quarta-feira, 25 de abril de 2018

Vera Magalhães: STF emana insegurança

- O Estado de S.Paulo

A Segunda Turma abriu a porteira para estancar a sangria da Lava Jato

A principal fonte de insegurança jurídica no País hoje é o Supremo Tribunal Federal.

Dia após dia, a Corte apresenta ao País um cardápio de decisões que têm base não na Constituição, por cuja aplicação tem o dever de zelar, mas em “sentimentos” ou “evoluções” de pensamentos de seus ministros ao sabor das circunstâncias.

Foi assim, sem maiores preocupações com decisões recentes de sua própria lavra, que os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes justificaram a reviravolta de ontem na Segunda Turma, quando decidiram tirar de Sérgio Moro a possibilidade de usar provas advindas das colaborações de oito delatores da Odebrecht concernentes a dois processos contra o ex-presidente Lula.

Dias Toffoli, autor do voto que abriu a porteira para a virada de mesa, começa a peça lembrando que os embargos da defesa de Lula contestam decisão unânime da própria Turma – que, por sua vez, confirmara decisão monocrática do relator, Edson Fachin.

“O inconformismo deve ser acolhido”, acha, agora, Toffoli. Foi seguido por Lewandowski e Gilmar. O último, por sua vez, chegou à sessão, atrasado, para desempatar a questão. Isso depois de aventar, em evento da revista Veja, em São Paulo, outras duas brechas que poderiam levar à melhora da situação judicial de Lula.

Disse Gilmar ao fim da sessão da Turma que não sabia a extensão das implicações da decisão que acabara de tomar (!), mas reconheceu que ela dá margem a novos recursos da defesa de Lula para retirar de Moro não só o acesso às provas, mas os próprios processos.

Merval Pereira: Precedente perigoso

- O Globo

A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de tirar da jurisdição do juiz Sergio Moro, de Curitiba, partes da delação da Odebrecht, sob a alegação de que não têm relação com a corrupção da Petrobras, abre um caminho perigoso para a sociedade e benéfico para Lula, que pode chegar até à anulação da condenação do ex-presidente pelo TRF-4.

O objetivo da defesa é, anulando a condenação de segunda instância, tornar o ex-presidente elegível, livrando-o da Ficha Limpa. Ao fim de uma batalha judicial que já leva vários meses, a tese da defesa de que Sergio Moro não é o juiz natural para julgar os casos não diretamente ligados à corrupção da Petrobras ganhou a chancela de três ministros do STF: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Ao mesmo tempo, a defesa do ex-presidente entrou com dois recursos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), para o STJ e o STF, contra a condenação no caso do tríplex de Guarujá (SP), alegando diversas irregularidades no processo, inclusive que o juiz Sergio Moro não deveria estar à frente do julgamento que condenou o ex-presidente Lula.

No recurso especial, a defesa do ex-presidente pede que o STJ absolva Lula ou decrete a nulidade de todo o processo. Os dois recursos também pedem que “seja afastada qualquer situação de inelegibilidade de Lula”. Esse é um recurso obrigatório pela Lei de Ficha Limpa, para que o direito de defesa seja exercido na sua integridade.

Com a decisão de ontem do Supremo, esses recursos acabaram ganhando conotação diferente, pois ela demonstra que o Supremo, em teoria, pode acolher a tese de que Moro não é o juiz natural também do processo do tríplex do Guarujá. Essa tese havia sido rejeitada tanto por Moro quanto pelo TRF-4.

Míriam Leitão: Erros ou crimes

- O Globo

Aécio diz ver “versões engolirem fatos”.

O senador Aécio Neves argumenta que o apartamento da sua mãe, que estava posto à venda, havia sido avaliado pela Sotheby's em R$ 36 milhões e que fora negociado por empresa especializada e oferecido por ele ou sua irmã a outros compradores também, além de Joesley Batista. Garante que, na defesa, apresentou comprovação de contato com outros possíveis compradores, visitados pela irmã dele.

Aécio Neves enviou longa correspondência eletrônica em resposta à coluna de sábado, em que sustentei que as versões dos acusados de corrupção são em geral inverossímeis. Por exemplo, a maneira como, pelo que se ouviu naquela conhecida gravação, ele negociava um empréstimo supostamente baseado em transação na qual Joesley Batista poderia comprar o imóvel, que sequer havia visitado.

O que o senador garante é que o imóvel não estava sendo vendido “de forma improvisada”. Quem ouve o diálogo gravado fica com essa impressão, até pelo palavreado nada comercial, nem convencional, da conversa entre o senador e o empresário, agora réu confesso do crime de corrupção. Vamos ver o que a Justiça conclui após a avaliação de todos esses documentos que ele diz ter entregue.

O imóvel, que estava sendo oferecido por R$ 40 milhões, é assim valioso mesmo, segundo o senador.

— O banqueiro Gilberto Faria, marido de minha mãe, construiu o prédio e o casal passou a morar na cobertura. É uma cobertura de dois andares, com mais de 1 mil metros de área construída e com direito à construção de um terceiro. Trata-se de um imóvel diferenciado de alto padrão — escreveu o senador.

De qualquer maneira, o que está em questão não é o pretenso valor do imóvel, mas sim o empréstimo, aquele diálogo, o dinheiro vivo, em malas, entregues a alguém “que a gente mata antes de fazer delação”. O senador terá muito a explicar à Justiça.

Bruno Boghossian: Caindo na real

- Folha de S. Paulo

Aliados veem brechas em decisões do Supremo, mas defendem discussão sobre plano B

Ainda que enxerguem a abertura de frestas pró-Lula nas decisões tomadas pelo STF esta semana, alguns de seus principais aliados permanecem céticos. Um grupo de dirigentes petistas ainda considera que o ambiente no Judiciário é majoritariamente desfavorável ao ex-presidente e começa a formatar o modelo para a substituição de seu nome na corrida eleitoral.

Essa ala defende que, ao fazer o lançamento da candidatura de Lula em 28 de julho, o PT já anuncie também o nome de seu vice —que deverá tomar o lugar do ex-presidente no momento da provável rejeição de seu registro pela Justiça Eleitoral. Fernando Haddad e Jaques Wagner ainda são os favoritos para o posto.

Trata-se de um gesto sutil. O grupo de petistas mais resistentes ao debate sobre o plano B da sigla queria evitar qualquer sinal nesse sentido, empurrando a revelação do candidato a vice para 15 de agosto, quando a chapa será inscrita oficialmente.

A antecipação em duas semanas não é significativa em si, mas a abertura de discussões sobre essa estratégia indica o enfraquecimento do tabu que persiste no partido.

O plano, obviamente, só será colocado em prática se o ex-presidente não obtiver nenhuma vitória jurídica que o tire da cadeia até julho —ou ainda na hipótese de liberação de sua candidatura por um tribunal.

Elio Gaspari: O PSDB está desunido e desorientado

- Folha de S. Paulo

Nas mãos de Geraldo Alckmin, o partido fundado por Mário Covas virou um PT chique, e FHC fez que não notou

O PT teve dois presidentes denunciados por corrupção (José Dirceu e José Genoino), o PSDB também (Aécio Neves e Eduardo Azeredo). Quando estourou o escândalo do mensalão, o PT decidiu peitar a investigação e o processo, o PSDB também. Veio a Lava Jato, e o PT resolveu continuar na tática da negativa da autoria e no enfrentamento político. O PSDB também.

Em 2007, quando estourou o escândalo do mensalão mineiro, Ruth Cardoso, mulher de FHC e sua consciência social, sustentou que o ex-governador Eduardo Azeredo deveria ser afastado da presidência do PSDB. Não foi ouvida.

Esse precedente deu a Aécio Neves razões para permanecer na presidência do partido. Só quando sua situação tornou-se insustentável, deu uma carteirada em Tasso Jereissati e apoiou a escolha de Geraldo Alckmin para o lugar.

Se essa onipotência fosse pouca, o partido de Mário Covas e Franco Montoro foi dominado pela mentalidade provinciana de Alckmin. Primeiro ele fritou a liderança do PSDB de São Paulo inventando o "gestor" João Doria.

Se tudo desse certo, ele fritaria os tucanos pela segunda vez elegendo para seu lugar o vice Márcio França, do PSB. Deu errado porque o "gestor" escapuliu da prefeitura paulistana e arrebatou a candidatura ao governo.

Murillo Camarotto: O próximo presidente e suas 146 empresas

- Valor Econômico

Tese da 'privatização de tudo' é tão infantil quanto demonização

Uma vítima do Estado Islâmico. Foi assim que o último presidente dos Correios se sentiu ao ver a cena de um boneco feito em sua "homenagem" arder em chamas numa praça de Campinas, no interior paulista. Colocado no comando da estatal por Gilberto Kassab, onipresente governista, Guilherme Campos deixou o cargo para concorrer à Câmara dos Deputados, mesmo com a sua popularidade em cinzas.

Mais ou menos na mesma época, seis vice-presidentes da Caixa Econômica Federal foram praticamente enxotados porta afora do banco, sob suspeitas de usarem os cargos no atendimento de interesses particulares e, principalmente, de seus padrinhos políticos.

Para se salvar da segunda denúncia oferecida pelo Ministério Público, Michel Temer teve que receber no Jaburu um dos padrinhos políticos mais bem-sucedidos da República. Na lista de pedidos de Valdemar Costa Neto, presidente do PR, constavam a reabertura do Aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, e a exclusão de Congonhas do programa de concessões. O objetivo era claro: garantir influência e caixa para a Infraero, que é controlada por seu partido.

Com tantas intempéries, não é de se estranhar a mistura de satisfação e alívio com que Temer anunciou - em um vídeo nas redes sociais - a assinatura do decreto que deu início aos trâmites para a privatização da Eletrobras. Historicamente cobiçadas por políticos de todos os credos, algumas estatais vêm se tornando verdadeiros micos, onde a multiplicidade de problemas acaba superando as vantagens de administrá-las.

Luiz Carlos Azedo: Truco no Jardim do Éden

- Correio Braziliense

O ministro-relator Edson Fachin está em minoria na Segunda Turma do STF e perde quase todas as votações, embora conheça profundamente as investigações e os processos da Lava-Jato

O truco é muito popular entre paulistas e goianos. Apesar de parecer simples, é um jogo de cartas que exige muita astúcia e possui diferentes táticas, o que complica a vida dos iniciantes. A primeira delas é manipular o adversário. Para isso, o bom jogador precisa ser agressivo, fazer o máximo possível para intimidá-lo. O jogador truca gritando, com objetivo de assustar e prejudicar o desempenho do concorrente durante o resto da disputa. Outra tática importante é escolher bem o parceiro. É preciso ter confiança e química para que possam se comunicar com um olhar. Quando o parceiro é perfeito, metade do jogo está ganho. Conhecer a ordem das cartas também é fundamental para não trucar na hora errada. E, finalmente, ter confiança em si mesmo, para convencer os demais jogadores de que suas cartas são as melhores, mesmo que não sejam. Por isso, o bom jogador nunca reclama do jogo que tem nas mãos, mesmo quando ele é fraco. Se blefar com convicção, ganha o jogo.

A sessão de ontem da segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) foi como uma partida de truco bem jogada. Por 3 votos a 2, essa turma (chamada de Jardim do Éden pelos advogados) decidiu retirar trechos da delação de executivos da construtora Odebrecht que envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da alçada do juiz Sérgio Moro, do Paraná, enviando esses depoimentos para a Justiça Federal de São Paulo. Os ministros Antônio Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes concluíram que as informações dadas pelos delatores da Odebrecht sobre o sítio de Atibaia e sobre o Instituto Lula não têm relação com a Petrobras e, portanto, com a Operação Lava-Jato. Votaram pela manutenção o relator da Lava-Jato, Edson Fachin, e o decano da Corte, Celso de Mello.

Ricardo Noblat: Lula livre para que ninguém seja preso

- Blog do Noblat | Veja

A reação desesperada da máquina de corrupção

A decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de desidratar processos contra Lula que poderiam lhe render futuras condenações pelo juiz Sérgio Moro foi o primeiro dos muitos lances engatilhados para enfraquecer a Lava Jato.

O ministro Gilmar Mendes, em entrevistas concedidas ontem, antecipou de certa forma o que está por vir. A Turma à qual ele pertence poderá, em breve, reduzir a pena de 12 anos e 1 mês a que Lula foi condenado no caso do tríplex do Guarujá, para em seguida mandar soltá-lo.

O fim da prisão em segunda instância poderá demorar um pouco mais para voltar a ser rediscutida. Até setembro, não deverá ser. Mas a partir daí, quando a ministra Cármen Lúcia ceder a presidência do tribunal ao ministro Dias Toffoli, qualquer dia será dia.

Toffoli e o ministro Ricardo Lewandowsky, companheiros de turma de Gilmar, morrem de amores por Lula. A ele devem sua indicação para ministro do tribunal. Gilmar não morre de amores, mas não é isso o que o move. Os três estão empenhados em pôr freios na Lava Jato.

Contam para isso com o apoio velado de políticos e empresários que resistem ao desmonte da máquina de corrupção que há décadas drena as esperanças dos brasileiros, e que lhes custa os olhos da cara. Corrupção é igual a menos tudo – menos saúde, educação, segurança, e por aí vai.

Há quatro anos ameaçada pela Lava Jato e vendo rolarem várias de suas cabeças mais ilustres, a máquina resolveu reagir enquanto é tempo. Depois de muito estrebuchar e espernear sem sucesso, passou à ação desesperada. É o que se assiste e se assistirá nos próximos meses.

Roberto DaMatta: Controlar o purgatório?

- O Globo

Brasil republicano não deixou de ser imperial nas práticas e nos estilos de manter privilégios, sobrevivência aristocrática num sistema destinado a ser meritocrático

A noção de um lugar intermediário, marcado por intensidades e definido por pertencer simultaneamente a dois hemisférios — céu e inferno, culpa e inocência, casa e rua, pessoalidade e impessoalidade — manifesta uma óbvia visão relacional. Um ponto de vista no qual o elo (o meio ou a ponte) é mais saliente do que regras e indivíduos. Não há nenhum sistema social sem relações, mas não é em todo lugar que elas são valor e ética, como no caso brasileiro.

Da beatitude celestial ninguém sai — tal como acontecia com as arcaicas garantias legais dos senhores sobre seus escravos ou a das generosas aposentadorias dos funcionários do Estado que, sendo seus filhos, passavam seus cargos para seus descendentes. Da punição que o grande Dante etnografou descrevendo em detalhe os castigos do inferno, ninguém igualmente sai exceto, talvez, no maravilhoso dia do Juízo Final, quando os vivos e os mortos vão se reunir e, quem sabe, a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo vai redimir este vale de lágrimas no qual estamos encerrados.

A grande novidade do purgatório, como só um erudito francês — Jacques LeGoff — foi capaz de aquilatar, introduz no cosmos cristão a intensidade ambígua de um brasileirismo. Com o purgatório, legitima-se o “mais ou menos”; reacende-se o elo entre os puros e os pecadores, que se comunicam e têm a oportunidade de adiar, anular ou diminuir suas penas graças às instâncias, recursos e demandas dos seus parentes, amigos, companheiros e advogados terrenos.

Lutero mudou o curso da religiosidade ocidental no seu protesto contra todo tipo de meio-termo, sobretudo das indulgências como um comércio. Este vosso cronista tem vergonha de um sistema judiciário no qual o larápio da coisa pública é diferenciado do bandido comum e colocado no purgatório legal dos que cometem crimes especiais, eufemisticamente chamados de “colarinho-branco” — delitos obviamente superiores —, e livram-se da cadeia por meio de embargos, protelações e recursos, essas indulgências brasileiríssimas vigentes no grande purgatório que é o sistema jurídico nacional. Na Europa do século XVI, elas acenderam a Reforma; no Brasil do século XXI, elas podem ou não confirmar a impunidade dos poderosos ou a grande transformação igualitária desejada pela maioria.
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Seria um delírio do cronista sugerir que no mundo global o “mais ou menos” do purgatório existe a seu modo no Brasil?

Este Brasil republicano que não deixou de ser imperial nas práticas políticas e nos estilos de manter privilégios e empenhos — uma sobrevivência aristocrática num sistema destinado a ser meritocrático, competitivo e impessoal.

Monica De Bolle: Estão os eleitores perdidos?

- O Estado de S.Paulo

Os candidatos tentam emplacar campanhas sem qualquer substância sobre os rumos das políticas públicas

"Confie em ninguém” foi o título de minha coluna da semana passada em que esmiucei os dados de recente relatório da OCDE sobre a América Latina e da pesquisa Latinobarômetro sobre o repúdio dos brasileiros ao pagamento de impostos. Só para recapitular, os dados mostram que entre 2003 e 2008 houve impressionante queda da aversão ao pagamento de impostos – em 2003, 77% dos entrevistados diziam que não havia motivo justificável para financiar o governo, enquanto em 2008 apenas 33% afirmavam o mesmo.

Tal aversão subiu para cerca de 50% em 2017. Curiosa sobre as razões que poderiam ter influenciado o contribuinte brasileiro a mudar de opinião tão dramaticamente entre 2003 e 2008, resolvi investigar em maior detalhe os dados qualitativos da pesquisa Latinobarômetro. Minha tese? Os cinco anos decorridos entre 2003 e as vésperas da crise financeira internacional foi período em que o sentimento da população em relação à sua qualidade de vida mudou de forma extraordinária: pôde-se comprar mais, ter melhores empregos, ganhar salários que chegavam até o fim do mês, acreditar em um País mais justo.

Vinicius Torres Freire: O dólar ainda está barato

- Folha de S. Paulo

Desvalorização do real é quase nada e pode render uns trocados para o país

Sempre convém prestar atenção às corridinhas do dólar, ainda mais quando a moeda brasileira se desvaloriza um tanto mais que suas primas no mercado mundial. Mas, por ora, não se passou nada de dramático com a taxa de câmbio no Brasil. Na verdade, não aconteceu fundamentalmente nada.

Desde meados de março, quando algo começou a se mover, o dólar ficou uns 6% mais caro. Então apareceram as notícias de que a moeda americana não estava a esse preço desde tal ou qual mês de 2016, como de costume.

Variações em um ou três meses, afora no caso de choques e crises operísticas, não dizem lá grande coisa. Olhando um pouco mais longe do que isso, importa observar o que aconteceu com as taxas reais de câmbio. O real estava até forte demais, consideradas a história dos últimos anos ou a taxa de juros.

A taxa real de câmbio pode ser medida de várias maneiras, mas nessa conta podem entrar as diferenças de inflação entre o Brasil e o resto do mundo; as diferenças de variação de salários e produtividade.

Cristiano Romero: Brasil, um país ciclotímico

- Valor Econômico

A organização política do Brasil favorece a criação de oligarquias

Quando disse que o Brasil não é para principiantes, Antônio Carlos Jobim não fez apenas um chiste. País do futuro (Stefan Zweig) que nunca chega, que não perde a oportunidade de perder oportunidades (Roberto Campos), e até o passado é incerto (Pedro Malan), o Brasil é marcado por períodos intensos de euforia e depressão, que se alternam com incrível periodicidade. Esses períodos não são como ciclos econômicos, compreensíveis e em alguns casos até desejáveis; são, na verdade, a luta interminável entre o passado e o futuro, o progresso e o atraso, a mudança (ou a necessidade de) e o imobilismo, o novo e o conservador. Há avanços na trajetória, mas também retrocessos inacreditáveis

Ninguém sabe exatamente a que se referia Jânio Quadros quando disse que "forças ocultas" boicotaram seu mandato presidencial, que durou apenas sete meses, mas que elas existem, existem. No Brasil, a crueza de "House of Cards", a série ficcional que expõe o jogo pesado da política nas democracias inglesa e americana, é verossímil. Improvável é o que se passa em Brasília. No Brasil, a arte não consegue imitar a política.

Lá fora, quando um brasileiro relata os fatos a seguir, o ar é de incredulidade:

1) a independência do país de Portugal, em 1822, foi proclamada pelo filho do imperador;

2) a República nasceu de um golpe militar;

3) a escravidão foi abolida por um ato da filha do imperador, que resistiu ao seu fim por 38 anos, tornando o Brasil o último país das Américas a acabar com essa ignomínia;

4) a "revolução" de 1930, deflagrada supostamente para modernizar o país, dominado na República Velha por oligarquias rurais de São Paulo e Minas Gerais, entronizou um caudilho (Getúlio Vargas) que só deixou o poder 15 anos depois;

5) Vargas entregou a comunista Olga Benário a Hitler, uma forma hedionda de fazer um gracejo ao líder nazista e se recusou a dar um visto de permanência a um dos maiores intelectuais da época - Stefan Zweig -, que se refugiou em Petrópolis (RJ), fugindo da guerra na Europa; enquanto flertava com os nazistas, o ditador negociou a criação da CSN em troca de apoio aos americanos naquela guerra;

6) o líder comunista (Luiz Carlos Prestes), que teve sua mulher (Olga) entregue, grávida, aos nazistas, foi solto em 1945 e participou do movimento "queremista", de apoio à permanência do ditador;

7) no retorno das eleições democráticas cinco anos depois, o eleito pelo voto popular foi... o ex-ditador;

8) em 1953, numa época em que apenas 25% das crianças estavam na escola, a classe média brasileira foi às ruas gritar pelo "petróleo é nosso" e a criação da Petrobras; 11 anos depois, voltou às ruas para exigir a deposição do presidente João Goulart, getulista;

9) no Brasil, a Constituição diz que o direito à educação é universal, mas o Estado submete as crianças e adolescentes das classes de baixa renda a um ensino público de péssimo qualidade e, por isso, a maioria deles não consegue acesso às universidades federais e estaduais, as melhores do país e onde estudam, de graça, os filhos da classe média, de alguns remediados e dos ricos;

10) o Brasil deve ser o único caso do mundo onde faculdades particulares de ensino superior, financiadas com dinheiro público a fundo perdido (Fies), têm acionistas, entre eles, alguns dos maiores fundos de participações acionárias ("private equity") dos Estados Unidos e da Europa.

Leandro Karnal: Quando os cravos murcham

- O Estado de S.Paulo

Em 1974, revolução encerrou um prolongado período de arbítrio em Portugal

Em 25 de abril de 1974, Portugal encerrou um prolongado período de arbítrio. Era a Revolução dos Cravos, a primavera lusitana que decretava o fim do período salazarista.

Falemos do ditador. António de Oliveira Salazar (1889-1970) era um professor universitário em Coimbra. Tinha fama de homem austero, bom católico e possuidor de hábitos morigerados. Na sua memória pessoal, reverberava o brutal regicídio de 1908, que eliminou d. Carlos e seu herdeiro. António tinha 19 anos na ocasião. A jovem república, instalada em 1910, era instável. Salazar (doutor desde 1918) viveu tanto a flutuante realidade lusitana quanto o horror generalizado da Grande Guerra. É lícito supor que ele tenha desenvolvido certa aversão aos projetos liberais e anticlericais e suspirasse por ordem e religião.

Salazar foi chamado a resolver o déficit português. Implantou rigor absoluto de gastos e fez o governo de Lisboa sair do vermelho pela primeira vez. Sua popularidade aumentou até que controlou todo o poder, instituindo o Estado Novo. Na década de 1930, Portugal alinha sua política com o já estabelecido fascismo italiano e, a partir de 1936, oferece apoio às tropas de Francisco Franco na Guerra Civil Espanhola. Malgrado a mútua desconfiança entre o ditador espanhol e o português, houve declarada simbiose dos regimes. Nem tudo era linear. A diplomacia salazarista manteve sempre certa ambiguidade. Ao mesmo tempo que parecia inclinar-se aos fascismos no seu furor anticomunista, permitiu, durante a Segunda Guerra, a instalação de bases anglo-americanas nos Açores. Nisso, o português se aproximava do coetâneo Getúlio Vargas. O gaúcho montara um governo fascistoide e, ao mesmo tempo, cedeu Natal e Fernando de Noronha aos americanos.

O regime salazarista era violento, matando opositores em Portugal e muitos nacionalistas dos movimentos de independência na África. A Guerra Colonial foi particularmente brutal. Cada vez mais o orçamento português era consumido pelas tropas em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Ao mesmo tempo, a Índia ignorou os acordos com Portugal e retomou os encraves de Goa, Damão e Diu. O crescimento das tropas ia fazendo surgir um grupo de jovens comandantes não alinhados com o governo salazarista.

Foro em cascata: Editorial | Folha de S. Paulo

Levantamento mostra mais de 58 mil autoridades com direito a julgamento em tribunal colegiado

Está correta, em seus princípios, a concessão a determinadas autoridades públicas do foro especial por prerrogativa de função, também chamado, de modo um tanto pejorativo, de foro privilegiado.

O que se pretende é deslocar o julgamento de casos criminais envolvendo detentores de cargos eletivos —o exemplo principal— para órgãos colegiados, com o intuito de reduzir influências indevidas e o risco de litigância de má-fé.

Em tese ao menos, um juiz de primeira instância pode sentir-se intimidado em condenar um cacique de sua região, mesmo que disponha de provas suficientes. Ou, em outro extremo, magistrados inexperientes ou enviesados elevarão o risco de abertura de processos de escassa fundamentação, mais voltados à perseguição política.

Na prática, entretanto, há evidências suficientes a demonstrar que o modelo brasileiro de prerrogativa de foro se tornou disfuncional.

Os motivos ganharam números mais precisos em levantamento desta Folha, publicado na edição desta terça-feira (24). Constatou-se que a quantidade de autoridades beneficiadas pelo instituto ultrapassa a cifra estelar de 58 mil.

Um ornitorrinco econômico: Editorial | O Estado de S. Paulo

Com bico de pato, corpo peludo, rabo de castor, patas traseiras com cartilagens e sem orelhas externas, o ornitorrinco, um mamífero carnívoro e semiaquático, foi considerado uma impossibilidade, até uma fraude, quando um primeiro exemplar empalhado foi exibido na Inglaterra. Mas esse bicho era real, embora tão surpreendente como a aposta no crescimento brasileiro depois da recuperação inicial, de caráter cíclico. Mas essa aposta tem sido renovada, como se o horizonte estivesse claro. A política de governo só ofereceu até agora um incentivo material à continuação da retomada, o corte de juros básicos pelo Banco Central (BC). Com dificuldade até para reduzir, sem eliminar, seu déficit primário, o governo central de nenhum modo poderia oferecer estímulos sob a forma de gastos maiores ou impostos menores. Mas em breve até o único estímulo material poderá ser interrompido, depois de mais uma redução da Selic, a taxa básica de juros, prevista para maio.

Essa perspectiva foi reafirmada na segunda-feira passada pelo presidente do BC, Ilan Goldfajn, num evento em São Paulo. Na próxima reunião, o Copom poderá decidir mais um corte adicional. Com isso ficará encerrado o ciclo de afrouxamento da política monetária. As autoridades deverão esperar novos dados sobre a atividade, sobre a evolução e a projeção dos preços e, naturalmente, sobre o conjunto de riscos. Se decidirem proporcionar algum novo estímulo, será a partir dessas análises, mas, por enquanto, a pauta da política monetária indica uma provável interrupção dos cortes.

E aí, como ficarão as perspectivas? O cenário político é obscuro e o resultado possível da eleição presidencial é um mistério dos mais espessos. A maior parte dos pré-candidatos demonstra pouco ou nenhum compromisso com a consolidação dos fundamentos econômicos e a busca do crescimento sustentável. Alguns se alinharão, quase certamente, contra a limitação dos gastos públicos e a contenção da alta de preços, exceto, talvez, por meio da intervenção nos mercados.

Reforma trabalhista tem boa estreia e desafios no caminho: Editorial | Valor Econômico

A reforma trabalhista aprovada em novembro parece ter dado bons frutos iniciais, como a redução drástica das ações trabalhistas, mas o período de adaptação ainda é pequeno para que os temores de um turbilhão de contestações judiciais estejam afastados. Uma parte não desprezível dos tribunais regionais do Trabalho têm, por exemplo, concedido liminares a sindicatos que querem reinstituir a contribuição sindical, algo expressamente proibido pela nova lei, a 13.467. O Tribunal Superior do Trabalho constituiu uma comissão para analisar 34 súmulas e decisões sob a luz das modificações na legislação e adiou seus resultados por mais 30 dias. Por outro lado, a MP 808, prometida para corrigir lacunas na reforma, caducou no Congresso.

Seria de se esperar que a mudança profunda de uma legislação vigente há décadas resultasse na fúria dos sindicatos e dos beneficiados pela estrutura vertical criada pelo varguismo. Não houve mobilizações amplas. Ouviram-se sussurros indignados e manifestações de pequenas dimensões. A grande e sistemática disputa nos tribunais empreendida por muitos sindicatos foi por garantir o dinheiro cativo, obrigatório por lei, que lhes assegurava a sobrevivência - um sinal claro da degeneração da estrutura que os amparou. A fração mais burocrática do sindicalismo defende com isso seus interesses - não lhe interessa que a reforma ampute parte dos poderes das entidades, desde que subsista à custa de verbas carimbadas.

A expectativa em relação aos efeitos da reforma era sobre se haveria ou não um aumento das disputas judiciais trabalhistas e se a emenda, afinal, teria sido pior que o soneto. Essa questão não está decidida. Há uma trégua no ar, algo compreensível tanto pela variedade e profundidade das mudanças realizadas como pela incógnita de como os tribunais reagirão a elas. Não há uma visão uniforme do Tribunal Superior do Trabalho a respeito, e se espera que ela seja construída a partir do resultado da comissão de 9 ministros criada para isso. A reação dos tribunais de primeira instância é determinante nesse interregno e, nesse ponto, há diversidade de interpretações, ora com ganho de causa para as empresas, ora para os empregados.

Candidatos têm de se posicionar sobre a Previdência: Editorial | O Globo

Aspirantes ao Planalto precisam dizer o que pensam do sistema de seguridade, para que se saiba qual será o país a partir de 2019, se melhor ou pior que o atual

Pesquisas de opinião têm detectado, entre as preocupações da população, que a corrupção ganhou grande relevância —, o que é compreensível. Às vezes à frente dos clássicos saúde, educação e segurança.

Há, porém, temas como a Previdência, de extrema importância, mas que não costumam frequentar o ranking das maiores dores de cabeça das pessoas, porque sua deterioração ocorre aos poucos, de forma invisível para a maioria da população. Até que, um dia, entra em rápida contagem regressiva para a explosão, arruinando a vida de milhões. O exemplo clássico, não custa repetir, é o da Grécia, na crise iniciada em 2010, derivada das turbulências na zona do euro.

É no estágio da antessala de graves problemas que se encontra o sistema previdenciário brasileiro: sem controle, as despesas com aposentadorias e pensões correm à frente das receitas e levarão a que, provavelmente em 2020, o teto constitucional dos gastos seja rompido. A depender de quem for eleito em outubro, será defendida a revogação do teto. Significará apenas quebrar o termômetro. A crise fiscal se aprofundará do mesmo jeito.

A incógnita Barbosa: Editorial | Folha de S. Paulo

Sabe-se pouco sobre o que o ministro aposentado pensa dos problemas que angustiam o país

Desde que entrou no PSB e passou a ser cogitado como opção para a disputa presidencial, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa deixou claro que não tem nenhuma pressa em definir seu futuro.

Há uma semana, quando foi a Brasília conversar com a cúpula do seu partido, ele driblou os jornalistas dizendo o óbvio —que ainda não é candidato a nada— e fugiu de quem estava em busca de uma foto ao seu lado.

O potencial de Barbosa ficou evidente na pesquisa feita pelo Datafolha neste abril. Sem nunca ter disputado uma eleição, surgiu empatado com políticos experientes como Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB), oscilando entre 9% e 10% das preferências.

Análises preliminares sugerem que, a esta altura, seu apelo é maior entre eleitores de mais idade e educação superior —e reduzido nos segmentos populares.

Mas o ministro parece ter boas chances de ganhar adeptos, com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) impedido de entrar no páreo, o desgaste dos políticos profissionais e a procura por nomes distantes dos extremos ideológicos.

Muito dependerá, contudo, do que será oferecido ao público. Barbosa tornou-se conhecido pelo rigor aplicado na condução do julgamento do mensalão, processo do qual foi relator no STF. Mas sabe-se pouco sobre o que pensa dos problemas que angustiam o país.

STF tira de Moro delação da Odebrecht sobre Lula

Por 3 a 2, Segunda Turma do Supremo remete casos do sítio de Atibaia e do instituto para a Justiça de SP
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A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal impôs derrota ao juiz Sérgio Moro ao decidir retirar dele menções da delação da Odebrecht ao expresidente Luiz Inácio Lula da Silva nos casos do sítio de Atibaia (SP) e do Instituto Lula. Os documentos serão encaminhados à Justiça Federal de São Paulo, por decisão da maioria formada pelos ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Edson Fachin, relator do caso, e Celso de Mello votaram para que as menções a Lula nas delações da Odebrecht continuassem com Moro. A decisão abre a possibilidade de a defesa do ex-presidente contestar a competência de Moro para continuar no comando das investigações sobre as reformas no sítio e o suposto pagamento de propina pela Odebrecht por meio da compra de um terreno onde seria sediado o Instituto Lula. O ex-presidente já é réu nesses dois casos.

Supremo impõe derrota a Moro em ações sobre Lula

Amanda Pupo Rafael Moraes Moura | O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) impôs ontem uma derrota ao juiz federal Sérgio Moro, ao decidir retirar dele menções da delação da Odebrecht ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – condenado e preso na Lava Jato – que tratam do sítio de Atibaia (SP) e do Instituto Lula. Os documentos serão encaminhados à Justiça Federal em São Paulo, por decisão da maioria formada pelos ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Os três mudaram de posição em relação a um julgamento de outubro do ano passado.

Relator do caso, o ministro Edson Fachin e o decano Celso de Mello votaram para que as citações a Lula nas colaborações de oito delatores da Odebrecht continuassem com Moro.

A decisão da Segunda Turma pode levar a defesa do ex-presidente, preso desde o início do mês em Curitiba pela condenação no caso do triplex no Guarujá, a contestar a competência de Moro para continuar no comando das investigações sobre o sítio de Atibaia e o suposto pagamento de propina pela Odebrecht por meio da compra de um terreno onde seria sediado o Instituto Lula. O ex-presidente já é réu nessas duas ações, que começaram antes da celebração do acordo de delação dos ex-executivos da Odebrecht.

Delação da Odebrecht fica fora de processos contra Lula

Segunda Turma do STF tira provas das mãos do juiz Sergio Moro

Três ministros avaliaram que casos do sítio de Atibaia e do terreno para Instituto Lula não se relacionam à Lava-Jato. Para defesa, decisão permite questionar competência para julgar petista

A Segunda Turma do STF decidiu retirar do juiz Sergio Moro trechos da delação de executivos da Odebrecht que citam o ex-presidente Lula em supostos esquemas de corrupção da empreiteira. Para os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, a reforma do sítio de Atibaia e a compra do terreno para o Instituto Lula não têm relação com os crimes contra a Petrobras, investigados pela Lava-Jato em Curitiba. A defesa do petista avalia que a decisão abre caminho para questionar a competência de Moro para julgar os casos relacionados a Lula. A Procuradoria-Geral da República pode recorrer. A PF pediu à Justiça a transferência de Lula de sua sede em Curitiba, por conta dos gastos e transtornos.

Restrições a Moro

Segunda Turma do STF retira do juiz trechos da delação da Odebrecht que citam Lula

André de Souza, Cleide Carvalho e Gustavo Schmitt | O Globo

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por três votos a dois, retirar das mãos do juiz Sergio Moro trechos da delação dos executivos da empreiteira Odebrecht que citam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em supostos esquemas de corrupção articulados pela empreiteira. No entendimento dos ministros, os depoimentos dos delatores sobre casos como o sítio de Atibaia e a sede do Instituto Lula não têm relação com os crimes praticados contra a Petrobras e investigados pela Lava-Jato em Curitiba, foco da atuação de Sergio Moro.

A decisão levantou uma série de questionamentos sobre o futuro das investigações que tramitam em Curitiba sob a responsabilidade de Moro. Isso porque a defesa de Lula sustentou, tão logo encerrado o julgamento, que o entendimento adotado pela Segunda Turma abriria espaço para questionamentos mais amplos, como a própria competência de Moro para julgar os casos relacionados ao petista — o que pode ser objeto de um novo recurso da defesa. Moro e os investigadores da força-tarefa não quiseram comentar a decisão do STF.

Haddad nega articulação para chapa com Ciro

Ex-prefeito é um dos responsáveis pela coordenação do programa de governo de Lula

Ana Luiza Albuquerque | Folha de S. Paulo

CURITIBA - O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) afirmou a jornalistas nesta terça-feira (24) que o encontro com o presidenciável Ciro Gomes (PDT), relatado pela Folha, não significa nada além do desejo de fortalecer a esquerda para as eleições.

Haddad é um dos responsáveis pela coordenação do programa de governo do ex-presidente Lula, que se encontra preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR). Haddad e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, falaram à imprensa na vigília estabelecida por apoiadores de Lula, em frente à PF.

O ex-prefeito disse que foi ao encontro, que contou com a presença do ex-ministro Delfim Netto e do economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, como membro da organização do programa de governo de Lula. Ele disse que o tema foi a economia, e não a política.

"Me encontrei já com o Boulos [Guilherme, candidato à Presidência pelo PSOL], com a Manuela [D'Ávila, presidenciável pelo PC do B]... Esse canal tem que estar desobstruído."
Segundo Haddad, o programa de Lula foi definido pelo próprio ex-presidente, a partir do que ele espera para um terceiro mandato. "O presidente Lula definiu a arquitetura do plano."

Haddad afirmou que os partidos de esquerda precisam se respeitar e que legendas como PDT, PSOL e PC do B têm mantido um grau de solidariedade em relação ao ex-presidente.

Questionado se a fragmentação da esquerda não é prejudicial, Haddad respondeu que a direita está ainda mais fragmentada e que cada partido tem sua autonomia e estratégia. "Estamos conversando, mas cada um vai construir o próprio caminho."

Haddad defende que PT continue diálogo com outras forças

Por Rafael Moro Martins, Cristiane Agostine e César Felício | Valor Econômico

CURITIBA E SÃO PAULO - O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, presidenciável do PSB, deve se encontrar com economistas no escritório do ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto, no fim de maio. Uma série de encontros informais entre possíveis candidatos a presidente e economistas está sendo organizada pelo professor José Márcio Rego, da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP).

Anteontem, o grupo recebeu o presidenciável do PDT, Ciro Gomes, e o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação Fernando Haddad, tido como uma opção a Lula dentro do PT.

"Não se trata de uma tomada de posição a favor de um ou outro, vamos conversar com outros candidatos, sempre em um espaço neutro", disse Rego.

Também participaram da reunião de ontem outro ex-ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser-Pereira, ligado a Ciro. Haddad é um dos coordenadores da campanha presidencial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpre pena em regime fechado em Curitiba e deve ser considerado ser considerado inelegível pela Justiça Eleitoral.

Em evento ontem, Ciro Gomes afirmou que gostou do encontro, mas não comentou sobre possível chapa. "Respeito muito o momento que o PT está passando", disse o pedetista. Haddad sinalizou que pretende continuar conversando com Ciro. Para Haddad, foi "uma discussão de pessoas que querem que o país encontre uma saída", disse "Já me encontrei com [Guilherme] Boulos e Manuela [d'Ávila, respectivamente presidenciáveis de Psol e PCdoB] nessa mesma condição. Esse canal tem que estar desobstruído, tem que fluir normalmente a comunicação. Não significa nada além do desejo de um certo campo de força de que o país saia dessa situação em que a centro-direita o colocou", afirmou em Curitiba, onde participou de evento do PT na vigília próxima à superintendência da Polícia Federal que pede a liberdade de Lula.

O ex-prefeito, apontado como plano B do PT caso a candidatura de Lula seja rejeitada pela Justiça Eleitoral, porém, garantiu que não tratou-se de um encontro político. "É óbvio que, quando esses encontros acontecem, surgem temas políticos também, as novas candidaturas que estão sendo colocadas, o perfil dessas candidaturas. Não se discutiu muito política, só tinha economista lá. Existe um senso comum nesse campo, independentemente de candidatura, é preciso frisar", argumentou.

De acordo com Bresser-Pereira, o apoio do PT é "fundamental" para Ciro viabilizar sua candidatura à Presidência da República. Para Bresser-Pereira, a "dupla perfeita" para disputar a eleição presidencial é Ciro com o ex-prefeito petista Fernando Haddad como vice na chapa.

Maria Bethania: - Recife manhã de sol (J MichIles)

Carlos Drummond de Andrade: Aparição amorosa

Doce fantasma, por que me visitas
como em outros tempos nossos corpos se visitavam?
Tua transparência roça-me a pele, convida
a refazermos carícias impraticáveis: ninguém nunca
um beijo recebeu de rosto consumido.

Mas insistes, doçura. Ouço-te a voz,
mesma voz, mesmo timbre,
mesmas leves sílabas,
e aquele mesmo longo arquejo
em que te esvaías de prazer,
e nosso final descanso de camurça.

Então, convicto,
ouço teu nome, única parte de ti que não se dissolve
e continua existindo, puro som.
Aperto... o quê? a massa de ar em que te converteste
e beijo, beijo intensamente o nada.
Amado ser destruído, por que voltas
e és tão real assim tão ilusório?
Já nem distingo mais se és sombra
ou sombra sempre foste, e nossa história
invenção de livro soletrado
sob pestanas sonolentas.
Terei um dia conhecido
teu vero corpo como hoje o sei
de enlaçar o vapor como se enlaça
uma ideia platônica no espaço?

O desejo perdura em ti que já não és,
querida ausente, a perseguir-me, suave?
Nunca pensei que os mortos
o mesmo ardor tivessem de outros dias
e no-lo transmitissem com chupadas
de fogo aceso e gelo matizados.

Tua visita ardente me consola.
Tua visita ardente me desola.
Tua visita, apenas uma esmola.