segunda-feira, 27 de maio de 2019

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso*

• Ainda falando do curtíssimo prazo: há uma sensação de aceleração da crise. O que vem a seguir? 

Sociólogos gostam de explicar os diversos aspectos das mudanças sociais, que são importantes, mas não é assim que as coisas acontecem no dia a dia. Por vezes as coisas explodem quando se menos espera, como em maio de 1968 na França.

Você pode ter um fio desencapado em qualquer setor da sociedade —tem sempre fio desencapado. A manifestação de ontem [quarta-feira, 15 de maio] foi porque o governo formulou de maneira equivocada o que iria fazer com a educação. Recuou, mas não adiantou. Aquilo foi a fagulha. Tem momentos em que esses movimentos não param mais, como na França, em que todo sábado tem manifestação dos coletes amarelos contra o Macron.

E hoje você tem uma sociedade que se move por este aparelho aqui [mostra o celular], que conecta pessoas, que salta as estruturas, organizações, partidos, governos, tudo. Isso coloca em questão como as formas de governo, que requerem um pouco de persistência, vão se adaptar a uma sociedade que, como diz o [Zygmunt] Bauman [sociólogo polonês, 1925-2017], é líquida.

As questões políticas precisam ter uma atenção maior. Por que não se aproveita agora para fazer o voto distrital? Não é para fazer parlamentarismo neste momento, porque as pessoas não vão acreditar. Voto distrital para dar uma maior proximidade entre o eleitor e o eleito.

Não sei se resolve, mas alguma coisa tem de ser tentada. Mas está tudo esquecido, está tudo concentrado: “ou faz a reforma da Previdência ou o país acaba”. O Brasil não acaba, mas vai mal e não basta a reforma da Previdência.

*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República em entrevista: 'Estamos em transição, mas sem saber para quê', Folha de S. Paulo, 26/5/2019.

Ascânio Seleme: A manifestação da direita

- O Globo

A direita desorganizada brasileira, descontadas as nuances, é a cara da esquerda que vai às ruas

Ninguém se surpreenderia se as bandeiras das manifestações que tomaram as capitais fossem vermelhas. As pautas substantivas dos que foram às ruas neste domingo são muito parecidas com as das empunhadas pelos manifestantes de duas semanas atrás. Abaixo a corrupção; fim dos privilégios; combate ao crime; política limpa; justiça igual para todos; resultados na economia. A direita desorganizada brasileira, descontadas as nuances, é a cara da esquerda que vai às ruas.

Em primeiro lugar, ambas são ingênuas. Gritam e jubilam-se coletivamente por um Brasil utópico, onde as coisas funcionem de acordo com a sua vontade, e somente por ela. Ignoram, ou não aceitam, o que é pior, os jogos de pressão, os lobbies, os grupos e as tendências políticas que existem em qualquer sociedade organizada. Olham para o Congresso e só enxergam o que chamam de velha política. Trata-se na verdade de toda e qualquer forma de ação política que não atenda aos seus interesses. Direita e esquerda são iguais nesse aspecto.

A direita que desfilou na Avenida Atlântica e na Avenida Paulista não é carnívora. Ela quer o que todos querem, um país mais justo, menos roubalheira, mais ordem, menos crime, justiça. Bolsonaro foi apenas uma imagem, uma ilusão. Poderia ser Lula. Seria igual em força e teor. Nem mesmo o impulso que movimenta as duas extremidades é diferente. Se a esquerda dá ônibus e sanduíches para seus militantes, a direita dá bandeiras, bandanas e camisetas. O mar de bandeiras brasileiras iguais, fabricadas em série, guarda a imagem e a semelhança das bandeiras e bonés do MST.

Os extremistas de cada lado somem na multidão. Os que gritaram pelo fechamento do Congresso e do Supremo, ou em favor da volta dos militares e da ditadura, foram pingos na multidão, não significaram nada. Como nada significam os extremistas de esquerda que pregam o fim do capitalismo, da sociedade burguesa e de todos os seus asseclas que usam ternas e togas. Tantos estes quanto aqueles querem regimes de força, onde só uns poucos ungidos mandam, desmandam, prendem e arrebentam. Foi assim na história, de um lado e de outro.

O que importa numa manifestação como a deste domingo é que um grupo grande de brasileiros, honestos e sinceros na sua maioria, foi à rua pedir soluções para tirar o Brasil do buraco. Há duas semanas outro grupo de brasileiros honestos e sinceros pedia da mesma forma saídas para a crise. A diferença entre os dois times é marginal. Uns são mais humanistas, outros mais egoístas. Uns querem resultados já, outros poderiam ter resolvido ontem. Todos são brasileiros e querem um Brasil melhor para si, para seus filhos, para todos.

Merval Pereira: O aval de Bolsonaro

- O Globo

Presidente endossa a ideia de que as manifestações foram contra os políticos

As manifestações a favor do governo Bolsonaro não são fatos políticos desprezíveis, mas também não são suficientes para submeter o Congresso aos desejos do Executivo. E nem o tornam mais forte nas negociações políticas. Bolsonaro, ao dizer que as pessoas foram às ruas contra as velhas práticas políticas, avalizou a ideia de que as manifestações foram contra os políticos.

Mais áreas de atrito foram criadas com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e com parlamentares f orados eu núcleo duro de apoio. A boa notícia é que o sentido inicial das manifestações, contra o Congresso, os políticos, o Supremo, foi sendo esvaziado a o longo da semana, e chegou-se a uma situação em que as manifestações, na maior parte, foram a favor de Bolsonaro, da reforma da Previdência e do pacote anticrime de Moro. Que, aliás, saiu confirmado como o ministro mais popular do governo Bolsonaro.

O caráter claramente minoritário das propostas radicalizantes mostra que as instituições democráticas superaram a vontade de uma minoria golpista. O Congresso, por sua vez, fica mais comprometido coma aprovação da reforma da Previdência, mas as ruas também deram respaldo a parlamentares que temem aspectos impopulares da reforma.

Vera Magalhães: Disfarçado, viés autoritário esteve subjacente aos atos

- O Estado de S.Paulo

Em cima dos caminhões de som não se ouviram palavras de ordem pelo fechamento do Congresso ou do Supremo

O cavalo de pau dos últimos dias nas pautas autoritárias e belicistas das manifestações deste domingo surtiu efeito de saneamento básico: em cima dos caminhões de som e por parte dos coordenadores (quando era possível identificá-los) não se ouviram palavras de ordem pelo fechamento do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal.

Mas o germe havia sido plantado, e a intenção inicial de apresentar os demais Poderes como inimigos do governo Jair Bolsonaro esteve presente em faixas, pixulecos como o do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cartazes e gritos de guerra no asfalto de Norte a Sul.

Na Paulista, epicentro desse e dos últimos grandes atos, havia muito menos gente que nas jornadas de 2013 e nas de 2015 e 2016, pelo impeachment de Dilma Rousseff. O número de pessoas foi próximo ao do ato do dia 15, contra os cortes na Educação (e, assim, antigoverno).

Mas o cálculo de participantes e a comparação com o dia 15 importam menos que o efeito das manifestações na relação entre governo e Congresso.

Os militantes foram levados a acreditar que sua presença nas ruas acuará o Centrão, em particular, e o Congresso, em geral, e os convencerá na marra a votar a reforma da Previdência, o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro e o que mais vier do Palácio do Planalto a toque de caixa.

Não é bem assim. Embora seja verdade que, nos últimos anos, o escrutínio das ruas e das redes sociais tenha adquirido mais peso para os parlamentares, o Legislativo continua cioso de suas prerrogativas e não vai abrir mão delas em favor de um plebiscito permanente.

Se Bolsonaro achar que porque as pessoas foram às ruas ele poderá governar à revelia do Congresso, cometerá (mais) um erro crasso. É preciso que haja assessores que lhe digam que quem foi à rua é um contingente menor que o de seus próprios eleitores. Em número e em representatividade (basta ver as defecções na centro-direita).

O melhor, na verdade o único, caminho para a aprovação das iniciativas do governo continua sendo a democracia representativa. A conferir o estrago que a confrontação de ontem pode causar.

Igor Gielow: Bolsonaro volta à radicalização e contrata próximo capítulo da crise

Manifestações garantem fidelização de eleitorado, mas risco institucional continua no ar

A condução retórica de Jair Bolsonaro (PSL) à frente da Presidência segue uma previsibilidade banal, como atestou seu comportamento ao longo do domingo (26).

Primeiro, ele deu as senhas para as manifestações convocadas por sua militância virtual ao endossar um textoque via na dita “velha política” a origem de todos os males que o impedem de revolucionar a vida brasileira. Depois, dada a reação dentro (militares) e fora (praticamente todos os atores políticos) do governo, Bolsonaro voltou atrás e pediu comedimento.

Quando surgiram as primeiras imagens de gente na rua em apoio a qualquer coisa associada ao governo, incluindo aí ataques ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro passou a alimentar suas redes sociais com a celebração da manifestação. Alguém poderá argumentar que foi o filho vereador, Carlos, o responsável pela tática, mas o fato é que não faz diferença a essa altura do campeonato.

Se não “lacrou”, para ficar na novilíngua virtual em vigor, ao menos surfou nos atos que foram conclamados por ele e sua claque. Nesse sentido, a espontaneidade proclamada pelo presidente não é nada mais do que uma empulhação, assim como foram os movimentos supostamente racionais ao longo da semana passada.

Como o bom senso sugeria, houve bastante gente na rua, mas nenhum tsunami inesperado. Nem tampouco houve o fracasso que a torcida à esquerda previa. O presidente ficou no meio-termo, curiosamente neste ponto muito semelhante ao apoio orgânico dado ao PT —algo como um terço do eleitorado, conforme indicam as pesquisas eleitorais neste ponto.

Assim, não houve nada que assustasse o Congresso como o ato em defesa da educação da semana retrasada —cujo poderio ainda precisa ser avaliado, pois se refluir a um ambiente esquerdista, tenderá a dissolver enquanto força de pressão. O Brasil de 2019 é um país à direita.

Vinicius Mota: A razão amarela

- Folha de S. Paulo

Manifestos merecem atenção e respeito desde que descartem autoritarismo

Desde 2013, acabou o monopólio vermelho nas manifestações de rua. Aqueles atos, que começaram jovens e encarnados, terminaram grisalhos e amarelados.

O padrão se repetiu nas agitações em torno da deposição de Dilma Rousseff e também depois, no pleito de 2018. Não há iniciativa de um lado que não estimule reação do outro.

Assim foram os protestos deste domingo (26): uma resposta às multidões que, no dia 15, haviam reclamado dos cortes na educação e da reforma da Previdência.

Outra novidade tem sido a violência. Foi praticada nos vandalismos associados a atos da esquerda em 2013. Tem sido invocada, como meio de intimidar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, nas concentrações da direita.

Ricardo Noblat: E agora, Jair?

- Blog do Noblat / Veja

Vai fazer o quê?
Foi uma manifestação fake, a de ontem. Simples de demonstrar. O que disseram a propósito os seus organizadores? E o que disse à noite o presidente Jair Bolsonaro em uma entrevista chapa branca à Rede Record de Televisão?

Organizadores e Bolsonaro disseram que milhares de pessoas foram às ruas de mais de 150 cidades para cobrar a aprovação da reforma da Previdência, do pacote anticrimes do ex-juiz Sérgio Moro, e renovar seu apoio ao governo.

Fosse verdade, não teria havido espaço para bonecos gigantes que ridicularizaram o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Afinal, ninguém mais do que Maia batalha pela aprovação da reforma. E isso todos reconhecem.

Bolsonaro, não, só finge apoiá-la. Faz as declarações de praxe. E vez por outra fraqueja, deixando às claras seu raso compromisso com ela. O ministro Paulo Guedes, o autor da proposta de reforma, até ameaçou ir embora porque o presidente mais atrapalha do que ajuda.

O mercado financeiro dá por seguro que a reforma passará no Congresso e em tempo razoável. Então por que milhares de brasileiros trocariam a praia e o descanso do domingo para suarem a sol a pino em defesa de uma reforma que não inspiraria tantos cuidados?

De resto, em que lugar do mundo multidões se reuniriam alegres e ruidosas para comemorar a supressão de direitos conquistados e menos dinheiro no bolso? Ora, por toda parte, reforma da Previdência é sinônimo de confusão e de gente zangada nas ruas.

Leandro Colon: Protesto inútil para Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Se presidente quer tirar o governo da UTI, deveria parar de medir forças

O presidente Jair Bolsonaro pagou para ver e conseguiu, surpreendentemente, um público considerável nas ruas a favor de seu governo. O protesto deste domingo (26), no entanto, é incapaz de contornar a maior fragilidade de sua gestão: a relação com o Congresso.

A eleição já passou. Não adianta empunhar bandeira verde-amarela mirando em quem pode inviabilizar as pautas governistas. Os alvos principais foram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o centrão.

Sem eles, Bolsonaro não vai a lugar algum. É política, queira ou não. Na falta de capacidade para fazê-la, o presidente apelou, e quem apela tem grandes chances de perder no final.

Se ele quer tirar o governo da UTI, deveria parar de medir forças. Bandeira e boneco inflável não dão voto no Congresso. É hora de pragmatismo, de colocar a bola no chão, dar um pito na deslumbrada e ineficiente bancada da selfie do PSL e aconselhá-la a usar os telefones para negociar voto a favor do Planalto.

Fernando Gabeira: O caminho do meio

- O Globo

Seria necessário um autêntico interesse pela produção dos parlamentares, uma noção de sua trajetória

Depois de um longo dia de trabalho em Oeiras, no centro-sul do Piauí, fui contemplar a lua cheia e vi um corpo brilhante sobre ela. Era Júpiter, que se aproxima todo mês, mas aparece claramente quando a lua é cheia. Fotografei com prazer aquela presença. Uma conjunção feliz, pois nos traz algo de novo ao alcance do olho nu.

Do meu posto de observação da história contemporânea do Brasil, conjunções são raras, desastres mais comuns, não é raro ver a vaca ir pro brejo.

O documento que Bolsonaro divulgou sobre as dificuldades de governar o país nos coloca diante de uma alternativa: governar com conchavos e perpetuar a corrupção ou usar a força popular para provocar mudanças, o que tende a desembocar no autoritarismo.

Existe um caminho do meio, uma nova forma de de se relacionar com o Congresso que ainda não foi experimentada amplamente. Não há garantia de êxito, mas certamente vale a pena tentar.

É uma ilusão supor que os congressistas sempre se curvam à maioria. Foram eleitos também, e para muitos a opinião de seus próprios eleitores pesa mais do que a da maioria.

Uma saída seria atrair o Congresso na execução do Orçamento, tornar políticos de uma região responsáveis também por uma série de obras programadas para ela. É uma parceria que não acaba com o fisiologismo. Mas pelo menos o isola um pouco, oferecendo aos envolvidos uma forma de superar o medo de que seus eleitores pensem que nada fazem por eles.

Rosiska Darcy de Oliveira: Do medo vem o perigo

- O Globo

Nas redes a comunicação anônima incita à violência e dispensa a ética

Desconfio que os valentões que maltratam mulheres, odeiam gays, desprezam negros, atacam jornalistas, estudantes, professores, intelectuais e artistas, fantasmam comunistas e globalistas são pessoas que têm medo. Medo de si mesmos, do que os ameaça mais que tudo: a liberdade dos outros de não ser como eles.

São tanto mais empedernidos em suas convicções quanto maior é o medo de tudo que possa, por qualquer caminho, da sexualidade às ideias, abalar sua frágil segurança. Seguem cegamente um chefe para não ter que se construir em tempos de mudança e incerteza quando as convicções a que se apegam como náufragos são boias murchas que mal se sustentam. São violentos e inflexíveis porque têm medo de exercer a inefável arte de viver.

É tão mais fácil colocar uma etiqueta única na imensa diversidade de que é feito o povo brasileiro e alimentar o ódio do outro. Mais fácil destruir do que construir, insultar do que argumentar, semear o conflito do que buscar o consenso. Aquecer-se entre adeptos radicais do que governar para todos.

Bolsonaro chegou ao poder pelas redes, com promessas de enfrentar a corrupção e a violência. A corrupção irrompe em sua vizinhança mais próxima. A violência prospera enquanto as armas se multiplicam e ninguém sabe onde vão parar.

Cacá Diegues: Aquilo que somos como país

- O Globo

Chico Buarque de Hollanda é um desses gênios, o mais importante e completo de sua geração

Na vida de uma nação, há certas circunstâncias do passado das quais é impossível fugir. Ao longo de nossa história, estamos sempre tentando escapar daquilo que somos, da natureza de nosso começo e de nossa formação, da cultura que nos deu origem e que nos permite respirar por nossa própria conta, sem vergonha e sem censura. Mas, de vez em quando, aparece um gênio entre nós que nos obriga a lembrar de tudo isso. Aí recolhemos o facho, encabulados de nosso empenho para negar-nos a nós mesmos.

Chico Buarque de Hollanda é um desses gênios, o mais importante e completo de sua geração. Um criador que nos ensina a sermos nós mesmos, a nos reconhecermos e nos regozijarmos com o que somos. Sobretudo a termos consciência de nossos erros, entre os quais o mais grave sempre foi o da desigualdade, esse castigo que a democracia formal costuma esconder.

Conheci Chico em 1966, por meio de Nara Leão. Ela chegava de São Paulo trazendo canções de um jovem compositor que acabara de conhecer. Nara decidira cantar uma delas num festival próximo, mas ainda não a sabia de cor. Ela tirou da bolsa um papel amassado, com versos que ainda não decorara: “Estava à toa na vida/ O meu amor me chamou/ Pra ver a banda passar/ Cantando coisas de amor”. Era a primeira vez que a ouvia cantar “A banda”, que se tornaria um hino adotado por toda a população do país, independente de idade ou sexo, independente de opção política.

Poucos dias depois, encontrei o compositor num restaurante boêmio de Copacabana e fiquei sabendo que o jovem paulista era carioca, filho de um de nossos ídolos nas atividades culturais da PUC, Sérgio Buarque de Holanda. O autor de “Raízes do Brasil” deve estar no céu, comemorando adoidado o Prêmio Camões que seu filho acaba de ganhar. É a sua cara.

O Prêmio Camões é destinado, todo ano, a um escritor de língua portuguesa que tenha se destacado no uso dela. Nada mais justo que tenha sido dado, em 2019, a Chico Buarque. Não só pelas canções que escreveu e nos fez cantar descobrindo o Brasil, mas também pelas peças e romances que perturbaram nossa convicção de que sabíamos tudo sobre o país e seu povo. Sua obra, por trás de eventuais lágrimas e sorrisos francos, tem sempre alguma coisa a mais para nos fazer conhecer, mais e melhor, a nós mesmos. Esse prêmio já foi dado a muitos de nossos mestres, como João Cabral de Melo Neto (o primeiro a recebê-lo), Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro, Ferreira Gullar, Alberto da Costa e Silva, Raduan Nassar, entre outras e outros. Com toda a justiça, toda a honra e toda a glória, Chico Buarque agora se junta a eles.

Almir Pazzianotto Pinto*: A reforma do Estado

- O Estado de S.Paulo

Juristas e filósofos não se entendem na vã tentativa de imprimir definição satisfatória ao termo 'Estado'

“Tudo ficará na mesma, embora tudo tenha mudado”
Giuseppe Tomasi di Lampedusa, em Il Gattopardo

Antes de reformá-lo pela nona vez, necessário se faz esclarecer o significado do termo Estado. Diante do desafio, juristas e filósofos não se entendem na vã tentativa de lhe imprimir definição satisfatória. A mais simples, porém obscura, define o Estado como organização jurídica da nação ou sua personificação jurídica.

Segundo Luis Recasens Siches, “que o Estado é um ordenamento normativo coercitivo, ou seja, que consiste em um sistema de Direito positivo, ninguém o negará; muitos, porém, argumentam que, além disso, é uma realidade, um poder efetivo, uma força social. E, em apoio a esta segunda afirmação, muitos autores aduzem a notória existência de realidades estatais, nas quais se manifesta esta dimensão de poder: cárceres, fortalezas, exército, polícia, etc.” (Tratado General de Filosofia del Derecho, Editorial Porrua, México, 1970, pág. 345, tradução livre). Giorgio Del Vecchio critica, de maneira irônica, a definição de Immanuel Kant (1724-1804). Para o filósofo prussiano, Estado é a “reunião de uma multidão de homens conviventes debaixo de leis jurídicas”. Para o italiano Del Vecchio, a definição é inadequada, pois “tanto se aplicaria aos habitantes de um concelho, como de uma província, e mesmo até aos de um cárcere” (Lições de Filosofia do Direito, Arménio Amado Editor, Coimbra, 1959, vol. II, pág. 229).

A definição a que aludi peca pela obscuridade. O que significa, afinal, “personificação jurídica da nação”? Para aceitar tal definição deveremos, antes de prosseguir, especificar o sentido do termo nação? Luis Legas Y Lacambra, catedrático da Universidade Complutense de Madri, escreveu, com raro poder de síntese, que a nação representa “uma unidade de destino na história” (Filosofia del Derecho, Bosch, Casa Editorial, Barcelona, 1972, pág. 803). Paulo Bonavides, citando Mancini e Ernest Renan, refere-se à nação como tecido social, resultante de fatores morais, culturais, psicológicos (Ciência Política, Ed. Forense, RJ, 1976, pág. 75). Giorgio Del Vecchio estabelece nítida diferença entre povo e nação. Povo “indica propriamente a multidão que constitui o Estado. Se, além de tal vínculo, ou, mesmo na falta dele, existem vínculos naturais de comunidade, temos, nesse caso, uma nação”. (ob. cit. pág. 232). 

* Denis Lerrer Rosenfield: O voto Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

Não se trata de desmerecer a estratégia adotada nas redes sociais, mas de reconhecer uma realidade muito mais complexa

Muita poeira tem sido lançada aos olhos dos cidadãos brasileiros, como se um grupo de predestinados operantes em redes sociais e ideólogos de tipo conspirativo tivessem sozinhos ganho as últimas eleições presidenciais. Nem Hércules teria tido a ousadia e a força de tal pretensão!

Não se trata de desmerecer a estratégia adotada nas redes sociais, mas de reconhecer uma realidade muito mais complexa. O voto bolsonarista foi essencialmente um voto do não, de tipo lulista, “contra tudo o que está aí”. Claro que o que estava aí se baseava em outra percepção da realidade, desta feita, a corrupção da experiência petista de governo, o descalabro econômico, seguido do aumento de desemprego, e os efeitos da Lava Jato enquanto fator de regeneração nacional. O não se estendia também ao politicamente correto, que foi imposto goela abaixo aos habitantes deste país, muitos de índole conservadora.

A corrupção petista havia se tornado visível graças à Lava Jato, ao expor o modo de exercício partidário do poder, com o PT se apropriando de recursos públicos com fins pessoais e políticos. Líderes partidários acabaram sendo condenados e remetidos à prisão, num espetáculo que não deixa de ser doloroso para o País, porém necessário do ponto de vista da punição exemplar. Outros partidos e políticos sofreram o mesmo destino, mostrando o caráter suprapartidário de tal operação. A classe política ficou maculada, o que foi muito bem aproveitado pelo candidato vencedor.

No supermercado as pessoas começaram a sentir os efeitos da inflação, ao que se acrescentavam a redução da renda familiar e o desemprego. Pessoas que tinham galgado uma posição social superior, principalmente durante parte dos mandatos do presidente Lula, sofreram o descalabro do governo Dilma, com recessão, juros altos e perda de emprego. Do ponto de vista da percepção pessoal, há enorme diferença entre uma pessoa voltar a uma posição social inferior e dela nunca ter saído. O carro comprado foi vendido, a educação privada dos filhos voltou para a pública e apartamentos foram devolvidos. O caminho estava aberto para o candidato que soubesse dizer não.

O apoio maciço dos evangélicos, que em muito contribuiu para a vitória, teve como uma das suas âncoras a linguagem conservadora do candidato, que soube fustigar sem pena os exageros e os excessos do chamado politicamente correto. As pessoas de índole familiar conservadora não mais aguentavam tal tipo de imposição, qualificada de “progressista”. Se isso era o “progresso”, preferiam não avançar. Diga-se de passagem que mudanças culturais, para serem bem-sucedidas, devem ser feitas homeopaticamente, salvo se pretenderem uma revolução, que, ao fazer economia de meios, produz resultados desastrosos.

Na esteira da crise de valores, a imagem de Jair Bolsonaro terminou por ser beneficiada pelo prestígio social das Forças Armadas. Os militares gozam de excelente reputação na opinião pública, pela retidão de seus membros e por sua defesa intransigente dos princípios nacionais. Em certo sentido, votar no então candidato veio a significar uma volta democrática dos militares ao poder, o que foi reconhecido pelo presidente na constituição de seu Ministério. Note-se, ademais, que é esse grupo que está sendo atacado pela ala ideológica do governo, como se fossem meros intrusos, quando são os mais responsáveis.

Um fator totalmente imprevisível terminou contribuindo decisivamente para a vitória: a facada. As imagens do candidato sofrendo e sua lenta e difícil recuperação o puseram como vítima da violência que prometia erradicar. Horas de televisão foram dedicadas ao ataque e às suas repercussões, criando uma ampla identificação social com a vítima. A simpatia pelo candidato tomou conta da sociedade. Páginas de jornais, rádios e redes sociais cobriam cotidianamente o que estava acontecendo. Nenhum candidato, por mais tempo de rádio e televisão que tivesse, podia equiparar-se a essa superexposição. Nesse período, a eleição se definiu, não tendo o candidato Jair Bolsonaro podido participar de nenhum debate. Apresentação de ideias e de programa de governo tornou-se prescindível.

*Marcus André Melo: (Con)fusão de poderes

- Folha de S. Paulo

Para onde vai o regime de preponderância presidencial?

O presidencialismo latino-americano é original, radicalmente diferente do norte-americano. Jacques Lambert, o autor de “Os Dois Brasis” (1953) e que havia estudado este último no monumental “Histoire Constitutionnelle de L’Union Américaine” (1937, 3 vols.), propôs chamá-lo de regime de preponderância presidencial.

Para Lambert, “na prática a América Latina foi levada a evitar uma verdadeira separação de Poderes, pelo menos no concernente às relações entre o presidente e o Congresso. As constituições confiaram aos presidentes certos poderes, tais como a iniciativa da legislação, que facilitam sua leadership sobre o Congresso”.

Ele citava também o veto parcial, amplo poder de regulamentação etc., concluindo que “os projetos de lei oriundos do Poder Executivo têm muito mais probabilidade de aprovação do que as proposições de membros do Congresso”. (“Amérique Latine: Structures Sociales e Institutions Politiques”, 1963).

“Devido a essa preponderância presidencial e ao extremo enfraquecimento dos checks and balances, os regimes políticos latino-americanos aproximam-se tanto do presidencialismo norte-americano, quanto do governo de gabinete... Por razões inteiramente diferentes do que na Inglaterra —os regimes políticos latino-americanos evoluíram para a confusão dos poderes.”

*Celso Rocha de Barros: Ustrapalooza

- Folha de S. Paulo

A turma que convocou a passeata deste domingo (26) era a série B do Bolsonarismo

As manifestações deste domingo (26) foram do tamanho e tom certos para que o impasse entre governo e Congresso continue.

Os protestos não foram grandes o suficiente para pressionar o Congresso, ou para servir de ponto de partida para o golpe com que sonham os bolsonaristas.

Mas tampouco foram pequenas o suficiente para que Bolsonaro se conforme com a necessidade de respeitar as instituições e comece a dar expediente como chefe do Poder Executivo.

Em todas as grandes cidades, as passeatas não superaram as dos estudantes do dia 15. Nenhuma foi nem sequer comparável às passeatas a favor do impeachment ou às de 2013. Lembraram mais outra passeata a favor, as passeatas contra o impeachment de 2016.

Ainda é bastante gente, sem dúvida, e é preciso admitir que a pauta da direita radical tem apoiadores.
Mas para uma passeata convocada pelo presidente da República, foi pouco. Bolsonaro começou o domingo elogiando as manifestações em um culto religioso e tuitando imagens de gente indo para o ato.

Todo mundo entendeu que o plano inicial das manifestações era atacar as instituições.

*Bruno Carazza: O novo dono do pedaço

- Valor Econômico

Partido de Bolsonaro nadará em dinheiro até 2022

A surpreendente trajetória de Bolsonaro rumo ao Palácio do Planalto será motivo de estudo por muito tempo. Vários são os aspectos a serem analisados, como sua capacidade de capitalizar a desilusão do eleitorado com a política tradicional, o uso das redes sociais para contornar o limitadíssimo espaço no horário eleitoral e o efeito-reboque que levou ao Congresso 52 deputados e 4 senadores do até então nanico PSL, quase todos novatos.

É possível sintetizar todos esses feitos de Bolsonaro numa única medida: seu mérito em superar os imensos obstáculos impostos pelo financiamento eleitoral a quem desafia o poder estabelecido. Até 2015 poucos grupos econômicos chegaram a financiar mais de 60% dos gastos de todos os candidatos, desequilibrando o jogo em favor de quem tinha mais conexões com a elite empresarial. Após o Supremo Tribunal Federal proibir as doações de empresas, o Congresso criou um fundo orçamentário bilionário com regras que privilegiavam os maiores partidos.

Só em 2018, PT, MDB e PSDB tiveram, respectivamente, R$ 330 milhões, R$ 325 milhões e R$ 285 milhões de recursos públicos para custear as despesas de seus candidatos. Graças à legislação eleitoral, os três principais partidos da Nova República abocanharam 36% do total de R$ 2,6 bilhões dos fundos partidário e de financiamento de campanhas. Com seu partido tendo acesso a apenas R$ 17,5 milhões (0,67% desse montante), ainda assim Bolsonaro obteve 57 milhões de votos.

Sergio Lamucci: Um país de baixíssimo crescimento?

- Valor Econômico

Incerteza política e quadro externo pior atrapalham retomada

A continuidade das incertezas no cenário político e a piora recente no ambiente internacional atrapalham a recuperação capenga da economia brasileira. O desempenho ruim nos três primeiros meses do ano não foi seguido por uma retomada mais forte da atividade a partir de abril, e a perspectiva de um crescimento em 2019 na casa de 1% - ou até menos - ganha força. Para piorar, as expectativas para 2020 têm sido rebaixadas. Hoje, vários analistas esperam um avanço de 2% no ano que vem. Há alguns meses, eram mais comuns projeções entre 2,5% e 3%.

O risco é que se cristalize a percepção de que o Brasil é um país de baixíssimo crescimento, com impacto negativo sobre as decisões do setor privado, que já tem investido muito pouco num quadro de indefinição política, grande ociosidade e demanda anêmica. Depois de melhorar no período seguinte às eleições presidenciais de 2018, a confiança dos empresários voltou a recuar nos últimos meses, um sinal ruim para o investimento.

O economista-chefe do Morgan Stanley para a América Latina, Arthur Carvalho, diz que a "retroalimentação entre política e crescimento está viva", e cada um desses fatores influencia negativamente o outro no momento. "A incerteza política afeta o crescimento, dada a incerteza fiscal resultante e a falta de visibilidade sobre as perspectivas de médio prazo do país", escreve ele.

Já o panorama de expansão mais baixa pressiona o governo a tomar algumas iniciativas para destravar a economia, além de corroer parte da popularidade da nova administração e de seu capital político, observa Carvalho. Para ele, isso significa que habilidade política e flexibilidade "são provavelmente mais necessárias do que nunca".

Até o momento, o governo de Jair Bolsonaro exibe justamente o contrário. Os problemas de articulação política apontam para uma demora maior no andamento da reforma da Previdência no Congresso, com a aprovação de uma versão que talvez economize consideravelmente menos recursos em dez anos do que o R$ 1,25 trilhão esperado com a proposta original. Para Carvalho, a falta de uma coalizão forte, com uma liderança clara do Executivo, coloca em risco a qualidade da mudança do sistema de aposentadorias.

Cida Damasco: Crenças abaladas

- O Estado de S. Paulo

Previdência, sozinha, não traz crescimento. Incentivo emergencial não é heresia

O resultado oficial do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre será conhecido nesta quinta-feira. Não é segredo para ninguém, contudo, que será próximo de zero – confirmando a tendência expressa tanto no Índice de Atividade Econômica doBanco Central (IBC-Br) como no Monitor do PIB calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que registraram quedas de respectivamente 0,68% e 0,1% sobre o trimestre anterior. Também não é surpresa para ninguém que, na bolsa de apostas para o fechamento de 2019, já predomina um modestíssimo PIB próximo de 1%, pelo terceiro ano seguido.

Analistas correm para “emagrecer” as projeções feitas logo depois das eleições, que estavam contaminadas por um certo irrealismo. Virou consenso a avaliação de que, do jeito que as coisas caminham, em termos de crescimento 2019 tem tudo para ser mais um ano perdido. A mesma convergência não se observa nas opiniões sobre o que é preciso fazer para desviar a economia brasileira do caminho do desastre, mas é inegável que algumas crenças começam a ser abaladas.

A primeira delas é na “reforma da Previdência acima de tudo e de todos”. Como se sua aprovação fosse capaz de remover rapidamente todos os obstáculos ao crescimento. Grande parte dos economistas já parece convencida de que, embora seja essencial mudar a Previdência – com a proposta do ministro Paulo Guedes integral, aparada, ou mesmo com outra, dependendo da corrente de pensamento –, não é suficiente. Logo atrás da fila, terão de vir outras reformas, especialmente a tributária.

A segunda inflexão diz respeito ao uso de instrumentos de estímulo à atividade econômica, para ajudar a romper essa pasmaceira a curto prazo. Até pouco tempo atrás, quem ousava levantar essa questão era quase acusado de heresia. E aí, é bom destacar, além de convicções assentadas na ideologia, havia também um compreensível temor de repetir experiências frustradas notadamente da gestão Dilma, em que setores com grande poder de lobby se apropriavam dos benefícios concedidos pelo governo, sem repassá-los aos trabalhadores e/ou consumidores. Não foram poucas as vezes em que, praticamente no dia seguinte ao da obtenção de incentivos, empresas anunciaram cortes de pessoal, com a justificativa simplista de que “se não fosse o apoio do governo, seria muito pior”.

"Bolsonaro é o Jânio do Lula", diz Weffort

Por Cristian Klein | Valor Econômico

"O Bolsonaro nem teve tempo de aprender direito. Acha que o grito dele resolve. Não resolve. Nesses cinco meses comprou mais brigas do que precisava"

RIO - Ao longo de sua trajetória, o cientista político Francisco Weffort, 82 anos, reuniu várias características que o aproximam de uma antítese do ideário bolsonarista. Intelectual, foi fundador do PT e ministro da Cultura no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) por oito anos, quando a Lei Rouanet - tão atacada hoje - ganhou força. No primeiro casamento, foi genro de Paulo Freire, educador de influência internacional cuja pedagogia é alvejada pelo presidente e seus simpatizantes. 

Mas Weffort também é especialista em um fenômeno caro ao estilo Bolsonaro de fazer política. Autor de "O populismo na política brasileira", de 1978, o ex-professor titular da USP afirma que o ex-presidente Jânio Quadros é a figura a quem mais se parece o atual ocupante do Palácio do Planalto, porém com menos habilidade. Em sua opinião, Bolsonaro se engana" se acha que um presidente no Brasil consegue criar um grande movimento de massa permanente, expresso em manifestações como as realizadas ontem.

Na tradição brasileira, define o cientista político, Bolsonaro "é uma espécie de Jânio Quadros". Também não tinha partido, se elegeu com prestígio popular enorme e "ficou seis meses no governo". "Jânio não conseguiu. E ele também não vai conseguir", afirma, sobre a possibilidade de Bolsonaro governar pressionando o Congresso por uma massa de apoiadores mobilizados pelas redes sociais. "Getúlio [Vargas], se fosse convocar o povo à praça, a população não iria comparecer na proporção que ele queria. Tanto assim que ele acabou se matando. Não tinha mais quem o defendesse. Ele não tinha esse controle. A massa só apareceu quando ele morreu", diz.

Weffort considera que sempre houve algum nível de confronto entre os presidentes populistas e as instituições, mas que "no caso do Bolsonaro está mais complicado". "Tem cinco meses de governo e já era para ser recebido como presidente aonde quer que fosse, e não é bem isso que acontece", diz. Representantes da direita liberal, por exemplo, se recusaram a aderir às manifestações de ontem. "Estamos na fase de definição do bolsonarismo, porque depende do que ele faça e de como os outros reagem. O Jânio, quando reagiu mal, caiu fora. A impressão é que ele brigou tanto que teve que sair", compara.

O problema, aponta Weffort, é que o "Bolsonaro não é só conservador". "A palavra é ruim, mas ele é um reacionário, está reagindo a algo que foi feito antes dele. Oscila entre um conservadorismo e um reacionarismo. Acreditar que existe uma ideologia de gênero ou marxismo cultural... Não existe isso. O ângulo dele, quando entra num assunto, já não é o de um conservador. Ele entra dando pontapé, chutando o pau da barraca. E não é assim que se faz", afirma o ex-ministro, que diz não considerar Bolsonaro um fascista, "ainda".

Bolsonaro e as ruas: Editorial / Folha de S. Paulo

Atos em defesa do governo tendem a dificultar ainda mais a relação com o Congresso

Com apenas cinco meses de governo, contam-se manifestações de rua contra e a favor de Jair Bolsonaro (PSL) e sua agenda. As últimas, neste domingo (26), transcorreram sem maiores incidentes violentos e pregações antidemocráticas, mas ainda assim reforçam o clima precoce de exaltação.

A esta altura, pouco seria possível esperar de uma administração além do anúncio dos primeiros planos e do início de um diálogo com o eleitorado em geral e o Congresso em particular. Dá-se o contrário, entretanto.

O presidente incita o conflito político, como mais uma vez ficou claro com suas declarações em redes sociais, por meio das quais, sem dúvida, associou seu prestígio aos atos de diversas cidades. Nesse aspecto, o saldo da passeata governista ficou entre neutro e negativo.

Não houve fiasco de público, notadamente na capital paulista. Mas a presença expressiva de cidadãos nas ruas a exercer seu direito de expressão —como houve até em apoio a Dilma Rousseff, nos estertores do governo petista— nem de longe representa declaração de respaldo popular inconteste.

Trata-se antes de evidência da divisão nacional e da discórdia até entre movimentos que apoiaram a eleição do presidente. Houve críticas ou insultos mesmo entre parlamentares governistas.

O STF e o Executivo: Editorial / O Estado de S. Paulo

Em evento promovido pela International Bar Association sobre segurança jurídica e os riscos de insolvência na economia globalizada, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, fez duas observações importantes sobre o papel do Judiciário e suas relações com o Executivo.

A primeira observação foi sobre as relações entre o direito e a economia, principalmente num cenário de emaranhado de leis. Segundo ele, a ideia de que “a economia deve conduzir o direito” causa preocupação no âmbito da Justiça, uma vez que seus membros têm de decidir com base na racionalidade lógico-formal do sistema jurídico, e não com base na racionalidade funcional do sistema econômico. É por isso que os tribunais devem ter a “frieza” de fazer valer os contratos e de preservar atos juridicamente perfeitos, desempenhando assim suas atribuições constitucionais, afirmou Toffoli.

A segunda observação foi no sentido de que, ao julgar litígios, os juízes devem prender-se mais às normas, cuja redação é objetiva, do que aos princípios jurídicos, que são expressos por conceitos indeterminados. Magistrados querem “fazer justiça em caso concreto, em vez de aplicar a lei. A função dos tribunais é aplicar a Constituição e as leis. É garantir que as normas jurídicas e as regras do jogo político sejam cumpridas como foram estabelecidas”, disse ele.

O pronunciamento do presidente do Supremo Tribunal Federal ocorreu três dias depois que o presidente Jair Bolsonaro divulgou um texto que acusa o Legislativo e o Judiciário de impedi-lo de governar e praticamente às vésperas de manifestações de grupos que apoiam o Executivo contra os outros Poderes. O discurso também foi feito no mesmo dia em que os jornais mostravam que, em apenas 135 dias de gestão, cerca de 30 medidas adotadas pelo governo Bolsonaro estavam sendo questionadas na mais alta Corte do País. Entre as normas cuja constitucionalidade está sendo contestada estão o decreto que determinou o contingenciamento das verbas das universidades federais, o decreto que ampliou o direito de porte e posse de armas e a medida provisória que proíbe desconto de contribuição sindical em folha de pagamento.

BC deveria ter como meta também suavizar os ciclos: Editorial / Valor Econômico

O ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga, defendeu que o projeto de autonomia da autoridade monetária inclua entre os seus objetivos também preocupações com flutuações de curto prazo da atividade econômica. O assunto é quase um tabu num país que há 25 anos, antes do lançamento do Plano Real, encontrava-se na antessala da hiperinflação. Mas a discussão é necessária para alinhar nossa legislação à teoria internacional de política monetária, aplicada com sucesso em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.

Ao lançar a proposta, durante seminário do Banco Central que marcou os 20 anos da adoção do regime de metas de inflação no Brasil, Arminio usou uma linguagem técnica para se referir ao objetivo, para evitar mal entendidos. A ideia é que o BC tenha como mandato fundamental a estabilidade de preços, mas com uma "qualificação", a de "suavizar os ciclos econômicos".

Ele frisou que suavizar o ciclo é bem diferente de buscar uma expansão insustentável da economia, mantendo a atividade superaquecida por tempo indefinido. O sacrifício em termos de perda de atividade econômica deve ser dosado sobretudo em situações de choques de oferta, como na alta de preços de energia ou nas desvalorizações cambiais. O BC já adota como prática acomodar o impacto direto desses choques, usando para tanto o intervalo de tolerância do regime de metas e garantindo o retorno da inflação ao centro da meta ao longo do tempo.

Governo precisa redefinir o papel do BNDES: Editorial / O Globo

Há ideias para redirecionar o banco, mas elas têm de ser colocadas em prática

Reserva de capital humano acima do padrão do setor público, o BNDES mantém uma dinâmica de resultados financeiros apreciáveis. Encerrou o primeiro trimestre, por exemplo, com lucro líquido de R$ 11,1 bilhões. É um crescimento de 436,7% em relação a igual período anterior, alavancado pela venda de ações que possuía da Petrobras e de grandes empresas privadas.

Seus ativos somaram R$ 835,1 bilhões, com aumento de 4,1% em decorrência da valorização das participações societárias. E a qualidade da sua carteira de crédito se manteve acima da média de 90,7% do Sistema Financeiro Nacional.

Sob lupa, verifica-se que ela reflete uma diretriz questionável, prevalecente na última década e meia: empréstimos baratos, com garantia do Tesouro Nacional, basicamente concentrados (95%) em grandes empresas, algumas eleitas por governos anteriores para a privilegiada posição de “campeãs nacionais”.

Manuel Bandeira: Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Elba Ramalho: Na base da chinela