Produzir com qualidade para o mercado global é um dos desafios da economia brasileira, afirma.
Em entrevista exclusiva, o ex-presidente abre o jogo sobre temas como eleições, drogas, governo Temer e violência
- AméricaEconomia
Três questões serão fundamentais na eleição de 2018, define o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: a primeira, “como sempre, é o bolso: salário, emprego”. A segunda é a segurança, e a terceira é a corrupção. Para FHC, o candidato à presidência escolhido pelo seu partido (PSDB) terá que fazer alianças e reunir forças políticas para formar “um centro popular democrático e progressista” capaz de vencer a disputa. “No quadro em que estamos, tudo vai depender muito da capacidade de o candidato expressar um sentimento que una. Não acho que o Brasil vá para o radicalismo”, diz.
A eleição do ano que vem foi um dos temas sobre os quais FHC falou na entrevista exclusiva que concedeu à AméricaEconomia na sede da fundação que leva seu nome, no centro de São Paulo. Violência, drogas e a nova realidade geopolítica e econômica global também estiveram na pauta, como você lê a seguir:
AméricaEconomia – O Brasil está reescrevendo seu modelo de gestão em termos de relações internacionais?
Fernando Henrique Cardoso – Vamos por partes. O Brasil cresceu fechado, com a ideologia de que a melhor maneira de se desenvolver era aumentando tarifas e ao mesmo tempo sendo exportador. Os grandes dínamos da economia brasileira foram a agricultura e a mineração de exportação. A transformação para o Brasil moderno, urbano e industrial foi feita a partir da visão de que deveríamos crescer mais autarquicamente – e crescemos, com a política de substituição de importações. Assim foi feita a indústria, ajudada sobretudo pela Segunda Guerra Mundial.
Como isso começou a mudar? Com o Juscelino Kubitschek [1956-61], porque o Getúlio Vargas [1930-45; 1951-54] fez o que tinha que ser feito, com capital estatal e empréstimos lá fora. JK tinha outra proposta e fez a indústria automobilística, por exemplo, com o capital estrangeiro dirigido para o consumo doméstico. O mercado interno era o motor da industrialização na época.
Os militares também tinham o espírito de uma economia fechada. Mas o mundo mudou. Dos anos 70 em diante, há os efeitos das novas tecnologias e da desconcentração: passa-se a produzir em qualquer lugar do mundo. Vem o fenômeno da mundialização ou globalização, e nós ficamos um pouco afastados disso.
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O Fernando Collor [1990-92] abre abruptamente a economia. A seguir, há o tumulto que levou ao seu impeachment, e chegamos Itamar Franco [1992-95] e eu como ministro da Fazenda. O que tentamos fazer? Integrar o Brasil na economia global, não só exportando matéria-prima, mas também fazendo produtos industriais que pudessem ser exportados. Foi muito difícil ajustar a economia brasileira àquele cenário, porque os interesses nacionais jogam no tabuleiro global. Antigamente você defendia os interesses nacionais fechando a economia. No novo mundo ela está aberta. Como se defendem então os interesses nacionais?
AE – Como o senhor avalia o que foi feito nessa área no governo do seu sucessor?
FHC – No começo ele não mudou muito a política, sobretudo o que tínhamos feito depois de 1999 – com câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal. Mais ou menos seguiu esse rumo, até que veio o boom chinês, o que aumentou muito o valor das matérias-primas. O Brasil teve uma bonança muito grande.
Era um momento em que poderíamos ter aproveitado essa bonança para integrar mais nossa economia no mundo. Mas houve uma mudança de orientação quando foi derrubado o Antonio Palocci [março de 2006]. Qual era ela? A ideia de uma nova matriz econômica, que começa no governo Lula [2003-2010] e se expande no governo da Dilma Rousseff [2011-2016], era de voltar à ideia de fechar um pouco e, digamos, incentivar o mercado interno. Ou seja, dar crédito, incentivar o consumo, não prestar muita atenção à questão da responsabilidade fiscal e pau na máquina.
A economia cresceu – não é difícil fazer uma economia crescer com crédito, mas depois, se não houver equilíbrio, isso para. O que aconteceu com o Brasil é que a partir desse momento do governo Lula em diante o carro saiu do trilho. Agora o governo está tentando colocar no trilho de novo, com muita dificuldade. Retomar temas de responsabilidade fiscal e de reforma num governo que tem baixa popularidade é difícil.
Mas o grande equívoco é que essa foi uma crise produzida por nós. As do passado eram crises internacionais que chegavam aqui. Agora não, foi falta de controle interno. Deu no que deu, esse desastre em que estamos.