domingo, 25 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Combate ao crime exige retomar controle de prisões

O Globo

No ano passado, quase um preso fugiu por dia, enquanto verbas destinadas à segurança sofreram cortes sucessivos

A fuga de dois detentos do presídio federal de segurança máxima de Mossoró, no Rio Grande do Norte, foi inédita, dado o retrospecto inexpugnável dessas cadeias. Elas contrastam com as superlotadas prisões estaduais, que abrigam a massa de mais de 650 mil presos do Brasil. Levantamento do GLOBO junto a 18 estados constatou que, no ano passado, 333 presos fugiram da cadeia, quase um por dia.

As penitenciárias brasileiras estão longe do nível de segurança necessário para os condenados cumprirem as penas estabelecidas pela Justiça. A maioria das fugas ocorre na surdina, geralmente com a colaboração de agentes penitenciários e a ajuda das facções criminosas que controlam as prisões. “É ilusório pensar que a fuga acontece só por vontade própria, isso só [existe] nos filmes de Hollywood. No Brasil demanda muito dinheiro”, diz Ludmila Ribeiro, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Luiz Sérgio Henriques* - A linguagem da frente democrática

O Estado de S. Paulo

Há um terreno comum a ser redescoberto por todas as forças democráticas, de modo que a luta áspera inerente às democracias marginalize extremos

Em memória de Luiz Werneck Vianna

Este é um tempo político de mudanças simultaneamente repentinas e graduais. E tudo se complica ainda mais quando observamos que, entre os dois tipos de mudança, não há nenhuma muralha da China. Transformações mínimas, mas prolongadas, subitamente abrem um quadro novo, alteram as relações entre política e economia, deixam para trás formas tradicionais de expressão dos conflitos. Os saudosistas diriam que nunca foi muito diferente e que assim se cumpre uma das outrora celebradas “leis da dialética”, a que determinaria a transformação da quantidade em qualidade.

O certo é que hoje nos sentimos em geral forçados a andar sem muletas ou corrimãos. Quando alguma correlação menos instável podia ser estabelecida entre classe e partido, ou entre partido e nação, seguia-se daí, quase automaticamente, um esboço de tipologia. Extremadas seriam as agremiações que se limitassem a escutar sua classe de referência, sem interpelar de verdade outros setores sociais. Maduras seriam as que se abrissem aos problemas de toda a nação, mais além do próprio interesse parcial. Para estas, a questão do centro político tornavase estratégica, implicando, entre outras coisas, a permanente busca de alianças e a posse de uma cultura de governo.

Bernardo Mello Franco - Werneck Vianna remou contra a maré

O Globo

No auge da força-tarefa, sociólogo remou contra a maré e expôs seu projeto de poder

Morreu na quarta-feira o sociólogo Luiz Werneck Vianna. Estudioso do Judiciário, foi um dos primeiros críticos dos métodos da Lava-Jato. Quando a operação surfava o auge da popularidade, teve coragem de remar contra a maré.

Em 2016, o professor alertou que a força-tarefa usava a bandeira do combate à corrupção para promover a negação da política. Ele já enxergava um projeto de poder por trás da rotina de ações espetaculosas e vazamentos seletivos.

“Há uma inteligência organizando essa balbúrdia. Essa balbúrdia é provocada e manipulada com perícia”, afirmou, em entrevista a Wilson Tosta no jornal O Estado de S. Paulo.

Werneck decifrou o espírito da Lava-Jato. Identificou em seus próceres os herdeiros dos militares que lideraram o movimento tenentista, na década de 1920. “Só que os tenentes tinham um programa econômico e social para o país. E esses tenentes de toga não têm. São portadores apenas de uma reforma moral”, diferenciou.

Merval Pereira - Fim de uma fase?

O Globo

A Operação Lava Jato vem sendo desmontada metodicamente pelos mesmos que um dia a apoiaram, mas não desejavam que chegasse tão longe quanto chegou

Fechando uma década de profundas transformações sociais no Brasil, em que o combate à corrupção ganhou um protagonismo capaz de alterar estruturalmente o país, mas foi interrompido de maneira abrupta por uma reação do establishment que deve ser encerrada momentaneamente com a cassação do mandato de senador do ex-juiz Sérgio Moro, temos hoje em São Paulo uma das muitas manifestações populares que mobilizaram o país a partir de 2013.

A Operação Lava Jato vem sendo desmontada metodicamente pelos mesmos que um dia a apoiaram, mas não desejavam que chegasse tão longe quanto chegou. Como sempre no Brasil, o retrocesso foi auxiliado por atitudes imprudentes dos que tinham a tarefa de limpar os caminhos da República, incapazes de arcar com o peso histórico e institucional das ações que praticavam. A atuação de Moro na Operação Lava-Jato, no entanto, nada tem a ver com sua condição de senador eleito pelo Paraná, e o julgamento no TRE não deveria ser confundido com sua atuação como juiz. Só que não parece o que está acontecendo. Há um sentimento de vingança no ar.

Míriam Leitão - Os militares e as apurações

O Globo

O comando das Forças Armadas está enfrentando algo inédito na história: oficiais respondendo na Justiça por atos antidemocráticos

O ato convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro será grande. Não se duvida disso no governo. Mas o próprio presidente Lula afastou a preocupação com o assunto, numa reunião do núcleo político na semana passada, segundo me revelou um participante. Lula disse o seguinte: “Bolsonaro está no direito dele de fazer manifestação”. Em seguida, o presidente passou a falar de problemas que precisavam ser superados na relação com o Congresso. Aliás, “a semana terminou melhor do que começou”, avalia um integrante da cúpula política, porque houve propostas para resolver alguns pontos de tensão com a Câmara e o Senado e muitas conversas. Já o ex-presidente Jair Bolsonaro teve que encarar em silêncio a Polícia Federal junto a alguns dos militares do seu governo. Hoje vai comandar uma multidão em São Paulo, porém sabendo que ele é o que é: um investigado.

Luiz Carlos Azedo - A guerra de Gaza pode despertar o velho antissemitismo

Correio Braziliense

Lula e Netanyahu escalaram a crise diplomática entre Brasil e Israel. Na esquerda brasileira, isso provocou uma onda antissionista, seu disco é despertar o nosso velho antissemitismo

No final do século 19, os judeus eram pobres e sofriam constantes perseguições no Leste europeu, mas tinham uma vida bastante integrada à sociedade na Europa Ocidental, de cuja elite econômica e intelectual faziam parte. Muitos já haviam se tornado cristão novos, os “anusin”, convertidos à força ao cristianismo, como foram os “moçarabes” ao islamismo, na Península Ibérica, para fugir às perseguições. A origem da alheira, embutido português em formato de ferradura e cilíndrico, parecido com a linguiça de porco, foi a necessidade de os judeus dissimularem os seus hábitos alimentares no período da Inquisição.

Judeus que se instalaram no interior de Portugal depois de terem sido expulsos da Espanha fingiam consumir carne de porco (animal proibido na religião judaica) e, por isso, criariam um tipo de chouriço com vitela, coelho, peru, pato e massa de pão, que penduravam em janelas e quintais. Os cristãos gostaram da alheira e passaram a incluir a carne de porco.

Eliane Cantanhêde - Lágrimas de crocodilo e minissérie

O Estado de S. Paulo

Lula esquece Holocausto, mas insiste em genocídio para evitar armadilha e massacre em Rafah

A semana passada começou desastrosa, com a inaceitável comparação dos ataques a Gaza com o Holocausto, mas evoluiu bem com dois consensos importantes na reunião de chanceleres do G-20 (grupo das maiores economias globais) e encerrou com o presidente Lula modulando o seu discurso: deixou de lado o falatório sobre Holocausto, mas manteve a acusação de genocídio contra Israel.

A insistência no termo genocídio tem motivo: o temor, não só do Brasil, mas do mundo, de que a próxima etapa da selvageria seja em Rafah, ao sul de Gaza, na fronteira com o Egito, para onde o regime Netanyahu empurrou milhares de famílias palestinas. Ou seja, de que Rafah se transforme numa armadilha. Como me disse um alto diplomata, “não venham chorar lágrimas de crocodilo e fazer minissérie depois, tarde demais”.

Rolf Kuntz - A praga dos dois por cento

O Estado de S. Paulo

Repetição desta taxa de 2% reflete a percepção de uma economia sem vigor para sustentar um crescimento maior e mais próximo dos padrões alcançados por outros emergentes

É bom olhar os lírios do campo e abandonar, de vez em quando, a preocupação com o dia a dia, mas também parece recomendável, para o País, cuidar um pouco mais do futuro e aumentar o investimento em bens de produção, organização produtiva e capital humano. Comida, moradia, saúde, roupas, transporte, cinema e outros mimos da vida social dependem de tratores, guindastes, prensas mecânicas, máquinas industriais, computadores, centrais elétricas e também, é claro, de escolas e profissionais variados. Disso se trata, supostamente, quando se fala de crescimento econômico. Mas quantos se lembram desses detalhes e do uso eficiente do dinheiro, quando estão envolvidos no troca-troca de Brasília, na manipulação do Orçamento e na apropriação legalizada, afinal, de recursos públicos?

Elio Gaspari - A lorota eletrônica da segurança

O Globo

A fuga de dois presos da penitenciária federal de segurança máxima de Mossoró expôs uma nova modalidade de delinquência organizada no mercado de serviços e venda de equipamentos para o aparelho de segurança do Estado brasileiro.

O presídio não tinha muros, o teto das celas não tinha reforço de concreto, as câmeras de segurança estavam cegas, havia um alicate no caminho dos bandidos, e com ele cortaram o alambrado. Esse era o mundo real.

Ele se contrapõe a outro, o das fantasias oficiais. Os presídios federais estão equipados para o século XXII. Têm redes de câmeras que transmitem imagens para a vigilância local e também para uma central de Brasília; isso e mais aparelhos de raios X, detectores de metais e body scans para inspeções. Se alguém escapar será perseguido por helicópteros e drones.

Não existe uma estatística de quanto a Viúva gastou em equipamentos futuristas federais e estaduais, mas, por baixo, é coisa de bilhões de reais. Essas cifras alimentam mirabolâncias.

Dorrit Harazim – Vinicin

O Globo

Como não aplaudir o garoto de Nova Iguaçu que na semana passada salvou três vidas durante o arrastão d’água na Baixada?

A sessão mensal do Conselho de Segurança da ONU da última quinta-feira, presidida pela embaixadora da Guiana, Carolyn Rodrigues-Birkett, tinha tudo para ser tediosa. Até o momento em que o microfone foi passado ao secretário-geral da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), Christopher Lockyear. Avesso a protagonismos, o dirigente britânico da organização humanitária detentora do Nobel da Paz falou por dez minutos sem qualquer fiapo de estridência. Não carecia. Percorreu 60 parágrafos de frases curtas que emitiam um grito de socorro/acusação aos donos do poder: sejam humanos! Interrompam já a aniquilação de vida em Gaza. Recomenda-se aqui o acesso à versão escrita do apelo de Lockyear, pois palavras escritas cravam mais fundo em nosso pensar que as ouvidas. Palavras, já ensinou José Saramago, não são inocentes nem impunes. Devem ser ditas e pensadas de forma consciente, para não saírem da boca sem antes subir à mente como algo que serve apenas para comunicar.

Vinicius Torres Freire - Comício pela anistia de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Para aliados relevantes do bolsonarismo, movimento para evitar cadeia não é inviável

comício de Jair Bolsonaro pode ser uma tentativa atabalhoada e desesperada de demonstrar força política, um ensaio do poder do capitão das trevas de levar multidões tumultuárias às ruas. É parte da campanha de evitar a condenação de Bolsonaro, claro.

O medo de prisão por colaboracionismo ou outras bolsonarices é compartilhado pelo PL; um quarto da Câmara é solidária no medo. Muitos mais têm medo da polícia em geral.

Mais do que isso, a presença de governadores e prefeitos no palanque dos simpatizantes do golpe seria também parte de um movimento incipiente pela anistia de Bolsonaro. Anistia: qualquer arranjo que evite a prisão.

Celso Rocha de Barros - O Bingo do Ustrapalooza

Folha de S. Paulo

Quando lembrar que eles só estão ali porque perderam, grite 'Bingo!'

Neste domingo temos manifestação a favor do golpe na avenida Paulista com as presenças de Jair BolsonaroTarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e outros entusiastas da destruição do Estado de Direito.

Se tudo der certo para o Brasil, deve ser a última edição do Ustrapalooza, festival golpista que teve várias edições desde 2019. Para quem quiser acompanhar, segue a cartela do bingo do festival. Marque um "x" quando avistar qualquer um dos seguintes itens.

Político do partido Novo dizendo "não concordo com tudo que Bolsonaro diz, só acho que [segue lista de tudo que Bolsonaro diz]".

Bruno Boghossian - depois de domingo

Folha de S. Paulo

Manifestação será mais importante para determinar organização do bolsonarismo do que para provar popularidade

Jair Bolsonaro ficou chateado depois de um ato contra o aborto em outubro passado, em Belo Horizonte. Ele queria explorar o gatilho favorito da turma conservadora para provar sua popularidade um ano após a derrota nas urnas. Recebeu menos gente do que esperava e culpou o 8 de janeiro pelo quórum frustrante.

O ex-presidente dificilmente passará pela mesma decepção no domingo (25). A manifestação em São Paulo foi orquestrada com dedicação. Terá caravanas organizadas por aliados, apoio de gabinetes políticos e a grana de um pastor evangélico. Acima de tudo, vem sendo tratada como um chamado de emergência num momento crítico para o capitão.

Muniz Sodré* - Imagem turva

Folha de S. Paulo

É certo que "combatente" tem largo espectro semântico, abrange atribuições que podem variar de uma gama de funções à adesão a trama golpista

Flagrante carioca: um caminhante habitual da pista vizinha a prédio militar na Praia Vermelha assiste a ordenanças arrancarem plantas daninhas num pequeno gramado frontal. Boa cena para um site, quis fotografar, no que foi advertido pela esposa. Ninguém pintava meio-fio, mas, sabe-se lá, a foto poderia susceptibilizar a imagem combativa da Força, alardeada em grandes letras na praça.

É certo, como se deduz da fala de um general de palanque agora investigado, que "combatente" tem largo espectro semântico, abrange atribuições que podem variar de uma gama de funções à adesão a trama golpista. Mas jardim destoaria de "selva!"

Uirá Machado - Esquerda morreu e extrema direita é única força real no país, diz Safatle

Folha de S. Paulo

Autor lança 'Alfabeto das Colisões', livro experimental de filosofia para grande público

Vladimir Safatle, 50, tem notícias pouco animadoras para a esquerda no Brasil, campo ao qual ele próprio está vinculado.

"A extrema direita é hoje a única força política real do país, porque é a força que tem capacidade de ruptura, tem estrutura e coesão ideológica", afirma o professor de filosofia da USP, que acaba de lançar um novo livro, "Alfabeto das Colisões" (editora Ubu).

"A esquerda brasileira morreu como esquerda", diz. O que existe agora, na visão dele, é uma "constelação de progressismos, mas sem aquilo que constituía o campo fundamental da esquerda, que são as ideias de igualdade radical e de soberania popular".

De acordo com essa análise, o que se perdeu na construção das pautas progressistas foi a ambição por uma transformação estrutural da sociedade, que pressupunha um tipo de igualdade dentro dos processos de produção e alguma forma de democracia direta.

"Hoje não se coloca nada parecido com isso", afirma Safatle.

Foi esse diagnóstico que o levou a disputar uma vaga de deputado federal em 2022, pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). Com 17.644 votos, terminou como suplente.

Poesia | Se eu pudesse, de Fernando Pessoa

 

Música | Nara Leão - Odeon (Ernesto Nazareth e Vinicius de Moraes)