Entrevista. Sydney Sanches, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal
• Para o ex-presidente do Supremo, o processo de impeachment é político, não jurídico, e, portanto, imprevisível
Letícia Sorg – O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Sydney Sanches afirma que o caminho para um processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff está aberto, embora não esteja instaurado. Na avaliação do ex-ministro, que presidiu o Congresso durante o processo de impeachment de Fernando Collor de Mello, se o Legislativo rejeitar as contas da presidente Dilma Rousseff em 2014, como recomendou nesta semana o Tribunal de Contas da União, está caracterizado crime de responsabilidade.
Em entrevista ao Broadcast Político, serviço em tempo real da Agência Estado, Sanches afirma que o processo de impeachment é político, não jurídico, e, portanto, imprevisível, já que os políticos, diferentemente dos juízes, não precisam embasar suas decisões. E avalia que uma nova interrupção de mandato não põe em risco a democracia no País. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Broadcast Político - Como o senhor vê a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de abrir pela primeira vez uma Ação de Impugnação de Mandato Eleitoral contra um presidente?
Sydney Sanches - O TSE havia aprovado as contas, mas depois surgiram fatos novos evidenciando que teria havido irregularidades durante a campanha da presidente Dilma Rousseff e o processo foi reaberto. Se ficar comprovado que as contas realmente não deveriam ter sido admitidas, há consequências como a possibilidade de anular a eleição da presidente e também do vice Michel Temer, porque a chapa é uma só. A menos que - e falo excepcionalmente e em tese - fique evidenciado que o vice-presidente não teve nenhuma participação na declaração de bens e valores da campanha e que não teve nenhuma culpa nisso. E isso quem tem que provar é quem acusa, no caso o Ministério Público.
BP - Como o senhor vê a decisão do Tribunal de Contas da União?
Sanches - Trata-se de um parecer em que o TCU opina que os parlamentares rejeitem as contas. Já houve um precedente em 1937 (governo Getúlio Vargas) em que o TCU opinou pela rejeição e o Congresso aprovou as contas. A decisão vai depender da maioria que a presidente tenha no Congresso, em sessão conjunta.
BP - Como o senhor vê a chance de impeachment diante dessas decisões?
Sanches - Se o Congresso rejeitar as contas, está caracterizado um crime de responsabilidade, que é o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e da própria Constituição. Isso pode ensejar uma denúncia na Câmara dos Deputados, que pode autorizar ou não a instauração do processo de impeachment. Se a Câmara autorizar o processo, o Senado é que processa e julga. Foi o que o ocorreu no caso Collor, que eu presidi. Eu era presidente do Supremo e, pela Constituição, quem assume o comando do processo é o presidente da Corte - na ideia de que o magistrado vai se manter equidistante das partes. Nunca fui filiado a partido político, nem antes de ir para o Supremo nem depois de me aposentar, há 12 anos.
BP - Há um fato concreto para pedir o afastamento de Dilma da Presidência?
Sanches - Ainda não se vê uma imputação de ato concreto da presidente, a não ser que o parecer do TCU seja acolhido pelo Congresso. Se não for acolhido, não se pode imputar o crime de responsabilidade. Se vai ser admitido pela Câmara ou não, não posso prever. Se vai ser julgado procedente ou não pelo Senado, não posso prever. Uma coisa era a situação do Collor naquela ocasião. Ele não tinha apoio nenhum no Congresso. Achava que tinha sido eleito e não devia satisfação para o Senado e a Câmara, pelo menos era o que se ouvia nos meios.
BP - Qual foi o impacto da interrupção do mandato de Collor?
Sanches - Não houve graves consequências. A transição é bastante conhecida e foi tido como um momento importante para o País, afinal de contas estávamos saindo de um regime autoritário. O impeachment pode acontecer com qualquer um. Só espero que não aconteça sempre, porque o País precisa de paz. Precisa de uma economia estável. No tempo do Collor o País ficou parado quatro meses. Foram dois meses para que a Câmara autorizasse a instalação do processo e dois meses para a conclusão no Senado. Foi concluído nos últimos dias de dezembro de 1992.
BP - Qual o prazo para um processo de impeachment?
Sanches - Não é previsível. Vai depender se na Câmara houver manobras protelatórias. Naquela época, havia todo um clima formado contra Collor. Tanto que, no julgamento propriamente, houve 3 ou 4 votos vencidos. Foram mais de 70 votos pela interdição do exercício de função pública, porque ao mandato ele havia renunciado.
BP - Esse clima existe agora?
Sanches - Acho que no País não há. O que está faltando, e, veja bem, não estou fazendo campanha, é pressão popular. O Senado e a Câmara são órgãos muito sensíveis à pressão popular. Os partidos estão muito divididos, tanto o PT como o PMDB e os outros aliados... Fico pensando em quem está aspirando ao cargo de presidente da República. Se cessar agora o mandato da presidente Dilma e essa pessoa assumir, que governo vai fazer na situação em que o País está? No fundo, todos têm medo disso. Vão passar para a história como culpados também do problema.
BP - O que fundamentou o pedido de impeachment de Collor?
Sanches - No caso Collor era um problema de ética. Ele recebia dinheiro sem procurar saber a origem e alegava que eram restos de financiamento de campanha. Era uma coisa que precisava ser apurada, mas não competia aos senadores verificar. O que competia aos senadores era decidir se havia faltado decoro no exercício do mandato, que não é um conceito jurídico. Tudo isso mostra que o caminho para um impeachment está aberto, não está instaurado ainda, mas está aberto. Acho que agora já não há empecilho.
BP - O hoje senador Collor afirmou recentemente que, uma vez aberto, o processo de impeachment ganha vida própria e não pode ser parado. O senhor concorda?
Sanches - O processo é imprevisível porque o foro é político, não jurídico. A composição de um foro político varia muito de eleição para eleição. E mais. Pode alguém achar o seguinte: "Não estou vendo crime cometido pela presidente, mas acho que não convém mais que ela fique". É um julgamento político e nisso o Supremo não pode mexer. E é bom lembrar que a condenação tem que ser por dois terços dos senadores. Pode até, por um voto, não ocorrer impeachment.
BP - Apesar do impeachment, Collor foi inocentado anos depois no Supremo. Como interpretar a absolvição?
Sanches - No Supremo a imputação contra Collor foi de crime de corrupção passiva, que implica não só recebimento de vantagem, mas promessa ou realização de algum ato de ofício. Pela maioria, cinco ministros, dos quais fiz parte, não havia provas contra Collor desse crime. Tanto o Senado quanto o Supremo acertaram no caso do Collor, embora pareçam decisões contraditórias.
BP - Um novo impeachment não abalaria a democracia brasileira?
Sanches - É mais um teste. Abalo das relações institucionais já está havendo, mas não está havendo abalo das instituições propriamente ditas. Mas o que pode acontecer é imprevisível porque o foro é político: é quem é contra o governo e quem é a favor do governo. Quem quer derrubar a presidente e quem não quer derrubar a presidente, ainda que sem bom motivo.
BP - A falta de bons motivos configuraria um golpe, como tem dito a presidente Dilma?
Sanches - Alguém poderia votar pelo impeachment ainda que não estivesse convencido de que Dilma praticou tal ou qual ato. Não é preciso fundamentar o voto? Não. A diferença é que o político não precisa fundamentar o voto como um juiz. Só precisa dizer sim ou não.