quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Opinião do dia:Jurgen Habermas

"Enquanto os políticos situam sua ação na realidade, os homens de cultura situam, no contexto da história."

Merval Pereira: A força dos cidadãos

- O Globo

Opinião pública se fortalece com novos meios de comunicação, capazes de espalhar repúdio dos eleitores em poucos minutos

A votação simbólica com que o Senado retirou da pauta o projeto que suavizava a Lei da Ficha Limpa é simbólica também do poder que os cidadãos têm de barrar iniciativas que façam retroceder os avanços que já alcançamos no combate à corrupção, exercendo sua cidadania.

O próprio autor da proposta, senador tucano Dalírio Beber, pediu que a votação não ocorresse. Não fez isso pressionado por sua consciência, nem por uma ação de seu partido, o PSDB, que mais uma vez se omitiu. Foi pressionado, isso sim, por centenas de mensagens de eleitores, e pela repercussão negativa que sua iniciativa teve na opinião pública.

O Congresso que se despede já tentara diversas vezes amenizar as punições aos deputados e senadores apanhados em crime de Caixa 2, e sempre teve que recuar. O projeto foi arquivado definitivamente, e espera-se que o renovado Congresso que toma posse em fevereiro demonstre na prática que, se não se renovou muito nominalmente, tenha se renovado em práticas políticas.

Além do repúdio da opinião pública à corrupção disseminada, uma das razões para a exitosa campanha eleitoral de Bolsonaro, há um fato concreto pela frente dos que ainda não entenderam que o país está em mudança: o juiz Sérgio Moro assume em janeiro o ministério da Justiça ampliado, com a prioridade de combater a corrupção e a lavagem de dinheiro.

Bernardo Mello Franco: Bolsonaro aposta contra os partidos

- O Globo

O presidente eleito resolveu ignorar os partidos e negociar diretamente com as bancadas temáticas do Congresso. A questão é saber se conseguirá governar desse jeito

O presidente eleito adotou uma estratégia ousada na montagem do novo governo. Ele resolveu ignorar os partidos e negociar diretamente com as bancadas temáticas do Congresso. Foi assim que os deputados da frente ruralista escolheram a ministra da Agricultura. Quando alguém se lembrou de avisar a cúpula do DEM, ela já havia topado o convite.

O método parece coerente com o discurso da campanha. Jair Bolsonaro prometeu a seus eleitores que mudaria a velha lógica do loteamento de cargos. Ele chegou lá sem o apoio de nenhum grande partido. A questão é saber se conseguirá governar da mesma forma.

“Na vida real, não há hipótese de isso dar certo”, diz o analista Antonio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “Todo governo precisa negociar com os partidos. É assim que o sistema funciona”, afirma.

As principais decisões do Congresso passam pelos líderes partidários. Eles negociam a pauta, encaminham as votações e escolhem os relatores dos projetos. Isso faz com que um pequeno grupo de parlamentares se sobressaia entre 513 deputados e 81 senadores.

Míriam Leitão: Escolher o Brasil como destino

- O Globo

O Brasil é um país formado por imigrantes. Uma política de reação a eles, como pretende Bolsonaro, vai contra a natureza do próprio país

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, acha que o Brasil é um país sem fronteiras e quer uma política mais rígida contra imigrantes. “Não podemos admitir a entrada indiscriminada de quem quer que seja, simplesmente porque querem vir para cá”. Vittorio Bolzonaro — assim mesmo com “z” — tinha 10 anos, em 1888, quando seus pais embarcaram com ele e seus irmãos em Gênova e, semanas depois, desembarcaram em Santos. Eles simplesmente quiseram vir pra cá. Vittorio vem a ser bisavô do presidente.

A vinda dos imigrantes italianos, alemães, japoneses, sírio-libaneses, judeus, poloneses, portugueses, turcos, tantos outros, faz de nós o que somos. É impossível imaginar o Brasil sem as ondas migratórias que o formaram. “Se essa lei continuar em vigor, qualquer um pode entrar aqui. E chega aqui com mais direitos que nós”, diz o presidente, não deixando pista do que ele tentava dizer com essa ideia de que quem vem de outro país tem vantagens sobre os brasileiros natos. Nunca será fácil migrar. O belo livro de Eva Blay “O Brasil como destino” relata as dores e as esperanças dos judeus que escolheram São Paulo para reconstruir suas vidas.

William Waack: Jair, o que a gente vai dizer?

- O Estado de S.Paulo

Não falta muito para o Brasil ser chamado a assumir lado numa briga de cachorros muito grandes

O grande espetáculo geopolítico do século ganhou mais ritmo. O Departamento de Comércio do governo americano acaba de divulgar uma lista de novas tecnologias que terão exportação restringida. Elas incluem inteligência artificial, computação quântica e robotics. A lista de restrições às exportações dessas tecnologias é claramente desenhada para preservar o avanço americano em relação à China.

A divulgação da lista ocorreu poucas horas depois de um áspero duelo de discursos no encontro da cúpula econômica dos países da Ásia e do Pacífico entre o presidente da China (ao qual a imprensa internacional já se refere como imperador) e o vice-presidente americano Mike Pence (Trump esnobou o encontro). A guerra de palavras entre Beijing e Washington tornou mais difícil acreditar numa solução breve para a declarada guerra comercial entre os dois gigantes da economia mundial.

Mais ainda: na guerra de discursos, China e Estados Unidos descreveram-se mutuamente como potências coloniais na Ásia. Pence pediu aos países da região (e outros fora dela) que não aceitem “dívida externa” (uma referência à grande iniciativa estratégica chinesa de projetos de infraestrutura em vários países) que possa “comprometer sua soberania”. E Xi Jinping acusou os EUA (embora não tivesse mencionado o nome) de solapar o sistema de regras internacionais “por motivos egoísticos”.

*Eugênio Bucci: Quem gosta mais de desinformação?

-O Estado de S.Paulo

Para as plateias de direita extremada, tanto faz se o divulgado é mentira ou verdade

A direita gosta mais de fake news do que a esquerda? Ou, em outros termos: as campanhas de candidatos de perfil “conservador” - os populistas, ultranacionalistas, que pregam soluções violentas para combater a criminalidade, elogiam governos autoritários, dizem defender a dita “família tradicional” e atacam gays e lésbicas - seriam mais propensas a lançar mão das fake news? Ainda não há dados conclusivos sobre isso, mas há indicativos fortes. Vejamos alguns deles.

Em 2016 o mundo descobriu, com um misto de surpresa e excitação, que jovens da Macedônia produziam conteúdos mentirosos para promover a candidatura de Donald Trump. Em seguida, repórteres do mundo inteiro foram atrás desses ativistas para entender suas razões. O que encontraram foi um tanto desconcertante. Os macedônios não tinham propriamente uma predileção pelo republicano loiro. Não queriam nem saber de política. O negócio deles era dinheiro. Eles apenas geravam notícias fraudulentas a favor de Trump e contra Hillary Clinton porque os eleitores dele eram fregueses mais vorazes que os dela. Um desses jovens, o designer Borce Pejcev, explicou tudo à Agência France Press: “Os conservadores eram mais propícios para fazer dinheiro, gostam das teorias da conspiração”.

José Serra: Subsídios e transparência

- O Estado de S.Paulo

Informações essenciais para avaliação precisa dos custos e benefícios devem estar disponíveis

O Ministério da Fazenda passou a publicar relatórios que ampliam a transparência dos subsídios concedidos pelo governo federal. No mais recente, evidenciou-se que os benefícios financeiros e creditícios atingiram R$ 84,3 bilhões em 2017 – cerca de três vezes o gasto do programa Bolsa Família. De fato, apesar dos avanços em transparência, o material elaborado pelo governo ainda não avalia adequadamente os subsídios que afetam o custo das operações de crédito realizadas no País com taxas de juros favorecidas. Além disso, não faz uma análise de resultados, o que permitiria julgar a pertinência dos gastos que integram a política creditícia.

Tenhamos uma certeza: a sociedade e o Parlamento precisam conhecer os impactos dos subsídios concedidos pelo setor público, especialmente porque eles têm implicações macroeconômicas e beneficiam setores específicos da sociedade.

Nosso regime fiscal hospeda importantes regras em matéria de transparência fiscal. Por exemplo, no capítulo sobre orçamentos, a Constituição federal exige a divulgação de demonstrativo regionalizado dos efeitos dos subsídios sobre as receitas e as despesas previstas no Orçamento. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por sua vez, inaugurou comandos específicos nessa direção. No parágrafo único do seu artigo 27, condiciona à aprovação de lei a concessão de qualquer empréstimo ou financiamento com taxas de juros inferiores às usadas na captação de recursos pelo governo.

Zeina Latif*: Manter a casa arrumada

- O Estado de S.Paulo

Engana-se quem acredita que medidas microeconômicas são pouco relevantes

O próximo presidente do Banco Central assumirá a instituição com a casa bem mais arrumada: sua credibilidade restaurada; o reconhecimento da comunidade internacional; diretoria de grande qualidade técnica; nenhuma necessidade de guinada das políticas monetária e cambial; e uma bem definida (e já iniciada) agenda de medidas estruturais.

A gestão de Ilan Goldfajn entregará dois anos seguidos de inflação baixa, após 7 anos consecutivos de inflação acima da meta de 4,5%. Como resultado, as projeções de inflação dos analistas de mercado estão em patamares compatíveis com as novas metas para os próximos anos (4,25% para 2019, 4% para 2020 e 3,75% para 2021).

Ainda que não sem tropeços, houve o aprimoramento da comunicação do BC. Ficou mais fácil compreender seu diagnóstico do quadro econômico, os cenários para a inflação e, portanto, as implicações na estratégia de política monetária. De quebra, o Copom, Comitê de Política Monetária, contribui para o avanço da agenda econômica ao explicitar a necessidade de reformas fiscais para garantir o cumprimento das metas de inflação no médio e longo prazos.

Importante reconhecer a independência que o governo Temer deu à instituição, bem diferente do governo anterior.

Luiz Carlos Azedo: Tropa de choque aflita

- Correio Braziliense

“O futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, está sendo acusado de escantear o PSL e favorecer o DEM. Bolsonaro precisou acalmar a própria bancada”

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, precisou passar na reunião das bancadas do PSL na Câmara e no Senado, ontem, para apagar um princípio de incêndio por causa do descontentamento do seu próprio partido com a nomeação de três ministros do DEM em áreas politicamente estratégicas do futuro governo: a poderosa Casa Civil, que coordenará a articulação política e ficará a cargo de Onyx Lorenzoni, e os dois titulares da área política indicados até agora, o deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), na Saúde, e a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), na Agricultura. A senadora Soraya Thronicke, eleita pelo PSL no Mato Grosso do Sul, puxou o coro de descontentes, porque ficou sabendo da nomeação de Tereza Cristina pela imprensa.

Na Câmara, o foco de descontentamento vem de Goiás: o deputado Delegado Waldir lançou sua candidatura a presidente da Câmara e pleiteia o apoio da bancada do PSL, que é a segunda da Casa, com 52 parlamentares. Foi preciso que a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), aliada incondicional de Bolsonaro, saísse em defesa do futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que está sendo acusado de escantear o PSL e favorecer o DEM na montagem do governo. Ela minimizou o desagrado: “Foi uma reunião em que alguns parlamentares apresentaram certo descontentamento, certo desconforto”, declarou.

Bolsonaro justificou as nomeações com o argumento de que as indicações de Mandetta e Tereza Cristina não foram feitas pelo partido, mas por frentes parlamentares que eles representam, da saúde e do agronegócio, respectivamente. O fato de ambos serem do DEM e do Mato Grosso do Sul, segundo o presidente eleito, foi mera coincidência. O problema é que o DEM, com apenas 29 deputados eleitos para a próxima legislatura, ocupa postos estratégicos do governo. Atrás somente do PT, que elegeu 56 parlamentares, o PSL pretende filiar deputados dos partidos que não atingiram a chamada cláusula de barreira e se tornar a maior bancada da Câmara. Atualmente, tem apenas oito deputados, ou seja, a grande maioria da bancada é formada por estreantes.

Luiz Weber: Meia-volta volver

- Folha de S. Paulo

Generais estão batendo em retirada na disputa por território no Planalto

Os militares avançam em direção ao núcleo do poder quando a coesão da elite política civil se esgarça. Na disputa por território no Planalto, os generais estão batendo em retirada.
No organograma do Palácio, cargos chave estão sendo destinados aos aliados sem farda do presidente eleito Jair Bolsonaro. Num primeiro momento, a eleição do capitão reformado abriu um cabeça de ponte para generais da reserva na Presidência da República.

A transição colocou militares estrelados, que até há pouco manobravam carrinhos de supermercado na aposentadoria, diante de um teatro de operações que eles supunham esterilizados da política. Despreparados para enfrentar um poder civil unido na disputa por cargos, viram minados espaços considerados estratégicos.

As armas aí são outras. É uma lei universal dos países democráticos que testemunham o vaivém de militares entre os quartéis e o Executivo. Em seu "A Elite do Poder", Wright Mills diz que "no mundo político civil o general perde seus objetivos e, devido à falta de tirocínio, se enfraquece". Falta-lhes a manha. O grupo militar está em retirada —física (alguns foram rifados) e simbólica (com o esvaziamento de funções ambicionadas).

Matias Spektor: Chanceler

- Folha de S. Paulo

Ernesto Araújo assume num momento propício para a mudança

A nomeação de Ernesto Araújo para chefiar o Itamaraty produziu barulho ensurdecedor. Esta é minha tentativa de separar o ruído daquilo que importa.

Bolsonaro encomendou uma guinada de política externa para sinalizar fidelidade ao programa que o elegeu. A transformação começará por Cuba, Venezuela, BNDES e cooperação jurídica internacional.

Ainda é cedo para cravar o resto da agenda, mas uma coisa é certa: a política externa do próximo governo não será pautada pelas ideias do blog do novo chanceler ou de seu ensaio sobre Deus e Trump.

Seus escritos pregressos importam porque expressam valores caros ao candidato que obteve maioria eleitoral. Mas a operacionalização dessas ideias em política externa são outros quinhentos. O resultado dependerá de uma correlação de forças que vai muito além do Itamaraty.

Isso dito, o novo chanceler assume num momento propício para a mudança, e sua gestão já começa com um trunfo: a tese da diplomacia petista segundo a qual a multipolaridade seria benigna provou estar equivocada. Antes, a competição geopolítica voltou à cena com fúria, ao passo que organismos internacionais e tentativas de governança coletiva acumulam rachaduras.

Clóvis Rossi: O Brasil, entre Pequim e Washington

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro precisa escolher entre eles?

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, perdeu uma oportunidade de ouro para definir prioridades na relação com a China ao não aceitar o convite de Michel Temer para acompanhá-lo à cúpula do G20 na próxima semana em Buenos Aires. É compreensível que Bolsonaro não vá, pelo incômodo que causa a bolsa de colostomia que tem que carregar.

Mas, se pudesse ir, testemunharia ao vivo e em cores o previsível choque de trens entre Donald Trump e Xi Jinping em torno da guerra comercial em curso. O anunciado encontro entre os dois mandatários é o grande assunto do G20.

É pouco provável, no entanto, que haja um desenlace qualquer nesse tipo de reunião, por mais que Trump seja tão imprevisível e instável que, de repente, abraça e beija Xi e dá a guerra por encerrada, claro que com vitória dos EUA.

O mais lógico, no entanto, é que a disputa continue e force o governo Bolsonaro a definir-se. Por enquanto, o que se tem é uma frase de Bolsonaro crítica à China: “A China não está comprando no Brasil, está comprando o Brasil”.

Não é bem verdade, mas, de fato, a China investiu mais de US$ 20 bilhões (R$ 75 bilhões) no Brasil entre 2016 e 2017. Em contrapartida, é, desde 2009, o mais importante parceiro comercial do país, tendo importado em torno de US$ 47 bilhões neste ano (R$ 178 bi), mais do que o dobro do que os EUA compraram no Brasil.

Vinicius Torres Freire: O que Bolsonaro dirá aos pobres?

- Folha de S. Paulo

Mesmo com mais crescimento, haverá pouco trabalho e ajuste social duro em 2019

Ainda há criação de empregos com carteira assinada, neste ano. Mas está devagar e, de novo, quase parando, como deu para notar pelos dados divulgados pelo Ministério do Trabalho.

O número de empregos formais cresce a 1,2% ao ano, praticamente nada, ritmo um tico menor que o de setembro.

O número de empregos formais na indústria parou de crescer. Voltou ao patamar de outubro de 2017. Ao menos a situação parou de piorar na construção civil. Há avanço melhorzinho no setor de serviços. Mas o quadro geral é de estagnação.

A taxa de desemprego geral, medida pelo IBGE, deve chegar a uns 12,2% em 2018, progresso ínfimo em relação aos 12,7% da média do ano passado. Pelas previsões, deve ficar perto de 11,7% em 2019, melhoria outra vez pequena, embora mais gente deva estar empregada.

Mesmo que o ritmo de crescimento da economia aumente, como se prevê para 2019, os danos socioeconômicos ainda serão extensos e há pouco o que fazer.

Obviamente, um crescimento de pelo menos 2,5% no ano que vem, que é o chute informado dos economistas, seria um alívio em relação ao 1,4% deste 2018. Mas alívio para quem?

O que Jair Bolsonaro dirá ao eleitorado? Pode, claro, dizer sem mentir que o estrago é grande e o remédio é difícil. Como vai dizê-lo, e o que as pessoas vão ouvir, é outra conversa.

Maria Cristina Fernandes: Na diplomacia, a política é filha da geografia

- Valor Econômico

O poder é didático e seu exercício o delimita

Veio do embaixador Marcos Azambuja uma rara manifestação da diplomacia, durante a campanha eleitoral, sobre danos à imagem externa do Brasil decorrentes da alongada prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ousadia desautoriza a interpretação de que sua cautela em relação à política externa do próximo governo se traduza por adesismo.

Para quem se define como um 'fanático da moderação', a indicação do diplomata Ernesto Araújo para a chancelaria do governo Jair Bolsonaro parecia um prato cheio. A cobrá-la, porém, Azambuja opta por exercê-la. Quer dar tempo ao jovem diplomata. Cultiva a crença de que o poder é didático e seu exercício o delimita.

Aos 83 anos, 31 a mais que Araújo, Azambuja ingressou no Itamaraty antes de o novo chanceler ter nascido e acumula, de diplomacia, quase tanto tempo quanto o escolhido de Bolsonaro tem de vida. Pinça João Neves da Fontoura (governo Dutra), Afonso Arinos (governo Jânio Quadros), ou Francisco Rezek (governo Collor), entre os muitos chanceleres de fora da carreira, para dizer que não é a ausência de experiência em política externa que marca a escolha, mas de trajetória reconhecida. Registra o ineditismo da escolha de um nome que nunca chefiou um posto no exterior ou uma secretaria-geral. A inexperiência o preocupa mas não o alarma.

Dispõe-se a dar uma chance a Araújo mesmo quando apresentado aos escritos encontrados no blog do jovem chanceler. O ex-presidente que Azambuja acredita ter representado a imagem de um país cordial, afável e que, finalmente, havia chegado lá, é, na definição do futuro condutor da política externa brasileira, "o poste de Maduro, atual gestor do projeto bolivariano".

Maria Clara R. M. do Prado: O lado escuro do protecionismo

- Valor Econômico

Nove entre dez analistas estimam que a economia mundial entrou em uma espiral de desaceleração

Não é róseo o panorama econômico mundial desenhado para os próximos anos por analistas de diversas entidades multilaterais, acadêmicos, bancos e think tankers. Há quem fale em 'tempestade perfeita' ao referir-se aos prognósticos traçados para o médio prazo. Estaríamos na iminência de uma nova crise, nos moldes da que varreu o mundo em 2008?

Um rápido levantamento das opiniões que circulam no meio econômico internacional mostra que sim, o pessimismo tomou conta dos textos analíticos a partir da suposição de que a "guerra comercial", deflagrada entre os Estados Unidos e a China, tende a agravar-se. Como decorrência, nove entre dez analistas estimam que a economia mundial entrou em uma espiral de desaceleração.

O Fed (Federal Reserve Board) - o banco central dos Estados Unidos - prevê uma acentuada desaceleração na taxa de crescimento americana a partir da robusta taxa de 3,1% de expansão para este ano. Segundo tabela divulgada pelo Fomc (Federal Open Market Committee), o ritmo deve cair para 2,5% em 2019, para 2% em 2020, alcançando em 2021 crescimento de 1,8%. Se confirmada, representaria pouco mais da metade da taxa de variação do PIB deste ano. Seria uma queda e tanto em poupo tempo, com repercussão nos países que dependem da economia americana.

A incerteza é grande e isso está afetando a decisão dos investidores mundo afora. Ontem, a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), com sede em Paris, anunciou as novas projeções para o comportamento do PIB de diversos países até 2020. Ao lado dos Estados Unidos, a China merece destaque, pois também tende a sofrer significativamente com os efeitos de um recrudescimento da disputa de tarifas e restrições não tarifárias. Do nível de 6,6% de aumento do PIB esperado para este ano, a taxa cairia para 6,3% no ano que vem, limitando-se em 2020 a 6%, um ritmo muito baixo para um país cheio de gente que ainda luta para ingressar no núcleo privilegiado dos países desenvolvidos.

Ribamar Oliveira: Os limites da ajuda federal aos Estados

- Valor Econômico

Teto dificulta distribuir recursos da cessão onerosa

A ânsia dos políticos em transferir aos Estados e municípios parte da receita do leilão do excedente de petróleo dos campos cedidos de forma onerosa à Petrobras encontra uma limitação: o teto de gastos da União, instituído pela Emenda 95/2016.

Uma das propostas em discussão prevê que Estados e municípios ficariam com 15% a 20% da receita do bônus de assinatura do futuro leilão, que ainda não tem data para ser realizado. Do ponto de vista contábil, os recursos ingressarão primeiro nos cofres do Tesouro. Depois, a União transferirá a parte que caberá aos governos estaduais e prefeituras.

O problema é que a transferência dos recursos será mais uma despesa da União que não está excluída da base de cálculo do teto de gastos. Apenas as transferências constitucionais a Estados e municípios, elencadas pela emenda constitucional 95, foram excluídas.

Como fazer, então, a transferência sem ferir o teto de gastos? Consultores ouvidos pelo Valor acreditam que o governo poderá utilizar o expediente do crédito extraordinário ao Orçamento, que também foi excluído da base de cálculo do limite das despesas. Essa alternativa só pode ser utilizada para o atendimento de despesas urgentes e imprevisíveis, como em caso de guerra, comoção interna ou calamidade pública. Pode-se alegar, como argumento para o uso do crédito extraordinário, que os Estados e municípios vivem uma situação de calamidade financeira, a exigir ajuda federal. É possível que o Supremo Tribunal Federal (STF) aceite o argumento.

Outra alternativa em discussão prevê que os Estados e municípios passariam a dividir uma parte da receita do Fundo Social do Pré-Sal. Pela Lei 12.351/2010, uma parcela do valor do bônus de assinatura nos contratos de partilha de produção será destinada ao Fundo.

Ricardo Noblat: Evangélicos desafiam o capitão

- Blog do Noblat | Veja

Religião e Estado

Quem vencerá a quebra de braço? O presidente eleito Jair Bolsonaro ou a bancada evangélica da Câmara dos Deputados?

É fato: Bolsonaro convidou Mozart Neves Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, para ser o próximo ministro da Educação.

Ex-presidente do Movimento Todos pela Educação, ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco, Mozart aceitou o convite.

O nome de Mozart havia sido sugerido a Bolsonaro por Viviane Senna, a presidente do instituto. E contava com o apoio de auxiliares de Bolsonaro.

Aí a bancada evangélica subiu nas tamancas contra Mozart, insuflada pelo pastor Silas Malafaia e o filósofo Olavo de Carvalho. A razão?

– Queremos nos proteger de leis e assuntos que possam prejudicar o crescimento da igreja. Não podemos permitir [no ministério] pessoas com ideais contrários aos nossos – justificou o deputado Takayama (PSC-PR), líder da bancada. “Mozart não seria a pessoa ideal para assumir, não preenche nosso perfil”.

A escolha de Mozart para ministro vazou por meio da deputada federal recém eleita Joice Cristina Hasselmann (PSL-SP).

Diante da rebelião dos evangélicos, Bolsonaro em pessoa desmentiu no Twitter que a nomeação de Mozart fosse coisa certa. Era, sim.

Pela primeira vez, uma voz da oposição na Câmara, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), havia elogiado o nome de um futuro ministro.

– Ele é um homem sério e um educador exemplar – comentou Alencar.

Está marcada para hoje uma reunião entre Bolsonaro e Mozart.

A vingança de Bolsonaro
Governadores perdem a viagem

Quem mandou faltar à reunião da semana passada em Brasília convocada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro? Somente um governador do Nordeste compareceu – Wellington Dias (PT), do Piauí.

PPS fará congresso extraordinário em janeiro para definir novo nome do partido

- Portal do PPS

O PPS aprovou, nesta quarta-feira (21), na reunião da Executiva Nacional do partido, a realização de Congresso Nacional Extraordinário nos dias 25 e 26 de janeiro, em Brasília, para definir a escolha do novo nome do partido, dos membros do Diretório Nacional e o lançamento de manifesto político. No encontro também será definido uma data para debater a formulação do novo estatuto partidário.

A nova denominação do PPS vai ser debatido pela atual bancada no Congresso Nacional e a eleita em outubro, filiados e membros dos movimentos sociais que ingressaram recentemente no partido. Ficou decidido ainda que as sugestões serão encaminhadas à Executiva Nacional até o dia 20 de dezembro.

O presidente do PPS, Roberto Freire, disse que as decisões referentes a substituição do nome e a nova agenda a ser assumida pela nova sigla deverá ser de conhecimento de toda a sociedade. Ele conclamou que todos os envolvidos trabalhem para atrair novas forças políticas e da sociedade .

“Essa reunião não pode ficar apenas entre nós. Precisamos trabalhar ao máximo para que outras forças políticas e da sociedade tomem conhecimento dessa convocação do congresso extraordinário. Umas das coisas que penso e que precisamos construir, não só com os movimentos organizados, é a participação dos cidadãos no congresso”, defendeu.

Novo partido aberto para toda a sociedade
O presidente do PPS disse no encontro que o mundo atravessa por diversas mudanças e que a era digital impõe a reformulação das instituições. Ele falou que é preciso compreender essa situação e que o momento exige uma visão contemporânea. Freire lembrou que o século 21 marca o fim de alguns partidos e o surgimento de outros.

“Quando próximo do fim da experiência do que chamávamos de socialismo real identificamos, naquele momento, uma revolução que chamávamos de cientifica e tecnológica. Neste ano isso ficou bem definido. Uma revolução que muda as instituições e cria outras em um mundo que vive a era digital. O Brasil precisa saber que não pode ficar parado. É uma questão de sermos contemporâneos e nós [do PPS] pretendemos ser. Vivemos com data marcada para o fim da grande maioria dos partidos brasileiros e o surgimento de outros. Novas formações”, defendeu.

Instituições fortes
O dirigente destacou que o País observou a derrota do lulopetismo e o avanço de um governo de direita com a escolha de Jair Bolsonaro para a Presidência da República. Segundo Roberto Freire, apesar dos problemas enfrentados pelo País, as instituições brasileiras continuam fortes e a sociedade dotada de liberdade.

“Vimos nessa eleição a derrota do petismo por meio de um antipestismo. Conjuntura que precisamos analisar porque teremos que enfrentar um governo de direita. Não tenho medo de dizer que as instituições brasileiras estão fortes. Porque não é qualquer País que passa por uma Lava Jata a trancos e barrancos, com os mais diversos problemas, e não sofre com nenhum tipo de restrições à liberdade. Pelo contrário, o Brasil realizou eleições livres que precisam ser respeitadas”, disse.

Nova formulação
Para Roberto Freire, a escolha do novo nome representa a responsabilidade do PPS com o o momento político enfrentado pelo Brasil e pelo mundo. Ele lembrou que há 25 anos o partido tenta oferecer uma nova formulação política para a sociedade

“Teremos que nos aprofundar inclusive se tivermos sucesso nesta mudança. Esse novo [partido] terá que ter a clareza de se afirmar. O fato é que não há clareza de como esse novo governo [de Jair Bolsonaro] vai se dar. Temos muita responsabilidade com isso. A responsabilidade é não ficarmos do tamanho do PPS, mas trazermos a ideia que há mais de 25 anos nos persegue que é a formulação de uma nova formação política. Com o que? Com os movimentos sociais. A polêmica que esse mundo está sendo construído é fruto da derrubada do muro [de Berlim] que impedia o diálogo das mais variadas vertentes políticas”, afirmou.

República dos réus: Editorial | Folha de S. Paulo

Denúncias de malfeitos, comprovadas ou não, são arma conhecida na disputa partidária

"Eu também sou réu no Supremo, e daí?" —assim reagiu o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), a informações publicadas por esta Folha acerca das relações de sua futura ministra da Agricultura e a JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

Quando ocupava uma secretaria do governo de Mato Grosso do Sul, a deputada Tereza Cristina (DEM) concedeu incentivos tributários à empresa, para a qual também arrendava uma propriedade.

A partir de delação da JBS, a política estadual de benefícios está no centro de uma apuração sobre pagamento de propina, mas a parlamentar não é alvo de inquérito.

Mais reveladora foi a declaração de Bolsonaro diante de questionamentos sobre o escolhido para a pasta da Saúde, também motivados por reportagem deste jornal.

"Nem é réu ainda", disse, a respeito de Luiz Henrique Mandetta, também do DEM sul-mato-grossense, investigado por suspeita de fraude em licitação, tráfico de influência e caixa dois em um projeto de informatização no estado.

Volta a ilusão de usar royalties para evitar ajuste fiscal: Editorial | O Globo

Políticos nada aprendem e repetem o erro de aplicar recursos voláteis em gastos fixos e engessados por lei

A receita da falência fiscal do Rio e Janeiro é conhecida. O governo confiou, apesar dos alertas, na perenidade da receita flutuante dos royalties do petróleo, destinou o dinheiro a gastos engessados — como benefícios previdenciários —, o preço da commodity caiu no mercado, conforme previsto, os royalties minguaram, e como os gastos não puderam ser cortados, a crise explodiu com força. Assim, salários, aposentadorias e pensões do funcionalismo atrasaram, causando no estado uma depressão das mais graves na Federação, toda ela abalada pela profunda recessão de 2015/16. Até hoje, o estado e a cidade do Rio não se recuperaram totalmente. O comércio ainda padece, e a indústria imobiliária só agora emite débeis sinais de recuperação.

O Rio de Janeiro, por sinal, segundo O GLOBO, já comprometeu R$ 128,5 bilhões de arrecadação futura de royalties com aposentarias. Nada de investir para o futuro: educação, ciência e tecnologia, por exemplo.

Mais uma vez, a lição não foi aprendida pelos políticos, que voltam a repetir o mesmo erro. Não mais apenas no Rio, mas, com exceções, em toda a Federação. Afinal, como há pouco revelou a Secretaria do Tesouro, a real situação fiscal da Federação continua grave. Revistos os números dos estados, que costumam maquiar os índices, 14 deles têm despesas com pessoal (salários e benefícios previdenciários) acima do teto de 60% das receitas líquidas, fixado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Bom sinal: Editorial | O Estado de S. Paulo

Uma parte considerável das desventuras nacionais tem origem no chamado presidencialismo de coalizão, que vigora no País, com maior ou menor força, há cerca de três décadas. Esse sistema, como se sabe, é consequência do fato de que nenhum partido, nem mesmo o do presidente da República, consegue eleger mais do que 20% do Congresso, obrigando o chefe do Executivo a construir maioria por meio de negociações com os muitos partidos e, não raro, diretamente com deputados e senadores. Essa combinação frequentemente se dá não em termos de propostas ou ideias para o País, e sim no simples toma lá dá cá de cargos e verbas.

Nos últimos anos, o País assistiu, entre o atônito e o enojado, ao mais desbragado loteamento da máquina pública entre os partidos e políticos que – diga-se em português claro – venderam seus votos em troca de vagas no governo. No mandarinato lulopetista, o presidencialismo de coalizão atingiu o estado da arte, sendo mais bem definido como presidencialismo de cooptação – em que o Executivo pagou por apoio no Congresso e franqueou aos partidos de sua base o acesso aos cofres de empresas estatais e a negociatas em geral, num amplo esquema de corrupção que começou como mensalão e terminou como petrolão.

O impeachment da presidente Dilma Rousseff interrompeu esse festim, em grande medida por pressão irresistível da opinião pública, conforme se viu em imensas manifestações de rua contra a corrupção. Não à toa, o candidato à Presidência que defendeu com maior vigor o fim desse sistema político, conforme demandava a maioria dos cidadãos cansados da roubalheira e da avacalhação do Congresso, acabou vencendo a eleição de outubro. Desde então, Jair Bolsonaro, o presidente eleito, tem demonstrado, na montagem de seu Ministério, que está mesmo disposto a acabar com o presidencialismo de coalizão.

Dos escolhidos por Bolsonaro para o primeiro escalão do governo até ontem, apenas três são parlamentares – os deputados Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Tereza Cristina (Agricultura) e Henrique Mandetta (Saúde). O fato de os três serem do DEM, segundo o presidente eleito, não significa que a indicação tenha como objetivo obter o apoio daquele partido. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), confirmou que “as indicações não são do DEM”. Bolsonaro explicou que Onyx Lorenzoni já estava em sua equipe desde a campanha, enquanto Tereza Cristina e Henrique Mandetta foram indicações das frentes parlamentares da Agricultura e da Saúde, respectivamente.

Política externa poderá ser muito alinhada à dos EUA: Editorial | Valor Econômico

'Somente Trump pode salvar o Ocidente', escreveu Ernesto Henrique Fraga Araújo, escolhido pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, para ocupar o Ministério das Relações Exteriores. Em um artigo para uma revista do Itamaraty, publicado no segundo semestre de 2017, Araújo enxerga muitas virtudes no presidente americano que está aos poucos demolindo a ordem internacional que os próprios Estados Unidos construíram desde a Segunda Guerra. "Ele propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal", e "mostra o nacionalismo como indissociável da essência do Ocidente". Se os atos precedem as palavras, é difícil não enxergar uma guinada na diplomacia brasileira em direção ao alinhamento firme com os EUA, um passo que sequer a ditadura militar deu, mesmo ao se aliar a Washington em sua luta contra o comunismo.

Os EUA são uma economia aberta, estimulada por um regime aberto de concorrência e por empresas que, em vários setores, detêm o estado da arte da tecnologia e, em muitos casos, seu monopólio. O Brasil é uma economia extremamente fechada, com baixo nível de concorrência, tecnologicamente atrasado, que viveu de costas para o mundo até agora. Donald Trump, líder de uma nação que prosperou com a liberdade comercial que ajudou a espalhar pelos quatro cantos do planeta, veio para fazer a roda da história girar ao contrário, ressuscitando o protecionismo, destruindo acordos comerciais e políticos e declarando guerras tarifárias.

João Bosco e Zizi Possi: O Bêbado e o Equilibrista

Vinícius de Moraes: O escravo

'ai plus de souvenirs que si j'avais mille ans.
Baudelaire

A grande Morte que cada um traz em si.
Rilke

Quando a tarde veio o vento veio e eu segui levado como uma folha
E aos poucos fui desaparecendo na vegetação alta de antigos campos de batalha
Onde tudo era estranho e silencioso como um gemido.
Corri na sombra espessa longas horas e nada encontrava
Em torno de mim tudo era desespero de espadas estorcidas se desvencilhando
Eu abria caminho sufocado mas a massa me confundia e se apertava impedindo meus passos
E me prendia as mãos e me cegava os olhos apavorados.
Quis lutar pela minha vida e procurei romper a extensão em luta
Mas nesse momento tudo se virou contra mim e eu fui batido
Foi ficando nodoso e áspero e começou a escorrer resina do meu suor
E as folhas se enrolavam no meu corpo para me embalsamar.
Gritei, ergui os braços, mas eu já era outra vida que não a minha
E logo tudo foi hirto e magro em mim e longe uma estranha litania me fascinava.
Houve uma grande esperança nos meus olhos sem luz
Quis avançar sobre os tentáculos das raízes que eram meus pés
Mas o vale desceu e eu rolei pelo chão, vendo o céu, vendo o chão, vendo o céu, vendo o chão
Até que me perdi num grande país cheio de sombras altas se movendo...

Aqui é o misterioso reino dos ciprestes...
Aqui eu estou parado, preso à terra, escravo dos grandes príncipes loucos.
Aqui vejo coisas que mente humana jamais viu
Aqui sofro frio que corpo humano jamais sentiu.
É este o misterioso reino dos ciprestes
Que aprisionam os cravos lívidos e os lírios pálidos dos túmulos
E quietos se reverenciam gravemente como uma corte de almas mortas.
Meu ser vê, meus olhos sentem, minha alma escuta
A conversa do meu destino nos gestos lentos dos gigantes inconscientes
Cuja ira desfolha campos de rosas num sopro trêmulo...
Aqui estou eu pequenino como um musgo mas meu pavor é grande e não conhece luz
É um pavor que atravessa a distância de toda a minha vida.
É este o feudo dá morte implacável...
Vede - reis, príncipes, duques, cortesãos, carrascos do grande país sem mulheres
São seus míseros servos a terra que me aprisionou nas suas entranhas
O vento que a seu mando entorna da boca dos lírios o orvalho que rega o seu solo
A noite que os aproxima no baile macabro das reverências fantásticas
E os mochos que entoam lúgubres cantochões ao tempo inacabado…
É aí que estou prisioneiro entre milhões de prisioneiros
Pequeno arbusto esgalhado que não dorme e que não vive
À espera da minha vez que virá sem objeto e sem distância.

É aí que estou acorrentado por mim mesmo à terra que sou eu mesmo
Pequeno ser imóvel a quem foi dado o desespero
Vendo passar a imensa noite que traz o vento no seu seio
Vendo passar o vento que entorna o orvalho que a aurora despeja na boca dos lírios
Vendo passar os lírios cujo destino é entornar o orvalho na poeira da terra que o vento espalha
Vendo passar a poeira da terra que o vento espalha e cujo destino é o meu, o meu destino
Pequeno arbusto parado, poeira da terra preso à poeira da terra, pobre escravo dos príncipes loucos.