domingo, 25 de dezembro de 2022

Merval Pereira - O Estado moderno

O Globo

Especialistas em gestão pública afirmam que o Brasil tem tarefas a realizar que deveriam estar prontas desde o século 19

Parece estar chegando a boa solução o impasse em torno de dois símbolos de um governo de frente ampla que ajudaram decisivamente Lula a vencer, por pequena margem, a eleição presidencial. Os relatos das diversas conversas que o presidente eleito vem tendo indicam que ele não apenas reafirma a intenção de refletir no ministério esse caráter amplo de sua candidatura, como não abrirá mão das duas mulheres que foram símbolos da campanha: Simone Tebet e Marina Silva.

Aparentemente venceu a tese de Marina de que a “autoridade climática” sugerida por ela tem um caráter técnico, não político, não fazendo sentido que se lhe dê um status de ministério ligado à presidência da República. No programa aceito pelo PT, Marina Silva reivindica o que chama de uma agenda ambiental transversal, pois "é necessário promover o alinhamento das políticas públicas, em especial as políticas econômicas, fiscal, tributária, industrial, energética, agrícola, pecuária, florestal, da gestão de resíduos e de infraestrutura, aos objetivos gerais do Acordo de Paris, de forma a cumprir os compromissos assumidos pelo Brasil por meio de sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC)”.

Míriam Leitão - Sobre elogios e cobranças

O Globo

Há um admirável retorno aos valores civilizatórios, mas erros como a demora na área ambiental e a hegemonia do PT nos ministérios

O presidente Lula disse que prefere cobranças à tapinha nas costas. Ótimo. Essa é a visão de um governante democrático. Nas linhas seguintes haverá os dois. Elogios e cobranças. Há um admirável retorno a valores civilizatórios em certas nomeações. Contudo, ao contrário do que o presidente disse que faria, este é um governo do PT. O hegemônico PT domina quase tudo. Os que foram para a campanha por considerar que a união de forças era a forma de proteger a democracia foram tratados até agora como “os outros”. Na área econômica há uma inquietante homogeneidade de pensamento. Na área ambiental, muita demora. Na agricultura tenta-se a conciliação com o inaceitável.

A decisão sobre o Ministério do Meio Ambiente ficou para a última semana. Isso contrasta com a crucial importância do tema. Tudo se encaminha para que Marina Silva volte ao trabalho que ela fez tão bem. Mas antes é preciso lembrar ao presidente que essa agenda é dele. Durante os seus governos, o desmatamento despencou. Seu primeiro ato, ao ser eleito, foi ir ao Egito e, diante do mundo, se comprometer com o desmatamento zero. Qualquer retrocesso será trágico.

Dorrit Harazim – Navegando

O Globo

Perspectiva de uma Presidência medíocre combina mal com o arrojo anunciado por Luiz Inácio Lula da Silva para o terceiro mandato

O ser humano é incapaz de desbravar novos oceanos se não tiver a coragem de perder de vista a terra firme, escreveu o Nobel de Literatura André Gide. Fundador da classuda editora parisiense Gallimard, o aclamado escritor nascido em família da alta burguesia não distribuía ensinamentos sem lastro. Foi homossexual assumido e ancorou sua vida e obra numa mesma busca permanente: por honestidade intelectual. Sabemos bem quanto essa busca costuma ser fugidia. No mundo da política, não é muito diferente. O líder que quiser desbravar horizontes realmente novos na busca de soluções para os males do presente e esperança para o futuro terá de arriscar, cortar muitas das amarras confortáveis. Se não o fizer, ou se navegar só pela metade, ou se nem sequer tentar mudar de lugar montanhas de erros acumulados por gerações, é naufrágio certo. Por mediocridade.

Elio Gaspari - Saudades da transição de Fernando Henrique para Lula

O Globo

Há 20 anos Fernando Henrique Cardoso passou a faixa a Lula numa transição que podia sinalizar um processo civilizado para o futuro. FH levou caneladas antes, durante e depois da eleição. Passou o governo a Lula com a marca da elegância durante um período de incerteza econômica. Convidou Lula e Marisa Letícia, mulher do petista, para um encontro no Alvorada e, dias depois, FH e Ruth Cardoso jantaram na Granja do Torto, colocada à disposição do presidente eleito. Está nas livrarias “Eles não são loucos”, do repórter João Borges. Ele conta os bastidores das iniciativas que garantiram a paz nacional. Agora, sem maiores piripaques na economia, a transição civilizada revelou-se uma ilusão. Ninguém sabe como Jair Bolsonaro se comportará. Restará apenas a amargura de uma tensão inútil.

Ministério de Lula

Até agora, o Ministério de Lula se parece com um automóvel que sai da oficina depois que o mecânico desmontou o motor, fez alguns acertos e trocou peças. Parece-se também com a salada de frutas de centro-direita que na política de Portugal denominou-se de “geringonça”. Lá, só se conseguiu avaliar a máquina quando ela começou a funcionar, e funcionou por quatro anos. Cá, só se vai saber se o carro com 37 ministros funciona direito quando ele estiver na estrada.

Samuel Pessôa* - Caminho para Haddad

Folha de S. Paulo

Se o novo governo levar a uma trajetória que garanta a solvência do Tesouro, a grande vitoriosa será a democracia

Lula iniciou seu governo negociando com o Congresso Nacional um aumento de gasto de R$ 150 bilhões, aproximadamente. A principal atribuição de seu ministro da Fazenda será construir as condições para que esse início de governo com pé trocado não comprometa o mandato de Lula.

Há caminhos. A política fiscal tem dois impactos diretos sobre a economia. O primeiro é o impacto do gasto e da receita do setor público no equilíbrio entre a oferta e a demanda de bens e serviços. A política pode ser expansionista ou contracionista.

Adicionalmente, o desenho de longo prazo da política econômica e a confiança (ou não) na capacidade da liderança de gerenciar o conflito distributivo na sociedade podem indicar (ou não) que a dívida pública será paga sem a necessidade da elevação da inflação. Esse é o segundo impacto da política fiscal na economia.

Arminio Fraga* - Não se pode ignorar os efeitos colaterais da PEC da Transição

Folha de S. Paulo

Bate-cabeça entre as políticas fiscal e monetária é um perigo

governo Lula não tomou posse ainda, mas já vem dando sinais importantes sobre que caminho tomará na área econômica. Em seus dois mandatos, o presidente Lula manteve a política de responsabilidade fiscal que herdou de seu antecessor. Foram anos de superávits primários, salvo a correta política de expansão em resposta à grande crise global de 2008.

O presidente eleito manteve também ou ampliou uma agenda de reformas voltadas para a redução das desigualdades e o aumento da produtividade. Foi um bom período para a economia, que cresceu um pouco mais do que o resto da América Latina (mas bastante menos do que a média dos países emergentes).

Vinicius Torres Freire - As boas festas em 2023

Folha de S. Paulo

Breve história de fantasmas de Natais passados e de anos novos perdidos na economia

A manchete desta Folha na véspera do Natal de 2002 era o anúncio completo do ministério de Lula 1. O assunto maior daquele dezembro era outro. Havia frustração e fúria contra o anúncio da política econômica "tucano bis" de Antonio Palocci.

Agora, a crítica contra a persistência do antigo regime tem o sinal trocado, baseada na suspeita de que Lula 3 possa ser uma variação de Dilma 1. Não importa o sinal, a conversa ainda é a mesma. A situação é muito pior.

Por volta de 2007, Lula desistiu de aprofundar o programa de conserto das contas públicas e de uma reforma tributária. Em parte, foi assim porque Lula apanhava de uma oposição arrependida de não ter pedido o seu impeachment e furiosa com a derrota de 2006.

Teria sido mudança profunda, assim como o foi a esquecida solução para o problema das contas externas, que se deu no governo Lula, por um tanto de competência e outro de sorte (mudança na economia mundial, China etc.).

Muniz Sodré* - Bucha de canhão natalina

Folha de S. Paulo

Máquina de guerra desconhece critérios de igualdade para o sacrifício humano

É muito sugestiva a frase de Todorov de que racismo não precisa de raça para existir. Falta acrescentar, porém, que raça é algo que se inventa a gosto do poder, sempre com interesses lesivos. O fundamentalismo islâmico inventa a "raça" feminina para dominar. No momento, é questão visível também na Buriácia, Daguestão, Tuva e Inguchétia, regiões para as quais uma agência de viagens dificilmente conseguiria convencer turistas a comprar excursões, mas na certa venderia passagens de saída aos seus habitantes.

Se pudessem pagar, claro. São todos russos muito pobres e, na realidade, não tão russos assim como se fazia crer. Por não se enquadrarem no padrão étnico valorizado, são marginalizados e explorados. Agora, da pior forma possível, como recrutas prioritários para a Guerra da Ucrânia.

Bruno Boghossian - O especial de Natal de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Presidente tenta reforçar discurso e manter conexão com batalhões após deixar o poder

O evento se tornou tão tradicional quanto o especial do cantor Roberto Carlos na TV. Pelo quarto ano seguido, Jair Bolsonaro assinou um decreto que perdoa policiais condenados por crimes culposos. De saída do Palácio do Planalto, o presidente decidiu inovar e livrou também os agentes que participaram do massacre do Carandiru, há 30 anos.

Bolsonaro nunca escondeu que seu único plano para a segurança pública era a matança. Quando foi eleito, ele avisou que inundaria as ruas de armas e daria "carta branca para policial matar". O presidente cumpriu a primeira promessa, mas não conseguiu aprovar no Congresso uma mudança na lei para blindar agentes que matam em serviço.

Hélio Schwartsman - Nada mal para um 'livrinho'

Folha de S. Paulo

Constituições foram formando o caldo sobre o qual mais tarde se ergueriam as democracias

Dutra se referia à Carta como o "livrinho", mas a importância que constituições escritas passaram a ter a partir da segunda metade do século 18 não comporta diminutivos. "The Gun, the Ship and the Pen", de Linda Colley, conta magistralmente essa história.

É uma obra de fôlego, que abarca não só os países ocidentais de sempre, mas escarafuncha todos os recônditos do mundo. A Constituição das ilhas Pitcairn de 1838, presente do capitão de navio Russell Elliott aos ilhéus foi a primeira a assegurar direitos iguais para as mulheres e a demonstrar preocupações ecológicas.

Rolf Kuntz* - Lula, política social e responsabilidade

O Estado de S. Paulo.

Se der mais atenção à ideologia do que à aritmética, aderir à gastança e desprezar a boa gestão fiscal, o novo presidente comprometerá suas políticas sociais

Educação, saúde, cultura, ciência e tecnologia aparecem com frequência nas falas do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, e esse repertório marca uma enorme diferença entre ele e o atual chefe de governo, Jair Bolsonaro. Mas ambos se assemelham, em seus discursos, quando se dirigem principalmente a seus eleitores, ou, de fato, supostos eleitores. Assim como a reação ao petismo ajudou a eleger Bolsonaro, o antibolsonarismo contribuiu para a vitória de Lula em 2022. Petistas, não petistas e até antipetistas garantiram, com 60,34 milhões de votos, um terceiro mandato ao ex-líder sindical. Nem era preciso, para votar dessa forma, esperar um grande governo a partir de 2023. Deve ter sido suficiente, para muitos, a mera perspectiva de um retorno à civilização. Mas Lula se dirige aos companheiros de partido como se tivessem garantido sua vitória e, além disso, como se as bandeiras partidárias indicassem um programa de governo. Se acreditar nisso, retrocederá para antes de 2002 e comprometerá as possibilidades de um bom trabalho.

José Roberto Mendonça de Barros* - A inflação ainda vai incomodar

O Estado de S. Paulo.

A política fiscal e a equipe de economia sugerem uma visão muito antiga do papel do Estado

Os resultados do IPCA de novembro mostram uma situação enganosa. A inflação cheia, em 12 meses, foi de 5,9%, bem menor do que os 10% de 2021.

Entretanto, isso se deve quase exclusivamente à redução temporária de tributos na energia elétrica e na gasolina, que mostraram quedas de 19% e 25%, respectivamente. Todos os outros grupos de produtos subiram.

Com isso, o núcleo da inflação em novembro foi de 9,7% em bases anuais, quase dois dígitos! Essa é a inflação que recai sobre uma família que não tenha carro e pague tarifa social de luz. Olhando adiante, a situação talvez seja mais difícil por três razões.

Lourival Sant’Anna - As vitórias da democracia em 2022

O Estado de S. Paulo.

Depois de anos de ataques e descrença, a democracia colecionou importantes vitórias

Depois de anos de ataques e de crescente descrença quanto à sua vitalidade e eficácia como modelo de governança, a democracia colecionou importantes vitórias em 2022.

Os crimes cometidos a mando de Vladimir Putin na Ucrânia foram um trágico lembrete dos métodos dos ditadores. A inferioridade do autoritarismo como cultura de gestão ficou evidente na batalha.

Putin imaginou que contaria com a mesma indiferença do Ocidente com que contara quando cometeu atrocidades na Chechênia, Geórgia, Síria e na própria Ucrânia. Seu menosprezo pelos ucranianos o fez subestimar a disposição deles de lutar pela liberdade.

A Rússia encolhe econômica e geopoliticamente, privada de mil empresas que se retiraram do país, e que representavam 40% de sua economia, de mercados de energia, 30% do PIB, e de produtos tecnológicos.

Luiz Carlos Azedo - Natal, a vitória da luz sobre a escuridão

Correio Braziliense

Quantos "memes" natalinos recebemos nos últimos dias? Falam de paz, amor, amizade, cooperação, paz, bondade, caridade, ou seja, do altruísmo recíproco dos seres humanos. O Natal é um rito que consagra esses sentimentos

No Natal de 1914, durante a 1ª Guerra Mundial, na região de Ypres, na Bélgica, houve uma trégua não-declarada de seis dias. Com trincheiras decoradas, soldados alemães entoaram antigas cantigas e passaram a comemorar o nascimento de Jesus Cristo. Soldados ingleses e franceses jogaram uma partida de futebol na "terra de ninguém", sem que os alemães nada fizessem, além de assistir ao jogo. A festa continuou até o ano-novo. A confraternização entre soldados de países em conflito se repetiu em vários momentos, apesar da carnificina provocada por novos armamentos, como bombas de gás, lança-chamas, ataques aéreos e carros blindados. Em 1916, soldados franceses e alemães se anteciparam ao Armistício em muitas frentes de batalha.

Cristovam Buarque* - Esperança na educação

Blog do Noblat / Metrópoles

Os ex-governadores Camilo e Izolda chegam com apoio do Presidente e com a marca do êxito que tiveram no Ceará

A escolha do Ministro Camilo Santana para o MEC permite ao Brasil ter esperança no enfrentamento da tragédia educacional que o país atravessa desde sempre. O Presidente Lula e o novo ministro afirmam priorizar educação de base, e para tanto contarão com a competência e experiência de Izolda Cela na secretaria de educação de base. Esta é uma novidade no governo federal que, tradicionalmente, deixa este setor aos cuidados de municípios e estados, porque o MEC tem sido historicamente sequestrado pelo ensino superior. Raros ministros conseguiram priorizar à educação de base e se manterem no cargo.

Desta vez, o próprio Presidente Lula parece estar percebendo que, sem uma educação de base sólida, o ensino superior fracassa, mesmo com todo apoio que receba. Os ex-governadores Camilo e Izolda chegam com apoio do Presidente e com a marca do êxito que tiveram no Ceará. Por isto, o Brasil entra em 2023 com direito à esperança, mas precisando ficar alerta.

O que a mídia pensa - Editoriais /Opiniões

Política externa de Lula precisa se afastar da ideologia

O Globo

Futuro chanceler prometeu orientar Itamaraty pelo interesse nacional. Faria bem em cumprir a promessa

As primeiras viagens internacionais de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente serão para Argentina, Estados Unidos e China, revelou ao GLOBO o embaixador Mauro Vieira, que voltará ao comando do Itamaraty. O objetivo imediato da política externa será, segundo ele, reparar ou reconstruir as pontes depois do desastrado governo de Jair Bolsonaro, que virou persona non grata no exterior.

É um objetivo pertinente e necessário. Mas, para que a volta do protagonismo do Brasil tenha chance de sucesso, Vieira precisará adotar uma postura bem mais realista do que transpareceu na entrevista. Para ele, há “sede de ver o Brasil” atuando de novo — um evidente exagero. Há uma diferença entre a sensação de alívio pela saída de Bolsonaro e países ávidos por ouvir a opinião brasileira em tudo.

Poesia | Organiza o Natal - Carlos Drummond de Andrade ( por Ivan Lima)

 

Música | João Gilberto - Boas Festas (Assis Valente)