que afirmam a decadência de um mundo materialista, distante dos valores espirituais que pretendem restaurar.

Acabo de ler “Guerra pela eternidade”, um livro de Benjamin Teitelbaum. O livro fala do retorno do tradicionalismo e da ascensão da direita populista. Infelizmente, não posso fazer uma resenha aqui, senão meu espaço iria para o espaço, se me perdoam o jogo de palavras.

Teitelbaum é etnógrafo, e seu método de pesquisa consiste em observar e interagir com as pessoas que estuda. Dois personagens, entre outros, se destacam em seu livro: Steve Bannon e Olavo de Carvalho. A leitura do livro me ensinou alguma coisa sobre o pensamento da direita, embora a tese central não tenha me parecido muito sólida. Ele tenta enquadrar Steve Bannon e Olavo de Carvalho no figurino do tradicionalismo, mas algumas partes do corpo ficam do lado de fora, não cabem exatamente.

Cristovam Buarque* - Um órfão chamado Brasil

- Correio Braziliense

O Brasil está órfão: sem oxigênio, sem responsável para cuidar do tratamento que precisa, nem tem quem lhe assegure vacina. Não teve um responsável que alertasse com autoridade que a doença era grave. Não recebeu as recomendações preventivas, nem os cuidados no período inicial. O Brasil não teve um responsável que lhe alertasse dos riscos. Ao contrário, ouviu “não fique em casa”, “vá para a rua”, “é uma gripezinha”. O oposto do que dizem pai e mãe preocupados com filho.

O Brasil não teve um responsável, um líder, um governante que o protegesse da doença e estivesse atento para obter e aplicar a vacina. Qualquer pai ou mãe ou tio ou padrinho protege o filho, natural ou adotado, cuida para ele ficar em casa, usar máscara, álcool em gel, e o leva para tomar a vacina.  O Brasil não tem quem cuide dele neste momento em que está sofrendo os horrores de uma epidemia. A orfandade não decorre apenas da falta de governante que cuide dele com amor e competência neste momento de epidemia. O atual governante não cuida do presente, nem formula rumos para o futuro.

O Brasil está órfão. Mas a orfandade é anterior. Se o Brasil não fosse órfão antes, não teria preferido o atual governante. Foi o órfão que buscou ser adotado por ele, com o voto de milhões de eleitores descontentes. O Brasil sentia-se abandonado: 12 milhões de analfabetos, 100 milhões sem rede de esgoto, 35 milhões sem água, 12 milhões de desempregados, a mesma concentração de renda e persistência da pobreza de que sofre desde sua origem.

Entrevista | Anne Applebaum: ‘Chegou a hora de regular as redes sociais’

A jornalista e historiadora americana adverte que o radicalismo é capaz de matar

Por Marcelo Marthe / Revista Veja

A americana Anne Applebaum, de 56 anos, é estrela indisputável da intelectualidade conservadora. Como jornalista, foi editora de dois tradicionais baluartes, as revistas The Economist e The Spectator. Mas foi como historiadora que consolidou seu prestígio. Seus estudos sobre os gulags, as temidas prisões soviéticas, e a fome da Ucrânia nos anos 30 renderam-lhe prêmios e expuseram os horrores do stalinismo. Em seu novo livro, O Crepúsculo da Democracia (Record), narra em tom pessoal um novo fenômeno: a adesão de muitos intelectuais às ideias autoritárias de governos populistas, dos Estados Unidos à Polônia — seu marido, Radoslaw Sikorski, é um político e ex-ministro do país europeu. Nesta entrevista a VEJA, ela fala sobre temas como as consequências da queda de Donald Trump, a sobrevivência dos líderes populistas na pandemia e a chamada cultura do cancelamento.

Em O Crepúsculo da Democracia, a senhora alerta sobre a escalada do populismo e do autoritarismo no mundo. A derrota de Donald Trump não sinaliza justamente o declínio dessa onda? 

É cedo para comemorar. A eleição de Trump, em 2016, refletiu uma insatisfação latente com muitas coisas, inclusive com a democracia e o sistema político. Apesar de sua derrota em 2020, o desapontamento com a democracia ainda está vivo nos Estados Unidos, na Europa e em muitos outros países com eleições livres, até mesmo no Brasil. As ideias autoritárias se alimentam de uma insatisfação profunda de muitas pessoas com os rumos da vida moderna e as dramáticas mudanças sociais e demográficas das últimas décadas. Esse mal-estar não sumirá com a queda de Trump.

Por que a democracia liberal, que trouxe tanto progresso ao Ocidente, passou a ser questionada? 

Por diversos motivos. Nos Estados Unidos, existe a frustração de parte da população com as complicações para aprovar novas leis, e isso dá a sensação de que o Congresso é inoperante. A polarização de nosso sistema político também amplia a percepção de que o Estado não tem força. Se tudo se encontra paralisado, por que não cogitar que uma liderança centralizada e autoritária possa fazer o que os políticos não conseguem? Na maioria das democracias liberais, as pessoas também passaram a achar que seus líderes, de quem esperam atitudes de mudança, não detêm o controle do governo.

A invasão do Capitólio por apoiadores de Trump representou um risco real à democracia americana? 

A invasão do Capitólio foi uma consequência palpável, e perigosa, da polarização política. Aquela gente falava a sério ao proclamar que desejava matar integrantes do Congresso. Eles não obtiveram êxito, felizmente, mas restaram cinco mortos ao fim do caos. Não se tratava de republicanos atacando democratas, mas de uma horda de loucos antissistema que tinham as instituições como alvo. Foi uma explosão de toda a raiva insuflada ao longo de anos de polarização nas redes sociais.

José Eduardo Faria* - Qual é o rumo da democracia brasileira?

- Horizontes democráticos

Entre os diferentes modos de compreender o que é a democracia, em termos funcionais, destaca-se o que a encara como um regime de dispersão e neutralização de confrontos que podem colocar em risco as estruturas sociais. Nessa perspectiva, a democracia é vista como um entrechoque entre interpretações e aspirações, entre alternativas e opções, percepções e convicções, que se desenvolve em espaços públicos sujeitos a extravasamento de paixões, aspirações, reivindicações, promessas, dissimulações, maniqueísmos, agressões morais e mentiras.

Para neutralizar os riscos de corrosão do pacto social daí decorrentes e viabilizar a construção de decisões coletivas com base em diálogos construtivos, evitando o retrocesso do Estado civil para o estado da natureza, a democracia desenvolveu um sistema de freios e contrapesos — ou seja, regras e procedimentos, como o voto universal, eleições livres e o princípio da maioria, que canalizam reivindicações e desarmam insatisfações, ao mesmo tempo em que permitem construção de acordos coletivos e de deliberações públicas.

Se em vários momentos na segunda metade do século XX a democracia foi marcada por embates ideológicos profundos e acirrados, ainda que por vezes sem que os líderes políticos e partidários se desqualificassem reciprocamente no plano moral, nas duas primeiras décadas do século XXI isso mudou. Em decorrência dos avanços das tecnologias de comunicação e de informação, os partidos se fragmentaram, as linhas de demarcação que separam responsabilidades e delimitam as diferentes zonas de poder se tornam mais porosas e novos espaços políticos surgiram, intercruzando-se e se justapondo, enfraquecendo com isso a mediação parlamentar.  No mesmo sentido, a imprensa tradicional, as novas mídias e os antigos e novos espaços políticos justapostos foram sendo progressivamente envolvidos por atitudes cada vez mais polarizadas e por retóricas cada vez mais agressivas de políticos cuja identidade é forjada mais pelo que negam e agridem do que pelas ideias que defendem. Em vez de uma convivência democrática entre adversários, ao destilar o ódio e recorrer a agressões morais e à mentira sistemática uma corrente entre os novos atores converteu a política não em disputa ou competição, mas numa guerra, em cuja dinâmica quem não é amigo é inimigo e como tal tem de ser liquidado.

Foi o que se viu, por exemplo, nas atitudes do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán logo após sua reeleição, em 2014, descrevendo o futuro de seu país na perspectiva de um Estado autocrático, que não rejeitaria os valores da democracia liberal, mas não os adotaria como elemento estruturante da organização das instituições húngaras. Foi o que também se viu no final do governo Trump, com o triste espetáculo da invasão do Capitólio, em janeiro.

Marcus André Melo* - Vacina política

- Folha de S. Paulo

A vacina contra a hiperfragmentação não pode ser cancelada

O que há em comum entre a bancada federal de Espírito Santo, Roraima, Rondônia, Rio Grande do Norte, Sergipe, Alagoas e Amapá? E de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, e Mato Grosso do Sul, Acre, Amazonas, e Piauí?

No primeiro grupo todos os deputados provêm de partidos diferentes; a fragmentação alcançou o maior valor matematicamente possível. No segundo, a situação é marginalmente diferente: o maior partido da bancada tem dois representantes, os demais um. Sim, a hiperfragmentação política entre nós ultrapassou as raias do absurdo.

O número efetivo de partidos na Câmara Federal alcançou em 2018 o maior valor já registrado em qualquer país, 16,46. Não me refiro ao número nominal de partidos mas ao número efetivo, uma métrica que pondera os partidos pelo seu tamanho. O número nominal não importa: o Reino Unido tem 408 partidos registrados, inclusive o Church of the Militant Elvis Party; dez possuem pelo menos um representante no parlamento. Os EUA têm 61 nominais, inclusive o Marijuana Reform Party. O número efetivo no Reino Unido e nos EUA é 2,4 e 1,99, respectivamente.

Celso Rocha de Barros – Brasil morre, Brasília foge, e Faria Lima vende

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro permanece impune, em troca nenhum político será preso

A semana passada deve ter sido a pior do século 21 brasileiro. Enquanto os primeiros países a se vacinarem já discutem a volta à normalidade, as mortes por Covid-19 crescem aceleradamente no Brasil.

As mortes já começaram a cair em países que também se saíram mal no combate à pandemia, como o México e os Estados Unidos, mas continuam a crescer no Brasil.

Em Manaus, pacientes intubados precisam ser amarrados para suportar a agonia porque a anestesia acabou, como antes havia acabado o oxigênio.

O governo Bolsonaro mandou as vacinas do Amazonas para o Amapá porque errou a sigla. Em várias regiões do Brasil a ocupação de UTIs se aproxima de 100%.

No célebre hospital Albert Einstein, o preferido do presidente, já está em 104%. Se Bolsonaro fosse esfaqueado por Adélio Bispo hoje, morreria sangrando na sala de espera.

Enquanto isso, o auxílio emergencial acabou, e a população brasileira mergulhou na mais profunda miséria.

Catarina Rochamonte - O privilégio da impunidade

- Folha de S. Paulo

Arthur Lira tentou aprovar a toque de caixa proposta para adulterar a imunidade parlamentar

Devido à forte rejeição da opinião pública e oposição firme de alguns poucos parlamentares, foi momentaneamente frustrada a trama conduzida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, para aprovar a toque de caixa —e atropelando os ritos processuais— uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 3/2021) para adulterar a imunidade parlamentar já assegurada pela Constituição.

No seu teor original, a indecorosa proposta —apelidada de PEC da Impunidade e PEC da blindagem—, dentre outras extravagâncias, limita o alcance da Lei de Ficha Limpa, restringe a prisão em flagrante de parlamentar e dispõe que ações judiciais contra eles ficam condicionadas à decisão do plenário do Supremo. Além disso, o deputado ou senador preso em flagrante ficará sob custódia do próprio Poder Legislativo esperando decisão dos colegas acerca do seu futuro. Em suma, a PEC 3/2021 tem o claro propósito de dificultar ao extremo a ação do Judiciário sobre os parlamentares, tornando-os, na prática, inimputáveis.

Ana Cristina Rosa - O inacreditável virou banal

- Folha de S. Paulo

Depois de um ano marcado por mortes e recessão, a sensação é de que pouco ou nada aprendemos

São tantos os absurdos ocorrendo de maneira concomitante ao longo da pandemia de Covid-19 no Brasil que a palavra inacreditável parece ter perdido um pouco do sentido por essas bandas. Quem iria imaginar que transcorridos 12 meses da maior crise sanitária, econômica e social do século seríamos capazes de sincronizar em todo o país a gravidade dos efeitos do coronavírus levando o sistema de saúde nacional à beira do colapso?

De norte a sul, a ocupação das UTIs e das enfermarias margeia o esgotamento, com filas de espera para internação. Tudo pela negligência de medidas básicas que se mostraram eficazes na prevenção da doença mundo afora, como o distanciamento social e o uso de máscara.

Na semana em que o Brasil atingiu a marca de 250 mil mortos por Covid-19 e a Organização Mundial da Saúde resumiu a situação como “uma tragédia”, cerca de quatro centenas de pessoas se aglomeraram, boa parte delas sem máscara, em solenidade oficial na capital federal. Paralelamente, festas clandestinas seguiram bombando por toda parte.

Ricardo Noblat - “Os 7 do Alvorada” discutem o que fazer à falta de vacinas

- Blog do Noblat / Veja

Roteiro da pior qualidade

Na noite em que o filme americano “Os 7 de Chicago” concorreu ao prêmio Globo de Ouro em cinco categorias e ganhou a de melhor roteiro, sete homens posaram para uma foto encostados a uma parede de livros do Palácio da Alvorada – cinco deles de braços cruzados, um com os braços estendidos ao longo do corpo e o outro com as mãos nos bolsos.

O filme foi baseado no caso real do julgamento de um grupo de ativistas políticos acusados pelo governo americano de conspiração e incitação à revolta durante os protestos contra a guerra do Vietnã que marcaram em 1968 a convenção do Partido Democrata em Chicago. Seis deles foram condenados na primeira instância da justiça e absolvidos na segunda.

A foto registrou o final do encontro de “Os 7 do Alvorada” que discutiram por mais de uma hora o que fazer com o agravamento da pandemia da Covid que ontem, pelo segundo dia consecutivo, bateu um novo recorde de mortes. Já são 39 dias seguidos com média móvel acima de mil mortos. Se no futuro “Os 7 do Alvorada” serão julgados ou não, ainda é cedo para prever.

Deles, três são militares (generais Braga Neto, chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria do Governo, e Eduardo Pazuello, ministro da Saúde). Um é ex-capitão (Bolsonaro, afastado do Exército por planejar atentados a bomba a quartéis, e presidente da República). E três são civis (o ministro da Economia e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado).

Bolsonaro começou o domingo afrontando de novo os governadores que adotaram medidas severas de isolamento. Compartilhou vídeo onde manifestantes, muitos sem máscaras, sitiam a casa do governador Ibaneis Rocha, em Brasília. À tarde, soube que a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal, mandou que pagasse por leito de UTI em São Paulo, Maranhão e Bahia.

Entrevista | Tasso Jereissati: ‘Pacheco terá teste com CPI da covid’

Senador tucano cobra do presidente da Casa a instalação de comissão para apurar a conduta do governo na pandemia

Daniel Weterman / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) pressiona o presidente do SenadoRodrigo Pacheco (DEM-MG), a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a conduta do presidente Jair Bolsonaro na crise de covid-19. O senador é um dos autores do pedido para abertura da investigação no Congresso que vai apurar a condução do combate à pandemia por autoridades públicas, incluindo o chefe do Planalto.

A instalação depende de Pacheco, apoiado por Bolsonaro na eleição para o comando da Casa e também pela oposição. “Esse vai ser o grande teste do Rodrigo, se ele realmente é independente como está dizendo ou se para ganhar se comprometeu até à alma com o Bolsonaro” afirmou o tucano em entrevista ao Estadão.

Na sexta-feira passada, Bolsonaro visitou as obras de duplicação da BR-222, em Caucaia (CE), e, mais uma vez, cumprimentou simpatizantes sem respeitar as medidas de contenção da covid-19, na semana em o que País atingiu novo recorde diário de mortes pela doença. “É preciso parar esse cara”, disse Tasso. A aglomeração ocorreu após o governador do Estado, Camilo Santana (PT), decretar toque de recolher e reduzir o funcionamento de atividades em função do avanço do novo coronavírus. Confira os principais trechos da entrevista:

Como o senhor avalia a recente visita do presidente Jair Bolsonaro ao Ceará?

Dois dias antes, o governador e o secretário da saúde anunciaram toque de recolher e outras medidas. Tudo isso porque estamos pertinho do colapso e com tendência de crescimento da pandemia muito grande. Chega o presidente aqui e vai a um município, junta gente, aglomera gente sem máscara, depois vai para outro e conclama a população a sair de casa. Além de conclamar, joga uma ameaça: aquele governador que fechar agora tem que pagar o auxílio emergencial. É um esforço enorme para conscientizar a população e o cara vem e conclama o contrário. 

Por que o senhor defende a instalação da CPI no Senado?

Estou pedindo ao Senado, com receio de que teremos dificuldade porque não sei qual vai ser a posição do presidente Rodrigo Pacheco, que instale a CPI da covid-19. Ele colocou meio na gaveta, fez aquela audiência com Pazuello, que foi um desastre, para empurrar com a barriga. É preciso parar esse cara (Bolsonaro). O intuito da instalação da CPI não é nem para punir, mas é para pelo menos parar essa insanidade. Por ser presidente da República, não pode conclamar a população inteira a correr risco de morte sem nenhum tipo de punição.

Carlos Melo* - Um ano de pandemia: um poço sem fundo

- O Estado de S. Paulo

O coronavírus se espalhou pelo planeta, causou incomensurável número de mortes de indivíduos e destruição de famílias, além do prejuízo econômico. Afetou a percepção das pessoas em relação a governos. Todavia, no Brasil, seus efeitos sobre os planos de Jair Bolsonaro precisam ser relativizados.

Problemas preexistiam. A crise econômica, por exemplo, após um ano de governo, em 2020, persistia sem solução; o extremismo político, a incapacidade de lidar com a democracia são desde sempre traços estruturais do bolsonarismo. Logo, a pandemia, mais do que criar problemas, os aprofundou; explicitou o mal-estar, talvez, difuso.

E, assim, acelerou o processo de conflitos e desacertos, fazendo disparar o tempo político e eleitoral. O ano de 2020 se desenvolveu como avalanche que invadiu 2021, atravessando-o e lançando o país diretamente em 2022: antecipou a disputa eleitoral, que só não está nas ruas porque as ruas estão forçosamente vazias.

Denis Lerrer Rosenfield* - Adeus à razão

- O Estado de S. Paulo

A devastação atinge as pessoas, corrói a saúde e produz a miséria. Será esse o nosso destino?

A irresponsabilidade do governo federal, secundado por boa parte dos estaduais, beira o absurdo. São mais de 250 mil mortos, nenhuma previsão de melhora e discussões bizantinas sobre alternativas inexistentes, como a da escolha entre vacina ou trabalho, como se fossem excludentes. Enquanto não houver vacinação maciça não haverá volta à normalidade.

Os limites da racionalidade são testados diariamente, como se a destruição fosse inevitável, seja da saúde coletiva, seja dos fundamentos da economia. Há, atuante, o que Freud chamava de pulsão de morte, Tânatos, que age “livremente” sem nenhuma contenção. Ou, em linguagem bíblica, a devastação atingindo pessoas, corroendo a saúde e produzindo a miséria. Será esse o nosso destino? Um ano já se foi, o de 2020, o outro começa a ir-se. E discutem-se as eleições de 2022!

A incompetência – A incompetência é o lado mais visível da devastação. Não há vacinas, não há insumos para a sua produção, não há leitos de UTI suficientes, não há oxigênio em algumas cidades. Boa parte do ano foi gasta com declarações inúteis sobre vacinar ou não, como se a vida do outro pudesse ser objeto de escolha. Todas as opções feitas foram erradas, com a exceção do governador João Doria, que tomou a iniciativa de comprar e produzir vacinas, a dita chinesa, que o presidente, enfim, depois de muita tergiversação, decidiu “nacionalizar”. No momento de tomar iniciativas meses atrás, demitiu ministros que tinham noção da gravidade da situação e os substituiu por um que só obedece, dando tempo para o vírus produzir os seus efeitos. Ode à irracionalidade.

Felipe Scudeler Salto* - Sem auxílio e sem ajuste

- O Estado de S. Paulo

O caminho é resolver a emergência e avançar a sério no debate fiscal. Não no tapetão

O debate sobre a Proposta de Emenda à Constituição n.º 186, a PEC Emergencial, ressurgiu em meio à urgência de um novo programa de auxílio social. A vinculação do programa a reformas fiscais constitucionais não é uma boa estratégia, mas é possível endereçar as duas questões tempestivamente. Responsabilidade fiscal e sensibilidade social andam de mãos dadas.

É preocupante que pareça ser necessário bater na responsabilidade fiscal para obter legitimidade na defesa de um gasto social urgente. Ou você banca o durão e defende a ideia de que só será possível pagar R$ 250 a famílias que estão à míngua se houver compensações ou abraça a lassidão fiscal. É preferível o caminho da ponderação.

As simulações consideradas pela Instituição Fiscal Independente (IFI) mostram que o auxílio emergencial poderia custar R$ 34,2 bilhões se destinado a 45 milhões de pessoas, com quatro cotas mensais de R$ 250. Essa conta já é líquida dos pagamentos aos beneficiários do Programa Bolsa Família, que receberiam apenas a diferença entre o valor do novo auxílio e a transferência atual.

Antonio Penteado Mendonça* - Saúde pública e o direito do cidadão

- O Estado de S. Paulo

Britânicos não discutem o que está incluído no rol de atendimento, nem pede o que não está incluído, resolvendo um problema que, no Brasil, começa a adquirir proporções sérias

A Grã-Bretanha não tem esse problema. Lá existe um rol oficial, que é periodicamente revisto e atualizado, que serve de base para o atendimento médico-hospitalar, incluída a distribuição de medicamentos para a população. 

Ninguém discute o que está incluído no rol, nem pede o que não está incluído, resolvendo um problema que, no Brasil, começa a adquirir proporções sérias, pela disparidade entre o fornecimento de medicamentos extremamente caros para poucas pessoas, sangrando o combalido orçamento da saúde pública, que fica ainda com menos recursos para atender o grosso da população.

A questão é delicada porque envolve o dever moral de atender o máximo de pessoas com os recursos existentes e o direito individual, garantido pela Constituição Federal, de todo cidadão ter suas necessidades de saúde atendidas.

Saúde pública tem como pedra angular o atendimento do maior número de pessoas possível, garantindo a elas a melhor saúde e qualidade de vida, dentro de um cenário semelhante para todos, no qual as oportunidades de cada um não são exceções, nem se contrapõem ao número de atendimentos, realizados com recursos limitados, orçamentariamente destinados a esse fim.

Na Grã-Bretanha, que tem o melhor, ou um dos melhores serviços de saúde pública do mundo, a regra é clara. Todos têm direito ao que é incluído na lista oficial, ninguém tem direito a mais do que o ali disposto, ainda que exista medicamento mais moderno, com capacidade de cura muito mais elevada do que o constante no rol oficial.

Tanto faz se custa mais barato ou mais caro, o que não está na relação oficial não é fornecido pelo serviço de saúde. Se o interessado desejar, ele assume, particularmente, o custo da aquisição. A premissa básica por trás do desenho é o atendimento ao maior número possível de pacientes, o que pode ser conseguido se houver uma limitação de gastos, não por paciente, mas por procedimento muito caro. 

Bruno Carazza* - Governar é inaugurar estradas

- Valor Econômico

Ajuste fiscal da PEC emergencial foi esvaziado

Coribe (BA), Propriá (SE), Cascavel (PR), Florianópolis (SC), Alcântara (MA), Sertânia (PE), Campinas (SP), Rio Branco (AC), Foz do Iguaçu (PR), Tianguá (CE) e Fortaleza (CE). Nos últimos 40 dias, o presidente da República visitou 12 cidades brasileiras. Além das críticas à promoção de aglomerações no período em que a pandemia atinge seu ápice, o roteiro também deixa claro que Bolsonaro já está em campanha para ser reeleito em 2022.

Com a exceção de Rio Branco, para onde se dirigiu com os justos propósitos de sobrevoar as áreas atingidas pelas enchentes e acompanhar a ação das Forças Armadas e dos órgãos de Defesa Civil, os outros deslocamentos tiveram motivação meramente política.

Reagindo à queda de popularidade e aos ataques intensos que vem recebendo pela condução do país durante a crise de covid-19, Bolsonaro botou o pé na estrada. Afinal, é preciso manter o entusiasmo em regiões que o apoiaram massivamente em 2018 (como Santa Catarina e o oeste do Paraná) e prestigiar grupos cativos como os militares, ainda que a visita seja apenas para desejar boa sorte a novos cadetes no seu curso de formação em Campinas.

Todavia, chama a atenção o destino preferencial de suas viagens. Em cinco das últimas seis semanas o presidente voou para inaugurar obras no Nordeste, seu calcanhar de Aquiles nas últimas eleições e onde ele tem seu pior desempenho nas pesquisas. Não por acaso, na maioria das vezes ele aterrissou em Estados governados por partidos que lhe fazem oposição.

Entregar trechos de estradas, pontes e ações contra a seca faz parte do jogo político. Como todos os seus antecessores desde que Fernando Henrique Cardoso inventou a reeleição, Bolsonaro está utilizando os recursos de que dispõe como chefe do Poder Executivo para agradar eleitores cativos e ampliar sua base de apoio visando se manter no poder até 2026.

Gustavo Loyola* - Nova ameaça ao Coaf

- Valor Econômico

Interpretações judiciais querem atribuir ao Coaf um papel trivial de repositórios passivo de informações

Recente decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) pode ter colocado em risco a efetividade do arcabouço vigente no país de prevenção e combate à lavagem de dinheiro (PLD), ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa.

Trata-se da decisão, amplamente repercutida na imprensa, na qual o TRF-1 questiona a motivação para a geração de um RIF (Relatório de Inteligência Financeira) sem que tivesse havido algum tipo de provocação. O Tribunal põe em questão o que teria sido a “geração espontânea” de um RIF por parte do órgão de inteligência financeira. No mesmo julgado, o TRF-1 determina à Polícia Federal que instaure inquérito para investigar a postura do Coaf no caso.

Embora não se tenha todos os detalhes da referida decisão judicial, disparou-se o alerta de que o posicionamento do Tribunal possa estar atingindo o cerne da atividade de inteligência financeira, que é o recebimento de informações de fontes legalmente previstas (bancos, por exemplo), a análise dessas informações e, no caso de situações suspeitas, a produção e disseminação para as autoridades competentes dos Relatórios de Inteligência Financeira.

Numa interpretação mais restritiva, o TRF-1 estaria determinando que o Coaf não poderia mais produzir RIFs a partir de sua própria análise, mas deveria esperar ser solicitado a fazê-lo por órgãos como o Ministério Público e o Poder Judiciário. Ora, isso seria reduzir substancialmente a capacidade do Estado brasileiro de combater a lavagem dinheiro e o financiamento do terrorismo. Entendo que pouco adiantaria ter um órgão de inteligência financeira como praticamente um mero repositório de dados, sem capacidade de iniciativa para analisar e disseminar espontaneamente informações de transações suspeitas que lhe são transmitidas por suas fontes.

Daniela Chiaretti - Quando a Amazônia é maior que o Brasil

- Valor Econômico

Descaso brasileiro dos últimos anos coloca a região na mira global

A crise climática voltou à agenda do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Na semana passada, durante sessão especial convocada pelo Reino Unido, país que exercia a presidência rotativa do órgão, o primeiro-ministro Boris Johnson deu o tom: “É absolutamente claro que a mudança do clima é uma ameaça à segurança coletiva e das nossas nações”. Continuou: “Quer você goste ou não, é uma questão de quando, não de se. Seu país e povo terão que lidar com os impactos de segurança da mudança climática”.

O presidente Emmanuel Macron fez eco. O francês reiterou que o assunto envolve paz e segurança globais, propôs que o Conselho o considere como parte do mandato e sugeriu aos membros que elejam um enviado especial para coordenar esforços. John Kerry, o enviado especial sobre mudança climática do presidente Joe Biden, lembrou que o Pentágono descreve há anos as mudanças climáticas como “multiplicador de ameaças”. Explicou: “Alguns argumentam que não é assunto do Conselho de Segurança da ONU. Bem, poderíamos desejar que fosse verdade”, seguiu o ex-secretário de Estado de Barack Obama. “Enterramos nossas cabeças na areia por nossa própria conta e risco”.

O encontro terminou sem consenso. Rússia e China, dois outros membros permanentes do Conselho de Segurança com direito a veto nas decisões, se opuseram. Seus representantes concordam que o desafio climático é ameaça importante, mas alegam que outras agências e fóruns da ONU são mais gabaritados para tratar de mudança do clima. Fazer o nexo no CSNU é forçar a barra, dizem.

Bela Megale - O constrangimento de usar máscara no Palácio do Planalto

- O Globo

Da recepção aos gabinetes, o negacionismo do presidente Jair Bolsonaro em relação ao uso de máscaras para combater o espalhamento da Covid-19 ocupa todos os espaços do Palácio do Planalto. Funcionários relataram à coluna que ainda hoje, um ano depois do início da pandemia, é raro ver alguém com máscara durante o expediente no prédio. O utensílio só é colocado vez ou outra por pessoas quando deixam suas salas e circulam em locais onde possam encontrar jornalistas.

Alguns servidores do Planalto dizem ser a favor do uso da máscara, mas afirmam que chegam a se sentir “constrangidos” pela postura dos demais colegas e também do próprio Bolsonaro, que deixa claro para qualquer um a sua irritação com quem segue os protocolos básicos de combate à Covid-19.

Na semana passada, quando o Brasil registrou quase 1.600 mortes em um dia, o presidente voltou a questionar a eficiência da máscara, item cientificamente comprovado como eficaz para conter a disseminação da doença. 

Auxiliares de Bolsonaro relataram que pediram, insistentemente, para o chefe usar máscara ao menos em aparições públicas, mas que acabaram desistindo dos apelos. Para eles, o gesto ajudaria a melhorar a imagem do presidente e o protegeria de novas representações na Justiça, por ignorar protocolos estabelecidos pelo próprio Ministério da Saúde.

Música | Elis Regina - Águas de Março (Tom Jobim)

 

Poesia | Vinicius de Moraes - Dialética

É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz

Mas acontece que eu sou triste...