• Economia tem queda generalizada no 3º tri • Resultado só não é pior que o da Ucrânia • Crise pode ser a mais grave em 35 anos
O PIB caiu 4,5% no terceiro trimestre, em relação ao mesmo período de 2014, o pior resultado da série do IBGE, iniciada em 1996. Investimentos e consumo das famílias tiveram queda recorde. E a indústria de transformação não amargava resultado tão ruim desde a crise global, em 2009. Muitos analistas já veem a economia em depressão, que é uma recessão mais profunda e duradoura. A atual recessão, iniciada em 2014, poderá durar 11 trimestres e representar, no período, um tombo de 8,1% do PIB, segundo a FGV. Caso confirmada, será a pior crise em 35 anos.
Depressão à espreita
• PIB cai além do esperado e analistas já vêem quadro pior que recessão
Lucianne Carneiro, Cássia Almeida, Daiane Costa, Lucas Moretzsohn, Ana Paula Machado - O Globo
-RIO e SÃO PAULO- A recessão da economia brasileira se aprofundou mais do que o esperado no terceiro trimestre, e a atividade econômica retrocedeu ao patamar do início de 2011. No terceiro trimestre seguido de queda e sexto sem crescimento, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 1,7% no terceiro trimestre deste ano em relação ao segundo, o pior terceiro trimestre da série histórica do IBGE, iniciada em 1996. Na comparação com igual período do ano passado, o tombo foi ainda mais forte, 4,5%. A crise ganha contornos semelhantes aos daqueles dos anos 80 e já há economistas dizendo que o país vive uma depressão, situação mais grave e difícil de ser revertida do que uma recessão.
O desempenho da economia entre julho e setembro foi marcado por recordes negativos. A queda acumulada em quatro trimestres chegou a 2,5% e, nos nove primeiros meses do ano, a perda foi de 3,2%, frente a igual período de 2014: são as piores taxas registradas em quase 20 anos, desde o início da série do IBGE. Os números vieram mais negativos do que o mercado esperava e provocaram piora nas projeções para desempenho da economia neste ano e no próximo. O IBGE divulgou ainda uma revisão dos dados do PIB de trimestres anteriores, que mostraram que a recessão era pior do que se imaginava.
Os dados revelam queda generalizada entre os diferentes setores da economia. O consumo das famílias, que até o ano passado puxava o PIB, caiu pelo terceiro trimestre seguido. O recuo de 4,5%, frente a igual trimestre de 2014, também é o maior em quase 20 anos, e reflete a piora no mercado de trabalho, queda na renda, inflação e perda de confiança na economia. CRESCIMENTO SÓ EM 2017 Já os investimentos recuam há mais de dois anos, ou nove trimestres. Frente ao terceiro trimestre de 2014, o tombo é de 15%: o maior desde 1996. A falta de confiança na economia, os cortes de investimentos públicos, a crise política e os efeitos da operação Lava-Jato no setor de construção se refletem nesses números.
— É difícil imaginar uma situação histórica semelhante ao desempenho corrente da economia brasileira, mas o que mais preocupa é a expectativa. O que atrapalha investimentos e consumo não parece ter saído da frente. É difícil falar em qual trimestre se espera alguma recuperação, mas a tendência é da economia se estabilizar apenas em 2017. Seria algo perto de zero, mais um nadinha ou menos um nadinha — afirma o professor da USP e economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Gonçalves.
A retração fez o país perder mais de quatro anos. A economia está produzindo o mesmo que no início de 2011, quando começou o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, e o país cresceu 3,9%:
— A expansão daquele ano foi em boa parte explicada pelo impulso do ano anterior, quando o PIB avançara 7,5% — explica o economista-chefe da Tullett Prebon Brasil S/A, Fernando Montero.
Segundo ele, como PIB deve continuar em queda, o retrocesso pode fazer a economia voltar ao patamar do segundo mandato do presidente Lula. Para o economista Paulo Picchetti, do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da Fundação Getulio Vargas (FGV), o país está repetindo a década perdida de 1980:
— Apesar de não estarmos vivendo descontrole inflacionário, o ambiente de incerteza começa a ficar comparável com aquela época. É a década perdida de novo.
Para o diretor do Goldman Sachs Alberto Ramos, a situação já é de depressão:
— Uma depressão é uma recessão profunda e prolongada, que dura pelo menos dois anos ou mais. Observamos esses dois quesitos: um ano de estagnação vai para uma contração do PIB bastante severa e ainda há a própria herança estatística (carry over) de 2015 para 2016.
Cálculo da economista Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro Ibre/FGV, mostra que o chamado carry over (efeito estatístico que faz o desempenho da economia em um ano ser transferido para o seguinte) de 2015 para 2016 será de -1,9%, estimando recuo de 0,7% no quarto trimestre. Pelos cálculos de especialistas, já está contratada uma recessão de 3,5% este ano, mesmo que no quarto trimestre a economia fique estagnada.
A indústria sentiu com força o impacto das incertezas. Encolheu 6,7% no terceiro trimestre, em relação a igual período de 2014, a maior queda desde os 8% do segundo trimestre de 2009, na crise financeira global. Quem mais sofreu foi a indústria de transformação, com retração de 11,3%.
Produtora de bombas hidráulicas, a Asvac resume a condição de boa parte das indústrias, às voltas com forte queda de faturamento, demissões e corte de investimentos. O presidente da companhia, Cesar Prata, contabiliza perda de 60% nas receitas. Sem vender, teve de reduzir o quadro de empregados de 50 para apenas 14.
— É uma época bem difícil para a indústria de transformação — lamenta o executivo, que adiou planos de expandir a capacidade de produção da fábrica. RETRAÇÃO NO ANO PODE CHEGAR A 4% A recessão é mais profunda do que o PIB mostra. Quando é excluída a parte da produção que exportamos, a chamada contribuição externa, a economia doméstica encolheu 7,4% no terceiro trimestre em relação a igual período de 2014. No resultado do ano, a queda de 3,2% sobe a 5,4%.
— Não há recuo igual pelo menos nos últimos 20 anos. Geramos um excedente de produção que exportamos e não consumimos — afirma Fernando Montero.
Se o ano de 2015 já é visto como perdido para a economia — com recessão de quase 4%, segundo as estimativas de mercado —, as previsões para 2016 também se deterioraram e muitos afirmam que não é possível escapar de nova retração.
Ontem, diante do resultado do PIB, muitos bancos e consultorias pioraram suas previsões. O Banco Fator já prevê um recuo de 3,5% do PIB em 2016, enquanto o Banco Fibra prevê retração de 3,1%. Tendências Consultoria e Ibre/ FGV estimam uma perda de 3%, enquanto a LCA Consultores colocou sua projeção de queda de 1,7% em revisão.
— Uma queda de quase 4% do PIB em 2015 é assustadora. Esta é uma recessão extremamente forte, profunda e longa. Teremos no mínimo onze trimestres de recessão, que foi o mesmo período da recessão de 1989 a 1992. E ainda não há nada claro sobre uma possível saída dessa recessão — diz Silvia Matos.
Ela estima que, entre o segundo trimestre de 2014 e o último de 2016, a perda da economia vai chegar a 8,1%. Entre o terceiro trimestre de 1989 e o primeiro trimestre de 1992, o PIB acumulou queda de 7,7%. Se a projeção for confirmada, será a pior crise do país desde a moratória da dívida, em 1982, quando a economia encolheu 8,5% em três anos.
Economista-chefe da LCA Consultores, Braulio Borges não acredita num cenário de depressão, mas admite que a recessão atual já ultrapassou o que chama de recessão típica no país, com duração média de quatro trimestres. Mais otimista que outros analistas, ele afirma que o terceiro trimestre parece ter sido o fundo do poço.
— A chance de o PIB parar de cair no quarto trimestre é grande. Acho que o resultado pode ficar entre zero e 0,5% de alta, já que os indicadores de confiança dos últimos meses já mostram uma certa estagnação, ou seja, pararam de piorar.
Mas há quem acredite que o cenário pode se agravar. Paulo Gomes, economista da Azimut Brasil Wealth Management, diz que a queda do PIB pode piorar a perspectiva do grau de investimento do país, que já foi reduzido por uma agência este ano.
— Quando as agências analisam a capacidade de o país ter mais ou menos solvência, elas olham a dívida/PIB e o resultado fiscal. Quanto menor o PIB, maior esse déficit — avalia.