- Valor Econômico
A organização política do Brasil favorece a criação de oligarquias
Quando disse que o Brasil não é para principiantes, Antônio Carlos Jobim não fez apenas um chiste. País do futuro (Stefan Zweig) que nunca chega, que não perde a oportunidade de perder oportunidades (Roberto Campos), e até o passado é incerto (Pedro Malan), o Brasil é marcado por períodos intensos de euforia e depressão, que se alternam com incrível periodicidade. Esses períodos não são como ciclos econômicos, compreensíveis e em alguns casos até desejáveis; são, na verdade, a luta interminável entre o passado e o futuro, o progresso e o atraso, a mudança (ou a necessidade de) e o imobilismo, o novo e o conservador. Há avanços na trajetória, mas também retrocessos inacreditáveis
Ninguém sabe exatamente a que se referia Jânio Quadros quando disse que "forças ocultas" boicotaram seu mandato presidencial, que durou apenas sete meses, mas que elas existem, existem. No Brasil, a crueza de "House of Cards", a série ficcional que expõe o jogo pesado da política nas democracias inglesa e americana, é verossímil. Improvável é o que se passa em Brasília. No Brasil, a arte não consegue imitar a política.
Lá fora, quando um brasileiro relata os fatos a seguir, o ar é de incredulidade:
1) a independência do país de Portugal, em 1822, foi proclamada pelo filho do imperador;
2) a República nasceu de um golpe militar;
3) a escravidão foi abolida por um ato da filha do imperador, que resistiu ao seu fim por 38 anos, tornando o Brasil o último país das Américas a acabar com essa ignomínia;
4) a "revolução" de 1930, deflagrada supostamente para modernizar o país, dominado na República Velha por oligarquias rurais de São Paulo e Minas Gerais, entronizou um caudilho (Getúlio Vargas) que só deixou o poder 15 anos depois;
5) Vargas entregou a comunista Olga Benário a Hitler, uma forma hedionda de fazer um gracejo ao líder nazista e se recusou a dar um visto de permanência a um dos maiores intelectuais da época - Stefan Zweig -, que se refugiou em Petrópolis (RJ), fugindo da guerra na Europa; enquanto flertava com os nazistas, o ditador negociou a criação da CSN em troca de apoio aos americanos naquela guerra;
6) o líder comunista (Luiz Carlos Prestes), que teve sua mulher (Olga) entregue, grávida, aos nazistas, foi solto em 1945 e participou do movimento "queremista", de apoio à permanência do ditador;
7) no retorno das eleições democráticas cinco anos depois, o eleito pelo voto popular foi... o ex-ditador;
8) em 1953, numa época em que apenas 25% das crianças estavam na escola, a classe média brasileira foi às ruas gritar pelo "petróleo é nosso" e a criação da Petrobras; 11 anos depois, voltou às ruas para exigir a deposição do presidente João Goulart, getulista;
9) no Brasil, a Constituição diz que o direito à educação é universal, mas o Estado submete as crianças e adolescentes das classes de baixa renda a um ensino público de péssimo qualidade e, por isso, a maioria deles não consegue acesso às universidades federais e estaduais, as melhores do país e onde estudam, de graça, os filhos da classe média, de alguns remediados e dos ricos;
10) o Brasil deve ser o único caso do mundo onde faculdades particulares de ensino superior, financiadas com dinheiro público a fundo perdido (Fies), têm acionistas, entre eles, alguns dos maiores fundos de participações acionárias ("private equity") dos Estados Unidos e da Europa.