Juliano Basile – Valor Econômico
BRASÍLIA - O governo desencadeou, ontem, uma operação para defender a permanência no cargo da presidente da Petrobras, Graça Foster, como quer a presidente Dilma Rousseff. O vice-presidente da República, Michel Temer, disse que não há acusação formal contra Graça e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defendeu que ela permaneça no cargo. A estatal divulgou nota em que assegura que Graça só soube de irregularidades denunciadas pela geóloga Venina Velosa da Fonseca, em e-mail enviado em 20 de novembro deste ano. No entanto, mensagens anteriores e documentos confidenciais que o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, teve acesso mostram que, muito antes dessa data, Graça foi informada por Venina de problemas graves na Petrobras.
Às 3h50 do dia 3 de abril de 2009, Venina pediu ajuda a Graça para concluir um texto em que descreve irregularidades. Na época, Graça era diretora de Gás e Energia e Venina, gerente executiva da Diretoria de Abastecimento. "Gostaria de ter uma opinião sua sobre um texto final que preciso encaminhar. Posso deixar para você ler? Você sabe qual é o assunto. Fique à vontade se você achar melhor não ler. Aguardo sua resposta para deixar ou não o material com a sua secretária."
No mesmo 3 de abril de 2009, há um "Documento Interno do Sistema Petrobras", chamado de DIP, em que Venina concluiu pela ocorrência de "irregularidades administrativas" na área de comunicação do Abastecimento. O assunto a que a geóloga se referiu era uma auditoria presidida por ela para desbaratar um esquema que desviou milhões de reais da estatal.
O esquema beneficiou integrantes do PT da Bahia - o mesmo grupo político do então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. Venina escreveu para Graça na madrugada, pouco antes de concluir o DIP em que pediu a demissão de Geovanne de Morais. Ela procurou Graça para obter ajuda.
Sozinho, o militante petista Geovanne pagou quase R$ 38 milhões a serviços não realizados na área de comunicação. O desvio foi maior do que isso: R$ 58 milhões em contratos, cujos serviços não foram prestados. Foram identificadas também notas fiscais com o mesmo número, totalizando R$ 44 milhões na área de comunicação.
Em nota divulgada ontem, a Petrobras informou que Geovanne não foi demitido, em 2009, porque "seu contrato de trabalho estava suspenso, em virtude de afastamento por licença médica". A demissão só foi efetivada quatro anos depois, em 2013.
No entanto, Venina pediu que Geovanne fosse retirado imediatamente da empresa e apresentou um parecer jurídico para tanto. "A demissão deve ser implementada ainda que esteja o empregado gozando de auxílio doença, visto o risco representado pela manutenção de seu vínculo empregatício para a continuação das averiguações", escreveu ela.
Mesmo com essa determinação expressa da geóloga que comandou a auditoria sobre desvios na área de comunicação, Geovanne foi mantido nos quadros da estatal por pressões internas feitas por Paulo Roberto Costa, então diretor de Abastecimento que, após ser preso, neste ano, delatou casos de corrupção na companhia. A alegação de Costa para que Geovanne ficasse foi a mesma utilizada na nota divulgada ontem pela Petrobras: a de que ele estava em licença médica.
Graça foi informada sobre esses problemas e, portanto, sabia dos desvios que aconteceram na estatal. Mas, em depoimento à CPI mista da Petrobras, ela disse, em 11 de junho, que não sabia de irregularidades na companhia, mas apenas de suspeitas.
O episódio de desvios milionários na área de comunicação não foi mera suspeita. Houve comprovação de que ilícitos ocorreram e Venina pediu ajuda a Graça no dia em que concluiu a auditoria sobre o caso.
Em outro e-mail, enviado às 12h05 de 7 de outubro de 2011, Venina fez um verdadeiro desabafo a Graça sobre os problemas na estatal. "Oi, Graça! Eu gostaria de estar aí, conversando com você, olhando direto nos seus olhos, para você sentir o que eu quero dizer, mesmo correndo o risco de chorar na sua frente; não seria a primeira vez", escreveu a geóloga. "Vou escrever para você mesmo sabendo que existe a possibilidade de você ir à sala do diretor Paulo Roberto e de ele depois me questionar o que eu fui fazer na sua sala", continua, referindo-se a Costa, na época, o chefe imediato de Venina.
"Hoje, eu posso dizer que estou praticamente sozinha na empresa. Os fatos que ocorreram quando eu fui retirada do meu cargo e enviada para Cingapura fizeram com que pessoas mais próximas se afastassem de mim com medo de sofrer retaliações." Venina se referiu à sua transferência para o escritório da Petrobras, em Cingapura, para onde foi mandada em fevereiro de 2010, após fazer denúncias de irregularidades na estatal. Chegando à Ásia, foi pedido a ela que não trabalhasse.
Nessa mensagem, a geóloga faz comentários sobre os problemas sérios vividos dentro da Petrobras, revelando que Graça conhecia o assunto. "Dos cinco e-mails que escrevi ao diretor, quatro foram bastante cordiais e, no último, eu escrevi o verdadeiro motivo que me afastou das nomeações: confronto de valores", disse Venina. "Eu escrevi para ele que eu estava me sentindo humilhada, acuada e assediada."
Em seguida, a geóloga escreveu a Graça que "o que aconteceu dentro do ABAST (Diretoria de Abastecimento) na área de comunicação e obras foi um verdadeiro absurdo". Ela questionou disputas entre técnicos por novas formas de contratação e "licitações sem aparente eficiência". "Infelizmente, eu não sou sozinha, não posso me aventurar aqui fora. Se pudesse, pode ter certeza que é o que eu faria. Porém, se não posso lutar aqui fora, vou para o Brasil para brigar pelos meus direitos. Eu não fiz nada errado. Não vou aceitar ser penalizada pelo que não fiz. Não vou, de forma alguma, aceitar isto! Se eu não consigo dialogar dentro do ABAST não tenho outra alternativa a não ser procurar outros meios, mas eu não gostaria de fazer isto sem antes conversar com você."
Venina disse para Graça que estava avaliando qual atitude deveria tomar. Ela é explícita ao ressaltar que parte da documentação que possui sobre irregularidades já era de conhecimento de Graça. "Existem alternativas que eu estou avaliando apesar do receio de trazerem risco para mim e para minhas filhas. Gostaria de te apresentar parte da documentação que tenho, parte dela eu sei que você já conhece", escreveu a geóloga.
"Gostaria de te ouvir antes de dar o próximo passo. Não quero te passar nada sem receber um sinal positivo da sua parte. Mesmo que você se recuse a se envolver nisto, vou continuar te admirando pela mulher corajosa, firme e respeitada que você é e que chegou aonde chegou sem ter que abrir mão dos valores que tem. Minha admiração e respeito por você vai além desse problema que estou te apresentando. Me desculpe por tomar seu tempo, tentei ser breve mas a emoção não permitiu."
Cinco meses após essa mensagem, Graça se tornou presidente da Petrobras. Venina foi trazida de volta para o Rio, onde lhe deram uma sala, mas lhe pediram que não fizesse nenhum trabalho. Sem alternativas, ela volta para Cingapura, onde abre investigação contra um novo esquema de desvio de dinheiro, agora, envolvendo negociadores de combustível de navios, chamados de bunkers.
Em 19 de novembro, Venina foi comunicada que seria afastada de suas funções. Um dia depois, escreveu novamente a Graça. A Petrobras informou, em nota, que Graça Foster só foi informada de irregularidades nesse último e-mail.
"Hoje, fui surpreendida com um telefonema do gerente executivo, informando que eu estava sendo destituída", disse Venina, nessa última mensagem. A geóloga citou novamente os problemas que encontrou na área de comunicação e na construção das obras da refinaria Abreu e Lima, cuja terceira fase só foi autorizada depois que ela deixou a Diretoria de Abastecimento.
"Novamente, agora em Cingapura, me deparei com outros problemas, tais como processos envolvendo a área de bunker e perdas, e mais uma vez agi em favor da empresa, tentando evitar atos contra os interesses dela. Não chegaram ao meu conhecimento as ações tomadas no segundo exemplo citado, dando a entender que houve omissão daqueles que foram informados e poderiam agir", lamentou. "Não posso aceitar mais este sofrimento e esta injustiça. Sinto, mas terei de usar todas as ferramentas disponíveis para minha defesa.
"
A oposição vai pedir, nessa quarta-feira, o afastamento de Graça da presidência da Petrobras. Para o senador Aécio Neves (PSDB-MG), ela "mentiu" à CPI e deveria deixar o cargo. (Colaboraram Elisa Soares, do Rio, e Raquel Ulhôa e Thiago Resende)