Lula não poderia esperar junho do próximo ano para ungir uma candidatura de sua coalizão sem perder o controle da própria sucessão
A legislação vigente restringe as campanhas eleitorais ao curto período de três meses que antecedem a eleição, mas até o vereador do mais remoto município brasileiro sabe que a sucessão de 2010 já começou. É muito simples: a não ser que fosse candidato ao terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não poderia ficar de braços cruzados para assistir ao favoritismo do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), que se finge de morto, se materializar numa candidatura imbatível. O mesmo ocorre com o governador de Minas, Aécio Neves, que pleiteia a vaga de candidato tucano, e com o ex-ministro do Interior Ciro Gomes (PSB-CE), que já sobe o tom dos ataques à aliança PT-PMDB.
Candidatura única
Apesar de declarações em contrário, Lula de fato deu a largada para sua própria sucessão para consolidar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ungida como herdeira de seu projeto de poder pela firmeza na condução dos negócios de governo. Digo isso de forma conceitual, porque se a prioridade fossem as políticas públicas para as camadas de baixa renda, o candidato oficial seria o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, o grande gestor do programa Bolsa Família, que tanto prestígio deu ao governo. Dilma se destacou na Esplanada dos Ministérios à frente do Ministério de Minas e Energia, polo estratégico das relações do governo com o setor produtivo e as grandes empresas privadas do país. E, ao substituir o ex-deputado José Dirceu no cargo que hoje ocupa, ampliou sua influência para todos os demais setores do governo, além de centralizar os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que substituiu o fracassado programa de parcerias público-privadas do primeiro mandato.
No primeiro momento, o objetivo do presidente Lula foi inibir outras possíveis candidaturas petistas — como as do ministro da Justiça, Tarso Genro, e do governador da Bahia, Jaques Wagner — e consolidar o nome de Dilma como candidata do PT o quanto antes, sem contestação. A tarefa foi facilitada por resultados eleitorais que afastaram da disputa nomes como o do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) e da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy, sem falar no escândalo que derrubou e carbonizou o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Agora, no segundo momento, Lula força a barra para impor o nome de Dilma como candidata única da ampla coalizão de governo. Cotovela o bloquinho PSB-PCdoB aglutinado em torno da candidatura de Ciro Gomes, de um lado, e tenta seduzir a cúpula do PMDB, de outro, para evitar que a legenda derive em direção ao governador Aécio Neves.
Duas táticas
Lula compreendeu que a sucessão em 2010 não tem as características de uma “guerra de movimento”, como ocorreu da eleição de Fernando Color de Mello, em 1989, até sua chegada ao poder, em 2002. A grande massa de eleitores só entrava na disputa eleitoral na reta final do pleito e seu deslocamento decidia a eleição, muitas vezes sob influência da classe média mais politizada. Desde 2006, porém, as camadas mais pobres se posicionam eleitoralmente antes mesmo do que as parcelas supostamente mais esclarecidas da sociedade. Essa mudança de comportamento fará da disputa de 2010 uma espécie de “guerra de posições”, como aconteceu na reeleição de Lula, em 2006. O mapa geopolítico do país, redesenhado pelas eleições municipais passadas, já aponta nessa direção.
O fato é que esse eleitorado de pobres e excluídos tende a votar no projeto de continuidade do governo Lula, a não ser que a crise o atinja a ponto de neutralizar os benefícios do aumento real do salário mínimo, das aposentadorias rurais e dos programas sociais como Bolsa Família e o ProUni. É por isso que Serra se finge de morto, Ciro engole os sapos e Aécio fala em pós-Lula. Nesse cenário de “guerra de posições”, Lula não poderia esperar junho do próximo ano para ungir uma candidatura de sua coalizão de governo sem perder o controle da própria sucessão.
Nem teria tempo suficiente para viabilizar uma candidatura da “máquina” como a de Dilma, que seria desidratada pelas forças centrífugas do processo eleitoral. Não criaria em torno dela a expectativa de poder capaz de evitar a debandada dos aliados em direção aos candidatos mais fortes. Seu eleitorado, sem tempo para construir uma identidade com Dilma, ficaria orfão na eleição e novamente se comportaria como biruta de aeroporto. Lula só poderia esperar junho de 2010 se fosse ele próprio o candidato, razão pela qual essa hipótese, teoricamente, ainda não pode ser inteiramente descartada. Mas fica cada vez mais remota na medida em que Dilma se viabiliza como candidata.