- Pecuarista teria feito operação fraudulenta para saldar dívida de campanha petista
Amigo do ex-presidente Lula, o pecuarista José Carlos Bumlai foi preso pela LavaJato, acusado de operação fraudulenta em contrato do grupo Schahin com a Petrobras para pagar dívida do PT em 2004. A 21ª fase da LavaJato foi batizada de Passe Livre porque Bumlai tinha acesso liberado ao Planalto quando Lula era presidente. O juiz Moro disse que não há prova contra Lula. A PF investiga suposta ligação do empréstimo com o caso Celso Daniel.
Amigo de Lula na cadeia
- Lava-Jato diz que Bumlai ofereceu contrato na Petrobras para pagar divida de campanha do PT
Cleide Carvalho e Jaqueline Falcão - O Globo
-SÃO PAULO e CURITIBA- O pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi preso ontem em Brasília pela Polícia Federal, na 21ª fase da Operação Lava-Jato, horas antes de ir ao Congresso prestar depoimento na CPI do BNDES. Bumlai é acusado de ter intermediado um contrato bilionário do Grupo Schahin com a Petrobras em troca da anistia de um empréstimo contraído por ele junto ao Banco Schahin para pagar dívidas da campanha presidencial do PT em 2002, quando Lula foi eleito.
A PF batizou a operação de ontem de Passe Livre, pela facilidade com que Bumlai transitava no Palácio do Planalto durante o governo Lula. Mas, embora muitos delatores tenham afirmado que o pecuarista usava o nome de Lula, a Operação Lava-Jato diz que não há provas contra o ex-presidente.
Segundo a denúncia, o esquema de Bumlai envolveu dois ex-tesoureiros do PT — Delúbio Soares e João Vaccari Neto —, que agiram em momentos diferentes da negociação com o grupo Schahin, e passou pelo Palácio do Planalto, mais precisamente por José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, preso na Lava-Jato. Para o juiz Sérgio Moro, o pecuarista disponibilizou seu nome e o de suas empresas para “viabilizar de maneira fraudulenta recursos a partido político, com todos os danos decorrentes à democracia”.
O nome de Bumlai foi vinculado ao escândalo da Petrobras pelos delatores Fernando Baiano, Eduardo Musa (exgerente da Petrobras) e Salim Schahin — este último justamente dono do banco que fez o empréstimo para Bumlai e da empresa que fechou o contrato com a Petrobras. O Ministério Público Federal afirma que o pecuarista usou um esquema baseado em empréstimos bancários para desvio de dinheiro público. Para o procurador Diogo de Mattos, o mecanismo repetiu o mensalão.
— Um empréstimo que nunca é cobrado, especialmente por uma instituição financeira, que tem enormes prejuízos pela não cobrança, é indicativo claro de que era simulado — afirmou Mattos.
DÍVIDA DE CAMPANHA DO PT
A Lava-Jato fez a vinculação entre um empréstimo de R$ 12,1 milhões concedido pelo Banco Schahin a Bumlai, em 2004, e um contrato de US$ 1,6 bilhão que o grupo Schahin fechou com a Petrobras, em 2009, para operar o naviosonda Vitória 10000 por 20 anos. Baiano e Musa delataram que Bumlai intermediou o negócio com o objetivo de saldar parte da dívida de R$ 60 milhões da campanha do PT de 2002.
O mais importante dos delatores é Salim Schahin, sócio do grupo que leva o sobrenome da família. Ele confirmou que o empréstimo dado a Bumlai foi negociado numa reunião na sede do banco com a presença de Delúbio Soares, então tesoureiro do PT. Para dar segurança aos banqueiros de que estavam fechando um negócio com o PT, Delúbio e Bumlai teriam dito que, “como evidência adicional”, a Casa Civil procuraria um dos acionistas do Schahin. Salim disse que, de fato, recebeu dias depois um telefonema do então ministro Dirceu. Contou que falaram apenas amenidades, mas, para o banqueiro, “a mensagem estava entendida”.
No mesmo ano em que recebeu o crédito do banco Schahin, Bumlai emprestou R$ 12,6 milhões à Fazenda Eldorado, de Natalino e Silmar Bertin, ambos levados a depor coercitivamente ontem. A dívida de Bumlai com o banco Schahin, porém, nunca foi paga — o acerto só veio após o grupo conseguir o contrato com a Petrobras, em 2009. O banco chegou a renovar o empréstimo três vezes, em 2005. Em seguida, fez três empréstimos à Agro Caieiras, outra empresa de Bumlai, para que fosse quitado o financiamento inicial.
Sem receber até 2006, Salim Schahin diz ter procurado o então tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, em busca de “auxílio político” para que o grupo obtivesse o contrato com a Petrobras. Segundo ele, ficou combinado que a contratação quitaria o empréstimo de Bumlai.
Em 2007, ainda durante as negociações, a dívida de Bumlai foi transferida à securitizadora do grupo Schahin, tirando o banco, que hoje pertence ao BMG, da mira do Banco Central. A esta altura, o valor da dívida alcançava R$ 21,2 milhões. Salim diz ter se encontrado várias vezes com Vaccari para discutir o assunto, e que o tesoureiro do PT teria lhe dito que Lula estava “a par do negócio”.
Fernando Baiano disse ter sido procurado por Bumlai em 2006 para intermediar negócios com a Schahin. O contrato para a Schahin operar o navio-sonda Vitória 10000 chegou a ser levado duas vezes à diretoria da Petrobras, sem sucesso. Baiano disse que, para resolver o problema, Bumlai acionou os contatos dele, em especial José Sérgio Gabrielli, então presidente da estatal, e Lula. Segundo Baiano, depois disso o negócio foi aprovado. Quem levou o contrato para a diretoria da estatal foi Eduardo Musa.
PROPINA NA SUÍÇA
Quando o contrato com a Petrobras foi fechado, os Schahin consideraram quitada a dívida de Bumlai com o banco, e para isso simularam ter recebido o pagamento em embriões de gado. A Schahin passou a pagar propina para dirigentes da Petrobras. Musa, por exemplo, recebeu US$ 720 mil na Suíça. Já Baiano disse que Jorge Luz, operador do PMDB, que ficara fora das tratativas, também negociou com a Schahin propina entre US$ 3 milhões e US$ 4 milhões.
Na operação de ontem, dois filhos de Bumlai e uma nora foram levados coercitivamente para depor. O MPF havia pedido a prisão temporária dos três, mas Sérgio Moro negou.
Além das delações, a quebra de sigilo de Bumlai revelou “saques sucessivos e vultosos”, em espécie, feitos até 2014, nas contas bancárias dele e de suas empresas. Para Moro, saques em dinheiro não constituem crime, mas são expediente usado “para evitar rastreamento bancário”. Em 2011, ocorreram duas transferências, de R$ 1 milhão cada, da São Fernando Açúcar e Álcool, de Bumlai, para a empresa de fachada Legend, que lavou dinheiro de dirigentes da Petrobras.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) identificou também quatorze saques em dinheiro, em quantias superiores a R$ 100 mil, das contas da usina, entre 2010 e 2013. Nas contas pessoais do pecuarista foram 21 saques em espécie, num total de R$ 3,3 milhões. Um dos saques foi feito pelo policial militar Marcos Ferreira, também levado a depor ontem na Polícia Federal.
As relações entre Bumlai, PT, Schahin e Petrobras
José Carlos Bumlai, amigo do então presidente Lula ,se reúne com os acionistas do grupo Schahin, dono do Banco Schahin, para discutir um empréstimo de R$ 12,18 milhões que serviria para pagar dívidas da campanha presidencial do PT de 2002.
Outubro de 2004
O banco concede empréstimo de R$ 12,18 milhões a Bumlai. Desde o primeiro mês, as parcelas do financiamento não foram pagas.
2005
O empréstimo de Bumlai passa a ser renovado por meio de aditivos, assinados em março, maio e julho de 2005. O valor da dívida sobe para R$ 15,776 milhões. Nenhuma parcela é paga. Diante da pressão do banco sobre Bumlai, Delúbio vai à sede do banco Schahin com o publicitário Marcos Valério, hoje condenado no mensalão, e informa que Valério está ajudando a resolver do problema. Nada é resolvido.
2006
Salim Schahin procura João Vaccari Neto, então tesoureiro do PT, para pedir “auxílio político” para a Schahin ser contratada pela Petrobras para operar o navio-sonda Vitória 10000. Fica decidido, segundo o empresário, que a contratação levaria à quitação do empréstimo de Bumlai.
Fernando Baiano entra no negócio, a pedido de Bumlai, para fazer com que a Schahin seja contratada pela Petrobras. Baiano diz ter ouvido de Bumlai que a finalidade do empréstimo foi quitar dívidas da campanha de 2002. E que Bumlai foi avalista por ter “relação de amizade muito forte” com o então presidente Lula.
De acordo com Salim Schahin, presidente do grupo, Delúbio Soares, então tesoureiro do PT, participa da segunda reunião e confirma interesse do partido. Delúbio e Bumlai informam que, “como evidência adicional” do interesse, a Casa Civil procuraria os acionistas do banco. Dias depois, Salim recebe um telefonema do então ministro da Casa Civil, José Dirceu.
2011
Eduardo Musa começa a receber propina da Schahin em depósitos na Suíça. Recebeu US$ 720 mil por meio de quatro offshores entre janeiro de 2011 e maio de 2013.
27 janeiro de 2009
É fechado por US$ 1,6 bilhão o negócio entre a Petrobras e a Schahin para operação do navio-sonda Vitória 10000 durante 20 anos. O Banco Schahin dá desconto de R$ 6 milhões na dívida de Bumlai e simula ter recebido o restante do pagamento em embriões de gado.
2007
O Banco Schahin transfere para a securitizadora do grupo o empréstimo dado às empresas de Bumlai (inicialmente usado para pagar dívidas do PT). O valor chega a R$ 21,267 milhões. Salim diz ter se encontrado diversas vezes com
Vaccari para falar da contratação da Schahin pela Petrobras. Diz ter recebido de Vaccari a informação que Lula “estava a par do negócio”.
Dezembro de 2006
O operador Jorge Luz negocia com a Schahin pagamento de propina entre R$ 3 milhões e R$ 4 milhões para a Diretoria Internacional da Petrobras.
É realizada um reunião entre sócios do grupo Schahin e Nestor Cerveró, diretor da área Internacional da Petrobras, para discutir a operação do navio-sonda Vitória 10000. O então gerente da Petrobras Eduardo Musa leva a proposta à diretoria executiva da estatal. Baiano diz que pressionou Bumlai a acionar seus contatos, em especial José Sérgio Gabrielli, então presidente da Petrobras, e Lula. O negócio é aprovado.