quarta-feira, 30 de março de 2016

Opinião do dia – Jarbas Vasconcelos

Lula, Dilma e o PT conseguiram unificar quase que na totalidade o partido contra o governo. Não vi nenhum ato tão próximo da unanimidade no PMDB como este

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Jarbas Vasconcelos é deputado ( PMDB- PE), O Globo, 30/03/2016

Sem PMDB, Dilma vai usar cargos contra impeachment

• Em 3 minutos e com gritos de ‘ Fora PT’, partido oficializou ruptura

Três dos sete ministros devem ficar, apesar da decisão partidária; presidente cancela viagem aos EUA

Em reunião que durou três minutos e após dez anos de aliança, o PMDB, maior partido do Congresso, oficializou sua saída do governo Dilma por aclamação, sinalizando que ficará unido pela aprovação do impeachment da presidente. A reunião, sem a presença do vice Michel Temer, teve gritos de “Fora PT” e “Temer presidente”. O senador Romero Jucá, que leu a moção de ruptura, disse que “ninguém (do partido) no país está autorizado a exercer qualquer cargo no governo federal”. Três ministros, porém, devem ficar, sem previsão de punição: Kátia Abreu (Agricultura), Celso Pansera (Ciência e Tecnologia) e Marcelo Castro (Saúde). Com o rompimento, Dilma já prepara reforma ministerial, que deve ser anunciada até sexta e distribuirá cerca de 580 cargos ocupados por peemedebistas. O objetivo dela é tentar conquistar votos contra o impeachment. Para o ministro Jaques Wagner, a saída do PMDB dá oportunidade de uma “repactuação”, um “governo novo”.

Rompimento a jato

• Em três minutos, PMDB rompe com Dilma e tenta se mostrar unido em torno de Temer

Júnia Gama, Simone Iglesias, Evandro Éboli, Cristiane Jungblut e Manoel Ventura - O Globo

- BRASÍLIA- Em um evento que durou poucos minutos mas que promete impactar de forma definitiva o cenário da guerra pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, o PMDB, maior partido da base aliada, formalizou ontem o rompimento, por aclamação, com o governo. Com o gesto, a legenda tenta demonstrar que terá unidade para atuar como principal polo político do país no caso do afastamento de Dilma. A perspectiva dos peemedebistas que apoiaram a medida é retornar à Presidência da República depois de 21 anos, naquela que poderá ser a segunda vez, desde a redemocratização, em que um vice-presidente do PMDB sucede um presidente eleito por outro partido.

Sob gritos de “Fora, PT” e “Temer presidente”, o partido precisou de apenas três minutos para aprovar o rompimento com o governo Dilma. Para preservar o vice- presidente da República Michel Temer, herdeiro da cadeira presidencial no caso de impeachment, o encontro foi comandado pelo vice- presidente do PMDB, o senador Romero Jucá ( RR), que leu uma moção apresentada pelo PMDB da Bahia pedindo o imediato desembarque do governo. Temer, que preside nacionalmente a legenda, viajou para São Paulo no momento da reunião.

A moção, aprovada sob aplausos de mais de cem membros do diretório nacional, pede ainda a entrega dos cargos e abertura de processo de ética contra aqueles que a contrariarem, mas não estabelece prazo para que os ministros e demais peemedebistas deixem o governo. Esta forma “genérica” e com rito sumário foi elaborada com participação de Temer que, em conversas com os ministros, quis evitar rachas internos e sair desta movimentação como um conciliador.

— O PMDB se retira da base do governo da presidente Dilma e ninguém no país está autorizado a exercer qualquer cargo no governo federal. A decisão está tomada — afirmou Jucá.

Ministros não têm prazo para sair
Com o anúncio de rompimento, dos seis ministros que continuam em seus cargos, três sinalizaram à direção do PMDB que sairão nos próximos dias: Mauro Lopes ( Aviação Civil), Hélder Barbalho ( Portos) e Eduardo Braga ( Minas e Energia). Eles pediram um tempo para se organizar e concluir algumas tarefas já iniciadas. Romero Jucá afirmou que a saída dos ministros do PMDB do governo será ditada pela “consciência” de cada um.

Os diretórios do Pará, comandando pela família Barbalho, e do Amazonas, controlado por Braga, se ausentaram da reunião para não ficarem em posição divergente dos dois ministros. Além desses dois estados, Alagoas, comandado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros; Sergipe e Mato Grosso também não mandaram representantes, evitando participar do rompimento. A ausência de apenas cinco dos 27 diretórios foi vista como uma demonstração de força de Temer.

Dos outros três ministros do partido, Kátia Abreu (Agricultura) sinalizou à cúpula que ficará no cargo e que está em busca de outra legenda para se filiar. Entre os dirigentes do PMDB, ela já é considerada uma “ex- peemedebista”. Quanto a Marcelo Castro ( Saúde) e Celso Pansera ( Ciência e Tecnologia), a avaliação é que ambos deverão permanecer e “pagarão para ver” se serão expulsos.

O Diretório Nacional não definiu um prazo para a saída dos ministros, mesmo aprovando o desembarque imediato. Internamente, no entanto, os peemedebistas falam em uma tolerância até dia 12 de abril para que os ministros deixem os cargos. Depois desta data, quem não pedir demissão estará sujeito à Comissão de Ética e poderá ser expulso da legenda. Mas o esperado é que a saída seja “natural” com o avanço do processo de impeachment nas próximas semanas e a previsão de que a articulação do governo para tentar sobreviver não terá êxito.

Para os peemedebistas favoráveis ao rompimento, a ausência dos políticos mais alinhados ao governo ou aqueles que ainda tinham dúvidas sobre o momento adequado para dar este passo foi vista como um sinal de unidade em torno de Temer — uma vez que eles optaram por não contrariar publicamente uma decisão amplamente majoritária da legenda. Além de Renan Calheiros e dos ministros do partido, outra ausência notada foi a do líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), reconduzido ao cargo no mês passado com o patrocínio do Palácio do Planalto.

Figuras emblemáticas do rompimento, como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB- RJ), e o deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB- PE) chegaram ao local da reunião do Diretório Nacional, na Câmara, com sorrisos no rosto. Jarbas resumiu o espírito do encontro, dizendo que há mais de 15 anos não via o partido tão unido:

— Lula, Dilma e o PT conseguiram unificar quase que na totalidade o partido contra o governo. Na minha história, não vi nenhum ato tão próximo da unanimidade no PMDB como este — afirmou.

Adversário declarado do governo desde julho do ano passado, Cunha disse que a tendência é que os políticos mais alinhados ao governo acatem a decisão do partido.

— O diretório estava representado por 90% do partido. Eles (governistas) estão dentro dos 10%. Picciani é membro do diretório, mas nem todos os deputados são. Não houve disputa hoje e a grande maioria se manifestou. Todo mundo faz parte de democracia e luta por suas ideias. A tendência é que todos acompanhem a decisão da maioria. Se não fizerem isso, não podem estar num partido político, têm que criar o partido deles — afirmou Cunha.

Para o presidente da Câmara, a decisão é tardia já que, em sua avaliação, o PMDB era usado pelo governo e o rompimento não está diretamente relacionado ao impeachment.

— O PMDB foi apenas utilizado nesse tempo todo de aliança para votar as matérias que eles decidiam, nunca para participar de formulação de nada. Não tem sentido o PMDB ficar sócio de ônus de um governo impopular com medidas com as quais não concordamos — afirmou Cunha.

Filha do ex-presidente José Sarney (PMDB- AP), a ex- governadora do Maranhão, Roseana Sarney, foi à reunião para acompanhar a decisão do PMDB pelo desembarque. Sarney foi procurado nas últimas semanas pelo ex-presidente Lula para tentar evitar o rompimento, mas a presença de Roseana no evento foi interpretada como uma mostra de que a iniciativa de Lula não teve êxito.

— O timing de saída está certo. Estou aqui acompanhando a decisão que o partido for tomar — disse Roseana.

A cúpula do PMDB espera que cada ministro tome uma atitude a partir de agora. Perguntado se haveria sanções aos ministros que não saírem, Jucá disse que essas questões serão tratadas mais adiante.

— Qualquer tipo de penalidade, qualquer tipo de ação é consequência de um pedido. Se houver pedido, ele poderá ser analisado. Mas não hoje, hoje é só festa — disse Jucá.

Renan Calheiros manteve ontem um discurso cauteloso sobre o rompimento do PMDB com o governo e sobre o processo de impeachment da presidente. Ausente na reunião do diretório, Renan disse esperar que o “impeachment não chegue ao Senado” e que não participou do encontro para não “partidarizar” sua atuação como presidente do Congresso.

— É uma decisão democrática do partido que tem que ser levada em conta, claro. Se esse processo ( de impeachment) chegar ao Senado, e espero que não chegue, vamos, juntamente com o STF ( Supremo Tribunal Federal), decidir o calendário — disse Renan.

Dilma tenta atrair apoio com verbas e cargos

Planalto intensifica negociação no varejo

• Sem o PMDB, presidente tem entre 500 e 600 cargos para distribuir entre aliados

Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Sob a expectativa de debandada em massa após o rompimento do PMDB com a presidente Dilma Rousseff, partidos da base governista decidiram aguardar os desdobramentos do desembarque de ontem para barganhar apoio parlamentar com o Palácio do Planalto.

Em uma última tentativa de se recompor, o Planalto intensificou a negociação com vários partidos. Sem o PMDB na base, Dilma tem à disposição entre 500 e 600 cargos para distribuir entre os aliados, que estão cobrando contas antigas e procurando valorizar seus passes. Esses partidos também têm sido assediados por interlocutores do vice-presidente Michel Temer, que começa a estruturar sua eventual gestão.

O presidente licenciado do PSD, ministro Gilberto Kassab (Cidades), e o líder do PP na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PB), estiveram ontem no Planalto. Apesar de negar a discussão de cargos, membros das duas legendas defenderam a permanência no governo, embora as bancadas pressionem pela saída imediata.

“O partido defende a manutenção no governo. A bancada está dividida”, disse o atual presidente do PSD, Guilherme Campos, que comanda 31 deputados. “Os deputados têm várias demandas que se arrastam desde o ano passado.” Pelos cálculos de integrantes da cúpula do partido, mais de 80% da bancada hoje é favorável ao impeachment.

O PP, terceira maior bancada com 49 deputados, reúne-se hoje para tratar do apoio ao governo, embora não haja expectativa de que uma decisão definitiva saia desse encontro. O presidente nacional da sigla, senador Ciro Nogueira (PI), tem pedido cautela ao grupo que defende o rompimento com o governo. Na Comissão Especial do impeachment, dois dos cinco representantes do PP já se manifestaram favoráveis ao impedimento de Dilma.

Cargos. Nos bastidores, integrantes do partido comentam que há várias demandas de cargos nos Estados que ainda não foram atendidas pelo Planalto e ponderam que não é possível apostar todas as fichas em um eventual governo Temer. Os parlamentares temem que a eventual gestão do vice seja encurtada pela cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral. Além disso, apontam a ameaça da Operação Lava Jato ao vice-presidente.

O ministro dos Transportes, Antonio Carlos Rodrigues, do PR, também esteve ontem com a presidente Dilma. Ele resiste em deixar o governo porque teria de voltar a ser vereador – no Senado, ele é suplente de Marta Suplicy (PMDB-SP). Na bancada de 40 deputados, não há consenso. O líder do partido, Maurício Quintella (AL), não foi encontrado ontem.

O governo tem conversado também com nanicos como PTN (13 deputados), PHS (7), PROS (5), PT do B (3), PSL (2) e PEN (2), que somam 32 votos. A distribuição de cargos do PMDB começou na semana passada, quando a presidência da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) foi entregue ao PTN.

PMDB deixa governo, que lança ofensiva anti-Temer

Aos gritos de 'Fora, PT', PMDB deixa governo em reunião de três minutos

Débora Álvares, Daniela Lima, Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - "A partir de hoje, nessa reunião histórica, o PMDB se retira da base do governo da presidente Dilma Rousseff. E ninguém no país está autorizado a exercer qualquer cargo federal em nome do partido." Foi com esse discurso que a maior sigla do Congresso selou, em uma cerimônia de pouco mais de três minutos, o fim de uma aliança de 13 anos com o PT.

O ato foi encerrado aos gritos de "Fora PT" e "Brasil para frente, Temer Presidente".

Exaltado pelos correligionários, o vice-presidente Michel Temer (PMDB),principal beneficiário de um impeachment da petista, assistiu ao ato pela TV, na base aérea de Brasília.

Ao final, recebeu a ligação de um aliado: "Foi tudo bem, como previsto". Minutos depois, Temer embarcou para São Paulo, onde deve permanecer até a próxima semana.

A reunião que selou o desembarque foi presidida pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), vice-presidente da legenda, aliado de Temer e um dos apoiadores do impeachment no partido. Seguindo o script definido para o evento, o rompimento foi aprovado por aclamação.

A determinação de que os peemedebistas deixem cerca de 600 cargos na administração foi seguida pela promessa de que aqueles que descumprirem serão punidos.

Com isso, três dos seis ministros que o PMDB ainda tem na Esplanada disseram a assessores que pretendem deixar seus cargos: Mauro Lopes (Aviação Civil), Helder Barbalho (Portos) e Eduardo Braga (Minas e Energia).

No polo oposto estão Marcelo Castro (Saúde) e Celso Pansera (Ciência e Tecnologia), que trabalham para ficar na Esplanada. Além deles, a ministra Katia Abreu (Agricultura), amiga de Dilma, estuda até deixar o PMDB para poder continuar na base de apoio da petista.

Alguns dos principais nomes do partido no Congresso passaram a alardear que estavam determinando que seus aliados entregassem os cargos. Foi o caso do líder do PMDB do Senado, Eunício Oliveira (CE). Ele havia indicado o presidente do Banco do Nordeste, mas determinou que o afilhado colocasse o posto à disposição.

Planalto pressionado
A saída do PMDB da base aliada de Dilma ampliou a pressão sobre o Palácio do Planalto e os aliados que tentam conter o avanço do processo de impeachment. Dentro do partido, a expectativa é que o movimento atraia mais parlamentares para a ala do Congresso que é a favor do afastamento de Dilma.

"Agora é água morro abaixo", comentou o senador Valdir Raupp (PMDB-RO). O próprio governo teme que haja um "efeito manada" e começou a trabalhar para conter defecções oficiais em partidos como o PP, PR e PSD, oferecendo a essas siglas mais cargos do que elas já têm para que permaneçam na base.

Aliado de Temer, o ex-ministro Moreira Franco (PMDB-RJ) recorreu a um jargão jornalístico para desmerecer a estratégia. "O governo insiste em dizer em 'on' [abertamente] coisas que não deveria fazer nem em 'off' [em sigilo]. Não há nada que a sociedade deteste mais do que o mercado de cargos. O governo faz e depois se surpreende com a reação da opinião pública."

Um minuto
A cúpula do PMDB tentou dar um ar solene à reunião que definiu o desembarque,solicitando que ex-presidentes e quadros históricos da sigla compusessem a mesa que presidiu o ato.

Assim, o ato contou com nomes como Ibsen Pinheiro, peemedebista que era presidente da Câmara dos Deputados quando o Congresso derrubou o ex-presidente Fernando Collor, em 1992.

O presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ) também teve lugar de destaque. Ele foi à cerimônia sorrindo e abraçando correligionários. Disse que, se dependesse dele, o ato teria sido ainda mais curto. "Eu teria feito em um minuto." O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que não compareceu ao evento, disse esperar que o processo de impeachment não chegue à Casa.

Os ministros peemedebistas não compareceram à reunião. Nomes como José Sarney, Eduardo Paes e Sergio Cabral também não compareceram. No entanto, enviaram aliados para o encontro, como a ex-governadora Roseana Sarney e os secretários do Rio de Janeiro Pedro Paulo e Marco Antonio Cabral.

Planalto apressa liberação de cargos e verbas após ruptura com PMDB

Valdo Cruz, Gustavo Patu e Mariana Haubert – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em reação ao rompimento do PMDB, o governo deflagrou uma operação para redistribuir cargos na Esplanada dos Ministérios e apressar a liberação de verbas orçamentárias como forma de tentar garantir os votos necessários para barrar o impeachment na Câmara.

A ideia é ter, até sexta (1º), um novo ministério formado e, na próxima semana, realizar a primeira reunião ministerial já com novos integrantes. "A decisão chega em boa hora porque oferece à Dilma a oportunidade de repactuar o seu governo. Um novo governo no sentido de que sai um parceiro importante e abre espaço para um novo governo", afirmou o ministro-chefe do gabinete de Dilma Rousseff, Jaques Wagner.

"Se temos o impeachment sem causa, e portanto um golpe, e como ele trata de votos no Congresso, é claro que é uma agenda do governo conquistar esses votos", complementou.

Em reunião com o ex-presidente Lula e demais integrantes de seu núcleo político nesta terça à noite, a presidente concordou com a necessidade deaumentar o espaço de aliados como PP e PR, considerados essenciais na estratégia do governo de evitar a abertura de um processo de impeachment.

Segundo a Folha apurou, o PP reivindica a pasta da Saúde e o PR pode herdar o Ministério de Minas e Energia. As suas pastas são atualmente comandadas pelo PMDB.

Lula passou o dia cuidando do rearranjo do governo. Além de conversas com líderes do PP e PR, ele manteve contato com representantes de um bloco formado por Pros, PHS e PEN. O petista também procurou integrantes do PTdoB, PSL e PTN que poderão herdar postos de segundo e terceiro escalões.

Wagner avaliou ainda que "foi bom" que o PMDB tomasse a decisão pelo desembarque antes que o processo de afastamento da presidente fosse votado pela Câmara. O PMDB ainda tem seis ministros no governo que não entregaram o cargo e avaliam o que fazer a partir de agora.

Verbas
O governo também editou nesta terça (29) uma edição extra do "Diário Oficial da União" para apressar a liberação de verbas orçamentárias, incluindo projetos de interesse de deputados e senadores.

A portaria do ministro Nelson Barbosa (Fazenda) ampliou os limites de desembolso mensal para oito ministérios e para operações de empréstimo. Pelo texto, até abril, os gastos das pastas de Educação, Defesa, Transportes, Ciência e Tecnologia, Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Planejamento e Advocacia-Geral da União poderão ser ampliados em R$ 1,8 bilhão.

O total de despesas para o ano não é alterado, mas os pagamentos podem ser feitos de forma mais rápida. Em tese, ao menos, a manobra facilita o atendimento de despesas incluídas no Orçamento pelos congressistas, conhecidas como emendas parlamentares.

A portaria informa que a ampliação de limites de pagamento inclui as emendas de bancadas estaduais. A liberação desse tipo de verba é um instrumento tradicional de negociação entre o Planalto e o Legislativo.

Em nota, a Fazenda disse que a portaria "foi editada em atendimento a pedidos dos ministérios". Segundo o documento, "algumas despesas tinham vencimento nesta terça-feira".

Começa a barganha do impeachment

Por Raymundo Costa, Leandra Peres e Lucas Marchesini – Valor Econômico

BRASÍLIA - Com o desembarque do governo aprovado por aclamação, o PMDB vai concentrar seus esforços na consolidação da maioria obtida ontem para a aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff. A votação, que ocorreria em 17 de abril, deve ser antecipada para o dia 15.

A partir de agora, os pemedebistas também devem enfrentar o corpo a corpo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tendo ele status de ministro de Estado ou não. A prioridade de Lula serão as bancadas do Norte e do Nordeste, regiões onde sempre teve sólidas bases eleitorais.

A cúpula do PMDB comemorou o fato de a decisão ser tomada por aclamação, sem maiores conflitos. Avalia que isso vai facilitar as conversas em torno do impeachment, especialmente no Senado, onde o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), tem dúvidas sobre os motivos (as "pedaladas") que justificam o pedido.

Ao decidir pelo rompimento da aliança com o PT, o partido determinou que seus filiados devolvam os cargos que ocupam na administração federal até 12 de abril.

O ministro do Gabinete Presidencial, Jaques Wagner, manifestou a reação do governo. Em entrevista, avisou que a relação com o vice-presidente, Michel Temer, que deve assumir a Presidência da República se Dilma for afastada, está "interditada". Disse, também, que os cargos ocupados hoje pelo PMDB serão redistribuídos em uma "repactuação" do governo com outras forças políticas. Segundo o ministro, as negociações em curso com os partidos devem ser concluídas até sexta feira e delas pode sair "um novo governo".

Lula já está em ação, muito embora tenha circulado no Congresso que o ex-presidente não parece muito empenhado na defesa de Dilma. Na conversa que teve com Temer, Lula não reagiu a uma crítica feita a ela pelo vice.

No Senado, a avaliação dos próprios governistas é de que não haverá condições de barrar o impeachment se a proposta for aprovada na Câmara dos Deputados.

PMDB rompe e Temer negocia novo governo
Depois de romper com o governo, decisão tomada ontem, o objetivo do PMDB é consolidar a maioria obtida na votação do Diretório Nacional para votar o impeachment da presidente Dilma Rousseff. A unidade demonstrada na reunião ajuda a composição interna e fortalece a autoridade do vice-presidente Michel Temer para negociar com os demais partidos a formação do futuro governo.

A direção do PMDB comemorou a decisão por aclamação, algo raro num partido que é considerado uma verdadeira federação. O fato não implica necessariamente que os votos do PMDB serão todos a favor do impeachment, mas será decisivo nas negociações com eventuais dissidentes, como o presidente do Senado, Renan Calheiros.

Na mesma decisão que oficializou o rompimento da aliança com o PT, o PMDB determinou que os filiados ao partidos devolvam os cargos que têm no governo. Antecipando-se à reunião do diretório, o ministro Henrique Eduardo Alves (Turismo) pediu demissão já na segunda-feira. O senador Eduardo Braga (Minas Gerais) indicou que vai cumprir a decisão do partido. Outros cinco ainda não se manifestaram, mas têm prazo até o dia 12 de abril para pedir o desligamento.

A decisão do Diretório Nacional ajuda o PMDB a costurar uma maioria dentro do partido a favor do impeachment, mas a tarefa não será das mais fáceis, pois vai encontrar resistência do governo e do PT. A atuação mais temida é a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja prioridade é convencer deputados do Norte e do Nordeste.

Lula já está em ação, muito embora tenha circulado no Congresso que o ex-presidente não parece muito empenhado na defesa de Dilma. A informação ganhou os corredores da Câmara e do Senado, provavelmente, porque na conversa que teve anteontem com Michel Temer, Lula não reagiu a uma crítica à presidente feita pelo vice.

Segundo fontes qualificadas ouvidas pelo Valor, no entanto, Lula vai lutar pelo mandato de Dilma pelo menos por três motivos: o primeiro é que sente-se responsável pela indicação da presidente; o segundo é que é a primeira mulher a presidir o país e não seria bom que ela saísse escorraçada do Palácio do Planalto; e o terceiro é que, ao contrário de outros líderes sul-americanos que não indicaram sucessor para poderem voltar mais tarde, ele de fato queria que Dilma tivesse sucesso.

O vice-presidente Michel Temer, que também preside o PMDB e deve suceder Dilma, se o impeachment for aprovado, faltou à reunião, para não ser acusado de falta de lealdade ou de traição ao governo, como já aconteceu. A reunião foi presidida pelo primeiro-vice Romero Jucá (PMDB-RR). Temer, no entanto, tem conversado sobre o impeachment e a eventual formação de um novo governo com economistas e partidos da oposição.

Na realidade, já existe um grupo em pleno funcionamento, encarregado de elaborar as diretrizes de um futuro governo Temer. O ex-deputado e ex-ministro Fernando Brandt cuida mais especificamente dos assuntos relacionados à Previdência Social. Para a Fazenda, três são os nomes mais citados: Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central no governo de Fernando Henrique Cardoso, Henrique Meirelles, que exerceu a mesma função nos governos Lula, e o senador José Serra (PSDB-SP), que desde o início apoiou o impeachment e a posse de Temer no lugar de Dilma.

Serra, mais especificamente, e Meirelles, tem um problema em comum: ambos são candidatos a presidente da República. Serra já tentou duas vezes. Sem espaço no PSDB, poderia voltar ao PMDB, na hipótese de estabilizar a economia como ministro da Fazenda de Temer, o que outros potenciais candidatos não querem nem ouvir falar.

Meirelles nunca foi candidato, mas se insinuou em várias ocasiões, inclusive quando se filiou ao PSD do prefeito Gilberto Kassab. Ele também se dispôs a sair de candidato a vice da presidente Dilma Rousseff. O economista Arminio Fraga seria o ministro da Fazenda do PSDB, se o senador Aécio Neves ganhasse a eleição. Ele nega, mas está no páreo. Os ex-ministro Moreira Franco e Eliseu Padilha integram o grupo da copa e cozinha do Palácio Jaburu.

A batalha do governo será na Câmara dos Deputados. A ideia é barrar o impeachment no plenário, pois a comissão especial, na avaliação do governo, é controlada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-EJ). No Senado, a avaliação dos próprios governistas é que não haverá condição de barrar o impeachment, se a proposta sair aprovada da Câmara dos Deputados por 342 votos, que é o mínimo exigido pela Constituição Federal para o afastamento do presidente da República.

O ex-deputado Geddel Vieira Lima (BA), que integra o grupo mais próximo de Michel Temer, considerou a data de ontem "uma data histórico: nunca pensei que viveria para ver o dia do PMDB decidir entregar cargos no governo".

Mais três ministros do PMDB devem entregar os cargos

• Mauro Lopes, Eduardo Braga e Helder Barbalho sinalizam saída

Júnia Gama, Isabel Braga, Cristiane Jungblut e Simone Iiglesias - O Globo

- BRASÍLIA- A entrega dos cargos da metade dos ministros do PMDB é dada como certa após a decisão do partido de desembarcar do governo. Entre os seis ministros que permanecem no cargo — na noite de segunda-feira Henrique Alves deixou o Turismo —, a expectativa é que três sigam este caminho nos próximos dias: Mauro Lopes (Aviação Civil), Helder Barbalho (Portos) e Eduardo Braga (Minas e Energia). Outros dois, Celso Pansera (Ciência e Tecnologia) e Marcelo Castro (Saúde), ambos com mandatos de deputado, deverão permanecer mais alguns dias, até que esteja mais claro o cenário sobre a aprovação do impeachment. A ministra Kátia Abreu (Agricultura) é a única que pretende permanecer ao lado da presidente Dilma Rousseff independentemente dos desdobramentos do impeachment e, para isto, pode mudar de partido.

Em almoço ontem com a bancada de deputados do PMDB de Minas Gerais, Mauro Lopes afirmou que iria seguir a determinação do partido e entregar seu cargo no governo. Apesar de o Diretório Nacional do PMDB não ter definido prazo para que os ministros deixem seus postos, a expectativa é que o ministro comunique sua saída em breve ao Palácio do Planalto. Na noite anterior, Mauro Lopes já havia comunicado ao líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ) — que foi fiador de sua nomeação — que iria acompanhar a decisão da maioria do partido.

Castro e Pansera continuam
Helder Barbalho e Eduardo Braga também já sinalizaram aos dirigentes do PMDB que irão deixar os cargos. Em conversas com a cúpula do partido, os ministros afirmaram que não pretendem se desfiliar do PMDB, uma das opções para aqueles que desejarem permanecer em seus cargos. Braga, um dos peemedebistas que mais resistiu à saída e trabalhou para ajudar a presidente, disse a integrantes da cúpula que é “homem de partido” e que pedirá demissão. Ele chegou ao governo em janeiro do ano passado, após perder a eleição para o governo do Amazonas. Antes de se tornar ministro, foi líder do governo Dilma no Senado.

Hélder Barbalho também chegou na Esplanada no início do segundo mandato de Dilma, ano passado, quando assumiu o Ministério da Pesca. Na última reforma ministerial, anunciada em outubro pela presidente Dilma, a pasta da Pesca deixou de ser ministério, mas Hélder foi remanejado para a Secretaria de Portos. Na época, ele passou a ser considerado da “cota” de Michel Temer.

Já Marcelo Castro e Celso Pansera, da ala considerada mais alinhada ao governo, devem permanecer o máximo possível nos cargos. Segundo interlocutores, os dois manterão a defesa do governo, mas até o limite do avanço do processo de impeachment da presidente. Como ambos têm mandatos de deputado federal e não há determinação de prazo no PMDB para a entrega dos cargos, a situação deles é considerada “confortável”.

Depois da decisão de desembarque do PMDB, cresce a pressão nas demais bancadas de partidos aliados por uma definição de saída da base. O PP se reúne hoje para discutir o desembarque e, segundo deputados, já está certo que haverá a convocação do diretório para discutir a questão. A dúvida é em relação à data da consulta, se antes da votação na comissão do impeachment ou da votação em plenário.

No documento entregue ao presidente nacional do PP, Ciro Nogueira ( PI), 22 dos 49 deputados assinaram favoravelmente à convocação do diretório, além de quatro dos seis senadores.

A bancada do PP está rachada e, de acordo com deputados, Ciro Nogueira mantém conversas com interlocutores do governo esteve anteontem com a presidente Dilma. Não houve, ainda, avanços nas conversas para atender a pleitos dos parlamentares. O PP tem apenas um ministério e, com o aumento da bancada para 49 deputados, a direção do partido acredita que outra pasta possa ser oferecida.

PR deve liberar bancada
O PR, partido que comanda o Ministério dos Transportes, deverá liberar a bancada de deputados sobre o impeachment. Dos 40 deputados, segundo contas de dirigentes, 25 são a favor do afastamento de Dilma.

O governo começa a fazer uma ofensiva sobre partidos menores que teriam menos chances de ocupar cargos em um eventual governo Temer.

Um dos alvos do governo é o PTN, que tem 13 deputados. O partido já garantiu um aliado na Fundação Nacional de Saúde, mas ainda sonha com um ministério. Ontem, o líder Aluísio Mendes ( MA), fez uma reunião com a bancada.

— Não discutimos ministério. Primeiro teremos que decidir se o PTN fica ou não na base de apoio — disse Mendes.

Governo prepara nova reforma ministerial para garantir votos

• Mudanças, que devem ocorrer até sexta, visam a recompor base

Catarina Alencastro, Eduardo Barreto, Letícia Fernandes, Júnia Gama e Cristiane Jungblut - O Globo

- BRASÍLIA- Após o já esperado rompimento formal do PMDB com o governo, a presidente Dilma Rousseff começou a preparar uma reforma ministerial, que deverá ser anunciada até sexta-feira. Escalado para falar em nome do governo, o ministro da Chefia de Gabinete da presidente, Jaques Wagner, chegou a falar em “governo novo” e a dizer que a saída do principal aliado abre uma “boa” oportunidade para que Dilma inicie uma nova fase, com outros aliados nos espaços deixados pelo PMDB. O governo conta com um mapa dos cerca de 580 cargos da máquina federal hoje ocupados por indicação de peemedebistas.

— A decisão dele (PMDB) chega numa boa hora. Numa boa hora porque oferece à presidenta Dilma uma ótima oportunidade de repactuar o seu governo. Eu poderia até falar de um novo governo, no sentido de que sai um parceiro importante e, portanto, abre espaço político para uma repactuação de governo. Política é assim. É vivida da realidade — disse Wagner. — Estou muito confiante de que esta oportunidade será uma boa caminhada da presidente Dilma.

Ontem, Dilma deixou o Palácio do Planalto no início da noite rumo ao Palácio da Alvorada, residência oficial, para decidir com seus principais ministros quem poderá substituir os peemedebistas no governo. O Planalto espera que o desembarque do PMDB possa facilitar a batalha por votos contra o impeachment de Dilma.

O raciocínio é matemático: o PMDB “bloqueava” sete ministérios e só entregava de 25 a 30 votos na Câmara. Com a liberação desses ministérios, outros partidos aliados poderão ocupa-los e entregar, em troca, no mínimo o dobro dos votos. Segundo um auxiliar da presidente, o cálculo é chegar a 80 votos — como o governo tem pelo menos cem votos já garantidos, isso seria suficiente para chegar aos 172 necessários para barrar o impeachment.

Outra aposta do governo é redistribuir cargos nos diversos escalões da República, além de atender demandas específicas de parlamentares. Segundo interlocutores do Planalto, Lula está à frente desse trabalho. O governo pretende redistribuir os cargos para garantir votos contra o impeachment. O ex-presidente tem dito a pessoas próximas que pretende fazer uma “higienização” no quadro de apadrinhados políticos para assegurar que cada cargo ou demanda atendida corresponda a ao menos um voto contrário ao afastamento de Dilma no Congresso.

PT quer colar Temer a Cunha
O PT, por sua vez, intensificou o discurso de fortes críticas a Temer e ao que chama de “conspiração” para tomar o lugar da presidente. O vice foi escolhido como alvo prioritário do partido; uma das estratégias nesse sentido será a de colar sua imagem à do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), na tentativa de enfraquecê-lo.

Os petistas creem que os manifestantes a favor do impeachment de Dilma não defendem a entrada de um governo do PMDB. A ideia, portanto, é mostrar que Temer, Cunha e os demais peemedebistas estão aproveitando o momento político para “assaltar” o poder.

— O Temer, infelizmente, está tendo uma postura lamentável. Ele virou um conspirador e, para mim, chefia o golpe com o Eduardo Cunha, os dois estão à frente do golpe — disse o senador Lindbergh Farias (PT-RJ).

O PT ainda atacará o programa que o PMDB defende, caso chegue ao poder, chamado “Ponte para o futuro”. Esse programa sugere a redução de gastos públicos, a necessidade de um rigoroso ajuste fiscal e a desvinculação orçamentária na Saúde e na Educação. Os petistas dirão que essas medidas ceifariam os direitos dos trabalhadores.)

Planalto articula bloco de apoio

Por Leandra Peres, Lucas Marchesini e Bruno Peres - Valor Econômico

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto está negociando com partidos da base governista um novo bloco de apoio no Congresso Nacional em resposta ao rompimento do PMDB com o governo. Para isso, pretende usar os cargos hoje ocupados por pemedebistas para ampliar o espaço de aliados como PSD, PP e PR e conter a debandada nesses partidos.

O ministro-chefe do Gabinete Pessoal da Presidência, Jaques Wagner, disse que até sexta-feira devem ser anunciadas mudanças na composição do governo. Numa declaração dura e dirigida diretamente ao vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP), o ministro afirmou ainda que a relação política da presidente Dilma Rousseff com o seu vice está "interditada".

"[A saída do PMDB] chega em boa hora [porque] oferece a presidente Dilma Rousseff uma ótima oportunidade de repactuar o seu governo. Poderia até falar de novo governo, no sentido que sai parceiro importante então abre espaço político para repactuação de governo", avaliou Wagner.

A estratégia desenhada pelo governo dobra a aposta na capacidade do Planalto de garantir os votos necessários para barrar o impeachment numa negociação de "varejo" e no confronto direto com o ex-aliado.

Nos bastidores, o Planalto diz que pemedebistas preocupados com a perda de cargos já procuraram o governo para conversar e sinalizaram que o alinhamento com a cúpula do partido não é integral. Uma mostra disso, segundo o Palácio, é que nenhum outro ministro seguiu a decisão de Henrique Eduardo Alves, do Turismo, que entregou sua carta de demissão à presidente e um dos aliados mais próximos do vice-presidente Temer.

O governo também pressiona para que os ministros Helder Barbalho (PMDB-PA) e Eduardo Braga (PMDB-AM) continuem nos cargos. Ao mesmo tampo avisa que a manutenção dos cargos dependerá da capacidade de os ministros garantirem votos. "Não interessa ao Palácio imobilizar seis ministérios sob o comando do PMDB para garantir só 25 votos", diz uma autoridade.

A "repactuação" da base aliada, pelos planos do governo, não ficará restrita apenas à votação do afastamento da presidente Dilma. O objetivo é que esse novo arranjo seja suficiente para demonstrar que, mesmo com uma base aliada mais enxuta, o governo terá capacidade de aprovar projetos de sua pauta econômica, vencido o impeachment.

No Congresso, a reação da bancada petista ecoou a estratégia do Planalto. O vice-líder do governo na Câmara, Paulo Teixeira (PT-SP), disse que a parcela do partido que está desembarcando nunca esteve alinhada à presidente Dilma Rousseff. "O PMDB que sairá é o PMDB que nunca esteve [no governo]. É do lado da conspiração", afirmou Teixeira.

O líder do PT na Câmara, Afonso Florence (BA), atacou diretamente o vice-presidente. "O Michel Temer migrou de constitucionalista para golpista", afirmou o petista.

O ministro Jaques Wagner voltou a falar no impeachment como "num golpe disfarçado" por não cumprir o requisito legal de ter acontecido no atual mandato da presidente. E explicou que existe uma agenda positiva que inclui as entrevistas concedidas pela presidente Dilma Rousseff, manifestações de rua e de intelectuais a favor do governo e o lançamento do Minha Casa Minha Vida 3, prevista para hoje, como esforços para conseguir os votos contra o impeachment. "Se alguém com 54 milhões de votos tem dificuldade, quem não tem terá dificuldade ainda maior?"

Apesar do discurso incisivo do Palácio do Planalto, o governo deverá encontrar dificuldades para atrair partidos para a base, inclusive os médios como o PP e o PSD. No caso do PSD, o ministro Gilberto Kassab (Cidades), que também é fundador e presidente do partido, pretende liberar seus deputado para a votação do impeachment. Kassab está sendo pressionado especialmente pelos candidatos a prefeito nas eleições de outubro. (Colaboraram Thiago Resende e Raphael Di Cunto)

As versões de Lula no exterior

• Argumentos de ex-presidente à imprensa estrangeira, parte da estratégia do petista e do governo, têm relatos distintos de jornais

Marco Grillo - O Globo

A entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a jornalistas estrangeiros, parte da estratégia para sensibilizar a opinião pública estrangeira, rendeu diferentes relatos sobre as declarações feitas pelo petista — de olhares mais críticos, recheados de detalhes das investigações, a abordagens relatoriais, menos incômodas.

Em diversas frentes, o governo vem buscando na imprensa internacional um meio de amplificar sua versão. Dois pilares compõem o plano: os argumentos em defesa da continuidade do mandato da presidente Dilma Rousseff e a resposta às denúncias que recaem sobre o ex-presidente.

Há poucos dias, Dilma já cumprira o roteiro ao conversar com correspondentes estrangeiros. Jaques Wagner, hoje chefe de gabinete da presidente, e o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, também seguiram o script. Ontem, o Instituto Lula manteve a estratégia ao divulgar uma nota, em três idiomas (português, inglês e espanhol), em que aborda a situação do ex-presidente junto à Justiça.

Em contra- ataque, líderes da oposição também recorreram à imprensa internacional ( veja ao lado).

Para o jornal espanhol “El País”, o convite de Lula foi um “sintoma” de como andam as relações entre o governo e a imprensa brasileira. O britânico “The Guardian” classificou a entrevista como um esforço de driblar o que o PT considera uma “mídia hostil”. Já o francês “Le Monde” pôs no título: “Lula com a missão de seduzir para defender Dilma Rousseff ”.

As reportagens do norte-americano “The New York Times” e do “Guardian” apresentaram contrapontos que põem em dúvida a estratégia de massificar a reprodução de pontos de vista favoráveis a Lula e ao governo. Ao lembrar que a sua nomeação na Casa Civil está suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o “New York Times” citou que as investigações levaram à cadeia “magnatas da construção, executivos do petróleo e confidentes de Lula”.

O “Guardian” afirmou que o ex-presidente não conseguiu explicar como ele e Dilma comandaram o país sem notar que “enormes esquemas de corrupção” financiavam campanhas eleitorais de grandes partidos.

Os impactos políticos do desembarque do PMDB, oficializado ontem, foram lembrados pelo argentino “La Nación”. A velocidade dos acontecimentos força o governo, agora, a acelerar conversas com outros interlocutores: deputados e senadores, os responsáveis por deter ou permitir o impeachment.

A correspondentes, Aécio diz que ‘ governo Dilma acabou’

• Na entrevista para jornalistas estrangeiros, partidos da oposição repudiam ideia de golpe

Maria Lima - O Globo

- BRASÍLIA- Em entrevista ontem a correspondentes estrangeiros, convocada pela oposição para desconstruir “a narrativa do golpe”, os presidentes de seis partidos — PPS, PSB, Democratas, PSC, Solidariedade e PSDB — reafirmaram que o impeachment é constitucional, que um eventual governo Michel Temer não é “a solução dos sonhos”, que não há intenção de obstruir as investigações da Lava- Jato e que apoiarão uma agenda dura, de reformas estruturais, para a retomada do crescimento. Participaram da coletiva jornalistas de “Le Monde”, “El País”, “Wall Street Journal”, “France Presse”, “Reuters”, “La Nacion”, “Agencia EFE”, “Agência Ansa” e “Página 12”.

— O debate sobre se é ou não golpe repercute mais no Brasil do que lá fora. Lá, as pessoas têm uma visão global da situação. Sabem que a presidente Dilma está fraca e que pode acontecer o impeachment. Meus leitores querem saber é como o Brasil chegou a essa situação e se vai voltar a crescer. Veem com tristeza e preocupação a possibilidade de o Brasil retornar aos anos 80, da década perdida — relatou um dos correspondentes após a entrevista.

Segundo Anthony Boadle, da “Reuters”, o presidente do PSDB, senador Aécio Neves ( MG), disse que o desembarque do PMDB do governo de Dilma “fecha a tampa do caixão” da gestão da petista. Aécio anunciou que, na próxima segunda- feira, o PSDB vai reunir seus governadores, líderes partidários e o ex- presidente Fernando Henrique para detalhar como será a participação em um eventual governo de coalizão junto com Michel Temer, definindo questões essenciais para a transição, se aprovado o impeachment

— O governo Dilma acabou. A saída do PMDB fecha a tampa do caixão de um governo moribundo que não tem mais condições mínimas para sinalizar o que todos nós queremos: a retomada do crescimento, a geração de empregos, a melhoria dos indicadores sociais — disse Aécio.

Ainda segundo Boadle, Aécio disse que a saída do PMDB levará com ele outras forças partidárias que ainda sustentavam o governo. 

Apoio da OAB e de Ministros
Na entrevista, José Agripino, presidente do DEM e líder da oposição no Senado, disse aos correspondentes que o governo utiliza o discurso de que há um golpe “por não ter como explicar as razões de ter enganado o povo brasileiro”. Ele argumentou que o impeachment tem o apoio da OAB e respaldo de ministros do Supremo Tribunal Federal.

— Essa é uma atitude meramente escapista de um governo que não tem como explicar porque tem enganado a sociedade — disse Agripino.

Moro pede desculpas ao STF por divulgação de áudios de Lula e nega motivação política

• Juiz da Lava Jato afirma à Corte, em ofício, que não agiu com 'intuito político-partidário'

Por Beatriz Bulla e Gustavo Aguiar – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Em ofício ao Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz Sérgio Moro, que conduz a Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, pediu “escusas” à Corte e disse que a divulgação de áudios do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teve intuito “político-partidário”. A manifestação foi encaminhada ao ministro Teori Zavascki, que solicitou esclarecimentos a Moro ao determinar a remessa de todo o material das conversas de Lula ao Supremo.

“O levantamento do sigilo não teve por objetivo gerar fato político partidário, polêmicas ou conflitos, algo estranho à função jurisdicional, mas, atendendo ao requerimento do MPF, dar publicidade ao processo e especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e criminal do investigado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que podem eventualmente caracterizar obstrução à Justiça ou tentativas de obstrução à Justiça”, escreveu o juiz.

Na peça, Moro admite que pode ter “se equivocado em seu entendimento jurídico” ao dar publicidade ao material, mas comenta cada uma das gravações divulgadas e justifica sua decisão. “Ainda que este julgador tenha se equivocado em seu entendimento jurídico e admito, à luz da controvérsia então instaurada que isso pode ter ocorrido, jamais, porém, foi a intenção desse julgador, ao proferir a aludida decisão de 16/03, provocar polêmicas, conflitos ou provocar constrangimentos, e, por eles, renovo minhas respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal”, escreveu Moro.

Em 31 páginas, Moro argumenta que a interceptação telefônica estava amparada na lei e tinha “foco exclusivo” nas condutas de Lula e outras pessoas que não possuem foro privilegiado. Segundo o juiz, os diálogos do ex-presidente com autoridades que possuem foro privilegiado, como a presidente Dilma Rousseff, foram “colhidos fortuitamente”. A divulgação, segundo ele, só foi feita com relação ao material que possui conteúdo “jurídico-criminal relevante” por revelarem tentativas de Lula obstruir a justiça. Moro argumenta ainda que não há provas de que qualquer autoridade com foro privilegiado grampeada nas conversas tenha atendido solicitação do petista para interceder junto à Justiça.

Ele diz ter agido, na condução dos processos sobre a Lava Jato, “em geral, com cautela e prudência” e informa o STF que não havia qualquer pedido de decretação de prisão cautelar de Lula “mesmo no caso envolvendo o ex-Presidente, apesar de todo esse contexto acima exposto, de aparente intimidação, obstrução e tentativas de influenciar indevidamente magistrados”.

Na quinta-feira, o plenário do Supremo Tribunal Federal deve analisar a decisão de Teori Zavascki que ordenou que Moro remetesse o material à Corte. Ontem, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou parecer ao STF na qual alega que a posse de Lula na Casa Civil é válida, mas pede a manutenção das investigações com Moro.

“Entendeu este Juízo que, nesse contexto, o pedido do MPF de levantamento do sigilo do processo se justificava exatamente para prevenir novas condutas do ex-Presidente para obstruir a Justiça, influenciar indevidamente magistrados ou intimidar os responsáveis pelos processos atinentes ao esquema criminoso da Petrobrás”, escreveu Moro. O juiz informou a Zavascki que é praxe levantar o sigilo sobre interceptações telefônicas após o encerramento das diligências, para garantir publicidade ao processo.

Dilma – Ao Supremo, Moro afirmou que não há indicativos de que as autoridades com foro privilegiado que aparecem em conversas com Lula – como a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa – tenham concordado com tentativas do ex-presidente de obter influência junto à Justiça.

O juiz afirmou que o foco da investigação era o ex-presidente da República e disse que “não parece que era tão óbvio assim” que o diálogo com Dilma poderia ser relevante juridicamente para a presidente. Na conversa, a presidente diz a Lula que enviaria o termo de posse como ministro da Casa Civil antes da cerimônia na qual o petista assumiria o cargo.

“Quanto ao conteúdo, da mesma forma que os demais, entendeu este julgador que ele tinha relevância jurídico-criminal para o ex-Presidente, já que presente a apuração se a aceitação por ele do cargo de Ministro Chefe da Casa Civil teria por objetivo obter proteção jurídica contra as investigações. Considerando que a investigação tinha por foco condutas supostamente criminais do ex-Presidente e o conteúdo, na perspectiva criminal, juridicamente relevante do diálogo para ele, entendi que não haveria óbice na interceptação e no levantamento do sigilo. No momento, de fato, não percebidos eventuais e possíveis reflexos para a própria Exma. Presidenta da República”, escreveu Moro.

Mais diálogos – Moro informou ao STF que há uma “quantidade bem maior de diálogos interceptados” e que não foram divulgados e permanecem em sigilo. O material será remetido “em mãos e com as cautelas devidas” ao STF, segundo o juiz. “Não seria correto, portanto, afirmar que os diálogos foram juntados ao processo sem o maior cuidado”, escreveu Moro. Constam nestes áudios, segundo o juiz, conversas com outro advogado que não é investigado, além de conversas de “índole eminentemente privada”.

Sobre a interceptação de Roberto Teixeira, advogado de Lula, Moro justifica que ele é supostamente investigado por participar do processo de compra do sítio de Atibaia. “Se o advogado se envolve em condutas criminais, no caso suposta lavagem de dinheiro por auxiliar o ex-Presidente na aquisição com pessoas interpostas do sítio em Atibaia, não há imunidade à investigação a ser preservada, nem quanto à comunicação dele com seu cliente também investigado”, escreveu o juiz.

Equipe de Dilma discutiu proposta de convocar novas eleições gerais

Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Antes do agravamento da crise, a equipe da presidente Dilma Rousseff chegou a discutir uma proposta para salvar a petista do impeachment que passava pela convocação de eleições gerais no país.

A ideia foi levada por interlocutores do governo a ministros há cerca de um mês e meio, mas não chegou a ser apresentada formalmente a Dilma pelos idealizadores da estratégia.

Na época, a avaliação de alguns dos defensores da ideia era que a crise poderia piorar e tornar o impeachment da presidente um risco real. Daí, para evitar uma queda da petista, ela apresentaria a proposta de fazer uma eleição geral no âmbito federal, para presidente, deputados e senadores.

Nesta terça (29), data do rompimento formal do PMDB com o governo, dois interlocutores diretos da presidente admitiram à Folha que a ideia foi de fato discutida, mas não obteve consenso para ser apresentada oficialmente à petista.

Nas discussões sobre o tema, a estratégia seria lançada como uma proposta de unificação nacional, que seria encaminhada na forma de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) ao Congresso pela própria Dilma.

Um dos interlocutores da presidente fez questão de destacar que a estratégia não foi realmente apresentada formalmente à presidente e ficou mais restrita a discussões dentro do grupo de ministros próximos dela.

Até o ex-presidente Lula foi ouvido sobre a estratégia há cerca de um mês. Na ocasião, ele teria ficado de refletir sobre o assunto, que acabou não prosperando.

Nos últimos dias, diante da deterioração acentuada do cenário político, que levou o PMDB a decidir sair do governo, a proposta voltou a ser ventilada por alguns assessores da presidente Dilma.

A avaliação, porém, foi a de que, hoje, o Palácio do Planalto perdeu o "timing" para a apresentação da medida. Segundo um interlocutor, lançá-la agora seria um reconhecimento oficial de derrota e tanto o PMDB como a oposição dificilmente embarcariam na proposta.

Um auxiliar próximo de Dilma, que participou das conversas, reagiu à possibilidade de volta do debate sobre o tema afirmando que a presidente, na atual circunstância, não aceitaria discuti-la "de jeito nenhum".

Delações
Dentro do governo, porém, a proposta não é de todo descartada. Na hipótese de a crise se agravar ainda mais com as novas delações em curso, atingindo inclusive lideranças peemedebistas, a convocação de eleições gerais poderia prosperar novamente.

Segundo um assessor, seria a forma de "ouvir" de fato o desejo das ruas, que estariam não só contra Dilma mas também não dariam aval total a um governo do vice-presidente Michel Temer.

Hoje, porém, um interlocutor da presidente reconhece que lançar a proposta iria soar como um "golpe no golpe" do impeachment. Tentar escapar de última hora de um afastamento da Presidência com a convocação de eleições gerais.

Não vai ter golpe - Merval Pereira

- O Globo

A por enquanto incipiente manobra de aliados governistas em torno de um acordo para que a própria presidente Dilma convoque eleição presidencial antecipada — a se realizar juntamente com as eleições municipais em outubro deste ano — depende de duas coisas: que o processo de impeachment que já tramita no Congresso seja sustado, e que o vice Michel Temer aceite renunciar também.

Como se vê, há na proposta um golpe embutido, da mesma qualidade que a ideia de implantar-se o parlamentarismo ou o semiparlamentarismo, em meio ao mandato em curso. Não, não vai ter golpe. O que esses engenhosos políticos estão articulando é dar um fôlego à presidente Dilma até outubro, para que ela tente empinar seu governo para que o PT, provavelmente com Lula de candidato se ele não for condenado antes pelo juiz Moro, tenha alguma chance de reverter a situação atual.

E vai que, no meio do caminho, Lula recupera sua antiga verve e carisma, e convença a maioria dos brasileiros de que tudo o que a Operação Lava- Jato desvendou é uma grossa mentira. Nada indica que isso poderia acontecer, mas a esperança é a última que morre.

A Rede de Marina Silva, por exemplo, se sente atraída pela ideia de eleições presidenciais já, que em tese parece ser a melhor saída mesmo. Mas não há soluções legais para que isso aconteça, a não ser que se espere a decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre a campanha presidencial de 2014.

A questão do tempo decorrido pode não ser obstáculo legal, pois uma alteração no Código Eleitoral, feita em 2015, diz que a qualquer momento, menos a seis meses do fim do mandato, a substituição será por eleição direta: “Art. 224, parágrafos 3 e 4 do Código Eleitoral.

§3 º A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.

Parágrafo 3 º acrescido pelo art. 4 º da Lei n º 13.165/ 2015.

§4 º A eleição a que se refere o§ 3 º correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será:

I – Indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato;
II – Direta, nos demais casos. Parágrafo 4 º e incisos I e II acrescidos pelo art. 4 º da Lei n º 13.165/ 2015.”

Embora essa alteração no Código Eleitoral possa ser contestada no Supremo, já que a Constituição determina que a eleição seja indireta a partir do terceiro ano do mandato do presidente impedido, até agora isso não foi feito. E é difícil imaginar quem será a favor de uma eleição indireta pelo Congresso. Não vale pensar em Eduardo Cunha ou Renan Calheiros e similares, pois não terão força eleitoral para fazer vingar esse golpe.

A dificuldade aí parece ser a certeza de que o país não aguenta mais muito tempo sem direção. O impeachment é a saída constitucional mais eficaz e rápida para resolver um problema institucional sério. Não há mais dúvida de que existem motivos de sobra para o impedimento da presidente, falando-se apenas de crimes de responsabilidade.

Além das pedaladas, há no pedido da Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB) dois outros crimes de responsabilidade cometidos pela presidente: as tentativas de obstruir a Justiça com a nomeação de Lula para seu Ministério, em vias de ser reconhecida pelo STF, e a pressão sobre um ministro do Superior Tribunal de Justiça ( STJ), relatada pelo senador Delcídio Amaral em sua delação premiada, para soltar empreiteiros presos na Operação Lava- Jato.

Mas, assim como o processo de impeachment não pode ser parado, também o do Tribunal Superior Eleitoral ( TSE) tem que continuar, com o perigo de que, com a impugnação da eleição de 2014, também Michel Temer perca seu lugar no Palácio do Planalto. Ou que a Operação Lava- Jato faça uma surpresa ao PMDB.

Se assim for, teremos novas eleições presidenciais e, por caminhos tortuosos, chegaremos a uma solução bem mais palatável sem recorrermos a atalhos que parecem bons dependendo de quem os defende, mas são na verdade tentativas de burlar a Constituição. No momento, no pós- impeachment cada vez mais provável, Temer será empossado presidente. Sem golpes.

Temer, Lula e o pós-Dilma - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

Com o rompimento do PMDB, o foco sai da presidente Dilma Rousseff e passa para o vice Michel Temer, já que o impeachment ganhou ímpeto e tem até um “deadline”: a chegada da tocha olímpica ao Brasil, prevista para meados de maio. A intenção é gerar um ambiente de festa, congraçamento e recomeço – com um novo governo para mostrar ao mundo.

Quanto mais Dilma representa o passado, mais Temer passa a personificar o futuro, para o bem e para o mal. Para o bem, porque o vice sonha entrar para a história como o presidente da transição que reconduziu o País aos trilhos. Para o mal, porque ele vai atrair, junto com montanhas de adesões, também os raios e trovoadas do PT.

Se o discurso do PT e do governo é de que está em curso “um golpe” contra a democracia, agora é hora de dar cara, voz, cor e partido a esse “golpe”. É por isso que o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT), acusa Temer de “chefe do golpe” e o líder no Senado, Humberto Costa (PT), ameaça: se Dilma for destituída, Temer “seguramente será o próximo a cair”.

É a estratégia do medo, enquanto o Planalto troca as negociações partidárias (no “atacado”) por cooptação deputado a deputado (no “varejo”). Ambas – o medo e o varejo – são de altíssimo risco e de resultados incertos porque, quando a onda encorpa, ninguém segura.

Com o rompimento do PMDB, o cálculo de governo e oposição é que os partidos da base aliada vão debandar. O PSB já se foi e, aliás, fez um programa de TV duríssimo contra o governo na semana passada. O PRB também já vai tarde, apesar de a Igreja Universal do Reino de Deus ter lá seus interlocutores com o Planalto. O PSD libera os correligionários para votarem como bem entenderem. O PP e o PR serão os próximos.

Dilma acha que, além de comprar um voto daqui outro dali no Congresso, é capaz de se sustentar graças aos movimentos sociais alinhados com o PT. Eles vão às ruas agora para gritar contra “o golpe” e são uma ameaça a um eventual governo Temer – como, de resto, a qualquer composição que substitua Dilma e exclua o PT. Isso, porém, depende muito menos de Dilma e do governo e muito mais de Luiz Inácio Lula da Silva.

PT, CUT, UNE, MST... não vão às ruas por Dilma, mas sim por Lula e o que ele chama de “nosso projeto”, ameaçado pela Lava Jato e pela quebradeira da Petrobrás, mas principalmente pelo desastre Dilma, que desestruturou de tal forma da economia a ponto de, como informou o Estado, fechar 4.451 indústrias de transformação num único ano, 2015, e num único Estado, São Paulo, gerando milhões de desempregados. Não foi à toa que em torno de 400 entidades publicaram um contundente anúncio nos jornais de ontem clamando pelo impeachment.

Aí chegamos a Lula e à conversa que ele teve com o vice Michel Temer em São Paulo, em pleno Domingo de Páscoa. Lula não iria a Temer mendigar uma reviravolta do PMDB ou o adiamento da reunião que selou o fim da aliança com o Planalto. Mas Lula iria ao vice, sim, fazer uma avaliação dos cenários (inclusive o de Dilma fora, Temer dentro) e discutir um pacto de convivência que, em vez de destruir a transição com Temer, possa construir uma chance para o PT em 2018. De forma mais direta: Lula e o PT sabem que Dilma está perdida e já discutem o “day after”. Partir para uma guerra com Temer em que ninguém sobreviveria ou selar uma trégua para uma recomposição de forças políticas e a recuperação da economia?

Para todos os efeitos, Lula está empenhado ao máximo em salvar Dilma. Na prática, está se mexendo para nem ele nem o PT morrerem com ela. Isso passa por um acordo com Temer e pode chegar a uma ordem de comando para, no caso da posse do vice, o exército vermelho sair das ruas e ficar apenas de prontidão.

Desembarque - Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

A esquerda marxista nunca deu muita bola para o Judiciário. Era tido como uma parte da superestrutura voltada especificamente a manter as relações de produção (infraestrutura) em termos favoráveis à burguesia. Há, portanto, certa ironia no fato de os herdeiros da esquerda marxista se aferrarem a supostos legalismos e minudências jurídicas para tentar preservar o mandato de Dilma Rousseff.

Como sabiam os marxistas de outrora, a disputa pelo poder não se dá por vias judiciais, mas é eminentemente política -quando não escancaradamente militar, como no caso de revoluções. E é justamente da esfera política que deverá vir o atestado de óbito do governo Dilma.

Com o desembarque do PMDB consumado, as extrapolações matemáticas sugerem que ela não pode mais contar com os 171 deputados necessários para barrar o impeachment.

No atual cenário, é irrelevante se a peça jurídica que substancia o pedido de afastamento está bem fundamentada, se o tipo criminal está bem descrito, se a presunção de inocência está sendo respeitada. O impeachment pelos chamados crimes de responsabilidade, embora vista as roupas de procedimento judicial, é essencialmente um juízo político. É por isso que ele é julgado por parlamentares e não pelo STF, como ocorreria se a presidente fosse acusada de delitos penais. É por isso que a lista dos crimes de responsabilidade inclui coringas como ferir "a dignidade, a honra e o decoro do cargo", que significa qualquer coisa que os julgadores queiram que signifique.

Se Dilma de fato cair, terá caído não porque perpetrou crimes monstruosos -até pode tê-los cometido, mas isso não está em questão- ou porque foi vítima de um golpe, mas mais simplesmente porque perdeu sua base política. Um governo que não consegue convencer um terço dos parlamentares a ficar em casa em vez de ir votar para derrubá-la não tem mesmo condições de continuar.

Renúncia com estilo - Luiz Carlos Azedo

• A proposta de um acordo com Dilma para antecipar as eleições e evitar o impeachment mostra a existência de setores do PT que dão a derrota como certa e tentam uma saída

- Correio Braziliense

A decisão do PMDB de deixar o governo, tomada ontem, numa reunião que durou apenas três minutos, pôs um ponto final no casamento de conveniência da legenda com o PT, que durou 12 anos. Foi o sinal para que as demais legendas da coalizão de governo iniciassem um movimento semelhante, como é o caso do PP, do PTB e do PR. A situação mais esquizofrênica é a do PSD, cujo presidente, o ministro das Cidades, Gilberto Kassab, liberou a bancada para votar como quiser e permanece no ministério, numa das pastas mais importantes.

Hoje, a expectativa de poder já gravita em torno do anexo do Palácio do Planalto, onde fica o gabinete do vice-presidente Michel Temer. A essa altura do campeonato, o baixo clero da base do governo na Câmara já fez a baldeação para o impeachment, à revelia ou com apoio tácito de seus líderes. Dilma conta de verdade com o PT, enquanto for conveniente para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e com o PCdoB, que estreita sua relação com a presidente da República para ocupar mais espaços na Esplanada. O PDT ainda apoia Dilma, mas já tem seu próprio projeto: Ciro Gomes. A estratégia do Palácio do Planalto de distribuir os cargos ocupados pelo PMDB entre os pequenos partidos é de eficácia duvidosa. Temer pode trucar e prometer os cargos atualmente ocupados pelos petistas àqueles que apoiarem o impeachment.

Entre os partidos de esquerda, o PPS forma na primeira fila dos defensores do impeachment — ao lado do PSDB, do DEM e do Solidariedade — desde quando a propostas parecia inviável e sem apoio popular. O PSB recentemente decidiu apoiar o impeachment, sem subterfúgios, após se afastar definitivamente do governo. O primeiro deve apoiar o governo de transição de Michel Temer, talvez até dele fazer parte, se o vive assumir de fato. O segundo tende a se manter à distância regulamentar e tentar articular uma coalizão com Marina Silva, cujo partido, a Rede, deve ser abster na votação do impeachment. A mesma posição é adotada pelo PSOL, que se opõe ao impedimento com certa estridência e, por isso, é acusado de linha auxiliar do PT pelos demais partidos de oposição.

Parlamentares do PT, PSB, PSOL, Rede e até do PPS, porém, articulam uma proposta de acordo para antecipação das eleições, por meio de emenda constitucional, em troca da não-aprovação do impeachment de Dilma Rousseff. Marina Silva, seria a maior beneficiária da redução do mandato de Dilma e acompanha as conversas por meio do líder da bancada, Alexandre Molon(RJ), sem se comprometer com a proposta.

Desconfiança
A proposta de um acordo com Dilma para antecipar as eleições e evitar o impeachment mostra a existência de parlamentares do PT que já dão a derrota como certa e tentam uma saída de olho no futuro, que pode ser até o surgimento de um novo partido. São esses setores que estão discutindo a desfiliação do PT e somente continuam na canoa do governo por causa da forte influência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas suas bases eleitorais. Além da redução do mandato de Dilma, defendem sua desfiliação do PT e a formação de um governo técnico para conduzir o país até que as eleições aconteçam.

A tese é vista com desconfiança por gregos e baianos. Reflete certa dificuldade da esquerda não-petista em relação ao pós-Dilma, ou seja, ao governo de Michel Temer, caso o vice-presidente venha a assumir o poder. Além disso, ao contrário do impeachment, dependeria de uma decisão da presidente Dilma Rousseff, pois implicaria na renúncia à metade do mandato e no envio de uma proposta de emenda constitucional convocando as eleições.

Dilma tem reiterado que não pretende renunciar. Mesmo que o fizesse, dificilmente reuniria forças no Congresso para aprovar a antecipação das eleições, porque isso não interessa ao ex-presidente Lula, nem ao vice-presidente Michel Temer. Somente o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), e Marina Silva (Rede) se beneficiariam da proposta. Por isso, a tendência é que a articulação pró-antecipação das eleições morra na praia.

Isso não significa, porém, que elas não possam ocorrer. Assim como o processo de impeachment anda a passos de gazela na Câmara, o processo de cassação da presidente Dilma Rousseff e do vice-presidente Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral também pode ganhar velocidade. Depende apenas da Corte. O ponto de aceleração será o acolhimento do pedido de impeachment pela comissão especial, que deve precipitar a data de votação em plenário, provavelmente o dia 15 de abril.

Começar de novo - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

O PMDB ontem encerrou um capítulo da longa narrativa da crise ao confirmar a retirada de seu apoio ao governo e, com isso, aproximar o Brasil da possibilidade de ver interrompido o segundo mandato presidencial no espaço de pouco mais de 20 anos.

O epílogo dessa história, no entanto, ainda está por ser escrito. Caso venha mesmo a ocorrer o impeachment da presidente Dilma Rousseff, essa tarefa caberá ao conjunto das forças políticas – se possível com o PT incluído – em aliança com a sociedade e as demais instituições. O País não aguenta mais o atual governo, é verdade.

A hipótese do fim antes do tempo regulamentar propicia um horizonte de alívio imediato, embora não represente a solução para os males que nos assolam nem significa o fim do caminho. Ao contrário: marca a urgente necessidade de um recomeço, pois o Brasil tampouco aguenta mais conviver com a incúria, a corrupção e o cinismo na forma de fatores imprescindíveis ao exercício do poder.

A luta, portanto, continua, vai além do ciclo do PT. É muito maior que a montagem de um governo de transição “surpreendentemente bom”, conforme as palavras do senador José Serra, espectador e interlocutor privilegiado do episódio atual e daquele que resultou na queda de Fernando Collor há 24 anos. Se a provável interrupção do governo Dilma não resultar numa proposta firme e séria de recomeço, o impeachment não terá valido de coisa alguma.

Suas excelências estejam atentas: trocar seis por meia dúzia não vai angariar a simpatia do público escaldado e temente até de água fria. O governo de Itamar Franco cumpriu seu dever de transição. Serviu a uma alteração de paradigmas logo de imediato, mas não se prestou à extinção das velhas e viciadas práticas. Apesar disso, construiu algo ao resultar no Plano Real que estabilizou a economia e preparou o País para o crescimento.

Se for o caso de Dilma ser substituída, a quem vier a assumir no lugar dela – o vice ou um novo eleito – caberá dar início a um processo de demolição de uma obra podre e, ato contínuo, a reconstrução de um Brasil em alicerces fincados em valores segundo os quais incúria, corrupção, cinismo, demagogia não sejam regra e passem a ser exceção.

Disposição transitória. Os tucanos, inclusive aqueles favoráveis à participação do PSDB em eventual governo de transição presidido por Michel Temer, defendem como premissa para qualquer acordo o compromisso do vice de não se candidatar a presidente em 2018.

No ano passado, quando as conversas sobre o tema consideravam o afastamento de Dilma como hipótese ainda remota, o tucanato chegou a propor a Temer a apresentação de uma emenda ao capítulo das Disposições Transitórias da Constituição, cujo texto contemplaria essa condição.

Na época, Temer rechaçou a proposta.

Para concluir. A título de mero registro: dos ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal que já se pronunciaram em prol da legalidade do processo de impeachment, repudiando a tese do “golpe”, cinco foram indicados em governos do PT. Luis Roberto Barroso, Antônio Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto e Eros Grau.

Isso sem contar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que durante os últimos anos esteve entre a omissão e a ponderação no tocante a críticas ao governo, que não apenas respalda como acaba de apresentar novo pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

Evidência de que, no caso em tela, a espada é a lei.

À vista ou a prazo – Bernardo Mello Franco

- Folha de S. Paulo

O desembarque do PMDB o governo zonzo, como um pugilista que leva um cruzado no queixo e passa a cambalear pelo ringue. O golpe já era esperado, mas o Planalto não fechou a guarda nem esboçou uma reação minimamente coordenada. No fim do dia, conselheiros de Dilma Rousseff pareciam desorientados, sem discurso ou estratégia para sair da lona.

A entrevista do ministro Jaques Wagner ilustrou bem o estado de catatonia dos petistas. Seis dias depois de a presidente dizer que "queria muito" manter a aliança com o PMDB, seu chefe de gabinete declarou que o rompimento com o partido do vice chegava em "boa hora".

O ministro tentou vender a tese de que a debandada abrirá espaços para uma "repactuação do governo", eufemismo para um novo loteamento em busca de votos contra o impeachment. Uma repórter quis saber quantos peemedebistas deixarão a Esplanada. "Não sei", respondeu Wagner, desta vez em tom mais sincero.

O petista deixou claro que o único plano do governo é oferecer cargos em troca de votos. Para surpresa geral, acrescentou que até a Casa Civil pode entrar na barganha, se o Supremo não autorizar a posse do ex-presidente Lula. "Claro que, ele não podendo assumir, este seria um posto a ser negociado", disse Wagner.

O problema será convencer os parlamentares de que negociar à vista com Dilma é mais vantajoso do que barganhar a prazo com Michel Temer. Se o impeachment for mesmo decidido na base do fisiologismo, os anos de experiência no balcão tendem a contar a favor do vice.

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Ao romper com Dilma aos gritos de "Brasil urgente, Temer presidente", o PMDB deixou claro que vê o impeachment como atalho para chegar ao Planalto sem o voto popular. Três décadas depois de defender a volta das eleições presidenciais, o partido decidiu assumir a bandeira das Indiretas Já.

A oligarquia depenou o PT - Elio Gaspari

• Dilma aceitou jogar cartas com um baralho viciado e perdeu o prazo de validade porque finge não saber disso

- O Globo

O PMDB nunca pensou, não pensa em sair do governo e sente- se ofendido se alguém admite essa hipótese. Quem corre o sério risco de sair do governo é o PT. O partido que foi de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves e hoje é de Eduardo Cunha e Renan Calheiros quer apenas tirar uma licença de alguns meses, até o início do governo de Michel Temer, seu atual presidente.

A ideia de que o PMDB resolveu sair do governo não tem nexo nem propósito e destina- se apenas a esconder um objetivo. Os doutores querem que se creia que nada têm a ver com a ruína e pretendem retornar ao poder como se Michel Temer fosse o sucessor constitucional da senhora Rousseff por ocupar a vice-presidência do Flamengo, não a da República, eleito por duas vezes, sempre compartilhando a chapa.

O PMDB sai do governo para continuar no poder, dando esperanças a oposicionistas que não tiveram votos e a todos os gêneros de maganos tementes da Operação Lava- Jato. Ninguém sabe quais são os planos dessa coalizão para um eventual dia seguinte à posse de Temer, mas seu objetivo essencial está claro: trata- se de desossar a Lava- Jato.
A armação oligárquica precisa sedá-la, pois há barões na cadeia e marqueses temendo a chegada dos homens de preto da Federal.

O PT e Dilma reagiram às investigações das ladroeiras com uma conduta que foi da neutralidade- contra à pura hostilidade. Se hoje a rua grita o nome do juiz Sérgio Moro e pede “Fora PT”, isso se deve em parte à incapacidade dos companheiros de perceber que se tornaram fregueses num jogo viciado.

O comissariado acorrentou- se à própria falta de princípios. Desprezou a lição trazida pelas sentenças do mensalão e achou que pularia a fogueira do petrolão. A cada um desses lances de soberba jogou n’água uma parte de suas bases populares. Confiando na própria esperteza, foi para um carteado com jogadores profissionais e um baralho viciado. Os oligarcas depenaram-no. (Refresco para a crise: Quem quiser pode ver “Cincinatti Kid”, com Steve McQueen e Edward G. Robinson num de seus melhores momentos. Nessa mesa o baralho era honesto.)

Sem cartas, Lula compara- se a Getúlio Vargas e seu comissariado grita “Golpe”. Tudo parolagem. Getúlio foi encurralado por uma rebelião militar a partir de um caso em que membros de sua guarda pessoal tentaram matar o principal líder da oposição. Getúlio era um homem frugal. Ao contrário de Lula, nunca teve apartamento na praia e sua fazenda vinha de herança familiar. Não pode ser golpe o cumprimento de um dispositivo constitucional seguindo- se o ritual da lei, sob as vistas do Supremo Tribunal.

Resta uma questão: as pedaladas fiscais não seriam motivo suficiente para o impedimento de um presidente. Além das pedaladas, há sobre a mesa otras cositas más.

Admita- se que essas cositas fazem parte de outro processo. Na atual etapa, tudo desemboca numa questão político- aritmética: a Câmara só poderá decidir a abertura do processo contra a doutora pelo voto de dois terços mais um de seus deputados. Como Dilma, eles foram eleitos pelo povo, e a Constituição diz que é deles a decisão nessa fase do julgamento. Sem os dois terços, não haverá impeachment. Com eles, haverá. Ademais, era nesse Congresso que o PT cevava sua maioria, a famosa base de apoio.
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Elio Gaspari é jornalista