sábado, 13 de maio de 2023

Pablo Ortellado - Não se combate abuso com abuso

O Globo

Jogo pesado em torno do PL das Fake News esgarça uma democracia que precisa se recompor

É triste assistir à guerra em torno do Projeto de Lei (PL) que regulamenta as redes sociais. Na batalha regulatória, as empresas, o governo e a Justiça estão pesando a mão, sem observar que o jogo pesado esgarça uma democracia que passou recentemente por um trauma e precisa se recompor.

Pouco antes da primeira tentativa (frustrada) de votar o projeto na Câmara dos Deputados, o Google colocou um link na capa de seu site de buscas apresentando detalhadamente os motivos por que se opunha a ele. Não haveria problema algum em a empresa publicar um post em seu blog ou canal no YouTube. Mas ela não poderia ter abusado da posição de distribuidora de conteúdo de terceiros para colocar um conteúdo próprio em destaque. O Google detém mais de 90% do mercado de buscas e é simplesmente o site mais visitado no Brasil.

Buscadores como Google, redes sociais como Facebook e sites de vídeos como YouTube não são tratados pela lei como veículos de mídia porque, em vez de produzirem conteúdos próprios, distribuem os de terceiros. É justamente por isso que, fora algumas circunstâncias excepcionais, não são responsáveis pelos conteúdos que distribuem e não têm as obrigações que cabem a jornais e TVs.

Ao pôr o link na capa, o Google privilegiou um conteúdo dele mesmo, rompendo com a alegada neutralidade que diz ter como distribuidor de conteúdo de terceiros. E não fez só isso. No recurso de autocompletar, o Google sugeria seu próprio texto quando alguém começava a digitar “PL das Fake News” — mesmo seu texto não estando entre as expressões mais buscadas. Também veiculou propaganda contra o PL no Facebook, mas este não classificou a propaganda como política, limitando a divulgação dos dados da campanha.

Carlos Alberto Sardenberg - Tudo anulado

O Globo

A anulação de condenações só esbarra num tipo de obstáculo. Quando há algo muito evidente, um rastro impossível de apagar

Agora que o Judiciário está numa onda de anular sentenças da Lava-Jato, em especial, e de processos de corrupção, em geral, o ex-senador Fernando Collor enfrenta no STF um julgamento na direção contrária. Na próxima semana, o Supremo retoma a análise de um caso que vem lá da Lava-Jato, um subpetrolão, em que Collor é acusado de receber propinas em contratos da BR Distribuidora de 2010 a 2014.

A defesa alega inocência. O relator, ministro Edson Fachin, ainda não votou, mas deu sinais de que condenará o ex-senador, por receber e lavar cerca de R$ 26 milhões. E lavar em carros de luxo — Ferrari, Lamborghini, Bentley, Land Rover e Porsche —, casa e obras de arte. Os carros chegaram a ser apreendidos — o processo vem de 2017 —, mas já foram devolvidos.

Continuam, entretanto, sendo um problema para Collor. O atual movimento de anulação de condenações só esbarra num tipo de obstáculo. Ocorre quando há algo muito evidente, um rastro impossível de apagar.

Eduardo Affonso - Fazuélysson, um brasileiro

O Globo

Ele não entendeu que milhões não queriam Lula de volta. Só preferiam qualquer coisa a mais quatro anos de desprezo pela vida

Ele veio ao mundo em parto complicado, num 8 de janeiro. Suas primeiras palavras não foram mamãe ou gugu dadá, mas um irônico “Faz o L!” — o que inspirou a família na hora do batismo.

Precoce, porém nada sagaz, Fazuélysson não consegue, até hoje, articular outra coisa que não seja isso. “Faz o L!” é seu único argumento, a síntese de sua cosmovisão. O slogan surrupiado da campanha do PT — agora com o sentido de “Eu avisei! Não adianta chorar sobre o pleito derramado” — virou um mantra, e é com ele que desdenha qualquer reparo que se faça ao novo governo.

Fazuélysson teme que Lula transforme o Brasil numa Venezuela, por regressão constitucional: corrupção gradativa das instituições, submissão do Judiciário ao Executivo, manipulação da mídia, cooptação das Forças Armadas. Mas faz cara de paisagem quando alguém lembra aquela história de fechar o STF com um soldado e um cabo, os ataques à imprensa nas laives e nos comícios no cercadinho do Alvorada ou a militarização, em todos os níveis, do governo anterior.

Dora Kramer - Vanguarda do atraso

Folha de S. Paulo

Lula deve mirar Boric: direita já percebeu a avenida aberta adiante

O chileno Gabriel Boric errou ao embarcar na canoa do entusiasmo esquerdista de tentar impor suas pautas na proposta de nova Constituição. O presidente foi derrotado no referendo de setembro passado, e oito meses depois a extrema direita ganhou maioria e poder de veto no conselho constituinte.

O que isso tem a ver com a política brasileira na forma como vem andando nossa claudicante carruagem? Pode vir a ter muito se o governo insistir em manter o pisca-pisca ligado à esquerda. Mas a referência pode se mostrar indevida caso Luiz Inácio da Silva se renda às evidências.

A principal delas é que o presidente está conseguindo, como Boric, o efeito contrário. Faz de Arthur Lira porta-voz do avanço enquanto se coloca involuntariamente no contraponto como arauto do atraso. A cena está fora de esquadro.

Alvaro Costa e Silva - Conspiração de desculpas

Folha de S. Paulo

Ajudante de ordens de Bolsonaro ficará com a boca fechada?

Vocês se lembram de José Acácio Serere? Era um "patriota", que se dizia pastor evangélico e cacique xavante, mas estava sendo financiado por fazendeiros e empresários de Mato Grosso. Ele foi preso em dezembro pela tentativa de invasão do prédio da PF, no mesmo dia da diplomação de Lula no TSE.

Sua prisão desencadeou uma onda de vandalismo em Brasília por parte de bolsonaristas, com carros e ônibus incendiados e depredação de patrimônio público. Um trailer do que seria o 8/1. Na cadeia, Serere divulgou uma carta dizendo ter se baseado em informações erradas e se desculpou pelos ataques ao sistema eleitoral.

Assim que começaram as investigações e prisões ligadas à invasão das sedes dos Três Poderes, surgiram as desculpas esfarrapadas. Ao depor na PF sobre o inquérito que apura os autores intelectuais dos atos golpistas, Bolsonaro conseguiu fazer mais um papel chocante —o que é muito fácil para quem tem um currículo como o dele. Entregou um documento com imagens que buscam provar que ele estaria sob efeito de morfina quando publicou um vídeo contra as urnas eletrônicas.

Demétrio Magnoli - Israel, o pecado original

Folha de S. Paulo

Com nível inédito de segurança geopolítica, inimigo existencial do país é ele mesmo

Avi Shlaim serviu no exército israelense, antes da guerra de 1967, mas o abandonou depois dela, passando a defini-lo como "a força policial repressiva de um poder colonial brutal". O historiador de Oxford aplica a Israel o qualificativo escolhido pelo B’Tselem, respeitada organização israelense de direitos humanos: "Estado de apartheid". No seu aniversário de 75 anos, que coincide com o Nakba palestino, a opinião dos outros tornou-se a principal questão de segurança nacional para o Estado judeu.

Israel travou três guerras gerais contra os vizinhos árabes. Hoje, beneficia-se de um nível inédito de segurança geopolítica, que deriva de sua pujança econômica, superioridade militar e estabilização diplomática. A paz com o Egito (1979) e a Jordânia (1994) e os Acordos de Abraão (2020), com os Emirados Árabes, o Bahrein, o Marrocos e o Sudão, suprimiram o espectro de uma aliança árabe anti-israelense. A implosão da Síria e a tempestade interna no Irã completam a paisagem. O inimigo existencial de Israel é ele mesmo.

Segundo Shlaim, a história israelense divide-se em duas partes, separadas pela Guerra dos Seis Dias. A ocupação dos territórios palestinos espalhou o vírus do colonialismo por toda a sociedade israelense, convertendo o Estado em ferramenta do movimento de colonos judeus estabelecidos na Cisjordânia. Israel infectou-se, então, de "intolerância, fanatismo religioso, xenofobia e islamofobia".

Luiz Gonzaga Belluzzo - Crédito e alavancagem

Carta Capital

Relatório do BIS desqualifica as políticas econômicas sempre voltadas para o curto prazo

O mercado da riqueza é um fenômeno estranho à lógica convencional, sempre empenhada em formular deduções pela exclusão de contradições. Os processos de mercado não podem ser avaliados pela concepção de “ciência” que busca definir “valores de equilíbrio” extraídos de construções teóricas que empobrecem as subjetividades dos protagonistas, como aquelas geradas sob o patrocínio das “expectativas racionais”.

Em condições de “normalidade”, asseguram os “especialistas”, operações de mercado de ativos são viabilizadas por equivalências que simultaneamente significam percepções contrárias de valores.

O preço da operação (equivalência) diz respeito a uma oportunidade vantajosa para renúncia de liquidez e aquisição do ativo para o comprador, e de renúncia do ativo em troca de liquidez para o vendedor. No mercado financeiro, cada qual prevê o futuro à sua maneira. O comprador acredita que o prêmio esperado compensa o risco, ocorrendo o oposto com o vendedor. O benefício para o comprador será realizado caso o tempo entregue os ganhos esperados com a aquisição do ativo.

As percepções distintas de valores são possíveis no presente enquanto expectativas distintas. A economia colaborativa descrita na teoria clássica – sempre dedicada a atribuir vantagens mútuas nas trocas entre agentes mobilizados pelo desejo de consumo de utilidades diversas – é subvertida por movimentos de agentes com percepções inversas quanto à estratégia para realizar um desejo mútuo (e contraposto) de expandir seu valor em dinheiro.

O Relatório Anual do Banco de Compensações Internacionais de 2014/2015 aponta a incapacidade da teoria dominante de avaliar o que ocorre no “mundo real”:

Marcus Pestana* - Governabilidade, parlamento e as soluções necessárias

Muito se tem discutido sobre as dificuldades do governo em aprovar medidas que compõem sua agenda no Congresso Nacional. Não há maioria parlamentar sólida identificada com as diretrizes do governo Lula. O problema não é de agora.

O Governo FHC tinha sua sustentação a partir de três grandes partidos à época – PSDB, PFL e MDB. Lula, em seus dois primeiros mandatos, já operou com pulverização maior, o que derivou em graves problemas. A dispersão se aguçou nos governos Dilma, resultando nos impasses conhecidos e no impeachment. Michel Temer, com sua experiência parlamentar, conseguiu costurar uma maioria razoável e aprovar importantes reformas e avanços. Bolsonaro fechou acordo com o Centrão, após resistência inicial. Agora, vivemos um paradoxo: um governo de esquerda eleito e um parlamento com predominância conservadora e liberal, mais à direita.

Muitos esperavam que o presidente Lula, fazendo a leitura dos resultados eleitorais, apostasse num governo de frente ampla, agregando novos aliados e construindo uma correlação de forças mais favorável. Mas, Lula tem se posicionado mais à esquerda nas agendas fundamentais do equilíbrio fiscal, da política monetária, do papel do Estado e das privatizações, das relações internacionais e das políticas públicas.

João Gabriel de Lima* - Novos trilhos para o trem do futuro

O Estado de S. Paulo

País precisa encarar a necessidade de formar jovens para as revoluções tecnológica e ambiental

“O futuro será verde e digital.” Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, resumiu numa frase uma das poucas certezas de nosso tempo. Não se sabe que mundo resultará da disputa por hegemonia entre Estados Unidos e China, ou da guerra entre Rússia e Ucrânia. Sabe-se apenas que a revolução tecnológica é incontornável – e que a sobrevivência da vida no planeta depende da transição para uma economia de baixo carbono.

De Collor a Temer, passando por governos tucanos e petistas, o País evoluiu de pária ambiental a interlocutor relevante nas discussões sobre o clima. Voltou a ser pária na era Bolsonaro, mas o Executivo e o Congresso que os brasileiros acabam de escolher começam, aos poucos, a recolocar o Brasil no principal debate do mundo atual.

Dom Odilo P. Scherer* - Os bispos ao povo brasileiro

O Estado de S. Paulo

Na Assembleia-Geral da CNBB, em abril, os bispos convidaram todo o povo ‘a construir um projeto de reconciliação e pacificação’ do Brasil

No final de abril passado ocorreu a 60.ª AssembleiaGeral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Aparecida, junto do Santuário Nacional de Nossa Senhora. Estiveram presentes cerca de 330 membros do organismo, de um total de 328 bispos encarregados das dioceses e 157 bispos eméritos, que já deixaram suas responsabilidades nas dioceses. Os nove dias da primeira assembleia cheia após a pandemia de covid-19 transcorreram num clima sereno e fraterno.

Na assembleia, os bispos católicos do Brasil trataram de diversos temas relativos às suas responsabilidades pastorais e às competências da conferência, conforme estatuto e regimento. Desta vez, a assembleia foi eletiva, para a escolha dos novos quadros dirigentes do organismo. Por isso a pauta previa uma série de relatórios, avaliações e prestações de contas da presidência e dos presidentes das 12 Comissões Episcopais Pastorais, que têm o encargo de acompanhar as várias dimensões da ação da Igreja em âmbito nacional.

José Vicente* - Libertos pela abolição, aprisionados pela servidão

O Estado de S. Paulo

É preciso libertar negros e brancos do estado mental da desumanização da escravidão e da perversidade e desfaçatez da discriminação racial

Gustavo Metropolo, branco, ex-aluno da Fundação Getúlio Vargas, foi condenado por racismo contra seu colega aluno negro. Pedro Baleotti, branco, ex-aluno do Mackenzie, foi expulso da universidade e processado por racismo contra negros. William Waack, branco, jornalista, foi desligado da Rede Globo por conduta de intolerância racial. Paulo Henrique Amorim, branco, exjornalista da Rede Globo e da Record, foi condenado pela Justiça pela prática de racismo contra seu colega de profissão, negro, o jornalista Heraldo Pereira. Nelson Piquet, ex-campeão de Fórmula 1, foi condenado pela prática de racismo contra seu colega de profissão o piloto negro Lewis Hamilton. João Alberto de Freitas, Maju Coutinho, Heraldo Pereira, Seu Jorge, o goleiro Aranha, Taís Araújo, Ludmilla, Cris Vianna, Sheron Menezes, pessoas comuns e grandes artistas, jornalistas e esportistas negros vitimados pelo racismo, fisicamente ou pelas redes sociais.

Se alguém pudesse ter dúvidas da perenidade do impacto da escravização dos negros sobre a vida e a realidade dos brasileiros, o arrolamento desse conjunto recente de ocorrências, num click no Google, e a diversidade, a qualidade e a variedade das pessoas negras e brancas envolvidas nelas, como vítimas e algozes da intolerância, podem iluminar o quanto estivemos equivocados e alienados diante da perversidade da escravidão, da iniquidade da abolição e, sobretudo, na atualidade, da destrutividade, dos malefícios e da danosidade do seu substrato mais pernicioso: o ódio, a intolerância e a discriminação racial.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Desigualdade caiu graças a programas de auxílio a pobres

O Globo

Último ano do governo Bolsonaro registrou a menor concentração de renda na série histórica do IBGE

Não foi uma pesquisa qualquer a divulgada pelo IBGE na última quinta-feira. A Pnad Contínua de 2022 desmente clichês sobre a pobreza, ao mesmo tempo que revela uma queda na desigualdade ao patamar mais baixo da última década. A renda brasileira continua concentrada como em poucos países, mas essa concentração diminuiu em razão da profusão de auxílios aos pobres durante o governo Jair Bolsonaro.

Nos 28 anos que passou no Congresso, Bolsonaro vociferava contra os programas de transferência de renda. No poder, diante da emergência trazida pela pandemia, não teve alternativa a não ser lançar dois auxílios emergenciais. Em 2020, reconhecido por decreto o estado de calamidade pública, propôs um auxílio de R$ 200 mensais. O Congresso subiu esse valor para R$ 600, e, para não perder popularidade, Bolsonaro assinou a lei. Quando tentou a reeleição, manteve o valor no Auxílio Brasil, nome do programa que criou para substituir o Bolsa Família.

A melhoria na renda também sofre reflexo das condições do mercado de trabalho. Historicamente, a procura por mão de obra cresce depois de pandemias, e o trabalhador ganha força nas negociações por melhor remuneração. Foi assim depois da Peste medieval, da Gripe Espanhola e também da Covid-19. Nos Estados Unidos, houve no pós-pandemia forte crescimento salarial nos segmentos de renda mais baixa, revertendo 25% da desigualdade que crescia desde 1980, revelou estudo dos economistas americanos David Autor, Arindrajit Dube e Annie McGrew publicado em março. A troca de emprego em busca de salários melhores, principalmente entre jovens sem curso universitário, foi o motor dessa transformação. A pandemia tornou o mercado de trabalho americano mais dinâmico, a favor do trabalhador.

No Brasil, a responsabilidade pela diminuição da pobreza e da desigualdade detectada pelo IBGE recai sobretudo nos programas de auxílio. Era uma tendência esperada, apesar das acusações de que o governo Bolsonaro ampliou a fome no país. O economista Daniel Duque, pesquisador do Ibre/FGV no Rio, já divulgara projeções de queda na pobreza depois confirmadas pela Pnad Contínua. A população em pobreza extrema (renda diária abaixo de US$ 2,15) caiu, segundo o IBGE, a 7,2% no ano passado, ante 10,3% em 2021 e 9,1% em 2019. A mesma tendência foi observada nos demais segmentos de pobreza.

Poesia | O Navio Negreiro - Castro Alves

 

Poesia | Era Rei e sou escravo - Milton Nascimento

 

Música | Clara Nunes - Canto das três raças (João Nogueira)