terça-feira, 21 de março de 2023

Míriam Leitão - Os juros entre os dois polos

O Globo

BC decide juros sem ver mudanças na conjuntura, críticos no BNDES atacam juros sem apontar medidas para equilíbrio fiscal

No tempo das polarizações, a política monetária também está entre extremos. De um lado, o BC mantém juros em 13,75% e não dá sinal de que vá reduzi-los nesta reunião, apesar das mudanças fortes que ocorreram na conjuntura. De outro lado, a visão defendida ontem no BNDES é que a dívida pública brasileira é baixa, que os juros não combatem a inflação, mas são em si inflacionários. Não houve pluralismo no seminário do BNDES, os economistas internacionais, Joseph Stiglitz e James Galbraith, são conhecidos defensores do expansionismo fiscal e críticos do que eles definem como neoliberalismo.

A dívida pública brasileira é alta ou baixa? No mercado, o que se fala é que a dívida é alta e sua trajetória, explosiva. Hoje está em 73% do PIB, pelas contas do BC. Isso é dívida bruta. No BNDES, falou-se em dívida líquida de 56%, quando se desconta as reservas cambiais, ou de 45%, quando se deduz também o caixa do Tesouro.

Carlos Andreazza - Federação de patrimonialismos

O Globo

Documento histórico em que encontrar a síntese do presidencialismo de alcolumbre, o arranjo que, tomando o lugar do de coalizão, ora define as relações entre Parlamento e governo. Refiro-me à entrevista de Elmar Nascimento à Folha de S.Paulo.

O deputado ficou conhecido ao discursar contra o governo Bolsonaro, em 22 de maio de 2019. O mais leve que disse: não teria palavra. Líder do DEM, acusou o Planalto de “procedimento canalha” no Parlamento. Falou que não tinha plantação de laranja e que não se escondia da Justiça. Era véspera de manifestação convocada pelo presidente — e ele denunciava apoiadores do governo na Câmara, então no PSL, que pregavam pelo fechamento do Congresso. Faltaria equilíbrio, moderação, àquela Casa.

De lá para cá, engenhou-se o orçamento secreto (o equilíbrio pela distribuição?), veio a ascensão de Lira (a moderação pelo trator?) e, tudo indica, a palavra (a gestão das emendas?) passou a ser cumprida; porque Nascimento fecharia com Bolsonaro, deixando de se incomodar com a pregação contra a República.

Merval Pereira - Lições não aprendidas

O Globo

Se o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, conhecesse História, mesmo que não a Antiga, mas a recente, não teria provocado o desaparecimento do empréstimo consignado

É do conhecimento de todos que lidam com a questão que o tabelamento de preço determinado pelo Código de Hamurabi, na Mesopotâmia, congelou o preço do óleo e do sal, gerando uma estranha situação. A punição para os infratores era a morte em óleo quente. O congelamento do preço, porém, provocou a escassez do óleo, houve desabastecimento, e a terrível pena deixou de ser executada. Várias outras tentativas de controle de preços aconteceram na Antiguidade, resultando sempre em desabastecimento e crise.

Se o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, conhecesse História, mesmo que não a Antiga, mas a recente, não teria provocado o desaparecimento do empréstimo consignado. Depois que, na base da canetada, teve a “genialidade” de reduzir o teto dos juros para pensionistas do INSS, a maioria dos bancos privados suspendeu a oferta da linha de crédito, sendo seguida pelos estatais Banco do Brasil e Caixa, mesmo o PT querendo demitir seus diretores pela suposta “traição” às políticas sociais do governo.

Hélio Schwartsman - Escândalo à vista

Folha de S. Paulo

Evangélicos protocolam PEC que amplia imunidade tributária das igrejas

bancada evangélica protocolou na Câmara uma proposta de emenda constitucional que amplia ainda mais a imunidade tributária conferida a igrejas. Se vingar, templos de qualquer culto ficarão livres também dos impostos sobre os bens e serviços que consomem. O Edir Macedo poderá comprar jatinhos sem pagar IPI, ICMS e Imposto de Importação; o sacristão poderá adquirir o vinho da missa sem recolher os impostos com alíquotas mais elevadas que recaem sobre bebidas alcoólicas, os "sin taxes" (impostos sobre o pecado). É o paraíso fiscal na Terra, mas restrito a igrejas e outros poucos eleitos, como partidos políticos e sindicatos.

Alvaro Costa e Silva - Puxaram o tapete do general

Folha de S. Paulo

Candidatura de Flávio Bolsonaro a prefeito do Rio é cartada de alto risco

Ao longo da sua ascensão e queda, Bolsonaro arregimentou dentro das Forças Armadas um seleto grupo de estafetas, despachantes e contínuos no qual manda e desmanda até hoje; em troca, concedeu a eles todo tipo de regalias, sobretudo financeiras. O general Braga Netto, vice na chapa derrotada à Presidência da República, é um dos mais destacados da turma.

Mordido pela mosca da política, como muitos de seus companheiros de farda, o general sonhava em disputar a Prefeitura do Rio, em 2024. O capitão lhe puxou o tapete. Exigiu do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que o partido trabalhe pela candidatura de Flávio Bolsonaro. O recado é claro: primeiro, os meus; depois, os militares. A vantagem da família é que Flávio, se perder, poderá retornar ao Senado, garantindo o direito ao foro privilegiado.

Eliane Cantanhêde - Overbooking

O Estado de S. Paulo

Brasil na expectativa, Lula otimista: missão de Xi Jinping na Rússia é de paz ou guerra?

Jair Bolsonaro foi à Rússia dias antes da invasão da Ucrânia e se declarou “solidário” com os russos. Lula vai à China dias depois do encontro de Xi Jinping e Vladimir Putin e torce pelo melhor cenário, mas trabalha com dois: ou a China aprofunda seu apoio à Rússia ou dá a largada para as negociações de paz. Como já me disse o chanceler Mauro Vieira, sem China e Estados Unidos, não tem paz.

A primeira reação ao anúncio do encontro de Xi Jinping com Putin foi muito negativa, com o temor, nos EUA e na Europa, de uma aliança mais concreta de China e Rússia e até de envio de armamento chinês para a guerra. Após uma guinada estonteante, a percepção (ou torcida) agora é de que Xi Jinping trabalha pela pacificação, o que converge para o “clube de paz” lançado por Lula.

Andrea Jubé - A “Dilma de calças” com política na veia

Valor Econômico

Elogios e recados de Lula fortalecem chefe da Casa Civil

Circulam nos gabinetes do Palácio do Planalto rumores de que o ministro da Casa Civil, Rui Costa, não gostou de não ter sido apresentado previamente à nova regra fiscal desenvolvida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que substituirá o teto de gastos. Costa tomou conhecimento da proposta em uma reunião no dia 17, junto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Três dias antes, na terça-feira, durante reunião de ministros, Lula criticou auxiliares que tornavam públicas “genialidades” sem o aval prévio da Casa Civil, e determinou que todas as propostas sejam submetidas previamente a Rui Costa. Outros auxiliares souberam antes de Costa, todavia, de detalhes do novo marco fiscal.

Cristovam Buarque* - E agora, Jango?

Correio Braziliense

Em 13 de março de 1964, o presidente João Goulart fez manifestação popular de apoio às Reformas de Base que o país necessitava há décadas, ou séculos, para desamarrar seus recursos e avançar no progresso. Para evitar as reformas, que necessariamente tocariam em seus privilégios, a reacionária elite brasileira preferiu destituir o presidente. Quase 60 anos depois, o Brasil ainda espera aquelas e outras reformas nascidas nas cinzas do fracasso do desenvolvimentismo e nos desafios da realidade do século 21.

Em 1964, nossa principal reforma era a agrária. Nosso maior recurso potencial era a terra sem trabalhadores e os trabalhadores sem terra. O Brasil seria outro se tivesse feito a reforma agrária naquele tempo, permitindo a liberação e o uso desses recursos. Se ela tivesse sido feita, nossas cidades não seriam as monstrópoles de hoje, porque a migração em massa dos anos 1970 e 1980 não teria ocorrido. O Brasil não teria a fome que decorre da falta de renda, mas também da produção menor de alimentos para o mercado interno. Embora ainda necessária, essa reforma já não tem a mesma importância. O país caminhou para uma urbanização deformada em cidades inchadas; e a agricultura, para a modernização do agronegócio exportador.

Joel Pinheiro da Fonseca – Quem tem medo do comunismo?

Folha de S. Paulo

Talvez críticos que veem o risco no Brasil hoje apenas tenham noções distintas na cabeça

Pesquisa do Ipec revelou que, para 44% dos brasileiros, o Brasil corre risco de virar um país comunista. Os dados não dizem, mas ouso supor que há uma enorme correspondência entre esses 44% e os votos para Bolsonaro na eleição passada. Duas reações possíveis: a primeira —e equivocada— é ridicularizar nossa direita como estando em surto coletivo por manter viva a paranoia anticomunista que já era injustificada nos anos 60.

A outra é se lembrar que uma palavra pode ter vários significados, e que talvez o que os que responderam à pesquisa e seus críticos tenham noções diferentes de "comunismo" na cabeça.

Luiz Carlos Azedo - O fantasma do comunismo renasceu com o bolsonarismo

Correio Braziliense

No Brasil, o grande porta-voz do pensamento reacionário é o ex-presidente Jair Bolsonaro, que não conseguiu se reeleger. Esgrime o anticomunismo contra toda a esquerda

“Um fantasma ronda a Europa — o fantasma do comunismo. Todas as potências da velha Europa se aliaram numa caçada santa a esse fantasma: o papa e o czar, Metternich e Guizot, radicais franceses e policiais alemães. Que partido oposicionista não é acusado de comunista por seus adversários no governo?”

As primeiras palavras do Manifesto Comunista de 1848 publicado por Karl Marx e Friedrich Engels em Londres, em inglês, francês, alemão, flamengo e dinamarquês, parecem saltar das estantes empoeiradas para a pesquisa Ipec divulgada no domingo pelo jornal O Globo.

Para 44% dos brasileiros, o Brasil corre o risco de “virar um país comunista” sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo a pesquisa, 33% concordam totalmente com a afirmação de que um novo regime poderia ser implantado no país; 13% concordam parcialmente com a tese. Discordam total ou parcialmente da ideia 48% dos entrevistados.

A pesquisa mostra que a essência do bolsonarismo é o anticomunismo. O ex-presidente Jair Bolsonaro trata toda a esquerda e mesmo setores liberais como uma “ameaça comunista”. Na campanha eleitoral de 2022, teve nome e sobrenome: Luiz Inácio Lula da Silva. Continua sendo um divisor de águas da política brasileira: 81% dos que afirmam que a gestão Lula é “ruim ou péssima” concordam com o risco de comunismo. Já 71% dos que consideram o governo Lula “bom ou ótimo” rejeitam a afirmação.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Terceira via tem oportunidade diante de si

O Globo

Maioria está descontente com dois extremos políticos, mas até agora ninguém soube aproveitar a chance

A erosão do centro político desafia diversos países. Alimentada por sucessivas crises econômicas nas primeiras décadas deste século e pelo crescimento das redes sociais, a polarização entre esquerda e direita, amigos e inimigos, nós e eles se tornou o ingrediente decisivo em eleições mundo afora. Em muitas sociedades, na brasileira inclusive, a divisão em dois campos políticos opostos cresceu a ponto de a identidade social ser suplantada pela identidade política. Até pais e mães passaram a avaliar futuros genros ou noras pelo apoio a este ou àquele candidato.

Traz certo alento, diante desse quadro, a pesquisa Ipec noticiada pelo GLOBO. Dos entrevistados, 57% afirmaram concordar total ou parcialmente com a afirmação: “gostaria que o Brasil tivesse uma terceira via para evitar a polarização política no país”. Apenas 18% declararam discordar totalmente e 9% em parte. A opinião majoritária no Brasil, portanto, é que a divisão entre petistas e bolsonaristas que deu o tom nas duas últimas eleições presidenciais tem feito mais mal que bem ao país. É uma boa notícia. Despolarizar é mesmo necessário.

Poesia | Uma faca só lâmina, parte B - de João Cabral de Melo Neto

 

Música | Teresa Cristina no Samba na Gamboa - Não tem tradução (Noel Rosa)