Cristian Klein
SÃO PAULO - O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, deu à luz o PSD, no ano passado, mas o potencial de crescimento do partido depende do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que finalmente deve ocorrer nesta semana ou na próxima, com repercussões para o jogo de alianças da eleição municipal de outubro.
A aguardada decisão sobre o acesso do PSD à maior fatia do fundo partidário pode ser tomada já amanhã ou no máximo na quinta-feira da próxima semana, já que o objetivo é que o julgamento ocorra antes do término do biênio do relator do caso, Marcelo Ribeiro, no dia 30.
O TSE definirá se a legenda recém-nascida disputará sua primeira eleição vitaminada por recursos e grande exposição no horário gratuito de rádio e TV ou se correrá o risco de ficar à míngua e tornar-se um partido política que já nasceu grande mas retrocedeu de tamanho.
Sem recursos políticos importantes para as eleições de 2012 e 2014, pode haver uma debandada. Por isso, a decisão do TSE é tão crucial para os rumos do PSD. Na petição, a legenda requer o direito de participar do bolo maior, de 95%, do fundo partidário, cuja divisão é proporcional à votação obtida pelos partidos na última eleição à Câmara dos Deputados. Neste ano, o fundo distribuirá R$ 286,2 milhões.
Caso não tenha seu pedido aceito, o PSD participará apenas do rateio dos 5% divididos igualmente entre todas as 29 siglas com registro no TSE. É um valor mínimo que, neste ano, gira em torno de R$ 493 mil, o que o secretário-geral do partido, Saulo Queiroz, afirma não ser capaz de pagar nem o salário de uma secretária em cada seção estadual da agremiação. Se sair vitorioso, contudo, o PSD abocanhará cerca de R$ 14 milhões. E mais importante: praticamente assegura que terá o mesmo direito em relação ao horário gratuito de propaganda eleitoral (HGPE), no rádio e TV, rateado a partir de critérios semelhantes.
O "tempo de TV" é considerado a medida do cacife de cada partido e é vital para o poder de barganha nestes meses de negociação de aliança para a eleição municipal. Assim como o fundo partidário, ele é distribuído com base nos resultados da última disputa à Câmara. A diferença é que seu critério baseia-se no número de deputados eleitos, em vez da votação total. E a fatia igualitária corresponde a um terço do tempo no horário eleitoral e a proporcional aos demais dois terços.
O problema é que o PSD não participou da eleição em 2010. Em sua defesa, o partido argumenta que sua bancada de 47 deputados federais (52, se incluídos os licenciados), além de filiados que se candidataram mas não se elegeram, amealharam mais de 5 milhões de votos, os quais deveriam ser considerados como deles, pessoais, e não dos partidos de onde saíram. A lógica, defende o advogado do PSD Admar Gonzaga, seria que, se os deputados foram autorizados a migrar para um novo partido sem perder o mandato - como prevê a resolução 22.610/2007 do TSE sobre fidelidade partidária - eles também deveriam levar os votos nominais obtidos nas legendas de origem.
Para o procurador-geral eleitoral, Roberto Gurgel, no entanto, a autorização não significa que os votos pertençam aos parlamentares. Em seu parecer, contrário ao pedido do PSD e entregue ao tribunal na semana passada, Gurgel afirma que os deputados "da nova sigla foram eleitos por outras legendas partidárias, e somente não perderam seus mandatos por força" da resolução do TSE. O procurador-geral reforça o princípio de que os partidos estão acima dos políticos individualmente.
"Em nosso sistema eleitoral não existe a possibilidade de alguém concorrer a eleição popular sem ser filiado a partido político e escolhido em convenção. Na verdade, como assinala o ministro Ayres Britto, ninguém é candidato de si mesmo", escreveu.
No parecer Gurgel cita um trecho da decisão liminar do ministro Carlos Ayres Britto que, em 29 de fevereiro, negou pedido do PSD ao Supremo para indicar titulares e suplentes nas comissões permanentes e temporárias da Câmara, um direito que também se baseia no último resultado das urnas. "Na Câmara dos Deputados, o sistema de eleição popular é o proporcional, regime sobremodo valorizador da contribuição dos partidos e suas coligações para o êxito eleitoral dos respectivos disputantes. (...) a performance do todo partidário ou coligacional é que termina por definir a concreta eleição e classificação dos respectivos candidatos (fenômenos eleitorais personalíssimos à parte, como os dos deputados Enéas Carneiro, Clodovil Hernandes e Tiririca)", reproduz o procurador-geral.
Gurgel afirma que "a votação nominal do candidato, no pleito proporcional, pertence ao partido ao qual está ele filiado" e repete a expressão de Ayres Britto segundo a qual o PSD não se submeteu ao "teste das urnas", por não ter participado das últimas eleições gerais.
O PSD, no entanto, argumenta que sua bancada carrega uma representação do eleitorado e que seria incoerente o partido ficar destituído de recursos políticos importantes como o fundo partidário, o tempo de TV e a presença nas comissões da Câmara. "Eles [os deputados] não foram nomeados. Tiveram votos e foram autorizados a se transferir. Saíram com a outorga do eleitor", afirma o advogado do PSD, para quem a regra sobre fidelidade partidária, de 2007, foi "um divisor de águas", ao apontar justas causas quando políticos decidem sair de seus partidos, entre elas a criação de nova legenda.
Admar Gonzaga diz que o argumento de Roberto Gurgel foi muito "convencional" e analisou a questão com "a letra fria da lei", sem observar o sistema como um todo. "A norma não é uma fórmula matemática para ser aplicada. Não se pode interpretar a lei fora do contexto jurídico que a cerca", rebate.
Gonzaga afirma que o PSD criou um fato político, ao representar o desejo de uma parcela da sociedade e surgir como um evento formidável, formando a "terceira ou quarta maior força partidária do país". Destinar à legenda apenas os recursos mínimos do fundo seria equivalente à imposição de uma cláusula de barreira, compara.
O advogado lembra a posição do ministro do STF e do TSE, Marco Aurélio Mello, que antecipou seu voto e numa declaração favorável ao pedido da sigla disse que a "regra beneficia o desempenho eleitoral, mas os fatos mudaram a realidade" e que não se deveria "ignorar a existência de um partido com 47 deputados e puni-lo até a próxima eleição". Mello se diz insuspeito a opinar, pois foi o único ministro a votar contra a concessão do registro definitivo ao PSD.
O ministro divulgou sua posição depois de o colega Ayres Britto ter negado liminar à legenda para indicar seus deputados às comissões da Câmara. O julgamento da questão pelo plenário do Supremo ainda não foi marcado.
Do mesmo modo, outra demanda em que o PSD também já teve um revés, aguarda decisão colegiada final. É a que diz respeito ao tempo de propaganda partidária no rádio e TV, veiculada ao longo do ano, fora do período eleitoral. Em decisão monocrática do ministro Arnaldo Versiani, em fevereiro, o TSE estabeleceu que o PSD tem direito a uma propaganda de apenas cinco minutos por semestre, tempo conferido às menores siglas, enquanto o das legendas maiores é de dez minutos. O argumento de Versiani foi o mesmo seguido depois por Ayres Britto e Roberto Gurgel: apesar de contar com uma bancada de 47 deputados, a legenda não participou da eleição de 2010.
Além das filigranas jurídicas, o PSD tem enfrentado a resistência política de quase todos os demais partidos. Legendas como DEM, PSDB, PMDB e PP juntaram-se para atuação comum, o que pressionou o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), a negar presença do PSD nas comissões temáticas da Casa - o que levou a questão para o Supremo. No caso do fundo partidário, as 20 siglas convocadas pelo ministro Marcelo Ribeiro se manifestaram contrariamente à nova partilha, com exceção do PT, que foi neutro, e do PSB, cujo presidente nacional, o governador de Pernambuco Eduardo Campos, tem uma aliança com Kassab e foi favorável à redivisão do fundo.
FONTE: VALOR ECONÔMICO