quinta-feira, 30 de julho de 2020

Merval Pereira - Farsa tupiniquim

- O Globo

O procurador-geral da República, Augusto Aras, escancarou nos últimos dias sua intenção de controlar a Lava-Jato

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, quer que “o natural, bom e antigo” combate à corrupção substitua o que chama de “lavajatismo”, um neologismo muito usado pelos bolsonaristas quando querem menosprezar alguma atividade de que não gostam, como “mundialismo”, em vez de globalização.

Isso não quer dizer que o que Aras está fazendo com a Lava-Jato corresponda a uma ação direta de conluio político com o presidente que o escolheu por fora da disputa interna no Ministério Público. Mas que, tentando desmoralizar a Lava-Jato, está ajudando Bolsonaro a manter o Centrão protegido, isso está.

Defendendo a tese de que a Polícia Federal não pode fazer busca e apreensão em gabinetes de parlamentares, Augusto Aras também faz com que o “antigo” jeito de combater a corrupção no Brasil volte a prevalecer, o que sempre levou a que autoridades, empresários e políticos não caiam nas malhas da Justiça.

Míriam Leitão - Aras realiza o sonho de Jucá

- O Globo

Decisão de Aras não têm clareza e não são correção de rota, mas sim o desmonte do edifício que investiga a corrupção no país

Quando se divulgou a gravação na qual o então senador Romero Jucá falava em “estancar a sangria”, foi um escândalo. Mas hoje o que o procurador-geral da República faz é o que Jucá tinha em mente. De um lado, Augusto Aras realiza a sua explícita ofensiva contra Curitiba e a Lava-Jato, de outro, enfraquece a Polícia Federal. Aras estimula o temor da existência de um Estado policial montado no MP, quando o perigo real está sendo instalado no Ministério da Justiça com sua lista de monitorados.

Aras aproveita uma preocupação da sociedade brasileira de que a Lava-Jato teria ultrapassado os seus limites. É um sentimento legítimo. Na democracia não se pode admitir a quebra de regras nem para o mais justo dos propósitos. Mas essa supervisão tem que ser feita pelo sistema judiciário, sem se subverter a natureza do Ministério Público. O MP não convive com a centralização que Aras tenta impor, porque ele não é órgão da burocracia que tenha hierarquia explícita. O procurador-geral é chefe do MP, mas não pode tirar a autonomia dos procuradores. Não é o comandante de uma tropa. Mas é o que está tentando ser.

Luiz Carlos Azedo - Palanque para Moro

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Aras foi escolhido procurador-geral pelo presidenteBolsonaro fora da lista tríplice dos procuradores, exatamente para centralizar as decisões sobre as investigações da Lava-Jato”

O procurador-geral da República, Augusto Aras, declarou guerra à Operação Lava-Jato. Em live para o grupo de advogados “Prerrogativas”, sem papas na língua, não poupou críticas aos procuradores que integram a força-tarefa e reiterou a intenção de centralizar e controlar as investigações em curso. Nunca a operação foi tão atacada “de cima” e “de dentro” do Ministério Público. Aras reiterou a acusação de que a força-tarefa de Curitiba opera de forma heterodoxa e levantou a suspeita de que 38 mil pessoas foram investigadas por seus integrantes. “Ninguém sabe como (esses nomes) foram escolhidos, quais foram os critérios”, disse Aras.

As declarações agradaram aos advogados e foram bem recebidas pela maioria dos políticos, mas provocaram a reação dos procuradores e juízes de primeira instância, que têm seus aliados no Congresso. Em resposta, os procuradores de Curitiba classificaram a declaração de Aras como “falsa suposição”, considerando que esse é o número de pessoas físicas e jurídicas mencionadas em relatórios encaminhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao MPF, em suspeita de crimes de lavagem de dinheiro.

“Ao longo de mais de 70 fases ostensivas e seis anos de investigação foi colhida grande quantidade de mídias de dados — como discos rígidos, smartphones e pendrives — sempre em estrita observância às formalidades legais, vinculada a procedimentos específicos devidamente instaurados”, ressaltou a força-tarefa de Curitiba, em nota oficial. O procurador Roberson Pozzobon, integrante da operação, atacou Aras numa rede social: “A transparência faltou mesmo no processo de escolha do PGR pelo presidente Bolsonaro. O transparente processo de escolha a partir de lista tríplice, votada, precedida de apresentação de propostas e debates dos candidatos, que ficou de lado, fez e faz falta”, publicou no Twitter.

Ricardo Noblat - Autorizado por Bolsonaro, Augusto Aras tenta emparedar a Lava Jato

- Blog do Noblat |Veja

A tudo assistem os militares, impassíveis
Às escâncaras, não, porque seria arriscado e pegaria mal. Mas em conversas cifradas ao telefone, ou na privacidade dos gabinetes no Congresso ainda frequentados por alguns em plena pandemia, políticos de várias tendências comemoram com discrição a ofensiva da Procuradoria-Geral da República contra a Lava Jato.

Quem diria, hein? Quem diria que o candidato a presidente da República que mais se beneficiou do combate à corrupção, logo ele seria o responsável indireto pela saia mais justa aplicada à Lava Jato desde o seu nascimento em 2014, a poucos meses das eleições gerais daquele ano, as últimas a serem vencidas pelo PT?

Augusto Aras, na prática, tem se comportado menos como Procurador-Geral da República, e mais, muito mais como procurador de Bolsonaro. É a ele que deve o cargo que seus colegas jamais lhe dariam. Aras não procuraria motivos para pôr em xeque a Lava Jato sem a prévia autorização do presidente.

Procuraria se Sérgio Moro ainda fosse o ministro da Justiça indemissível como pareceu um dia? Da Operação Mãos Limpas, na Itália, emergiu o governo de extrema-direita de Berlusconi, um empresário riquíssimo e corrupto. Da Lava Jato, o governo de extrema-direita de Bolsonaro, parceiro de milicianos.

Berlusconi tentou cooptar para servi-lo como ministros os dois juízes que encabeçaram a Operação Mãos Limpas, mas eles se recusaram. Sem constrangimento, Moro deixou-se cooptar, inebriado pelo sucesso. Acreditou na promessa de Bolsonaro de que seria promovido a ministro do Supremo Tribunal Federal.

Maria Cristina Fernandes - O Centrão virou um Congressão

- Valor Econômico

Criação da renda básica permitiu a Maia ampliar o Centrão à esquerda e criar um Congressão

A miséria atingiu o menor patamar das últimas quatro décadas no momento em que a economia tem o maior derretimento da história. A necessidade de amparo a milhões de desassistidos pela pandemia é tão imperativa quanto insustentável é mantê-lo sem atividade econômica. O racha do Centrão é a disputa pela arbitragem da porta de saída desta distopia.

A saída, por enquanto, dá num beco. A proposta do governo é de um imposto sobre transações eletrônicas, uma espécie de CPMF com uma base ampliada pela digitalização da economia durante a pandemia. O Congresso não quer saber de aumentar imposto, embora seja crescente o interesse em encontrar uma maneira para perpetuar o auxílio emergencial, a verdadeira poção mágica que o presidente Jair Bolsonaro tanto procurou na cloroquina.

Vice-líder do governo, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) encomendou uma pesquisa numa cidade de 20 mil habitantes do agreste pernambucano, região petista por excelência e governada por uma aliança entre PSB e PT. Antes do auxílio, Luiz Inácio Lula da Silva registrava lá 75% de aprovação e Bolsonaro, 82% de rejeição. Hoje a aprovação do ex-presidente caiu para 44% e a rejeição do atual, para 42%.

O que vale, diz o deputado, é o último favor. Na ausência de empregos, é neste elixir que o Congresso está agarrado não apenas para atravessar as eleições municipais, mas para o segundo biênio bolsonarista. Ainda que esta renda básica com a qual se renomeará este Bolsa Família encorpado dê sobrevida a Bolsonaro, não há hoje viabilidade para que qualquer partido se oponha à sua implementação.

É pela “pedalada assistencialista” que a relação entre Executivo e Congresso pode ser repactuada. Ainda não há uma equação que abrigue a poção mágica do bolsonarismo nos limites fiscais, mas há alguma boa vontade no Congresso para encontrá-la, até porque este governo, ao contrário daquele da outra presidente pedaleira, converge na agenda de manter o Ministério Público e a Polícia Federal sob rédea curta, além do ex-ministro Sérgio Moro fora do jogo eleitoral.

Ao liderar o desembarque do DEM e do MDB do Centrão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aposta na reforma tributária em tramitação na Casa como uma oficina desta porta de saída. O presidente desta comissão e autor da proposta de emenda constitucional de reforma tributária que mais avançou na Casa, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), é um dos cotados da extensa nominata de candidatos à sua sucessão.

Maria Hermínia Tavares* - Improviso e dispersão

- Folha de S. Paulo

Brasil e EUA poderiam coordenar de maneira mais eficaz a administração pública para prover saúde

Polarização política, descentralização federativa e desigualdades são condições prévias que permitem entender a dramática situação do país na pandemia. A constatação, que se aplica sem tirar nem pôr ao Brasil, é do cientista político Bruce Cain, da Universidade Stanford, ao falar dos Estados Unidos.

Mas as semelhanças vão além. Ali como aqui, eleições alçaram à Presidência políticos populistas que cultivam a mentira, desprezam a ciência, alimentam-se de conflitos e pouco se importam com a vida humana. Isso posto, o argumento do professor tem a virtude de chamar a atenção para um dado menos perceptível: mesmo se os dois países contassem com dirigentes responsáveis, circunstâncias anteriores restringiriam a capacidade de seus governos de combater a pandemia.

Os antagonismos políticos poderiam ser algo mais civilizados, não fossem Trump e Bolsonaro, a um tempo, suas criaturas, principais agentes e beneficiários. Ainda assim, os outros dois fatores apontados por Cain estariam presentes e de formas distintas continuariam dificultando a luta contra a Covid-19.

Mariliz Pereira Jorge - Difícil ser bolsonarista

- Folha de S. Paulo

Pense no susto se bolsonaristas descobrirem que o establishment são eles

Inegáveis a devoção, a energia e a habilidade que os apoiadores do governo demonstram. A capacidade infinita de enxergar seus ídolos com filtros coloridos não é estranha a nenhum militante, mas a vida do bolsonarista é um malabarismo permanente.

A começar pela exaltação da cloroquina. Todos virados em direção ao Palácio da Alvorada, a meca dos "patriotas", para louvar um remédio que inúmeras pesquisas apontam como ineficaz contra o coronavírus.

Rejeitar a ciência, porém, é nada perto do contorcionismo para apoiar Madonna, que, de feminista de carteirinha e defensora do aborto legal, e portanto inimiga, passou a correligionária após defender o uso do medicamento.

E o que dizer dessa massa que passou a eleição falando em combate à corrupção e à velha política, fim de privilégios e bandido morto e hoje aplaude Bolsonaro de mãos dadas com o centrão, exalta o ex-presidiário Roberto Jefferson, defende o foro privilegiado de Flávio Bolsonaro e a prisão domiciliar de Queiroz?

Fernando Schüler* - O Supremo é o editor da sociedade?

- Folha de S. Paulo

Foi exatamente contra a ideia do 'Estado editor' que surgiu o conceito moderno de liberdade de expressão

Foi interessante assistir ao ministro Dias Toffoli, nesta semana, em um debate promovido pelo site Poder 360, expondo com clareza seus pontos de vista sobre temas de censura e liberdade de expressão hoje em pauta no país.

O ministro foi taxativo: “A Constituição veda de modo absoluto a censura prévia”. E concluiu: “Aquilo que ainda não foi tornado público pode vir a público e a pessoa vai arcar com suas consequências [...] pode emitir sua ideia, seja ela qual for. Até de defender o nazismo, até de defender o fechamento do Supremo”.

Dito isto, era óbvia a pergunta pendurada no ar: e os cidadãos banidos das redes sociais, no inquérito das fake news? Isto é, impedidos previamente de dizer as coisas que poderiam lhes trazer “consequências”. O que dizer?

O ministro sugeriu uma distinção: uma coisa seria proibir a “expressão” de um indivíduo; outra seria proibi-lo do uso de “veículos” para se expressar. Nesta lógica, os bloqueados não teriam perdido sua liberdade. Apenas não poderiam fazê-lo no Facebook ou no Instagram. Poderiam publicar panfletos, imaginei, mas ninguém aventou a hipótese.

Ascânio Seleme - E se Trump ganhar?

- O Globo

Desdobramentos políticos impactarão todo o mundo

Nenhum analista político pode cravar, é cedo, mas evidentemente as chances de Donald Trump perder a eleição em novembro parecem bastante razoáveis. Neste momento, as pesquisas apontam que ele está pelo menos dez pontos percentuais atrás de Joe Biden, o candidato democrata a presidente dos Estados Unidos. Desde o início da pandemia de coronavírus, que teve um efeito devastador sobre a sua liderança, Trump vem perdendo apoios e ganhando antipatias. Os erros em sequência cometidos no enfrentamento do vírus e a deterioração da economia foram os principais elementos para turvar a impressão que os americanos têm de seu presidente.

Sua única possibilidade de reverter o quadro é ver as coisas mudarem daqui até novembro, mês da eleição americana. Para sua sorte e azar do mundo, já há sinais de que estão mudando. Na economia, a recessão aparentemente acabou ainda em abril. Em junho, mais de quatro milhões de empregos foram criados nos EUA. As vendas no varejo cresceram 25% nos últimos dois meses. Uma recuperação importante, que não foi vista em nenhum outro país, mesmo os que já vivem a pós-pandemia. Outros indicadores puxados por estes dois também melhoraram no final do primeiro semestre.

Bernardo Mello Franco - Alguns benefícios da nota de R$ 200

- O Globo

Se a nota de R$ 200 tivesse chegado antes, o ex-deputado Rocha Loures não precisaria ter corrido com uma mala de rodinhas. Bastaria uma discreta mochila para transportar a propina

O governo anunciou mais uma medida inadiável. Vai lançar uma nota de R$ 200 em plena pandemia do coronavírus. Até o fim de agosto, a nova cédula deve começar a chegar às mãos dos brasileiros. Ou de alguns deles, é claro.

A diretora de administração do Banco Central, Carolina de Assis Barros, atribuiu a novidade ao entesouramento. O fenômeno ocorre quando a população passa a guardar mais dinheiro em casa.

Com a quebradeira e a redução de salários, milhões de famílias limitaram o consumo a itens essenciais. Quem não perdeu o emprego tenta cortar despesas e seguir adiante. Ainda que a luz no fim do túnel pareça vir de um trem na contramão.

O auxílio emergencial também aumentou a demanda por papel moeda. Isso elevou o gasto federal com impressão e transporte de valores. Até aqui, o governo precisava de ao menos seis notas para pagar os R$ 600. Agora só precisará de três — e os beneficiários que se virem para arrumar troco na quitanda.

William Waack - Mais impostos vêm aí

- O Estado de S.Paulo

A lei do mínimo esforço indica aumento de impostos e não uma ampla reforma tributária

Renúncia é a palavra decisiva no amplo debate sobre reforma tributária. É mesmo um formidável debate social e político, além da alta complexidade técnica e econômica. Pois os números consolidados indicam uma assombrosa adesão de praticamente todos os setores da economia e sociedade brasileiras a algum tipo de favor fiscal.

Agricultura, indústria, serviços, profissionais liberais, pequenas empresas, entidades não lucrativas, zonas francas, deduções para pessoas físicas são contemplados de alguma forma, e nenhum se manifesta disposto a renunciar à renúncia fiscal. Ao contrário: nos últimos 15 anos o fenômeno dobrou de tamanho (para quem aprecia números: as renúncias fiscais passaram de aproximadamente 2% para 4% em relação ao PIB).

Economistas se dividem quase em guerra religiosa quanto à eficiência dessas medidas fiscais que, na conta geral, diminuem a base de arrecadação de impostos, aumentando a carga para quem está pagando tributos. Talvez sociólogos – ou, melhor, antropólogos – entendam o problema.

Eugênio Bucci - A liberdade e a Justiça

- O Estado de S.Paulo

A indústria ilegal da desinformação é um fenômeno sobre o qual não há jurisprudência

A determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de bloquear páginas de bolsonaristas em redes sociais provocou um bom debate. Desta vez não se trata de uma daquelas batalhas estéreis entre claques que se ofendem e não se escutam. Estamos em meio a uma discussão que mobiliza conceitos sérios, com fundamento ético e legal, sobre os limites da Justiça e os alcances da liberdade de cada um. Há argumentos legítimos e inteligentes de um lado e de outro. A hora pede reflexão. Mais do que embarcar no Fla-Flu jurídico, devemo-nos dedicar a entender com calma o que está em jogo.

Comecemos pela pergunta incômoda: a autoridade judicial pode, no âmbito de um inquérito (no caso, o Inquérito 4.781, mais conhecido como o “inquérito das fake news”), impedir preventivamente a manifestação das pessoas investigadas? Pode o juiz impor a mordaça a um cidadão cujos atos ainda não foram julgados?

Os que respondem “sim” a essa pergunta argumentam que os trâmites da Justiça e das investigações policiais normalmente restringem direitos fundamentais. Nada de novo sob o sol, portanto. Na terça-feira, em webinar no site Poder 360, ninguém menos que o presidente do Supremo, Dias Toffoli, seguiu essa linha de raciocínio. Lembrando que até mesmo o direito de ir e vir pode ser suspenso pela autoridade judicial no curso de uma investigação (é o que acontece quando o suspeito vai para a cadeia, em regime de prisão preventiva, mesmo antes de seu suposto crime ter sido julgado pela Justiça), Toffoli sustentou a tese de que a supressão preventiva de páginas de pessoas investigadas nas redes sociais constitui um expediente análogo, igualmente aceitável e legítimo, além de legal.

Vinicius Torres Freire – Mais gente quer furar o teto de gastos

- Folha de S. Paulo

Ganha força a ideia de gastar dinheiro da calamidade do vírus em obras públicas

Há gente no Congresso querendo mesmo abrir uma claraboia no teto de gastos. Isto é, quer permitir que o governo federal gaste além do limite constitucional, pelo menos neste ano ou em 2021.

A despesa extra seria destinada a investimentos e autorizada por um remendo no Orçamento de Guerra, o gasto excepcional autorizado no período de calamidade, declarado por causa da epidemia e que deveria durar até o final deste 2020.

O objetivo da providência talvez imprevidente seria o de fazer esta economia arriada pegar no tranco, por meio de obras novas ou da reativação de canteiros parados, o que aumentaria as encomendas às empresas e criaria empregos.

Seria razoável rediscutir o teto de despesas federais, que desde 2016 não podem aumentar em termos reais (ou seja, apenas podem ser corrigidas pela inflação, anualmente).

Os termos dessa rendição, no entanto, são muito, muitíssimo, complicados. Não é algo que se possa fazer à matroca ou por meio de gambiarras. Do jeito que a coisa vai, há um grande risco de esculhambação, com efeitos impremeditados e contraproducentes graves.

Por ora, parece difícil que tal projeto prospere, mas a ideia está no ar como um aerossol de coronavírus, faz uma duas ou três semanas. Havia sido lançada de modo atabalhoado, confuso e mal explicado em abril deste ano, o tal “Plano Pró-Brasil”, abatido por Paulo Guedes no ato do seu lançamento.

Agora, é motivo de conversa de gente de vários partidos, em particular no centrão, e de ministros de Jair Bolsonaro.

Celso Ming - Vínculo trabalhista e trabalho precarizado

- O Estado de S.Paulo

Não basta lutar por melhores condições de trabalho, mas também que a legislação se atualize para proteger essas novas ocupações que surgem

Um dos grandes equívocos de muitos que pretendem encaminhar soluções para o problema do desemprego é entender que, se não houver uma contratação do trabalhador por uma empresa, pelas regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o emprego é necessariamente “precarizado”, portanto sumariamente condenável, por não passar de exploração do trabalhador.

Esta não é uma coluna que pretende debater o conceito de trabalho precarizado ou conceito de precariado, que é a existência de uma subdivisão moderna da classe proletária. Pretende apenas chamar a atenção para uma importante transformação do trabalho, o que, por sua vez, é consequência da utilização crescente de tecnologia da informação e de aplicativos digitais.

Diante dessas transformações, o vínculo trabalhista, tal como o conhecemos, está perdendo importância. Por toda a parte, crescem as ocupações autônomas ou por conta própria, especialmente na área de serviços.

O trabalhador é empurrado para atuar por conta própria, por meio de uma empresa individual ou por contratação de serviços pessoais. Essa é a principal razão pela qual proliferam os entregadores por aplicativos (iFood, Rappi, Uber Eats), os serviços de transporte individual (Uber, 99 e Cabify), os aluguéis de alojamento pelo Airbnb, as encomendas de freelancer, etc.

Ribamar Oliveira - O menor investimento da série histórica

- Valor Econômico

Mira das alas política e militar está agora direcionada ao teto de gastos

O governo vive um drama. A pandemia da covid-19 provocará uma brutal recessão neste ano, com queda da economia brasileira de 4,7% no cenário mais otimista. No próximo ano, não haverá espaço fiscal para a execução de um grande programa de investimento que estimule a retomada da atividade econômica, como querem alguns no governo. Por causa do teto de gastos da União, instituído pela emenda constitucional 95/2016, a proposta orçamentária que será encaminhada ao Congresso até o fim do próximo mês, prevê o menor nível de investimento da União da série histórica.

Dependendo do cenário que os técnicos adotem, as chamadas despesas discricionárias (que incluem os investimentos e os gastos para a manutenção da máquina administrativa federal) deverão ficar entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões em 2021, ante um valor de R$ 120 bilhões previsto para este ano.

As estimativas oficiais para as despesas não foram fechadas, pois alguns itens do gasto ainda estão indefinidos. Não é possível saber, por exemplo, se o Congresso derrubará o veto do presidente Jair Bolsonaro à prorrogação da desoneração da folha de salários de alguns setores da economia. Só este item poderá aumentar ou diminuir o espaço no teto em cerca de R$ 6 bilhões.

José Eli da Veiga* - Chance verde?

- Valor Econômico

A recuperação econômica sustentável não virá de medidas fiscais de curto prazo

A recuperação econômica pós-pandemia poderá ser descarbonária? A pergunta é incontornável, diante da proliferação de fortes posicionamentos com tal propósito, partindo de organizações da sociedade civil, muitos empresários de peso, alguns políticos e até do Banco de Compensações Internacionais (BIS), no livro Cisne Verde. Sempre exortações a um “Green New Deal”.

O slogan foi lançado há mais de treze anos pelo célebre jornalista Thomas L. Friedman (New York Times,19/1/2007), em favor da troca de energias fósseis por renováveis, simultânea à restauração e conservação de ecossistemas tragadores de carbono. Só factível, disse ele, com um conjunto de programas similar ao da revitalização do país, na terrível década de 1930.

Imediatamente captada pela ONU-Ambiente (à época, o Pnuma), a ideia logo virou chamado a um “Global” Green New Deal, em relatório de março de 2009 e livro pela Cambridge University Press, em 2010. Propondo acordo no G-20, instância de governança global mais indicada para assumir tal iniciativa.

Houve até motivo para certo otimismo, em 2009, com as cúpulas do G-20 presididas por Gordon Brown, em abril, e Obama, em setembro. Mas tal expectativa logo foi anulada por coalizão marrom entre China, Rússia, Arábia Saudita, Turquia, Indonésia e Argentina. Nas demais onze cúpulas, realizadas até 2019, o G-20 se mostrou inapto para levar à prática até mesmo a abolição dos subsídios a energias fósseis ou propostas de precificação do carbono (taxações e mercados “cap-and-trade”) feitas pelo Banco Mundial e pelo FMI.

Pior: a ascensão autocrática de Xi Jinping - com decorrente anúncio, em 2015, da ambição de supremacia chinesa, especialmente em tecnologias de vanguarda - criou as condições objetivas à conjuntura mundial de “nova” ou “segunda” Guerra Fria, agravada por Donald Trump, a partir de 2017.

A difícil busca pelo fim da polarização – Editorial | O Globo

É objetivo estratégico da oposição criar uma alternativa que supere o choque entre os extremos

No calendário gregoriano falta um ano e três meses para as urnas de outubro de 2022, quando serão escolhidos presidente, governadores, parlamentares federais e estaduais. Há um razoável caminho à frente, que passa pelas eleições municipais de novembro — a depender da saúde pública. Como a política é também movida por expectativas, observam-se movimentos no Congresso que já decorrem, tudo indica, da rearrumação de grupos voltados a projetos de alianças para tentar impedir a reeleição de Jair Bolsonaro, com o despejo da extrema direita do Planalto.

Na superfície do jogo parlamentar, existem fricções provocadas pela tentativa, até agora fracassada, de o governo Bolsonaro construir uma base parlamentar ampla com as legendas fisiológicas do centrão, formado por PP, PL, Solidariedade, PTB, entre outros. No grupo, conhecido por negociar apoios com governos — à esquerda ou à direita —, destaca-se o deputado Arthur Lira (PP-AL), considerado líder informal do Planalto na Câmara. A derrota de Bolsonaro na aprovação da PEC do Fundeb e, logo depois, o anúncio da saída de DEM e MDB do bloco, que poderia vir a ser a base parlamentar bolsonarista, mostram ao Planalto o tamanho da dificuldade de criar uma barreira contra pedidos de impeachment do presidente. Com a desconexão desses dois partidos, o número de votos do grupo cai de 221 para 158, aquém dos 172 necessários para barrar no plenário da Câmara processos de impedimento.

‘Lei do Puxadinho’ aprovada na Câmara traduz descaso com cidade – Editorial | O Globo

Projeto permite legalização de imóveis com pagamento de taxas, e meta é aumentar arrecadação

A estratégia torta do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de aproveitar o momento em que a sociedade está preocupada com a pandemia do novo coronavírus para “passar a boiada” — flexibilizar as regras ambientais sem alarde — está fazendo escola no Rio. O prefeito Marcelo Crivella se fez valer da desmobilização da sociedade e conseguiu aprovar, na Câmara de Vereadores, na noite de terça-feira, Projeto de Lei Complementar que altera uma série de normas urbanísticas.

Entre outras liberalidades, o PLC, que já está sendo chamado de “Lei do Puxadinho”, pela maneira pouco ortodoxa como trata o espaço urbano, permite a legalização de imóveis por meio do pagamento de taxas. A prefeitura não esconde que o principal objetivo do projeto é aumentar a arrecadação do município, dilapidada pelo novo coronavírus — fala-se num incremento da ordem de R$ 600 milhões.

O projeto autoriza o aumento no gabarito dos prédios, a transformação de apartamentos em salas comerciais e construções acima de cem metros do nível do mar, o limite chamado “cota cem” . Argumenta-se que as permissões seriam temporárias, o que, em se tratando de poder público, é sempre uma temeridade.

Boiada normativa – Editorial | Folha de S. Paulo

Governo aproveita pandemia para mudar leis ambientais, mas destruição é indisfarçável

Dentre as áreas do governo mais visadas pela pauta ideológica do bolsonarismo, foi sem dúvida no meio ambiente que se produziram estragos com mais método.

À diferença de nomes como Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e Abraham Weintraub (ex-Educação), Ricardo Salles não é um neófito falastrão, um sectário ignorante ou um adepto de teses paranoicas.

Dispõe de discurso articulado, conhecimento da máquina pública, alguma experiência política e articulação com setores empresariais —atributos raros na administração de Jair Bolsonaro.

Essa distinção se fez notar com clareza no vídeo que registrou a fatídica e reunião ministerial de 22 de abril e se tornou conhecido com o escândalo da queda de Sergio Moro da pasta da Justiça.

Na gravação podem-se ver Weintraub a choramingar sobre a vida em Brasília e defender a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal; Damares a levantar teorias a respeito da contaminação criminosa de povos indígenas; Araújo a listar o Brasil na meia dúzia de países capazes de definir a nova ordem mundial pós-Covid-19.

Como voltar às aulas – Editorial | Folha de S. Paulo

Reabertura pode ser regional, e pais devem poder vetar retorno do aluno

Os efeitos da pandemia sobre a educação ainda estão por ser calculados, mas não há dúvida de que um desastre está em curso.

Em circunstâncias normais, a paralisação nas férias já acarreta perdas de aprendizado, especialmente para os alunos mais pobres. Agora não se trata de um ou dois meses de interrupção programada, mas de semestres inteiros.

Os programas de educação a distância, em geral montados às pressas, atenuam, mas não chegam perto de anular os prejuízos.

No caso do Brasil, há que considerar ainda o impacto sobre a segurança alimentar. Para muitos estudantes da rede pública, a merenda escolar representa a principal refeição do dia. Diante disso, a reabertura das escolas para aulas presenciais deve estar entre as prioridades. A grande questão é como fazê-la com segurança.

Diversos países já conseguiram retomar as atividades pedagógicas sem que se constatasse um aumento na taxa de infecções que pudesse ser ligado às escolas. Na Europa, o período de férias está se mostrando muito mais preocupante do que o de aulas no que diz respeito ao aumento de contágios.

Fed vê perda de fôlego da economia americana – Editorial | Valor Econômico

O vírus tornou-se o “condutor principal” do desempenho econômico dos Estados Unidos

O Federal Reserve manteve a taxa de juros de 0 a 0,25% em sua reunião de ontem e prorrogou antes várias das bilionárias linhas de auxílio a empresas, governos estaduais, organizações não governamentais e consumidores para dar suporte à economia diante do choque da pandemia. No encontro anterior, o presidente do BC americano, Jerome Powell disse que o tamanho do arsenal utilizado estava de acordo com a incerteza muito alta sobre os efeitos da covid-19. Ontem, disse que o vírus tornou-se o “condutor principal” do desempenho econômico.

Os investidores não esperavam nada muito diferente do que o Fed fez ontem, até mesmo pelo radicalismo e diversidade das intervenções do BC já realizadas. Mas a situação econômica deu sinais de piora em relação ao cenário delineado pelo BC em junho. “Há um risco claro de que a economia tenha reduzido o seu ritmo de crescimento”, alertou Powell, com os dados a partir de meados de junho. Ele citou vários. Os investimentos continuam muito abaixo dos níveis pré-pandemia e os gastos de consumo, ainda que tenham reagido, estariam na metade do caminho até recuperarem o fôlego anterior.

Teto de gastos e saúde pública – Editorial | O Estado de S. Paulo

O nível do debate público no País estaria mais civilizado se as discussões fossem pautadas por argumentos, não por gritaria

O nível do debate público no País estaria em patamar mais civilizado se as discussões sobre os mais variados temas de interesse nacional fossem pautadas por argumentos que, embora divergentes, estivessem mais amparados na verdade factual do que na gritaria dos que têm como único objetivo ter o “domínio da narrativa”. A promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55/2016, a chamada PEC do teto dos gastos públicos, durante o governo do presidente Michel Temer, é um bom exemplo. À época, os que eram contrários ao marco democrático alardearam aos quatro ventos que a PEC iria “acabar com os investimentos na área da saúde”. Há quem sustente isso ainda hoje. Nada mais falacioso.

Um dos formuladores da PEC do teto dos gastos, o economista Marcos Mendes, do Insper, publicou há poucos dias um estudo mostrando exatamente o contrário. Desde a promulgação da PEC, os gastos federais em saúde foram 2,7% superiores ao que teriam sido caso a proposta não fosse aprovada. Está-se falando de R$ 9,3 bilhões a mais para a saúde entre 2017 e 2019. É muito dinheiro, sobretudo para uma área tão essencial para a cidadania. Naquele triênio, foram gastos R$ 353,8 bilhões na área da saúde, ante os R$ 344,5 bilhões projetados no cenário sem a PEC do teto.

O incrível arquivo da Lava Jato – Editorial | O Estado de S. Paulo

Operação deve explicar o que faz com a montanha de dados que amealhou

O procurador-geral da República, Augusto Aras, informou que a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba dispõe de dados de 38 mil pessoas sem que se saiba como foram colhidos e como são usados. Segundo Aras, o volume de informações armazenadas à disposição da Lava Jato alcança incríveis 350 terabytes, enquanto todo o sistema único do Ministério Público Federal guarda 40 terabytes. O procurador-geral acrescentou que a Lava Jato mantém 50 mil documentos “invisíveis à Corregedoria-Geral” do Ministério Público.

Tudo isso evidencia não só o gigantismo da Lava Jato, mas sua atuação à margem dos controles institucionais. É fato que a Constituição atribuiu ao Ministério Público ampla autonomia, mas essa característica não permite inferir que a Operação Lava Jato possa ser independente a tal ponto que nem mesmo a própria Procuradoria-Geral da República tenha acesso ao material colhido em suas investigações.

A queixa de Augusto Aras tem, portanto, fundamento. “Não se pode imaginar”, como disse o procurador-geral, “que uma unidade institucional se faça com segredos, com caixas de segredos.” E ele acrescentou: “Não podemos aceitar 50 mil documentos sob opacidade. É um estado em que o procurador-geral não tem acesso aos processos, tampouco os órgãos superiores, e isso é incompatível”.

Sinais dos tempos – Editorial | O Estado de S. Paulo

Carta de bispos é mais um sério alerta de que o governo caminha na direção do abismo

Em uma carta Ao Povo de Deus, 152 bispos católicos dispararam críticas acerbas ao governo, alertando para uma “tempestade perfeita” que combina “uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente”.

Os bispos declaram-se estarrecidos com o “apelo a ideias obscurantistas”; os “grosseiros erros” na educação e meio ambiente; a repugnância “pela liberdade de pensamento e de imprensa”; a “desqualificação das relações diplomáticas com vários países”; a insensibilidade “para com os familiares dos mortos”; e especialmente a “omissão, apatia e rechaço” a populações vulneráveis, como as indígenas. Eles reprovam ainda a associação “perniciosa” entre religião e poder no Estado laico, e em particular os grupos fundamentalistas e autoritários empenhados em “manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, e criar tensões entre igrejas e seus líderes”.

A carta, a bem da verdade, não representa oficialmente a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Por sinal, o fato de ela ter sido “vazada” antes do foro adequado para esta manifestação, a assembleia anual, sugere que os signatários talvez não estivessem seguros de obter a maioria de seus mais de 400 membros. É de notar também que ela não foi assinada pelos representantes de importantes dioceses. Com efeito, os manifestos da Igreja costumam se voltar antes à exortação ao bem do que à agressão particularizada a agentes do mal – a odiar o pecado e amar o pecador.

Música | Teresa Cristina e Mônica Salmaso - Candeeiro

Poesia | Fernando Pessoa - Lá fora onde árvores são

Lá fora onde árvores são
O que se mexe a parar
Não vejo nada senão,
Depois das árvores, o mar.

É azul intensamente,
Salpicado de luzir,
E tem na onda indolente
Um suspirar de dormir.

Mas nem durmo eu nem o mar,
Ambos nós, no dia brando,
E ele sossega a avançar
E eu não penso e estou pensando.