sábado, 21 de janeiro de 2012

OPINIÃO DO DIA - Norberto Bobbio : O papel clássico dos intelectuais (3)

"Acreditamos saber que existe uma saída, mas não sabemos onde está. Não havendo ninguém do lado de fora que nos possa indicá-la, devemos procurá-la por nós mesmos. O que o labirinto ensina não é onde está a saída, mas quais são os caminhos que não levam a lugar algum.

A cultura é o equilíbrio intelectual, reflexão crítica, sentido de discernimento, horror pelas simplificações, pelo maniqueísmo e pela parcialidade."

Norberto Bobbio (Turim, 18 de outubro de 1909 — Turim, 9 de janeiro de 2004) foi um filósofo político, historiador do pensamento político e senador vitalício italiano

Fonte - Norberto Bobbio a Giulio Einaudi

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
EUA: guerra contra pirataria cria impasse no Congresso
Dilma manda apurar morte de servidor
Dissidente em greve de fome morre em Cuba
Fifa vê Brasil mais atrasado que a Rússia

FOLHA DE S. PAULO
Álcool volta a ser mais vantajoso que a gasolina
EUA suspendem debates contra pirataria on-line
MEC decide que Enem terá só uma prova neste ano
Opositor cubano morre após 50 dias de greve de fome

O ESTADO DE S. PAULO
União gastará R$ 82 milhões com alimentação de juízes
Ministérios cobiçados poderão ter corte de verbas
Pesquisas com vírus da gripe aviária são suspensas
Preso político morre em Cuba

CORREIO BRAZILIENSE
Força-tarefa apura morte de secretário
Poder dos lobistas ainda é forte na Agricultura
Vistos mais fáceis
Fraude no TRT

ESTADO DE MINAS
Dilma manda apurar morte de secretário de ministério
MEC cancela a 1a. prova do Enem de 2012

ZERO HORA (RS)
MEC fará prova única para o Enem em 2012
EUA adiam votação de lei antipirataria

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Passagem sobe amanhã

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

A nanorreforma ministerial - Editorial

No seu primeiro ano de governo, a presidente da República Dilma Rousseff demonstrou total inépcia para gerir a máquina pública. Durante esse período, ministros foram demitidos, sob acusação de corrupção, e a sociedade tem acompanhado o descaso e a falência dos setores que lhe são essenciais. A reforma anunciada pela presidente, em vez de corrigir os problemas e dar uma resposta forte à nação, apenas leva a crer que haverá apenas substituição de mais do mesmo.

A incapacidade de Dilma se mostrou presente logo no inicio do governo. A marca da gestão foram, indubitavelmente, os sucessivos escândalos envolvendo dinheiro público. Longe de fazer uma “faxina”, a presidente colocou-se numa postura passiva e só admitiu demitir seus auxiliares após exaustiva exposição das vísceras dos chamados malfeitos. Pela extensão e importância dos casos de malversação de verbas públicas, as atenções da presidente e de seu governo ficaram voltadas apenas às crises que levaram a queda de nada menos do que sete ministros. A administração do país ficou esquecida, em segundo plano, num ano completamente perdido...

As alterações que a presidente empreenderá na Esplanada, pelo que tudo indica, não possuem o objetivo de melhorar tecnicamente a administração pública. As pastas, independentemente de quem assuma, continuarão servindo para os esquemas do PT e seus aliados com a finalidade de enriquecer empresários e promover a perpetuação política do poder porque os partidos aliados é que escolhem os sucessores de seus indicados após o esgotamento deste em função de casos de corrupção. A presidente, mais uma vez, fica em posição passiva.

As mudanças, portanto, não terão efeito prático algum e não gerarão consequências que possam chegar aos brasileiros porque o propósito delas não é o interesse público, mas apenas ajustes para agradar este ou aquele aliado. O país continuará assistindo descasos governamentais em áreas de extrema importância social como a saúde, educação, segurança e infraestrutura.

Como exemplo recente, basta lembrar os vetos apresentados por Dilma à Emenda 29. Com uma simples canetada, a presidente praticamente anulou os esforços promovidos ao longo de uma década. Estrangulou qualquer possibilidade de melhorias reais na área. Além disso, é importante frisar que pesquisa recente apontou que 61% daqueles que realmente precisam da saúde pública a consideram ruim ou péssima.

Com a segurança pública não tem sido diferente. Quebrando mais uma vez suas promessas de campanha de colaborar com os estados e municípios, a presidente cortou R$ 1,03 bilhão das verbas destinadas ao Programa Nacional de Segurança Pública (Pronasci). Enquanto isso, as taxas de violência aumentam nas cidades do interior do país atingindo, principalmente, o público jovem.

A falta de vontade e a inoperância política aparecem também no setor da infraestrutura. As tragédias que presenciamos nas últimas semanas são provas do amadorismo e do descaso criminoso protagonizado pelo governo Dilma Rousseff. Mais uma vez centenas de brasileiros pagaram com a vida pela insensibilidade do poder público nesta era petista. Isso sem contar o que nossas indústrias, cada vez mais sucateadas, sofrem com problemas de escoamento nas rodovias esburacadas que cortam o país.

Na educação, é emblemático o fracasso do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O Exame apresentou sistematicamente, nos últimos cinco anos, problemas graves de gestão e demonstrações ostensivas de incompetência.

Alheio a um país tomado por problemas, temos um Estado gigantesco, que conta com 39 ministérios que não atendem o país. A quantidade só pode ser explicada pela tendência petista de garantir altos salários aos amigos e companheiros e acesso a recursos milionários para serem usados com a finalidade que os brasileiros já conhecem.

Diante de todo esse contexto, o partido não acredita na tão esperada reforma ministerial. Ela será pequena, assim como a administração de Lula e, principalmente, de Dilma. A nação brasileira exige e merece muito mais.

FONTE: PORTAL DO PPS

A China inova:: Merval Pereira

A China, revelada esta semana mais urbana que rural, busca agora um crescimento qualitativo tanto no seu desenvolvimento social quanto no tecnológico. O processo de evolução das empresas chinesas está baseado no amadurecimento de sua capacidade de desenvolver tecnologia e produtos inovadores. O 12º Plano Quinquenal, que está em vigência desde março do ano passado, tem o objetivo central de fazer migrar o padrão de desenvolvimento da China para indústrias avançadas e desenvolvimento tecnológico, em busca do que classificam de "harmonização da sociedade".

A intenção é promover um "pouso suave" para um crescimento médio de 7% do PIB nacional "com qualidade", com metas que incluem promoção do consumo, redução das diferenças sociais pela melhoria do salário mínimo e metas de eficiência energética.

O plano quinquenal pretende mudar a expressão Made in China, ligada a produtos de baixa qualidade, por Designed in China, com ambição de tornar a China um país "orientado para a inovação" até 2020.

Essas são algumas das conclusões de um documento resultado de um "termo de cooperação" entre a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República e a Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia) da UFRJ, abrangendo três setores que, combinados, produzem sinergias poderosas na conformação da base tecnológica de uma indústria nacional/regional: químico, eletroeletrônico e metal-mecânico.

A SAE no governo Dilma está sob o comando do ministro Moreira Franco, do PMDB do Rio, que nos tempos de juventude foi maoísta, a ponto de ter seu primeiro nome trocado de brincadeira por Ué-Lin-Ton. Hoje, ele tenta entender as transformações da China de Deng Xiaoping.

O propósito era avançar na compreensão das vantagens competitivas das empresas chinesas, além de custos baixos de mão de obra, câmbio subvalorizado e subsídios governamentais. Aspectos ligados a infraestrutura logística e carga tributária foram analisados marginalmente no estudo, que abrangeu não só conteúdo de avanços em campos específicos, mas também nas formas de organização de produção e inovação, e relacionamento das empresas com universidades e institutos de pesquisas.

Foram visitados departamentos e laboratórios das universidades de Tsinghua, em Beijing (que tem um Centro China-Brasil de Mudanças Climáticas e Energia e é uma referência nacional, onde muitas lideranças chinesas estudaram, inclusive o presidente Hu Jintao); de Zejiang, em Hangzhou; Tianjin, em Tianjin; o Instituto de Tecnologia de Tratamento da Água; e um instituto da Academia de Ciências da China.

"Nada poderia ser mais central para a competitividade chinesa que a velocidade e a consistência de seu desenvolvimento tecnológico", conclui o estudo.

O saldo é uma indústria ampla e diversificada, em diferentes estágios de maturidade e com diversas maneiras de governança.

As empresas estatais centrais, ligadas ao governo de Beijing, são distintas das estatais locais e das coletivas, e todas diferentes das privadas.

O relatório afirma que, ao longo do estudo, ficou evidente o papel das políticas públicas na definição da trajetória de sucesso das empresas, políticas não apenas definidas pelo governo central mas também em nível provincial e das municipalidades e prefeituras.

Há evidente processo de influência mútua entre empresas e governos no estabelecimento das estratégias empresariais e das políticas públicas.

Bons exemplos são as empresas Haier, de eletrodomésticos; Huawei, de telecomunicações; Guodian, de geração eólica; Desano, de insumos farmacêuticos, e muitas outras.

O caso do setor de geração eólica é particularmente exemplar, destaca o estudo. Nos anos 90, o governo central sinalizou que o setor era essencial para o desenvolvimento do país, e as empresas começaram a prospectar o campo, as universidades promoveram estudos e pesquisas, e enviaram quadros para doutoramento no exterior.

Em 2005, o governo lançou uma política de apoio à indústria, e as empresas começaram a fazer acordos de transferência de tecnologia promovendo ciclos de inovação secundária, com formação de capacitações tecnológicas, até mesmo para a produção de turbinas eólicas.

Em 2011, as empresas chinesas já estão trabalhando com tecnologias de ponta em processos de inovação secundária avançada, e a China se torna o país com maior potência eólica instalada no mundo, representando 23% do total mundial, superando Estados Unidos e Alemanha.

O processo de planejamento governamental chinês tem dois eixos principais: o Plano Nacional de Médio e Longo Prazo para o Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia de 2006 a 2020, centrado no princípio de "inovação autônoma"; e o Plano Quinquenal.

O investimento em Pesquisa e Desenvolvimento, que em 2005 era de 1,35%, será equivalente a 2% do PIB chinês, para chegar a 2,5% em 2020.

Em cinco anos a meta é obter avanços científicos e tecnológicos também com educação da mão de obra para conseguir qualidade e eficácia na economia.

Três setores terão prioridade: saúde, energia e tecnologia. As indústrias-chave serão biotecnologia, novas energias, fabricação de equipamentos de ponta, conservação de energia e preservação ambiental, combustíveis limpos para veículos, novos materiais e nova geração de tecnologia da informação.

A China aumentou sua participação na exportação mundial de 3,9% em 2000 para 10,3% em 2010, ultrapassando a Alemanha em exportações.

Além de inundar o mundo com bens de consumo a preços baixos, a China tem exportado bens de capital, aumentando sua produtividade no exterior. A partir de 2006, apenas a China e a Coreia do Sul aumentaram sua participação nas exportações globais.

O estudo faz uma comparação com o Brasil: em 2000, a maior parte das exportações de Brasil e China era de baixa intensidade tecnológica (alimentos, matérias primas, têxteis e outros manufaturados).

Em 2009, a China reduziu em 16% essas exportações, aumentando a participação das de média (químicos básicos, maquinário elétrico, plástico) e alta tecnologia (fármacos, bens óticos).

Já o Brasil aumentou 11 pontos percentuais na exportação de baixa intensidade tecnológica, e reduziu também as de média e alta tecnologia. (Continua amanhã)

FONTE: O GLOBO

"Rerum Novarum" 2.0 :: Igor Gielow

A semana que acaba foi rica sobre o estado das coisas. Alguém vai concordar comigo, citando as profundas discussões sobre o circo do "BBB 12" ou sobre a tal Luiza.

Sinto desapontar. Falo de um desdobramento central da crise do euro, expresso no pedido do FMI para que países emergentes colaborem mais para o fundo que visa estabilizar o que chamávamos de Velho Mundo.

Diferentemente da obsessão de FHC pelo Conselho de Segurança da ONU ou da "nova geografia mundial" pretendida por Lula, está aí uma oportunidade de ouro.

O mundo de Bretton Woods, da arquitetura financeira mundial do pós-guerra, está morto. Mas suas instituições, FMI à frente, seguem vivinhas. Portanto, parece natural que o Brasil atenda ao chamado.

Claro, há um "schadenfreude", aquele prazer com a desgraça alheia, entre governantes do antigo Terceiro Mundo quando veem as potências em apuros e recorrendo a pacotes que eram vistos por aqui como armas imperialistas.

Mas isso é fútil. Sem os bilhões de ajuda do FMI do nosso passado recente, apesar do receituário amargo que os acompanhava, o Brasil demoraria a sair do buraco. É hora de retribuir, e cobrar a fatura justa: a reforma do sistema de cotas.

Para quem viveu a crise das décadas finais do século 20 no Brasil, só a discussão já causa certo assombro. Pena que nos falte instrumento com o impacto de uma "Das Coisas Novas", bula papal seminal sobre a realidade do trabalho em 1891 cujo título eu roubei para esta coluna. Ou não: seria "trending topic" do Twitter só por algumas horas.

***
Numa nota lateral, mas que tem tudo a ver com o dito acima, não deixa de causar riso a ironia da acusação britânica de que Buenos Aires é "colonialista" na sua disputa pelas ilhas Falklands -que, de todo modo, nada têm de argentinas.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Travas no Mercosul :: Celso Ming

O governo da Argentina não mostra nenhum escrúpulo ao atropelar sistematicamente tratados internacionais quando se trata de proteger sua balança comercial.

A partir de 1.º de fevereiro, passará a exigir pedido de licenças não automáticas de importação para todos os produtos, independentemente da procedência. Seus fiscais aduaneiros dirão o que pode ser importado e quanto. É um instrumento burocrático que leva tempo para ser examinado (oficialmente, no máximo 15 dias), com o qual se busca declaradamente emperrar o comércio.

Essa exigência aprofunda o jogo protecionista que até agora se limitava a conter a entrada de produtos da linha branca (geladeiras, máquinas de lavar roupa, fogões, etc.), artigos têxteis, calçados, baterias e tratores.

O objetivo final do país é obter neste ano um superávit comercial superior a US$ 10 bilhões (o do ano passado foi de US$ 10,9 bilhões), conforme a Agência Estado apurou a partir de documento interno vazado para a imprensa.

Essa decisão tem a ver com as dificuldades que a Argentina enfrentando desde o calote de 2001 à sua dívida, agravadas no início deste ano com a perspectiva de quebra de pelo menos 23% na safra de milho e de outros 5% na de soja, por ação de uma séria estiagem. As receitas com o Imposto de Exportação (que agora devem reduzir-se) cobrem 20% da arrecadação. A ideia é cortar despesas com importação, de maneira a enfrentar a redução de caixa com que contava para cobrir o rombo externo.

Não dá para negar que o saldo do comércio bilateral é favorável ao Brasil e que isso tende a se ampliar (veja o gráfico). É o resultado da política econômica predadora colocada em prática pelas duas administrações Kirchner, que desestimula o investimento e o avanço tecnológico e, nessas condições, derruba a competitividade do produto industrial argentino.

De maneira informal, o governo brasileiro já passou o recado de que não gosta do jeito folgado e irresponsável com que o governo argentino lida com compromissos internacionais, sobretudo com os do Mercosul. O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, por exemplo, já declarou o que até agora nenhum ministro de Estado do Brasil ousou dizer em público: a Argentina se tornou "um problema permanente".

O presidente da Associação Brasileira de Empresas de Comércio Exterior (Abece), Ivan Ramalho, enfrentou a catimba comercial da Argentina durante os 16 anos em que ocupou a Secretaria Executiva do Ministério do Desenvolvimento, 8 deles durante o período Fernando Henrique e a outra metade do tempo no período Lula. Para ele, se engolir mais esse sapo, o governo brasileiro estará contribuindo decisivamente para a escalada protecionista do governo argentino e para as distorções que virão em seguida.

E Ramalho não esconde por qual setor o governo deve começar o revide. "A área comercial mais sensível para eles é o setor automotivo." Ele sugere que, pelo menos por simetria, o Brasil também imponha à Argentina licenças prévias para importações de veículos.

Curiosamente, há alguns anos, o Brasil foi condenado em tribunal de arbitragem do Mercosul, convocado pela Argentina por também impor travas burocráticas em seu comércio bilateral.

Essas coisas não têm cabimento entre países-membros de uma área que se supõe estar em estágio mais avançado de integração (união aduaneira) e que, no entanto, não consegue ser nem zona de livre comércio, o que prevê livre circulação de mercadorias. Mostram que os tratados do Mercosul deixaram de ser apenas queijos esburacados. Estão cada vez mais desmoralizados.

Já não eram instrumentos de integração econômica e comercial. Agora correm o risco de deixar de ser também de integração política - condição que o Itamaraty ainda pretendia preservar.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Dúvidas do álcool :: Míriam Leitão

Em cada litro de etanol, incidem R$0,46 de PIS/Cofins. Na gasolina, são R$0,26. Deve ser o único caso de país que incentiva o combustível fóssil e pune o que emite menos gases de efeito estufa. Recentemente, o governo reduziu a Cide sobre a gasolina. A Petrobras paga mais pela gasolina importada do que cobra das distribuidoras. São muitas as distorções no mercado de combustíveis.

O Brasil lutou por 30 anos para derrubar as barreiras que impediam o etanol brasileiro de entrar no mercado americano. E agora que caíram as sobretaxas o Brasil está importando etanol dos Estados Unidos. O presidente da ETH Bioenergia, José Carlos Grubisich, disse que o Brasil comprou um bilhão de barris de etanol na safra 2011/2012, mas exportou 1,5 bilhão de litros. Vende produto mais nobre, como álcool para bebidas e alimentos, e compra álcool anidro para a mistura na gasolina. Mesmo assim, é incrível que um país que investiu por décadas para ser o grande fornecedor desse combustível, alternativo à gasolina, esteja agora importando os dois produtos.

O que o consumidor que comprou carro flex quer saber é quando haverá álcool a um preço competitivo nas bombas. E talvez isso não aconteça tão cedo.

Ismael Perina Júnior, presidente da Organização dos Plantadores de Cana-de-Açúcar do Centro Sul do Brasil, a Orplana, admite que vai demorar um pouco, porque há falta de matéria-prima:

- Não houve renovação dos canaviais nos últimos anos e portanto o Brasil não conseguirá elevar a produção de uma hora para outra. A regularização vai demorar ainda um pouco.

O BNDES anunciou um programa de R$4 bilhões em empréstimos para a renovação dos canaviais. Sem isso, não adiantaria muito continuar financiando a indústria. Como disse Grubisich, o Brasil hoje não está com problema de demanda, mas sim de oferta:

- Existe uma demanda potencial para 35 bilhões de litros no Brasil, o país já chegou a produzir 27 bilhões e hoje só produz 20 bilhões. Mas, quando em 2020 olharmos para trás, vamos considerar este momento como um incidente histórico, porque nós dominamos todo o ciclo de produção de álcool de cana-de-açúcar e seremos sempre grandes produtores.

Ouvi Perina e Grubisich na Globonews e os dois disseram que tanto para produtores de cana quanto para a indústria de álcool a conjuntura é desfavorável. Nos últimos três anos, houve seca, geada e crise financeira internacional atingindo a produção. A crise pegou vários investimentos na sua fase inicial, e o colapso do crédito impediu que os projetos fossem adiante. Hoje, há um parque instalado de processamento da cana maior do que a capacidade do país de produzir cana.

Só isso já seria o suficiente para elevar o preço do etanol. Mas, além disso, o produto ficou relativamente mais caro por outras distorções. Apesar de o consumidor sentir o peso no bolso na hora de abastecer, a Petrobras vive a estranha situação de ter prejuízo na venda da gasolina importada. Só de janeiro a novembro do ano passado, segundo o consultor Adriano Pires, essa diferença custou R$460 milhões à empresa. Isso acontece porque o governo não admite mexer no preço. Para evitar que o preço da gasolina suba, impactando a inflação, os impostos foram reduzidos, aumentando as distorções.

- A volatilidade de preço é horrível para todo mundo. O governo precisa corrigir a aberração que é o combustível fóssil ser menos taxado que o produto mais sustentável - disse Perina.

Grubisich acha que as decisões já tomadas pelo governo, reduzindo impostos sobre a gasolina para evitar o reajuste do preço ao consumidor, provocaram várias assimetrias:

- Um fato concreto: a gasolina no mercado internacional tem preço mais alto do que a Petrobras vende às distribuidoras. A empresa perde ou deixa de ganhar R$0,12 por litro. Isso acaba tendo efeito no mercado do etanol, pela regrinha mágica de que o biocombustível tem que ter um preço até 70% da gasolina para valer a pena a escolha.

A solução, na opinião dos empresários, é desonerar o etanol, tanto de PIS/Cofins quanto de ICMS. E o governo financiar um novo ciclo de investimento.

Evidentemente, não basta dinheiro subsidiado e renúncia fiscal. É necessário ter uma política com uma visão mais ampla desse problema. O passo dado pelo BNDES mostra que o banco sabe que não adiantaria financiar só a indústria, que já tem capacidade ociosa, sem ver que o gargalo está na renovação dos canaviais. Não adianta apostar tudo em cana-de-açúcar sem pensar na segunda geração do etanol, o celulósico, e há notícias de que o BNDES pretende também financiar pesquisas nessa área.

Mas, se a indústria do álcool for incentivada através de redução de impostos ou empréstimos de bancos públicos, que se cobre do setor compromisso com novas atitudes na área ambiental e social. O setor de açúcar e álcool tem um lado moderno e um arcaico, como se sabe há 500 anos. Só pode se apresentar como o substituto sustentável ao produto fóssil se for de fato sustentável.

FONTE: O GLOBO

Dalva de Oliveira - Bandeira branca ( macha de carnaval - 1970 )

Ex-assessor de Palocci é o novo porta-voz do Planalto

Rafael Moraes Moura

O assessor especial Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência, Thomas Traumann, será o novo porta-voz da presidente Dilma Rousseff. Ele assumirá o cargo no lugar do diplomata Rodrigo Baena Soares, que atualmente acumula a função com a assessoria internacional da secretaria, responsável pela análise da imagem do Brasil no exterior. A partir de agora, Baena Soares ficará apenas com a parte internacional.

Jornalista e ex-assessor de Antonio Palocci, Traumann inaugura a primeira mudança na Secom desde a posse da presidente Dilma Rousseff. Ele já integrará a comitiva presidencial para Cuba e Haiti, no dia 31.

Thomas Traumann foi nomeado para o cargo de assessor especial da Secom após a saída de Palocci da Casa Civil. Sua função era a de analisar logo pela manhã as notícias publicadas em todos os meios de comunicação. Da análise, selecionava as que considerava mais importantes para o governo e as enviada à presidente Dilma por meio eletrônico.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Crise levaria a reformas, disse FHC aos EUA

Telegrama sigiloso detalha visão que então presidente transmitiu aos americanos em reunião no final de 1998

Documentos também mostram que FHC ficou incomodado com ação antidrogas financiada pelos EUA na Colômbia

Rubens Valente, Fernanda Odilla

BRASÍLIA - Em novembro de 1998, quando o Brasil amargava os efeitos da crise econômica na Rússia, o presidente Fernando Henrique Cardoso considerava que o problema permitiria a aprovação de reformas estruturais para o país.

A estratégia de FHC aparece em telegramas sigilosos do Itamaraty entregues à Folha e a partir de hoje liberados à consulta no site do projeto "Folha Transparência".

Em audiência no Palácio do Planalto, o presidente disse a uma comitiva dos EUA, liderada pelo senador Joe Lieberman, que iria "valer-se" da crise para aprovar as reformas no Congresso -seguiam em aberto a política, a do Judiciário e a tributária.

No entanto, FHC terminou seu governo, em 2002, sob críticas de não haver concluído várias mudanças consideradas estruturais -avaliação da qual discorda.

Meses antes da reunião, a desvalorização do rublo levou a Rússia a decretar moratória de 90 dias. Como reflexo, US$ 3 bilhões saíram da Bolsa de São Paulo num único dia, o que levou o governo a elevar a taxa de juros para conter a fuga de capitais.

No encontro com Lieberman, FHC demonstrou otimismo e associou a crise a uma chance para reformas.

"O quadro político é favorável e seu partido, o PSDB, e o aliado PFL, conseguiram eleger um número expressivo de governadores. [FHC] acha que mesmo os mais oposicionistas não vão atrapalhar o processo."

FHC usou Lieberman para mandar um recado ao presidente Bill Clinton. Em carta, FHC disse "estar certo de que ele [senador] terá coisas positivas a lhe reportar". Clinton respondeu que prestava "apoio integral" às reformas.

Treze anos depois, FHC disse à Folha, pela assessoria, que não se lembrava da reunião, mas que o comentário a ele atribuído parece fiel à posição que defendia, inclusive "publicamente.

"A ligação entre a crise financeira russa e os nossos problemas era óbvia. Havia que aproveitar o que ocorrera na Rússia para chamar a atenção e evitar que o mesmo se repetisse no Brasil", disse.

Segundo os telegramas, um ano após a visita, FHC procurou jogar no "sistema político" parte da culpa pela dificuldade nas reformas.

Em conversa com o então secretário do Tesouro dos EUA, Larry Summers, FHC afirmou que o peculiar sistema político brasileiro é constituído por "um Congresso forte e partidos fracos".

DROGAS E CHÁVEZ

Em outro telegrama, de 2000, FHC manifestou à secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, preocupações sobre as operações, financiadas pelos americanos, de combate ao narcotráfico na Colômbia. Disse que o Brasil "tem procurado pressionar a Colômbia para impedir que as operações extravasem para a região vizinha".

Segundo o telegrama, FHC contou ter pressionado o presidente do Peru, Alberto Fujimori, a fazer "mudanças no processo democrático".

Sobre o venezuelano Hugo Chávez, Albright disse que "tudo indica que ele esteja indo longe demais", referindo-se ao anúncio de que visitaria os ditadores Saddam Hussein e Muammar Gaddafi.

FHC minimizou o comportamento do colega, qualificando-o de "certa exibição, sem maior conteúdo".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Dilma também mexe no Dnocs por denúncias

Planalto avalizou exoneração de diretor administrativo-financeiro; relatório aponta irregularidades na gestão do órgão

Gerson Camarotti, Maria Lima

BRASÍLIA. O Palácio do Planalto avalizou ontem a demissão do diretor administrativo-financeiro do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), o cearense Albert Gradvohl, que será efetivada na próxima segunda-feira, em ato publicado no Diário Oficial da União. Foi uma solução para esvaziar uma crise com o PMDB, que comanda o órgão. O alvo inicial da reestruturação no órgão era o diretor-geral do DNOCS, Elias Fernandes Neto, afilhado político do líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves(RN).

Relatório de irregularidades na gestão de Fernandes Neto, divulgado pela Controladoria Geral da União (CGU) no fim de 2010, aponta todo tipo de desvios de recursos públicos em obras de combate às secas no Nordeste, principalmente dispensa de licitação e superfaturamento na compra de tubulações para a barragem de Tabuleiro de Russas, no Ceará. As suspeitas são de superfaturamento de R$5,9 milhões para essa obra.

Para PMDB, permanência de Elias está garantida

Henrique Alves trabalhou nos últimos dias para manter Fernandes Neto no cargo. A exoneração dele chegou a ser analisada pela Casa Civil, mas, após a crise com o líder peemedebista, o Planalto recuou.

- O ministro Fernando Bezerra enviou ao Planalto o pedido de exoneração dos dois, do Elias e do Gradvohl. Os dois nomes estão na Casa Civil. Desde que o Fernando Bezerra chegou lá, está tentando tirar o Elias - confirmou o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), que indicou Gradvohl, no governo Lula.

Procurado pelo GLOBO, Henrique Alves confirmou que há uma investigação em curso da CGU na gestão de Fernandes Neto, mas informou que todos os esclarecimentos já foram apresentados há três meses.

- A CGU fez uma série de questionamentos ao Fernandes Neto. E todas as respostas foram dadas pelo DNOCS, em conjunto com o ministro Fernando Bezerra. Inclusive, os esclarecimentos foram prestados com dados do Ministério do Planejamento - disse Henrique Alves.

O líder do PMDB afirmou ainda que está assegurada a permanência de Fernandes Neto no cargo. Henrique Alves emplacou o nome de Fernandes Neto no comando do DNOCS ainda no governo Lula. E conseguiu mantê-lo no cargo no governo Dilma após negociação com o ex-chefe da Casa Civil Antonio Palocci.

- Está tudo normal com o Fernandes Neto. Quem está saindo é o diretor administrativo do DNOCS. Tanto que Fernandes Neto já foi convocado para lançar o PAC-DNOCS na terça-feira - disse Henrique Alves.

Em nota enviada ontem à noite, ao GLOBO, o Ministério da Integração Nacional informou que o diretor substituído foi Gradvhol. O texto acrescenta, ainda, que "esta substituição se dá no âmbito da reforma da Diretoria do órgão, iniciada com a troca da Diretora de Infraestrutura, Cristina Peleteiro, pelo engenheiro Fernando Ciarlini, técnico indicado pelo PMDB cearense, ocorrida em dezembro último". E que "essa reforma ocorre, na verdade, devido à reestruturação da entidade na busca do aperfeiçoamento das práticas de gestão e da implantação de um sistema de monitoramento integrado entre o ministério e suas vinculadas."

FONTE: O GLOBO

'Dilma tem de adiar visita e mostrar insatisfação'

A presidente Dilma Rousseff tem sua chegada em Cuba prevista para o dia 31, na primeira viagem oficial do ano. Para o dissidente cubano Elizardo Sánchez, porém, diante da morte do ativista Wilman Villar, "o mínimo que (a líder brasileira) poderia fazer é adiar a visita", para demonstrar que não está de acordo com o governo de Raúl Castro, nem com o recente "assassinato" do dissidente.

"Não temos os mesmos direitos que têm os brasileiros. Dilma está prestes a visitar o país que tem a pior situação em termos de direitos civis, políticos, econômicos e culturais da América Latina. Esperamos a solidariedade da presidente brasileira ao povo de Cuba, cujos direitos básicos continuam sendo afrontados diariamente pelo regime", disse Sánchez ao Estado.

Segundo o ativista, a visita de Dilma traz um "risco político" para a brasileira, que poderia ficar "malvista" pela comunidade internacional. Sánchez disse esperar que a posição do Brasil em relação a Cuba torne-se mais crítica, qualificando de "uma vergonha" a relação que a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve com os líderes da ilha. "É imperdoável que um ex-sindicalista, diante dos trabalhadores cubanos, que, sem nenhum direito, são os mais explorados do Ocidente, tenha uma relação tão próxima com Fidel (Castro)", disse.

A viagem do papa Bento XVI a Cuba, prevista para o fim de março, também recebeu críticas de Sánchez. "Essas visitas outorgam legitimidade internacional e fortalecem o regime, ao mesmo tempo em que a repressão aumenta (na ilha)."

"No mês passado, cerca de 800 pessoas foram detidas." Segundo o ativista, Cuba mantém aproximadamente 50 presos políticos. / G.R.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Obama diz que caso de Villar é sinal de 'repressão contínua'

O presidente americano, Barack Obama, reagiu ontem à morte do dissidente cubano Wilmar Villar, classificando-o como "um jovem e corajoso defensor dos direitos humanos". Em comunicado, Obama assinalou que a morte "sem sentido" de Villar "destaca a repressão contínua ao povo cubano e as dificuldades enfrentadas por indivíduos corajosos na defesa dos direitos universais de todos os cubanos". O Departamento de Estado também lamentou a morte de Villar. Segundo a porta-voz da diplomacia americana, Victoria Nuland, o episódio "reforça a necessidade de maior escrutínio internacional sobre o histórico dos direitos humanos em Cuba e o monitoramento das prisões do país". / D.C.M.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Dilma manda apurar morte de servidor

Dois hospitais particulares de Brasília teriam negado atendimento por não aceitarem convênio

Andrea Jubé Vianna

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff pediu providências ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, na apuração da suposta omissão de socorro ao secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira, que morreu na quinta-feira, aos 56 anos, vítima de um enfarto. Ele era responsável por negociar o reajuste salarial dos servidores federais e, nos últimos dias, tentava conter ameaça de greve geral do funcionalismo programada para março.

A informação de que pode ter havido negligência médica chegou à presidente na quinta-feira, após reunião setorial sobre as ações do governo nas áreas de saúde e educação.

Duvanier teria sido levado aos hospitais particulares Santa Lúcia e Santa Luzia que lhe teriam supostamente negado atendimento, porque não atendiam o convênio dele e ele não teria um cheque para deixar como caução. Por fim, o secretário chegou ao Hospital Planalto, mas o quadro estava avançado e os médicos não conseguiram reanimá-lo.

Em nota, o Ministério da Saúde afirma que acionou a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a Polícia Civil do Distrito Federal e o Conselho Federal de Medicina. "O Ministério da Saúde reafirma que nenhum serviço ou profissional de saúde pode negar socorro, inclusive com sentenças jurídicas já estabelecidas a este respeito", afirma o documento. A Resolução 44/03 da ANS proíbe a cobrança de caução na prestação de serviços pelos hospitais e clínicas credenciadas pelas operadoras de saúde.

A ANS não verificou nenhuma infração por parte do plano de saúde Geap - Fundação de Seguridade Social, que atende os servidores públicos federais. A Delegacia de Defesa do Consumidor da Polícia Civil abriu inquérito para investigar a suposta omissão de socorro e já começou a ouvir os funcionários dos hospitais envolvidos no episódio. A expectativa é ouvir os familiares na próxima semana.

A delegada responsável pelo caso, Alessandra Figueiredo, vai pedir as imagens dos circuitos internos de TV dos hospitais. A pena para omissão de socorro que resulta em morte é de um ano e meio. "Infelizmente, é uma pena mínima", lamentou a delegada.

O diretor jurídico do Santa Lúcia, Gustavo Marinho, disse que Duvanier chegou ao hospital "andando calmamente" e limitou-se a perguntar sobre o convênio com a Geap. "Em nenhum momento ele pediu atendimento de emergência", afirmou. Por meio de sua assessoria, o diretora técnica do Hospital Santa Luzia, Marisa Makiyama, negou que Duvanier tenha dado entrada no pronto-atendimento do hospital. "Foram checadas as imagens do circuito interno de TV, bem como os registros telefônicos e feitos contatos com funcionários que estavam de plantão", afirmou.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Orçamento é sancionado, mas cortes podem ser de R$ 70 bi

Proposta aprovada não inclui reajustes para o Judiciário e nem para os aposentados que ganham mais que o mínimo

Edna Simão

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff sancionou ontem o orçamento deste ano eleitoral sem ter que enfrentar o desgaste de vetar artigos aprovados, em dezembro, pelo Congresso Nacional. A atitude já era esperada porque todos os pleitos que implicavam aumento das despesas públicas foram barrados pelo governo, com a liberação de cerca de R$ 300 milhões em emendas parlamentares.

Com essa liberação, Dilma conseguiu impedir a inclusão do reajuste do Judiciário e o aumento real dos benefícios previdenciários de quem recebe mais do que o salário mínimo. Só os servidores públicos do Judiciário reivindicavam um reajuste médio de 56% - que custaria R$ 7,7 bilhões em 2012.

No caso dos aposentados, o governo se comprometeu a negociar uma política de valorização real dos benefícios, como já é feito com o salário mínimo, para garantir o poder de compra desses beneficiados.

O discurso dos aliados do governo para conter aumento de salário é que em ano de crise econômica mundial é preciso por o pé no freio nos gastos públicos.

O Orçamento 2012 prevê receita total de R$ 2,150 trilhões. Como o refinanciamento da dívida pública leva R$ 655 bilhões, o valor cai para R$ 1,602 trilhão. Estão previstos investimentos de R$ 79,7 bilhões, valor 37,58% maior do que a proposta encaminhada pelo Executivo (R$ 57,93 bilhões). Desses R$ 79,7 bilhões, R$ 42,4 bilhões serão destinados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Já os gastos com pessoal estão estimados em R$ 203,24 bilhões.

Cortes. Com a sanção da peça orçamentária, a equipe econômica agora se prepara para cortar despesas - uma operação que precisa chegar a R$ 70 bilhões, para cumprir a meta estabelecida para pagamento de juros.

Dentre as concessões feitas pelo relator-geral do Orçamento, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) para garantir a aprovação da peça está o aumento de R$ 3,4 bilhões para R$ 3,9 bilhões da previsão de recursos para compensação dos Estados exportadores prejudicados com a Lei Kandir.

Além disso, ele elevou de R$ 900 milhões para R$ 1,4 bilhão a verba do seguro agrícola e reforçou em R$ 170 milhões os investimentos para o Rodoanel em São Paulo. O deputado liberou ainda R$ 50 milhões para demandas de investimentos das bancadas do Ceará, Minas Gerais e Paraíba.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Reforma deve frustrar aliados

Pressão das bancadas para indicar nomes políticos vai esbarrar na decisão da presidente Dilma Rousseff de optar por alternativas mais técnicas em determinadas pastas da Esplanada dos Ministérios

Erich Decat

A frustração de não ter o nome indicado pela cúpula do partido para assumir uma cadeira na reforma ministerial não deve se restringir ao PT. Esse sentimento também deve ser compartilhado pelos demais partidos da base que anseiam emplacar um novo ministro. A decisão da presidente Dilma Rousseff de nomear Marco Antônio Raupp para o Ministério de Ciência e Tecnologia — a bancada na Câmara apoiava o nome do deputado Newton Lima (SP) — chegou a causar revolta em alguns setores da cúpula petista e serviu de alerta para outras legendas. Considerado um nome técnico, Raupp foi uma indicação do ministro Aloizio Mercadante, que assumirá o Ministério de Educação no lugar de Fernando Haddad, pré-candidato do PT à prefeitura de São Paulo.

A rejeição do Planalto ao nome de Lima causou uma frustração ainda maior dentro do partido, já que a migração dele para o MCT abriria uma vaga para que José Genoino, réu no processo do mensalão e suplente imediato do PT, retornasse ao Congresso para mais um mandato como deputado federal.

Na expectativa de tentar reverter a decisão de Dilma, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, veio a Brasília para pedir uma audiência com ela. Queria argumentar que, além de político, Newton Lima é técnico, já que foi duas vezes reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Não foi recebido. O pouco caso de Dilma azedou o ambiente. "Esse argumento (questão técnica) é falso. O Newton Lima também era técnico. Mercadante saiu ganhando com ela [Dilma], mas perdendo com o partido", disparou um integrante da cúpula do PT. "Tem gente [da base] que precisa ficar esperto daqui para frente", acrescentou outro.

Entre aqueles que devem ficar "espertos", no linguajar petista, estão os integrantes da cúpula do PR que tentam emplacar o nome do deputado Luciano Castro (RR) no ministério dos Transportes. Os movimentos de Castro são apoiados pelo presidente do partido, o senador Alfredo Nascimento (AM), e pelo deputado Valdemar Costa Neto (SP). Apesar do apoio dos dois caciques, ganha cada vez mais corpo a tese de que o atual ministro Paulo Sérgio Passos permanecerá no cargo.

Vale-tudo

Outro foco de mudança, o Ministério das Cidades — comandado pelo PP — tornou-se uma verdadeira arena de vale-tudo. Integrantes do partido acusam o atual ministro Mário Negromonte de ter plantado na mídia a informação de que Dilma apoia Márcio Fortes para substituí-lo. O objetivo seria o de tumultuar o processo sucessório, uma vez que Fortes encontra resistência por parte da bancada no Congresso. O Correio publicou ontem que a presidente decidiu deixar Fortes na Autoridade Pública Olímpica (APO) para não ter que promover mais mudanças na estrutura de governo.

Os adversários de Negromonte também colocam na conta do ministro o surgimento do nome do líder do PP na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PB), como um dos cotados para a pasta. "Se houvesse uma lista tríplice para ser apresentada, teria Márcio Reinaldo Moreira três vezes", assegura um integrante da cúpula do PP. "Negromonte tem errado muito. E está sendo agressivo contra a maioria", acrescentou.

GT vai analisar Lei de Acesso

O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) criou um grupo de trabalho para avaliar impactos e propor uma regulamentação à Lei de Acesso à Informação. A medida foi publicada na edição de ontem do Diário Oficial. Além de integrantes da GSI, comporão o grupo de trabalho representantes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A lei foi sancionada em novembro de 2011 e determina que órgãos públicos são obrigados a fornecer dados e informações quando solicitados, sem que o cidadão precise justificar o pedido. O prazo para os órgãos se adaptarem à nova legislação termina em maio.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

União injeta R$10 bi no BNDES para reforçar programa de financiamento

Aporte completa linha de R$55 bi, de 2011. Governo estuda novos recursos

Martha Beck

BRASÍLIA. O governo reforçou ontem o capital do BNDES em R$10 bilhões, por meio da emissão de títulos públicos. O valor é a última parcela de um total de R$55 bilhões que o Tesouro foi autorizado a liberar no ano passado para dar mais fôlego ao banco. Ao longo de 2011, foram feitas emissões de papéis que chegaram a R$45 bilhões.

Mas esse não é o único auxílio que a instituição vai receber esse ano. Diante da ordem da presidente Dilma Rousseff de turbinar os investimentos, o crédito e promover o crescimento em 2012, a equipe econômica estuda um novo aporte tanto no BNDES quanto em bancos públicos, como Caixa e Banco do Brasil.

Segundo os técnicos do governo, o BNDES precisará de um valor semelhante ao que foi autorizado em 2011. Pois, embora a meta do ministro da Fazenda, Guido Mantega, seja reduzir os aportes no banco e deixar o setor privado financiar o investimento de longo prazo no Brasil, o mercado ainda não está amadurecido para isso.

Além disso, o governo precisa que o BNDES financie projetos considerados prioritários e nos quais o setor privado não entra sozinho. O exemplo mais recente é o dos investimentos que precisam ser feitos nos três aeroportos que a União quer privatizar: Guarulhos, Brasília e Viracopos. O banco vai financiar até 80% desses investimentos. Outro caso é o do trem-bala, projeto estimado em R$33 bilhões e cuja participação do BNDES está estimada em 70%.

De 2008 até agora, o banco que mais recebeu recursos do Tesouro Nacional foi o BNDES. Foram nada menos que R$100 bilhões em 2009 e R$80 bilhões em 2010. Isso sem contar com mais R$30 bilhões que foram injetados na instituição para ajudar num processo de capitalização da Petrobras.

FONTE: O GLOBO

Dilma quer antecipar gasto para reanimar economia

Presidente planeja incentivar investimentos no início do ano e adiar cortes

Governo tenta conciliar estratégia e calendário eleitoral, que impede contratação de novas obras a partir de julho

Natuza Nery, Sheila D’Amorim e Lorenna Rodrigues

BRASÍLIA - O governo planeja usar investimentos públicos e privados para reanimar a economia nos primeiros meses deste ano, concentrando despesas no primeiro semestre e adiando para depois de julho a maior parte do sacrifício que precisará fazer para equilibrar as contas do governo.

O calendário do governo está espremido por causa das eleições municipais. Por lei, não será possível contratar novos projetos e convênios no setor público a partir de julho, três meses antes das eleições de outubro.

Em meio à discussão sobre o tamanho do corte de gastos que fará no Orçamento de 2012 -estuda-se algo próximo a R$ 60 bilhões-, a presidente Dilma Rousseff decidiu inverter a lógica adotada em anos anteriores para calibrar as despesas oficiais.

Em vez de começar o ano segurando mais fortemente as despesas e acelerar os gastos no final do ano, a presidente cogita fazer o contrário. Dilma quer conhecer a lista de prioridades dos ministros para só então avaliar qual volume será bloqueado.

Em outros anos, o Tesouro Nacional costumava determinar o número do ajuste fiscal e os ministérios eram obrigados a se adequar ao dinheiro disponível em caixa. Para o Palácio do Planalto, a inversão busca um ajuste mais realista, sem inviabilizar investimentos.

Ontem, o Tesouro foi autorizado a emitir R$ 10 bilhões em títulos para serem repassados ao BNDES em forma de empréstimo, alavancando a capacidade do banco de conceder empréstimos para investimentos. Essa era a parcela que faltava de um total de R$ 55 bilhões que foram autorizados no ano passado.

O governo poderá autorizar neste ano repasses de mais R$ 55 bilhões do Tesouro para o BNDES.

A equipe de Dilma calcula que uma recuperação mais forte da economia no primeiro semestre poderá elevar a arrecadação federal e terá condições de minimizar a necessidade de um aperto mais severo no segundo semestre. Além disso, ajudará a manter os níveis atuais de emprego e consumo.

Todo esforço do governo é para evitar reviver o tombo observado na virada de 2008 para 2009, no auge da crise financeira internacional. Dilma espera atingir uma taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de pelo menos 4% neste ano.

Medidas de estimulo 

Se for preciso, o governo lançará mão de mais medidas de estímulo ao crescimento. Por ora, entretanto, a ordem é observar o impacto dos sucessivos cortes de juros anunciados pelo Banco Central e do aumento de 14% do salário mínimo, que injetará volume significativo de recursos na economia. Só depois disso analisará o que fazer.

Como alternativas, estão sobre a mesa do ministro da Fazenda, Guido Mantega, medidas para diminuir o custo do crédito e incentivar o consumo. Entre elas, a redução do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) a patamar inferior a 2,5% e imposto menor sobre alguns produtos industrializados.

Segundo a Folha apurou, o Executivo não quer errar na dose, e por isso agirá com cautela para também não correr o risco de superaquecer a economia.

A preocupação maior agora é estimular o setor privado a investir. Por isso, a orientação é manter os repasses ao BNDES para que o banco siga financiando os projetos que darão sustentação ao crescimento.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Argentina afetará 80% das exportações do Brasil

Restrição a importações também atingirá mais de 5 mil empresários argentinos. Fiesp pedirá audiência com Cristina Kirchner

Paulo Justus

SÃO PAULO. A pouco mais de uma semana da aplicação de licenças não-automáticas para novas importações na Argentina, empresários brasileiros começaram a se mobilizar para pressionar o governo vizinho a rever a decisão. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) divulgou ontem estimativa de que a medida deve afetar aproximadamente 80% das exportações brasileiras. Além disso, atingiria mais de 5,5 mil importadores argentinos e colocaria em dúvida acordos anteriormente realizados, inclusive no âmbito do Mercosul.

A Fiesp anunciou que vai pedir uma audiência com a presidente argentina Cristina Kirchner, na tentativa de que o país reveja as medidas. Outros setores empresariais, no entanto, defendem uma maior pressão por parte do governo brasileiro, com a abertura de processo junto à Organização Mundial do Comércio e no Tribunal Arbitral do Mercosul, aliada a medidas de retaliação comercial contra o país.

- O protecionismo vai contra o Mercosul e as regras da OMC - diz Roberto Giannetti da Fonseca, diretor de Comércio Exterior da Fiesp.

A imposição da declaração juramentada de importação na Argentina deve impactar diretamente as exportações de produtos industriais brasileiros, que compõem a maior parte das vendas brasileiras para o país vizinho. Entre os setores mais afetados estão o de máquinas agrícolas, têxteis e calçados.

- A Argentina é um dos principais destinos da exportação industrial brasileira - afirma Fonseca.

O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, disse que, mesmo setores que têm acordo bilateral de comércio com o país, caso da indústria automotiva, temem que a nova medida estabeleça cotas de importações. A medida, ainda não regulamentada, põe em risco o bloco econômico do Mercosul. Isso porque, segundo Castro, a retaliação internacional contra a medida argentina pode ser endereçada a todo o Mercosul.

Setor calçadista tem 1,4 milhão de pares retidos

Segundo Castro, a medida do governo argentino visa a reduzir o déficit comercial que o país tem com o Brasil. Só no ano passado, foi de US$5,8 bilhões.

- A Argentina não tem credibilidade para acessar crédito internacional e, por isso, depende da manutenção dos superávits comerciais para conseguir recursos em dólar - disse ele.

Segundo Fonseca, da Fiesp, caso a exigência de autorizações para a importação seja ampla e inclua partes e peças, até mesmo setores da indústria argentina podem parar.

- Alguns empresários argentinos nos pedem para que pressionemos a Casa Rosada contra a adoção dessas medidas, porque eles mesmos não podem fazer, sob pena de serem retaliados pelo governo. Na Argentina, o ditado de que a crise gera oportunidades foi invertido. Lá as oportunidades geram crises.

O diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, diz que o setor vem sofrendo com a adoção informal de licenças não-automáticas desde 2011, quando as exportações ao país vizinho caíram de 14,1 milhões de pares para 12,4 milhões de pares. A queda reflete a exigência de uma contrapartida em exportações para cada importador argentino:

- Além dessa queda, temos cerca de 1,4 milhão de pares exportados para o país, mas ainda não liberados pela Receita argentina - afirma Klein.

FONTE: O GLOBO

Os impostos dos ricos:: Paul Krugman

Vocês podem me achar esquisito, mas estou me divertindo com o espetáculo de Mitt Romney fazendo a dança dos sete véus -em parte por voyeurismo, claro, mas também porque é hora de discutir esse assunto.

O tema da dança são os impostos. Ainda que divulgar declarações de renda seja prática padrão entre candidatos, Romney jamais o fez.

Declarou que acredita pagar apenas 15% de sua renda em impostos e deu a entender que talvez divulgue sua declaração de 2011.

A questão mais ampla não é aquilo que as declarações de renda de Mitt Romney têm a dizer sobre ele, e sim o que elas têm a dizer sobre a política tributária dos Estados Unidos. Existe algum bom motivo para que os ricos arquem com uma carga tributária surpreendentemente leve?

Pois é o que acontece. Se Romney estiver dizendo a verdade, ele representa exemplo bem típico de norte-americano muito rico.

Desde 1992, o serviço de receita vem divulgando os dados de renda e impostos dos 400 norte-americanos com as declarações de valor mais elevado. Em 2008, o ano mais recente para o qual dados estão disponíveis, esse grupo pagou apenas 18,1% em imposto de renda federal.

O motivo principal para que os ricos paguem tão pouco é que a maior parte de sua receita toma a forma de ganhos de capital, tributados à alíquota máxima de 15%, bem abaixo da alíquota mais alta sobre os salários. Assim, a questão é determinar se os ganhos de capital de fato merecem tratamento tributário especial.

Os defensores dos baixos impostos sobre os ricos empregam basicamente dois argumentos: o de que impostos baixos sobre os ganhos de capital são uma norma estabelecida há muito tempo e que são necessários para promover o crescimento econômico e a criação de empregos. As duas alegações são falsas.

Quando você se informa sobre os impostos baixíssimos pagos por gente como Romney, é importante saber que nem sempre foi assim.

Os dias em que os muitos ricos pagavam impostos altos não são coisa do passado distante. Em 1986, Ronald Reagan -sim, Reagan- assinou uma reforma tributária que adotava a mesma alíquota máxima para os impostos de renda e sobre ganhos de capital: 28%.

As alíquotas baixíssimas hoje vigentes, as mais baixas desde os dias de Herbert Hoover, datam apenas de 2003, quando o presidente George W. Bush forçou a aprovação de um corte nos impostos sobre ganhos de capital e nos impostos sobre dividendos pelo Congresso, algo que ele conseguiu explorando a ilusão de um triunfo rápido no Iraque.

Existem argumentos teóricos para o tratamento especial aos ganhos de capital, mas também existem argumentos contrários.

No primeiro mandato de Bill Clinton, quando os muito ricos pagavam impostos bem mais altos do que agora, a economia criou 11,5 milhões de empregos, o que apequena qualquer ganho obtido até mesmo nos melhores anos do governo Bush.

Assim, a dança dos impostos de Romney está nos fazendo um favor ao destacar os favores insensatos, injustos e dispendiosos que a classe mais alta vem recebendo.

Em um momento no qual pessoas que se declaram sérias nos dizem que os pobres e a classe média têm de sofrer em nome da probidade fiscal, impostos assim tão baixos sobre os mais ricos são indefensáveis.

Tradução de Paulo Migliacci

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Jack Goody e o Renascimento no plural

Guilherme Freitas

A revolução promovida durante o Renascimento Italiano nas artes, nas ciências, na economia e em tantas outras áreas entre os séculos XIV e XVI costuma ser destacada como um momento singular da História ocidental e um marco inicial da modernidade. Um dos principais antropólogos em atividade hoje, o britânico Jack Goody, de 91 anos, dedica-se a desmontar essa interpretação já no título de seu livro mais recente, “Renascimentos: um ou muitos?”, lançado em 2010 e publicado agora no Brasil pela Editora Unesp, em tradução de Magda Lopes.

Professor emérito da Universidade de Cambridge e notório por suas pesquisas sobre os contrastes entre culturas orais e letradas, Goody argumenta que a narrativa sobre a singularidade do Renascimento Italiano (com sua recuperação do conhecimento clássico greco-romano, secularização parcial da sociedade e transição do feudalismo para o capitalismo) foi construída pelos próprios europeus, sobretudo a partir do século XIX, em obras como a pioneira “A cultura do Renascimento na Itália” (1860), do historiador suíço Jacob Burckhardt.

No novo livro, Goody contrapõe a essa narrativa um ambicioso estudo comparativo para mostrar que “as origens da modernidade e do capitalismo são mais amplas e encontram-se [também] no conhecimento árabe [e] nos influentes empréstimos da Índia e da China”, escreve. Sem negar a especificidade do fenômeno europeu, o antropólogo destaca diversos momentos em outras culturas que, assim como o Renascimento Italiano, envolveram tanto um olhar retrospectivo quanto um salto adiante. E aponta que sociedades às vezes vistas como “atrasadas” foram “modernas” antes do Ocidente (o Islã adotou o papel no século X, quando na Europa ainda se escrevia com cera ou couro, e a China tinha prensas com blocos de madeira sete séculos antes de Gutemberg popularizar os tipos móveis, por exemplo).

A omissão às contribuições históricas de outras culturas para a modernidade “estimula uma superioridade falaciosa quase racista em relação ao resto do mundo”, escreve Goody. Em entrevista ao GLOBO por email, ele discute alguns dos casos estudados no livro e expõe essa dimensão política de sua pesquisa, que pode ajudar a compreender também ciclos de crescimento e crise observados no mundo contemporâneo:

— O crescimento atual de China e Índia se deve menos a influências “ocidentais” do que a um retorno a suas próprias tradições de letramento e de trocas culturais e comerciais — diz.

Em “Renascimentos: um ou muitos?”, o senhor escreve que, embora o Renascimento Italiano tenha sido um evento único do ponto de vista histórico, outras culturas também tiveram momentos que envolvem tanto um olhar retrospectivo quanto um salto adiante. Quais desses momentos são os mais significativos e como eles podem ser comparados ao Renascimento Italiano?

JACK GOODY: O Renascimento Abássida (dinastia que liderou um Império muçulmano no Oriente Médio, no Norte da África e no Sul da Europa de 750 a 1258) resgatou a ciência clássica no século IX, influenciando não apenas a criação da ciência islâmica, mas também o Renascimento Italiano, através da preservação e da tradução de muitos textos clássicos. Houve um importante Renascimento na China durante a dinastia Song (960-1279), após o período de domínio do budismo, que revitalizou o aprendizado do confucionismo e das artes. Na Índia as coisas são menos claras, mas durante as dinastias Máuria (321-185 a.C.) e Gupta (399-455) olhou-se muito para a Era Védica (1500-700 a.C.), sem falar no Renascimento Bengalês do século XIX, que fomentou a luta pela independência e por uma nova Índia. Todos esses Renascimentos foram possíveis, assim como o Italiano, devido à existência de culturas letradas, que permitiam um olhar retrospectivo mais preciso do que nas culturais orais. Esse processo de revisitar fontes históricas é crucial para qualquer Renascimento.

O senhor argumenta que, ao contrário do que se costuma pensar, o Renascimento Italiano não foi a chave para a ascensão da modernidade e do capitalismo, que o senhor atribui a interações entre as culturas letradas da Europa e da Ásia. Quais são as consequências, para nossas sociedades contemporâneas, de atribuir esse processo exclusivamente ao Renascimento Italiano?

Isso faz com que não notemos que as sociedades europeias e orientais contemporâneas têm mais em comum do que costuma ser admitido no pensamento e na historiografia ocidentais. A cultura letrada era um traço das principais sociedades da Eurásia, que tinham seus próprios períodos de inércia e renovação. Vemos isso hoje no crescimento de China e Índia, um fenômeno que se deve menos a influências “ocidentais” do que a um retorno a suas próprias tradições de letramento e de trocas culturais e comerciais.

O senhor ressalta que o mundo islâmico se viu repetidas vezes em algum tipo de Renascimento. Qual foi a importância, para esses Renascimentos Islâmicos, do intercâmbio cultural com o Ocidente? E qual foi a contribuição do Islã para o Renascimento Italiano?

O principal Renascimento Islâmico foi o que, entre outras coisas, revitalizou as conquistas científicas da Grécia Antiga e do Império Romano, numa época em que a Igreja Católica, em geral, descartava essa herança por considerá-la “pagã”. Naquele momento, textos filosóficos e científicos clássicos foram preservados, e mais tarde foram redescobertos na Europa durante o Renascimento Italiano. Se não fosse pelo Islã, esses textos teriam desaparecido. Muitos textos foram preservados nas grandes bibliotecas possibilitadas pela adoção do papel pelos muçulmanos, numa época em que os europeus tinham dificuldade de escrever, porque usavam muito o couro, a cera e, apenas para certos fins, papiro importado. Os resultados disso puderam ser vistos na Alta Idade Média em Palermo e Toledo (cidades de Itália e Espanha, respectivamente, que viveram sob domínio muçulmano), aonde europeus ocidentais iam para estudar cultura árabe e também os clássicos. Tudo isso alimentou o Renascimento Italiano. Infelizmente, o Islã depois ficou para trás em relação aos meios impressos, proibindo a impressão da palavra escrita e a representação da natureza na pintura. Essa última proibição também ocorreu no cristianismo medieval e em parte do judaísmo até o fim do século XIX.

Quais são as principais características do Renascimento Chinês, comparado ao caso europeu?

O Renascimento Song foi um período de reflorescimento na China da ciência, da tecnologia e das artes. Isso aconteceu, assim como na Europa, depois da modificação de uma religião hegemônica, o budismo da Índia, que, a exemplo do cristianismo e de outros credos monoteístas, reclamava o monopólio da verdade, inclusive da verdade sobre a natureza. Felizmente para eles, o budismo foi apenas uma das religiões da China, que geralmente encorajou o pluralismo nessa área.

No livro, o senhor sugere que a escrita não fonética, como a chinesa, pode ser um caminho para o futuro de todas as culturas. Por quê?

Porque o sistema não fonético da escrita chinesa não está ligado a uma linguagem (fonética) específica; ele era usado para transcrever todas as linguagens. Essa era a força do sistema chinês, que podia registrar inúmeras linguagens que eram virtualmente incompreensíveis umas para as outras. Já vi chineses que não entendiam o idioma um do outro se comunicarem usando uma mesma escrita. Eles entendiam a escrita um do outro, mas não a fala. Um sistema como esse, baseado em ícones, funciona para nós no caso dos números, que podem ser os mesmos em inglês ou japonês.

O que o atraiu para o estudo da história da cultura letrada? Como esse campo evoluiu nos últimos tempos?

Cheguei a esse campo de estudos através de minha formação em literatura. Mas sobretudo por causa de meu bom amigo Ian Watt (crítico literário britânico), que trabalhava com o romance inglês e a questão da cultura letrada, que considerávamos uma conquista da civilização grega em termos da adoção do alfabeto. Mais tarde, porém, entendi que, ainda que o alfabeto tenha sido muito útil, outros sistemas de escrita, como o chinês, alcançaram níveis comparáveis de letramento e criaram tradições científicas e artísticas em nada inferiores à nossa, embora a nossa tenha florescido de uma forma particular nos últimos tempos. Não foi tanto a escrita alfabética, e sim todo tipo de escrita que produziu resultados espetaculares. Isso vale também para a era da informática.

Como as novas tecnologias podem transformar a cultura letrada?

Acredito que, embora a comunicação eletrônica não deixe os mesmos registros que o papel, ela exige a existência prévia de uma cultura letrada e tem muitos dos mesmos resultados. Ela pode tornar mais complicado o “olhar retrospectivo”, como o do Renascimento, mas pode também facilitá-lo em certas ocasiões. É triste ver as livrarias desaparecerem, mas a cultura letrada está certamente se expandindo, e a tradição escrita também.

FONTE:: PROSA & VERSO/ O GLOBO

Olhar nítido:: Fernando Pessoa

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos", 8-3-1914